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RESUMO: Dom Dinis, além de rei também foi o trovador português do qual
preservaram-se o maior número de composições que se dividem entre as denominadas
cantigas de amor, amigo e escárnio e maldizer. No que diz respeito ao primeiro gênero
podemos destacar algumas temáticas abordadas pelo rei-trovador, dentre as quais
encontra-se o elogio à senhor, a qual pode ser relacionada com o enaltecer da dama
presente na literatura medieval através do ideal do amor cortês, por meio do qual o
homem se transforma no vassalo amoroso da dama. Tal concepção amorosa foi
transmitida pelos trovadores provençais considerados mestres na arte de trovar que
contribuíram para a disseminação de um ideal amoroso do qual utiliza-se Dom Dinis
que mostra, assim, ter conhecimento de uma tradição poética além da ibérica. Nesse
sentido, para a compreensão da imagem da dama nas cantigas de amor de Dom Dinis se
faz necessária a análise do próprio contexto peninsular que permitiu a existência de
trocas culturais que influenciaram a própria formação do rei, a sua obra e a sua
personificação como trovador e vassalo amoroso das damas portuguesas.
ABSTRACT: Dom Dinis, beyond king was also the Portuguese troubadour which were
preserved the largest number of compositions which are divided between the so-called
songs of love, friend and scorn and cursing. With regard to the first kind we highlight
some themes addressed by the king-troubadour, among which is the praise to the Lord,
1 Esse termo foi utilizado para designar, no século XIII, o jogral que além de executar também compunha
as cantigas, porém, não foi nesta acepção que o termo foi empregado pelos investigadores do assunto.
Além desses personagens do movimento trovadoresco também existiam as soldadeiras, dançarinas ou
cantoras que acompanhavam os jograis. Sobre esse assunto vide: LANCIANI, Giulia; TAVANI,
Giuseppe. Dicionário da literatura medieval galega e portuguesa. Lisboa: Caminho, 1993.
Percebe-se, portanto, que as ações de Dom Dinis, tanto no campo político quanto
no cultural unem-se em torno de um mesmo objetivo: a afirmação de uma identidade de
um reino que se percebe integrante de uma “comunidade”, seja ela cristã ou
trovadoresca, mas também se reconhece como distinto buscando, inclusive, se afirmar a
partir da diferença, como podemos observar na retórica poética de Dom Dinis. Na
cantiga anteriormente mencionada podemos identificar, como afirma Graça Videira
Lopes,
a defesa de uma diferença entre esses proençaes que soem mui bem trobar e o
eu que aqui canta – diferença cujo enunciado a adversativa “mas”, no
princípio do terceiro verso, introduz – o que, como também tem sido desde
sempre notado, não deixa de constituir uma interessante declaração de
autonomia da arte galego-portuguesa face aos modelos provençais admirados
(mesmo no que toca à cantiga de amor, como é o caso). Distinguindo entre
um eles e um nós, de que o trovador, mesmo se a título pessoal, se faz porta-
voz, D. Dinis parece postular claramente essa diferença. (LOPES, 2009: 3).
2 Dor, sofrimento.
Nesta cantiga, Dom Dinis confessa sofrer pela sua senhor e pergunta a quem
poderá contar sofre esse sofrimento. Segundo as regras da mesura ele não deve contar a
ninguém, pois ninguém deve saber a quem devota o seu amor. Assim, ele canta o seu
pesar na cantiga, para a sua amada. Dinis joga com os lugares-comuns do amor cortês,
afirmando que não há como se ter mesura sem um indício de desmesura (NOBRE,
2001: 56). É nessa perspectiva que também podemos analisar outra cantiga:
A senhor aqui cantada, assim como a das demais cantigas, não se compara a
nenhuma outra no mundo. Deus a fez sem par, tanto no julgamento quanto no falar.
Porém, nesta cantiga acrescenta-se mais uma característica extremamente interessante.
A senhor é tão perfeita que erades bõa pera rei. Ou seja, ela era perfeita para um rei.
Que senhor seria perfeita para o rei Dom Dinis? Sim, rei. Nesta cantiga não é somente a
voz do trovador que aparece. Dom Dinis não tira a coroa ao trovar. E, se a dama do
amor cortês é superior ao trovador, quem seria a dama superior ao trovador que é
superior a todos?
Para alguns estudiosos esta cantiga foi inspirada em Isabel de Aragão (1270-
1336), esposa de Dom Dinis, rainha culta e santa. Pode-se dizer que Isabel foi escolhida
a dedo. Um enlace com a filha do rei de Aragão traria inúmeras vantagens políticas. Ela,
XI ENCONTRO INTERNACIONAL DE ESTUDOSMEDIEVAIS. IMAGENS E NARRATIVAS
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de fato, tinha muitos pretendentes, e o escolhido foi Dom Dinis, também um excelente
partido. Dessa forma, o casamento de Dinis e Isabel foi um bom negócio. Como deveria
ser um casamento no período medieval. Isabel era culta e uma rainha extremamente
ativa, auxiliando o reinado de Dom Dinis com suas habilidades diplomáticas com
Aragão e com seu próprio filho que se insurge contra o pai e com suas atividades de
caridade e assistência. É possível afirmar, então, que Isabel foi uma excelente rainha.
Além disso, cumpriu seu papel de mulher: deu um herdeiro a Dom Dinis, o futuro
Afonso IV, além de uma filha, Constança, que seria rainha de Castela.
Então, diante disso, poderíamos afirmar que a cantiga foi destinada a Isabel.
Podemos dizer que é possível. Isabel, de fato, era boa para rei. Era boa para ser rainha,
como o foi. Porém não há como comprovar. Além do mais, devemos lembrar que Dom
Dinis tinha amantes, ou barregãs para nos atermos ao termo da época. Os nomes de
algumas delas eram conhecidos e constam no Livro de Linhagens do conde Pedro de
Barcelos, um dos filhos bastardos do rei. Inclusive, um destes bastardos teria sido o
motivo pelo qual Afonso, o filho legítimo, se insurge contra o pai, por conta do poder
que o irmão, Afonso Sanches, estaria recebendo no comando do reino. Uma luta gerada
por ciúme. Mas um ciúme político. Afonso não fez nada mais que assegurar o seu trono.
Diante disso, fica a questão: quem era boa para rei? As regras do amor cortês
impedem Dinis de dizer. Ele nunca diria, pois ele é um trovador, de fato. E não o é
simplesmente por ter sido o mais profícuo trovador português, com 137 composições,
mas também pela sua qualidade e por promover “uma condensação, recapitulação e
síntese da tradição poética em que se formou e, ao mesmo tempo, uma espécie de
confronto criativo com os textos que ‘cita’ ou aos quais ‘alude’” (PIZARRO, 2008:
321).
Assim, ao fazer o elogio à senhor Dom Dinis faz um elogio ao trovadorismo
galego-português, a si e ao seu reino. Tanto ele quanto os provençais irão afirmar a
perfeição do seu fazer poético e cada qual quer que o seu seja o mais sincero. Através
do elogio à senhor que se mantém nos moldes do amor cortês e da pretensa vontade de
querer trovar como os provençais, como sugere a cantiga Quer’eu em maneyra de
proençal, o rei-trovador, na verdade faz um elogio ao seu reino. Utilizando-se da
emulação, que é um tipo de imitação, mas que se pretende diferente porque sua meta é
superar os provençais. E, para tanto, atualiza a recepção de forma consciente
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