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Universidade Federal de Alagoas – UFAL

Instituto de Ciências Humanas, Comunicação e Artes - ICHCA


Programa de Pós-Graduação em História

Wellington José Gomes da Silva

A liberdade requer limites:


O Fundo de Emancipação e a liberdade na Província das Alagoas (1871-1886).

Maceió – AL
2017
Wellington José Gomes da Silva

A liberdade requer limites:


O Fundo de Emancipação e a liberdade na Província das Alagoas (1871-1886).

Dissertação apresentada ao programa de Pós-


Graduação em História, Instituto de Ciências
Humanas, Comunicação e Artes, Universidade
Federal de Alagoas, como requisito à obtenção do
título de Mestre em História.

Orientador: Dr. Gian Carlo de Melo Silva.

Maceió – AL
2017
Não constituía espetáculo lá muito edificante os
grupos de crianças completamente nuas, pelas
ruas; mesmo assim não pudemos deixar de nos
divertir com um negrinho que corria de um lado
para outro, orgulhoso de seu par de sapatos, a
única peça de vestimenta – se assim se pode dizer
que tinha no corpo. Todavia, os sapatos constituem
um sinal de alforria e por isso, tanto o garoto como
seus pais, tinham, sem dúvida, motivo para se
sentirem orgulhosos.

KIDDER, Daniel Parish.

Reminiscências de Viagens e Permanências no


Brasil: províncias do Norte do Brasil. (estadia Maceió).
2008.
AGRADECIMENTOS

Agradecer é mesmo uma tarefa ingrata. Muitas vezes, podemos esquecer


alguém que foi importante na trajetória do trabalho. Familiares, amigos (de profissão
e pessoais) e professores, pessoas que, durante um período de exaustivas
pesquisas são em diversos momentos, o nosso ponto de apoio, em quem buscamos
conforto nas horas difíceis, com quem dividimos sorrisos e com quem adquirimos
aprendizado.

Inicialmente, quero agradecer a minha família, aos meus pais, José Cícero e
Luiza Virgilio, que sempre me incentivaram e, em nenhum momento, questionaram
minha escolha em seguir nesta vida de aventura. Mas, antes de tudo, preciso
agradecer a eles pelos valores ensinados, pelos sacrifícios que fizeram para que
este momento pudesse se concretizar. A minha irmã, Welissa Laisa, que, em casa é
meu escape nesta árdua tarefa, com quem me divertia nos momentos de maior
tensão; ela responsável, muitas vezes, por me retirar do século XIX.

A Marta Maria, namorada com quem partilhei as angústias do início do curso,


tornando-se uma boa ouvinte e conselheira.

Ao professor Dr. Gian Carlo, pela confiança, pelo incentivo, por me guiar nas
horas precisas.

À Universidade Federal de Alagoas, que proporcionou os primeiros passos


desse estudo.

À banca examinadora, pelas futuras contribuições para o desenvolvimento da


dissertação.

A todos os funcionários do Arquivo Público de Alagoas, pela atenção e


paciência.

Enfim, agradecer a Deus, pois Seu amparo foi primordial para a realização
deste estudo.
RESUMO:

A lei de 1871, além de definir a liberdade do ventre, estabelecia a criação do Fundo


de Emancipação e concedia aos escravos o direito de formar pecúlio. O projeto seria
a primeira interferência do Governo na autoridade senhorial, no entanto, a
emancipação progressiva atendia, especialmente, ao interesse dos escravistas. A
partir de então, os mecanismos de alforria criariam vários enredos na gestão tanto
do programa abolicionista quanto do regime escravista. E Alagoas foi mais uma
província a vivenciar as transformações da lei. Inicialmente, além das matrículas, a
Província contou com o processo de alforrias particulares, senhores que por meio
das liberdades condicional e incondicional, deram início ao projeto de emancipação
em Alagoas. No mesmo período, encontramos escravos impossibilitados de
emancipação. Posteriormente, a mesma lei estabeleceria critérios para a
classificação dos cativos e, por meio do fundo de emancipação inúmeros cativos
conquistaram a liberdade na Província: crianças, adultos, homens e mulheres que
tiveram na individualidade sua principal característica. A partir disso, iremos em
busca de desvendar os variados contextos aperfeiçoados por escravos e senhores
no cenário escravocrata alagoano anos antes a abolição.

Palavras-chave: Escravidão – Emancipação – Alagoas.


ABSTRACT

The law of 1871, in addition to defining freedom of the womb, established the
creation of the Emancipation Fund and granted slaves the right to earn money. The
project would be the first interference of the Government in the seigniorial authority,
nevertheless, the progressive emancipation attended, especially, to the interest of
the slavistas. From then on, the mechanisms of manumission would create several
entanglements in the management of both the abolitionist program and the slave
regime. And Alagoas was another province to experience the transformations of the
law. Initially, in addition to enrollment, the Province relied on the process of private
manumission, masters who, through conditional and unconditional liberties, started
the project of emancipation in Alagoas. In the same period, we find slaves unable to
emancipate. Subsequently, the same law would establish criteria for the classification
of captives, and through the emancipation fund countless captives won freedom in
the Province: children, adults, men and women who had their main characteristic in
individuality. From this, we will seek to unveil the varied contexts perfected by slaves
and masters in the slave-owning Alagoas years before the abolition.

Keywords: Slavery - Emancipation - Alagoas.


Lista de Abreviatura

APA – Arquivo Público de Alagoas.


Sumário

Introdução ............................................................................................................... 10

1. Brasil, escravidão e o contexto internacional .................................................. 16


1.1 Os projetos para emancipação ........................................................................ 20
1.2 O Fundo de Emancipação e a instabilidade da escravidão ........................... 24
1.3 O ventre livre, a propriedade privada e a emancipação dos escravos ........ 30

2. Alagoas e a emancipação dos escravos ........................................................... 38


2.1 Os senhores e a liberdade particular .............................................................. 49
2.2 Os escravos “banda forra” .............................................................................. 57
2.3 Os criminosos e a emancipação em Alagoas ................................................ 63

3. O início da trajetória emancipacionista ............................................................. 75

3.1 A emancipação e o Império .............................................................................. 77

3.2 Alagoas e a emancipação em 1875 .................................................................. 82

3.3 O Fundo de Emancipação e as alforrias em 1880 .......................................... 93

3.4 O Fundo de Emancipação entre o litoral e o agreste alagoano: a execução


da liberdade em 1880 ............................................................................................. 97

3.5 A dinâmica do processo de emancipação: a execução das alforrias na


última década da escravidão ............................................................................... 117

Considerações finais ............................................................................................ 136

Referências ............................................................................................................ 141

Anexo ..................................................................................................................... 148


10

Introdução.

A Lei do Ventre Livre foi responsável por modificar as estruturas da


escravidão durante a segunda metade do século XIX. Pela primeira vez, o Império
interferia no comando dos escravocratas sobre o controle da instituição. Por
intermédio da Lei, foram reconhecidos dois mecanismos de alforria, o Fundo de
Emancipação e o direito a constituição do pecúlio concedeu aos escravos o primeiro
espaço legal de liberdade para escravos. Entretanto, a Lei não significou uma
ruptura total do domínio senhorial e tampouco da escravidão. A ação do Império
representou uma medida parcial, em que as alforrias seriam concedidas de maneira
gradual. Em torno da necessidade de eliminar a escravidão, o Estado buscou uma
alternativa segura, que não prejudicasse a estrutura econômica e hierárquica
imperial.

Logo, ao mesmo tempo em que concedeu espaços de alforria, foram


idealizados artifícios que limitavam a mesma. Portanto, o fim da escravidão
dependeu de um projeto ambíguo que, apesar de atender a diferentes propósitos,
continha um objetivo comum, a instituição deveria ser abolida pela ação do Estado.
Dessa maneira, o processo seria realizado conservando os princípios da sociedade
escravocrata. Contudo, “essa dubiedade entre a ruptura das relações escravistas e o
empenho pela continuidade de hierarquia mesclava as atitudes e interpretações dos
personagens dessa história, garantindo a complexidade de seu enredo”1.

Ao ser colocado em prática, o projeto de liberdade gradual trouxe inúmeros


contornos às últimas décadas da escravidão, senhores e escravos foram
responsáveis por criar novos contornos ao cotidiano escravista. Logo, os anos
posteriores à regulamentação da Lei tornaram-se um período onde foram
desenvolvidos tanto por escravos quanto por senhores, novos métodos de atuar
sobre a instituição a partir de 1871. Dessa maneira, a influência desses diferentes
agentes sociais tornou o processo emancipacionista um período de descobertas,
onde é preciso conhecer de que maneira a intervenção do Governo alterou as
relações escravistas anos antes da abolição definitiva.

1
ALBUQUERQUE, Wlamyra R. de. O jogo da dissimulação: Abolição e cidadania negra no Brasil.
São Paulo. Companhia das letras, 2009. p. 125.
11

Quanto à execução do projeto emancipacionista, autores como Robert


Conrad2 e Emília Viotti da Costa3 criticaram o resultado quantitativo do Fundo de
Emancipação. Ambos concentram suas atenções no fato que as alforrias
particulares foram superiores às alforrias concedidas por intermédio do Império; a
iniciativa de ambos acabou limitando o projeto a uma comparação numérica entre os
escravos que deixaram o cativeiro por intermédio dos senhores e do governo. Tal
fato acabou criando o estigma de que o Fundo de Emancipação foi apenas um
espaço de concessão de alforrias utilizado pelos senhores para fraudar o projeto de
liberdade gradual.

Em oposição a essa postura, novas pesquisas que vêm sendo realizadas pelo
País demonstram que o Fundo de emancipação trouxe inúmeras consequências
para o regime escravista. As diferentes possibilidades do projeto foram analisadas
por Fabiano Dauwe, que indicou que a Lei apresentou diferentes consequências em
cada localidade, ou seja, não é possível determinar um desempenho padrão para
execução do projeto, mas observar os contextos originados pelo mesmo4. Proposta
similar foi desenvolvida por Lenira Lima, que examinou os reflexos da Lei Rio Branco
nas relações escravistas, destacando os artifícios reproduzidos por senhores e
escravos para usufruir das novas regras que regiam a instituição5.

Será igualmente importante para nossa pesquisa verificar as observações


feitas sobre a escravidão por Kátia Mattoso. A historiadora identificou diferentes
caminhos que levaram os escravos a deixar o cativeiro no decorrer da instituição 6. A
obra de Joseli Maria Mendonça também apresenta aspectos significativos sobre o
período emancipacionista. A autora destaca que a liberdade através do Fundo de
Emancipação poderia ser entendida como uma conquista do escravo 7. Sendo assim,
o processo de liberdade gradual foi marcado por acentuar a dinâmica do regime
escravocrata.

2
CONRAD, Robert. Os Últimos anos da escravatura no Brasil 1850-1888. Rio de Janeiro,
Civilização Brasileira. 2.ed. 1878.
3
COSTA, Emília Viotti. Da senzala à colônia. 4ª ed. São Paulo: Editora UNESP, 1998.
4
DAUWE, Fabiano. A Libertação gradual e a saída viável: os múltiplos sentidos da liberdade pelo
fundo de emancipação de escravos. Dissertação (Mestrado em história) Universidade Federal
Fluminense, Rio de Janeiro, 2004.
5
COSTA, Lenira Lima da. A lei do ventre livre e os caminhos da liberdade em Pernambuco,
1871-1888. Dissertação (mestrado em história) Universidade Federal de Pernambuco-UFPE.
6
MATTOSO, Kátia M. de Queirós. Ser escravo no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 2003.
7
MENDONÇA, Joseli Maria Nunes. Entre as mãos e os anéis: A Lei dos Sexagenários e os
caminhos da abolição no Brasil. 2ºed. Campinas, SP: Editora Unicamp, 2008.
12

Dessa maneira, notamos que a Lei Rio Branco suscitou novas conjunturas à
gestão do regime escravista. Logo, nossa pretensão é observar de qual maneira a
lei interferiu na escravidão na Província? De que forma o processo de liberdade
gradual foi executado em Alagoas? E como cada localidade continuou o andamento
das alforrias? De qual maneira os escravos e os senhores alagoanos atuaram no
ambiente escravista após a Lei do Ventre Livre? E qual a importância do Pecúlio
nesse para a liberdade dos escravos?

Tais questionamentos irão nortear nossas análises, pois as quotas de


emancipação serão fundamentais para entender a conduta dos personagens que
estiveram envolvidos no processo de liberdade. Para isso, contamos com a
documentação referente à execução do Fundo de Emancipação em Alagoas durante
os anos de 1871-1886, encontradas no Arquivo Público de Alagoas. Iremos nos
debruçar sobre a emancipação entre o litoral e o agreste da Província, entre os
seguintes municípios: Anadia, Traipu, São Miguel dos Campos, Quebrangulo, São
José da Laje, Murici, Porto Calvo, Porto de Pedras, Atalaia e Maceió.

A documentação de tais localidades nos permitirá conhecer melhor a


condução das alforrias. Será possível identificarmos como os escravos atuaram nas
diferentes localidades da Província, e como foi a constituição de pecúlio nas
mesmas. Poderemos esmiuçar a execução das diferentes quotas de liberdade entre
municípios do litoral e do agreste alagoano, analisando as semelhanças e
diferenças. Será Igualmente importante como os senhores atuaram a partir da
regulamentação da Lei, os mecanismos que foram desenvolvidos para continuarem
interferindo nas alforrias concedidas durante o período emancipacionista. Também
poderemos constatar como os agentes públicos que representavam o Estado,
atuaram no andamento das alforrias. Logo, conseguiremos averiguar como esses
agentes sociais se adequaram à ambiguidade do projeto.

Também como fonte, utilizaremos os relatórios do Ministério da Agricultura ,


que emitiam, anualmente, dados sobre o progresso do movimento emancipacionista
no Império. Os relatórios da Província também terão papel importante para
observarmos à execução local do projeto. Para análise das fontes, utilizaremos
quadros demográficos para apresentar o resultado das alforrias concedidas por
intermédio do fundo de emancipação em diferentes momentos do período
13

emancipacionista. Os quadros também serão importantes para detalharmos o perfil


dos escravos emancipados e classificados para liberdade em Alagoas.

Como teóricos, temos as observações de Michel de Certeau8, Michel


Foucault9 e E.P Thompson10. Na percepção de Certeau, temos dois conceitos
importantes: o da estratégia, onde as relações de força são desenvolvidas em meio
a um ambiente muitas vezes hostil, enquanto por tática temos uma relação
constante onde as ações são estabelecidas dentro do campo adversário. Como
exemplo do desenvolvimento de táticas, podemos observar a atitude de Catharina,
que empreendeu sua fuga mediante a disputa de dois senhores. A escrava deduziu
que o conflito entre os proprietários poderia favorecer sua iniciativa. Logo, o
conhecimento e a interpretação do ambiente serão fundamentais para os escravos
conseguirem ampliar as possibilidades de alforria.

A partir das análises de Foucault sobre a modernização do processo de


vigilância durante fim do século XVIII e início do XIX, poderemos observar os
mecanismos de controle desenvolvidos pelo Estado para limitar o acesso dos
escravos à alforria. Conseguiremos verificar a percepção que as autoridades da
Província tinham sobre o alcance da Lei. Já em Thompson, sua análise nos mostra
que todas as pessoas fazem história, desde os camponeses à burguesia.
Observamos essa construção a partir dos direitos que são adquiridos através do
costume, como a própria defesa dos mesmos, além da relação conflituosa entre
senhores e escravos, na qual notamos um jogo acirrado pelo “controle” do sistema
escravocrata.

A partir desses fatores, poderemos conhecer os personagens e os enredos


que movimentaram a escravidão em Alagoas durante o período de liberdade
gradual. No primeiro capítulo do nosso estudo, analisaremos como os aspectos
exteriores influenciaram o governo imperial a desenvolver a proposta
emancipacionista. Da mesma maneira, poderemos verificar algumas propostas que
foram apresentadas ao governo brasileiro no decorrer do século XIX para abolir a
escravidão. Em torno do processo de elaboração da Lei, veremos as disputas

8
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano 1: As artes de fazer. Petrópolis: Vozes. 2005.
9
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis, Vozes, 1987.
10
THOMPSON, Edward Palmer. Costumes em comum. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
14

políticas que envolviam a sua regulamentação, o que nos permitirá observar as


perspectivas negativas que recaíram sobre a produção da proposta.

Logo, poderemos verificar que a ambiguidade da Lei conservou a presença


dos escravocratas no processo de alforria. O consentimento dos senhores para
formação do pecúlio, levou a criação de regras para o estabelecimento de uma
seleção para selecionar os escravos capazes de viverem “sobre si”. Nesse caso,
veremos que o comportamento foi determinante para vários cativos conseguirem a
classificação para liberdade por intermédio do Fundo de Emancipação.

Ainda na proposta de seleção, no capítulo dois iremos analisar a execução do


Fundo de Emancipação. Iniciamos com o processo de formação de matriculas,
iniciado em 1872, no qual poderemos examinar a demora na finalização do mesmo.
Isso contribuiu para que a primeira concessão de alforrias pelo projeto governista só
fosse executada em 1875. Conforme o atraso na aplicação no Fundo de
Emancipação, veremos que os senhores deram origem a um processo particular de
alforrias. Em Alagoas, esse procedimento apresentou característica específica, a
superioridade das alforrias sob a prestação de serviços.

Diante disso, examinaremos as regras que o Império estabeleceu para


impedir que os cativos fossem classificados para receber a liberdade por intermédio
do Fundo de Emancipação. Na Província das Alagoas, a violência física foi o
principal motivo para a desclassificação dos escravos; veremos que essa medida
cumpria com a exigência dos mecanismos de seleção, ou seja, a vigilância sobre
escravos foi intensificada durante as últimas décadas da escravidão. Diante disso,
as autoridades municipais de Alagoas tiveram opiniões distintas sobre o resultado da
Lei na conduta dos escravos. Sendo assim, notamos que o processo
emancipacionista não determinou padrão, mas ajudou a evidenciar a dinâmica do
regime escravocrata.

No terceiro capitulo, nossa atenção se voltará para aplicação das quotas de


liberdade nos municípios alagoanos. Dessa maneira, identificamos que o pecúlio foi
importante no processo de liberdade, porém, a sua constituição estará associada à
localidade de moradia e ao trabalho que exerciam. Na região litorânea, o ofício será
relevante na formação das economias; enquanto, no agreste alagoano, os escravos
que trabalhavam na lavoura tiveram maior oportunidade de constituir seu pecúlio.
Inúmeros escravos conseguiram ter acesso aos valores monetários e contribuir
15

financeiramente com a liberdade, como veremos em São Miguel dos Campos e no


município de Alagoas, atual Marechal Deodoro, no ano 1880.

Em Alagoas, constatamos que as emancipações sofreram um declínio na


última década da escravidão. Esse fato foi motivado pela oscilação dos valores
destinados pelo Império para liberdade dos escravos. Diversas localidades da
Província não receberam recursos suficientes para emancipar acima de cinco
escravos. Veremos que as altas avaliações também contribuíram para a queda nas
alforrias e que esse recurso será utilizado por vários senhores com o objetivo de
fraudar o Fundo de Emancipação. Dessa maneira, esse é mais um indício do quanto
o projeto emancipacionista estava suscetível à influência dos diferentes agentes
sociais que compunham o período de liberdade gradual.

Nosso desafio, a partir de então é analisar a execução do projeto de liberdade


gradual em Alagoas, verificando as transformações causadas na gestão do seu
regime após 1871. A partir de então, veremos que o sistema escravista recebeu a
influência tanto de escravos quanto de senhores, que foram responsáveis por
absorver e reformular a lei e seus mecanismos de liberdade. Dessa forma, a alforria
condicional, a formação de pecúlio e a liberdade pelo Fundo de Emancipação deram
novos sentidos à escravidão e ao uso desses recursos.
16

1. Brasil, escravidão e o contexto internacional.

A emancipação imediata, isto é, declarar desde logo


livres todos os escravos existentes no Brasil, é
solução absolutamente inadmissível na atualidade, e
mesmo em futuro próximo; porque o grande número
de escravos que ele ainda conta (1.5000.000 termo
médio) é um obstáculo insuperável, visto como
trataria necessariamente a desorganização do
trabalho, atacaria a produção mais importante e a
fonte mais poderosa da riqueza entre nós,
introduziria a desordem das famílias, e daria lugar a
ataques à ordem pública, desenfreando-se tão
grande número de escravos, tudo com grande dano
particular e do Estado, assim como dos próprios
escravos.

Perdigão Malheiro. A escravidão no Brasil, 1976.

O século XIX compreende uma série de mudanças políticas, econômicas e


sociais que modificaram as estruturas da sociedade brasileira. Inevitavelmente,
esses aspectos envolviam a continuidade da escravidão. Os projetos para findar
desde a comercialização de escravos entre o Brasil e a África até a abolição
definitiva, o regime escravocrata enfrentou momentos de turbulência que renderiam
maiores questionamentos ao sistema no decorrer dos oitocentos.

Podemos verificar que o processo eliminação da escravidão iniciaria ainda na


década de 1820, período que traria medidas opostas na gestão da instituição, em
que o governo brasileiro validaria a propriedade escrava através da Constituição de
182411, ao mesmo tempo em que, por influência externa, sobretudo da Inglaterra, o
Império elaborava propostas para acabar com a comercialização de africanos entre
o continente africano e o Brasil. Tais fatos indicam o quanto as decisões que
envolviam a escravidão eram antagônicas; sendo assim, finalizar a entrada de
africanos no País seria o primeiro dilema em torno do sistema escravista. A tentativa
de findar o comércio de escravos por intermédio da intervenção estrangeira

11
Através da Constituição de 1824, além de reconhecer a escravidão, o Império conservou os
privilégios e as hierarquias construídas durante os séculos do domínio Português. MATTOS, Hebe
Maria. Escravidão e cidadania no Brasil Monárquico. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.p.34.
17

intensificou o problema da autonomia nacional na gestão da escravidão. O


historiador Jaime Rodrigues revela o quanto o processo em torno do fim da
negociação de africanos entre as Costas do Atlântico agitou a política nacional entre
as décadas de 1820 e 1840, ao afirmar que os parlamentares não defenderam
somente a continuação do comércio, mas, especialmente, a conservação da
escravidão12.

Através das discussões no Parlamento, podemos entender o quanto era


delicado interferir na administração do regime. Nesse momento, o problema já
apresentava indícios de uma solução gradativa, que tinha como prioridade respeitar
a autonomia brasileira sobre os escravos e, consequentemente, a saúde financeira
do País. Para o fim do comércio-tráfico de escravos, foi necessária a criação de
duas leis, e mais de vinte anos de negociação entre Brasil e Inglaterra.

Com o fim da entrada definitiva de africanos no Império, a escravidão se


tornou um problema interno. Segundo José Murilo de Carvalho, o impacto de fatores
externos para regulamentação da Lei de 1871 foi mais fantasiado do que real 13,
contudo, continuou sujeita aos desdobramentos internacionais; entre eles, o fim da
escravidão nos Estados Unidos14 e a Guerra do Paraguai15. Tão importante como a
influência desses acontecimentos no processo de abolição da escravidão brasileira é
verificar que o mesmo se arrastou por vários anos, semelhante à extinção do tráfico
Atlântico. Influências à parte, o fim da escravidão no Brasil respondeu aos interesses
nacionais que abrangiam a defesa da economia, a conservação da estrutura
hierárquica, tentando preservar o domínio e a autonomia dos senhores sobre os ex-
escravos.

12
Estamos nos referindo ao processo de eliminação da negociação de africanos entre Brasil e África,
denominado comércio até 1831, e tráfico após a regulamentação da Lei de 7 de novembro de 1831,
amplamente conhecida como “Lei para inglês ver”. RODRIGUES, Jaime. O infame comércio.
Propostas e experiências no final do tráfico de africanos para o Brasil (1800-1850). Campinas, SP:
Editora da Unicamp, CECULT, 2000. pp. 77-92.
13
CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro das
Sombras: a política imperial. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora, UFRJ, Relume-Dumará, 1996. p. 296.
14
Terminada a Guerra de secessão entre as regiões Sul e Norte dos Estados Unidos, em
1865, as atenções sobre o fim da escravidão se voltaram para o Brasil, o único país
independente da América a manter a instituição. COSTA, Emília Viotti da. A abolição. 9.ªed.
São Paulo: Editora UNESP, 2010. p. 43.
15
Com a guerra do Paraguai, o governo brasileiro adiou qualquer decisão sobre o regime. Contudo,
durante o conflito o Império regulamentou o projeto de liberdade para os escravos que lutassem no
campo de batalha. Idem, pp. 47-49.
18

Como citamos anteriormente e conforme ressaltou Robert Conrad, a guerra


civil americana - que eliminou a escravidão nos Estados Unidos - teve forte
influência no período emancipacionista brasileiro. De acordo com o autor, os
parlamentares brasileiros alertavam para o perigo de algo semelhante ao ocorrido
com os americanos em território brasileiro, acontecimento que estaria associado ao
comércio interprovincial de escravos. Com o fim do tráfico ilegal, através da lei
Eusébio de Queirós, as províncias produtoras de café do sul iniciaram a busca por
trabalhadores na região norte do Império, fato que, na visão dos parlamentares,
causaria grande diferença numérica entre a população de escravos das duas
regiões.

A comercialização de escravos entre as províncias durou até o início da


década de 1880, quando as localidades tanto do sul quanto do norte criaram uma
série de altos impostos com o objetivo de eliminar a prática. A exigência de
trabalhadores na lavoura do café resultou numa desproporção de cativos entre as
duas regiões,

Em 1874, mais da metade de todos os escravos do Brasil estavam


localizados nas quatro províncias do café e apenas cerca de um
terço dos escravos estavam vivendo nas províncias do norte. Dez
anos mais tarde quase dois terços dos escravos já se encontravam
nas quatro províncias do centro-sul e a população de escrava nas
onze províncias do norte fora reduzida para cerca de um quarto do
total16.

Logo, o comércio interprovincial causou questionamentos em torno da


economia nacional, uma vez que os parlamentares do norte acreditavam que essa
movimentação de escravos levaria a um conflito de interesses entre as regiões, com
prejuízos financeiros para as províncias açucareiras. Esse fato originou algumas
reivindicações dos representantes da região norte, que alertavam para o
agravamento da crise na economia pela ausência de trabalhadores. Através de
Araújo Lima, deputado alagoano, podemos verificar a impressão que os
representantes do norte tinham sobre o comércio interprovincial. O parlamentar
alertava que a venda de escravos para o sul colocava em risco a economia

16
CONRAD, Robert. Os Últimos anos da escravatura no Brasil 1850-1888. Rio de Janeiro,
Civilização Brasileira. 2.ed. 1878. p.77
19

açucareira, ressaltando que a defesa de interesses opostos causaria uma oposição


capaz de criar um conflito direto entre as duas regiões17.

Portanto, um conflito semelhante ao norte-americano é algo que precisava ser


evitado. Diante disso, a proposta de emancipação deveria ser a mais tranquila
possível, sem excitar qualquer tipo de conflito entre os escravistas, especialmente,
entre senhores e escravos. O fim da escravidão no Brasil necessitava de atenção
especial, dessa forma, o assunto foi “esquecido” durante a Guerra do Paraguai; o
próprio D. Pedro II havia concentrado as atenções do País para o conflito
internacional. Ainda segundo Robert Conrad, nesse momento, o Imperador já
representava figura importante no desenvolvimento de medidas progressivas de
liberdade18.

Foi durante a Guerra do Paraguai que o governo imperial fez a primeira


concessão de liberdade legal aos escravos: a regulamentação do decreto nº 3.725,
em 1866, concedia liberdade aos escravos que servissem à Pátria no campo de
batalha19. Dessa maneira, vários escravos conseguiriam a liberdade substituindo
seus senhores ou se alistando por conta própria, como o fez - em 1866 - o mulato
José, que fugiu de Alagoas com destino a Pernambuco, com a intenção de alistar-se
no exército brasileiro. Essa era a segunda fuga de José. Anteriormente, havia
passado sete anos desaparecido, vivendo como forro em Palmeira dos Índios, na
companhia da esposa e dos irmãos20. O escravo José tinha o desejo de voltar ao
convívio familiar e, aparentemente, não mediria esforços para isso, logo; o serviço
militar poderia representar a única esperança de conquistar sua liberdade.

Como podemos observar, o contexto internacional foi relevante para o


encaminhamento do projeto emancipacionista. Após a abolição da escravidão nos
Estados Unidos, o Brasil se tornou o único país independente a conservar a
escravidão. Tal episódio teve influência significativa sobre o regime brasileiro,
especialmente para a contestação da sua legitimidade. Sobre esse acontecimento,
Robert Conrad faz o seguinte comentário:

17
Idem, p.84
18
Idem, p. 100.
19
A necessidade de soldados na Guerra do Paraguai forçou o governo a buscar combatentes entre
os escravos brasileiros, que teriam como recompensa a liberdade em seu retorno ao País. Disponível
em:http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-3725-a-6-novembro-1866-554505
publicacaooriginal-73127-pe.html
20
Jornal Diário das Alagoas, edição 22 de janeiro de 1866. Arquivo Público de Alagoas. APA.
20

Todavia, foi o resultado do conflito militar na América do Norte que


enfraqueceu grandemente a escravatura brasileira e despertou a
oposição ao sistema, já que a sobrevivência da escravatura nos
Estados Unidos, até então, proporcionara sempre aos defensores da
21
instituição brasileira um de seus mais fortes argumentos .

O novo contexto internacional, com o fim da escravidão americana, acabou


requisitando do governo uma medida concreta sobre o término da instituição no
Império brasileiro. Em 1865, o próprio D. Pedro II solicitou a José Antônio Pimenta
Bueno a elaboração de um projeto para eliminar a escravidão. A encomenda
resultou um texto que previa a concessão de alforrias nas seguintes situações:
liberdade aos recém-nascidos, conselhos provinciais de emancipação e libertação
dos escravos de propriedade do Estado e ordens religiosas. No entanto, o projeto
não teve o apoio do Conselho de Estado22, fato que adiou mais um pouco qualquer
iniciativa direta contra o regime.

Podemos verificar que o projeto de Pimenta Bueno contém alguns dos itens
de liberdade que serão legalizados em 1871, ou seja, haveria um consenso sobre os
procedimentos que deveriam ser tomados pelo governo imperial para eliminar a
escravidão. Contudo, a proposta de liberdade gradual foi unânime entre os projetos,
pois não se considerava qualquer alternativa de eliminar a escravidão de maneira
imediata. Dessa forma, as tentativas de abolição foram semelhantes aos aspectos
encontrados no processo de finalização do comércio e tráfico Atlântico;
procedimento lento e conflituoso que buscava associar o projeto emancipacionista
nacional com a dependência que o país tinha da mão-de-obra cativa, sem causar
maiores danos para economia e os proprietários de escravos.

1.1 Os projetos para emancipação.

As propostas para o fim da escravidão passavam por uma medida central:


causar o mínimo de transtornos possíveis à sociedade escravista. Dessa maneira,
as propostas para alforria seguiam uma série de ideias semelhantes, alforrias

21
Conrad, op. cit., 89.
22
COSTA, A abolição, op. cit. p. 42.
21

gradativas, manutenção dos senhores no acesso à liberdade, além de esboçar o


pagamento de indenizações pela manumissão dos escravos.

Segundo Fabiano Dauwe, uma série de projetos para liberdade foram


desenvolvidos durante o século XIX, e não eram tão dissonantes do aprovado com a
mediação de Rio Branco. De acordo com o autor, José Bonifácio teria sido a
primeira pessoa que mencionou a elaboração de um fundo de emancipação; sua
pretensão era libertar os escravos através de uma “Caixa de Piedade”. Os cativos
teriam direito de formar seu pecúlio e pagar por sua liberdade; para os senhores,
ficaria proibida à separação das famílias23. O projeto de Bonifácio foi desenvolvido
nas primeiras décadas dos oitocentos, e talvez fosse arriscado demais para o
período, época em que ainda lutavam para eliminar o tráfico Atlântico.

Em 1837, Frederico Leopoldo César Burlamaque também defendia a


liberdade gradual. Alegava que: manter a escravidão era mais arriscado do que
libertar os escravos. Argumentava que a abolição deveria ser gradual, sendo
apresentada como uma concessão; assim, despertaria o sentimento de gratidão dos
libertos, ressaltava que os escravos é que deveriam fazer por onde merecer a
manumissão24. As propostas de Burlamaque podem ser verificadas entre as
medidas que seriam oficializadas em 1871, quando foi desenvolvida uma série de
critérios de exclusão para liberdade, sendo igualmente importante dar à
emancipação o sentido de dádiva. Dessa maneira, poderiam manter os libertos
presos pela gratidão aos laços de obediência.

As propostas de emancipação pesquisadas por Fabiano Dauwe indicam que


algumas ideias usadas no projeto emancipacionista já tinham sido pensadas antes
mesmo da eliminação do tráfico de escravos. Dessa maneira, os projetos foram
elaborados no decorrer das décadas, enquadrando-se aos contextos políticos e
sociais em que o Brasil estava inserido. Portanto, é possível que as decisões que
envolviam a escravidão foram respostas que o governo Imperial precisou apresentar
na tentativa de atenuar as cobranças internas e externas. Enquanto isso, as ideias
dos projetos emancipacionistas foram sendo desenvolvidas, até a sua
regulamentação na lei Rio Branco, que tinha entre seus objetivos preservar ao
máximo o status quo.

23
DAUWE, op. cit., pp. 34-35.
24
Idem, pp.37-38.
22

Como temos acompanhado, foi justamente na década de 1860 que a criação


do fundo de emancipação tornou-se realidade. E foi nesse período que as
discussões em torno do projeto ganharam maior frequência. Em 1866, Luiz
Francisco da Câmara Leal apresentou mais um projeto com o objetivo de finalizar a
escravidão. A sua proposta começava com a libertação dos escravos de nação e as
crianças nascidas a partir do momento de aprovação do projeto. E essas crianças
deveriam ficar sob a tutela dos proprietários até os 10 anos. Caso os senhores não
decidissem entregá-los ao Estado, esse prazo seria prorrogado por mais uma
década, e a liberdade definitiva aconteceria 25 anos após a regulamentação do
projeto25.

Também em 1866, Antônio da Silva Netto elaborou uma série de propostas


para resolver o dilema da escravidão. O autor argumentava que “indenizar os
senhores pela libertação dos escravos era inútil, não traria ganhos aos proprietários
nem à produção, servindo apenas para onerar o Estado”26. As crianças deveriam ser
libertas incondicionalmente; para os demais escravos, a alforria ocorreria em etapas.
Os cativos que residissem nas capitais seriam libertos após cinco anos, e os
moradores das demais cidades receberiam sua liberdade após dez anos. Em outras
duas oportunidades, o engenheiro baiano reforçou suas posições, sendo a última
delas no ano de aprovação da lei, argumentando que o direito a indenização não
passava de uma iniciativa política27.

As ideias de Antônio Netto seguiam na contramão dos principais tópicos


elaborados durante o período emancipacionista. Seria impensável para a época
conceder a liberdade aos escravos sem indenizar os senhores, pois tal iniciativa
seria um grave atentado ao direito de propriedade. Dessa forma, as propostas de
liberdade deveriam, sobretudo, combinar interesses. Numa mesma medida, o
Império precisava atender às reivindicações do movimento emancipador, ao mesmo
tempo em que deveria amenizar a perda dos escravistas28.

Foi justamente a tentativa de atender a todas essas prerrogativas que levou o


governo a dedicar tanta atenção à regulamentação do projeto de emancipação. Em
meados de 1860, as discussões parlamentares em torno do programa de liberdade

25
Idem, p.39.
26
Idem, pp. 42-43.
27
Idem.
28
Idem
23

ganharam maior destaque. Como vimos anteriormente, a proposta de Pimenta


Bueno deu origem às tentativas de formular um projeto viável de emancipação, no
entanto, a proposta do conselheiro não logrou êxito.

Após a tentativa de Bueno, coube a Zacarias de Góis, comandante do


Conselho de Ministros, a tarefa de conduzir o programa de emancipação. Em 1867,
Zacarias apresentou uma nova proposta de liberdade a todos os integrantes do
Conselho. O seu plano previa a libertação de todos os escravos no último dia do
século, principal diferença com relação à proposta de Pimenta Bueno.29 A ideia dele
incluía algo que as autoridades evitavam, uma data limite para libertar os escravos
que continuavam no cativeiro. Segundo Emília Viotti, os defensores da lavoura não
reagiram bem à proposta, argumentando que essa medida causaria a ruína da
economia e conflitos sociais30. Isso significa que, nem mesmo o prazo de pouco
mais de trinta anos seria insuficiente para a sociedade brasileira se adaptar à
abolição definitiva.

A proposta de Zacarias também não foi aceita e o mesmo acabou deixando o


seu cargo no Conselho. As mudanças dos responsáveis em conduzir o projeto de
liberdade indicam a dificuldade que o governo tinha em conseguir articular um plano
que atendesse a necessidades tão opostas. Nesse momento, o governo já tinha
consciência de que o programa de emancipação era algo indiscutível e recebeu
maior urgência, especialmente após os espanhóis decidirem em favor da liberdade
dos recém-nascidos e escravos idosos em suas colônias americanas, Cuba e Porto
Rico31.

A concordância sobre o projeto foi alcançada em 1871, sob o comando do


Visconde do Rio Branco, que representava o partido conservador. O senador José
Maria da Silva Paranhos conseguiu contornar as diferenças que cercavam a
regulamentação do plano emancipador, feito que o partido liberal não alcançou sob
a liderança de Zacarias de Góis. A intervenção de Rio Branco foi essencial para
assegurar as principais exigências dos escravistas, o seu

projeto oferecia grande vantagem aos proprietários: condenava a


escravidão a desaparecer a longo prazo, sem abalo para a

29
COSTA, A abolição, op. cit., p.45.
30
Idem, p. 45.
31
Idem, p. 43.
24

economia, dando aos proprietários bastante tempo para se


acomodarem sem dificuldades à nova situação. E o que era ainda
32
mais importante: respeitava o direito de propriedade .

Não há dúvidas de que, através da Lei Rio Branco, os escravocratas


conseguiram defender os seus propósitos. Na verdade, o principal artigo da Lei
garantiu uma sobrevida à instituição, pois os recém-nascidos poderiam continuar
sob o domínio dos senhores até os 21 anos, possibilitando aos escravistas uma
nova geração de trabalhadores, agora não mais como escravos, mas como
dependentes. Portanto, mesmo após a Lei, as crianças e os jovens continuaram
diretamente ligados ao cativeiro, sob a tutela do proprietário de suas mães, e caberia
a este senhor definir o seu futuro. Como salientou Emília Viotti, o ponto mais
importante foi validar o direito de indenização, que preservava o direito de prioridade
dos senhores, além de respeitar a posse. Essa medida ajudava na defesa dos
princípios de deferência existente entre senhores e escravos.

Logo, antes de promover qualquer alforria, o governo imperial buscou


elaborar uma proposta que determinasse as menores alterações possíveis a
estrutura social. Nesse caso, o princípio da mediação seria o maior objetivo a ser
alcançado pelo governo durante a elaboração do projeto; contudo, foi impossível
manter as relações intactas. A regulamentação da Lei nº 2.040 foi responsável por
diminuir o abismo legal existente entre proprietários e escravos; portanto, os diretos
adquiridos pelos escravos na década de 1870 foram ainda mais importantes no
cotidiano escravista. Dessa maneira, a Lei foi transformada em mais um veículo de
liberdade, que, em diversos momentos, funcionou como uma investida aos senhores
e sua autoridade. Esse aspecto contribuiu para acentuar a reprovação que o sistema
escravocrata vinha sofrendo desde meados do século XIX.

1.2 O Fundo de Emancipação e a instabilidade da escravidão

Como podemos observar, a escravidão ganhou a atenção da sociedade


brasileira no decorrer dos oitocentos. O principal objetivo do governo era encontrar a
melhor maneira de eliminar a instituição do País. Contudo, apesar de conservador, o

32
Idem, p.54.
25

projeto não deixou de atacar a autoridade dos escravistas. Outras cláusulas da lei
retiraram dos senhores o direito de controlar o acesso à alforria: em seu 3º artigo, a
lei determinou a criação de um Fundo de Emancipação para libertar escravos em
todo o Império, enquanto o 4º artigo concedeu aos escravos o direito à formação de
pecúlio, e, após juntar o valor suficiente, poderiam pagar por sua liberdade. Tais
disposições deram maior possibilidade aos escravos na conquista da liberdade e
alteraram a rotina das últimas décadas da escravidão.

Os dois tópicos acima foram tão importantes quanto o principal artigo do


Código Negro33, que ficou conhecido como Lei do Ventre Livre. O Fundo de
Emancipação tinha grande importância e precisou de uma dinâmica própria, sendo
composto por inúmeros detalhes, entre eles, a realização da matrícula dos escravos.
Assim, o governo poderia ter uma estimativa da quantidade de escravos existente no
Brasil. Os senhores teriam que procurar um local de registro e apresentar as
seguintes informações: nome, sexo, cor, estado, filiação, aptidão para o trabalho e
profissão do escravo. Os proprietários que não executassem a matrícula estavam
sujeitos a penalidades, podendo chegar à possibilidade de perder o cativo.

Após a matrícula, os escravos seriam classificados para manumissão, dando


preferência à liberdade das famílias, em seguida, aos indivíduos. A ordem de
classificação atendia a uma série de critérios. No caso das famílias, existia uma
ordem de prioridade: I – os cônjuges que forem escravos de senhores diferentes; II –
os cônjuges que tiverem filhos, nascidos livres em virtude da lei e menores de oito
anos; III – os cônjuges que tiverem filhos livres menores de 21 anos, IV – os
cônjuges com filhos menores escravos; V – as mães com filhos menores escravos;
VI – os cônjuges sem filhos menores. Já individualmente, a ordem seria a seguinte: I
- os pais e mães com filhos livre; II - os de 12 a 50 anos de idade, iniciando com as
mulheres mais jovens e os homens mais idosos34.

A Lei ainda estipulava que os recursos para a concessão da liberdade seriam


adquiridos da seguinte maneira: I – da taxa dos escravos; II – dos impostos gerais
sobre transmissão de propriedade dos escravos; III – do produto de seis loterias

33
Dessa maneira, Joaquim Nabuco classificou a Lei do Ventre Livre, argumentando que a mesma
não apresentou poucas disposições em favor dos escravos. Afirmando que a vida dos escravos não
mudou, senão na pequena porção dos escravos que tem conseguido libertar-se. Nabuco, Joaquim.
O abolicionismo. Petrópolis, Rio de Janeiro, 2012. pp. 96-100.
34
Decreto nº 5.135 de 13 de novembro de 1872.
26

anuais isentas de impostos; IV – das multas impostas em virtude da lei; V - das


quotas que sejam marcadas no orçamento geral e nos provinciais e municipais; VI -
de subscrições, doações e legados com esse destino35. Todas essas atividades
deveriam ser exercidas pela junta classificadora, e essas seriam formadas em todos
os municípios do Império e composta por autoridades locais, que eram: o presidente
da câmara, o promotor público e o coletor36.

Dessa maneira, podemos observar que a lei aprovada em 1871 é composta


por vários dos tópicos que foram apresentados ao governo no decorrer dos
oitocentos; tal fato expressa que o próprio projeto apresentou um aspecto
cumulativo. A legalização da Lei Rio Branco é mais uma etapa do processo gradual
de liberdade. A mesma respondia a um roteiro pré-estabelecido para o fim da
escravidão. Quanto a isso, a historiadora Hebe Mattos relatou os passos que eram
seguidos:
Apesar da multiplicidade de processos específicos e da
complexidade dos conflitos em jogo, pode-se delinear uma tendência
geral de equacionamento do dilema nos novos países que se
formavam sobre a égide da ideologia liberal, a partir de três
encaminhamentos básicos: 1) a manutenção da escravidão com
base no direito de propriedade privada; 2) a proibição do tráfico
africano; 3) a emancipação progressiva através de leis que
libertavam os nascituros (ventre-livre), ou experiência de transição
37
regulada, sempre com indenização aos proprietários.

Portanto, além de representar mais uma fase do programa de liberdade


gradual, a Lei de 28 de setembro de 1871 representou mais um indício de
vulnerabilidade da escravidão, ou seja, a instituição que parecia incontestável no
início do século passou por várias indagações, iniciando na década de 1830, com a
Lei de 7 de novembro de 1831. As leis contribuíram para minar a instituição. A
entrada do Estado nas relações escravistas atingiu diretamente a autonomia dos
senhores que, até o momento, tinham controle total na administração do regime.
Conforme Maria Helena Machado existiu uma conjuntura

desfavorável ao regime escravista, vigente, sobretudo, a partir de


1850 – quando a fragilidade da instituição começava a se manifestar
mais claramente –, retirou progressivamente dos senhores a
hegemonia incontestada que eles haviam exercido ao longo dos
séculos precedentes. O processo de erosão da hegemonia senhorial
35
Idem
36
Idem
37
MATTOS, op. cit., Escravidão e cidadania no Brasil Monárquico. p.10.
27

colocou os senhores em posição vulnerável, tornando-os mais


sensíveis à necessidade de exteriorizar a instituição escravista como
um regime equilibrado, regido por leis invioláveis, diante das quais os
38
fazendeiros e potentados locais, espontaneamente, dobravam-se .

Nossa intenção, a partir das observações anteriores, é analisar as mudanças


que ocorreram por intermédio das propostas de liberdade gradual, sobretudo a partir
do Fundo de Emancipação. Mas precisamos salientar que a proposta sofreu
algumas rejeições durante o período de elaboração. Uma das oposições ao projeto
de liberdade estava associada à rotulação destinada aos cativos, descritos pelos
escravistas como ociosos e incapazes de viver sem a regência dos senhores. Eram
tachados como potenciais criminosos e considerados uma ameaça para a hierarquia
da sociedade imperial; por esses motivos, exigiam vigilância constante. Tal fato,
pode ter sido motivado pela presença do darwinismo na sociedade brasileira e,
segundo Lilia Schwarcz, a elite econômica de São Paulo ajudou a disseminar o ideal
evolutivo-positivista a partir do jornal Província de São Paulo39.

Portanto, alguns adjetivos encontrados durante nosso processo de pesquisa


foram marcantes, entre eles o perfil de raça inimiga, ou mesmo o termo população
heterogênea. este último ocorrendo com maior frequência. Essas qualificações são
recorrentes para definir os escravos entre as décadas de 1860 e 1870, quando a
liberdade dos cativos tornou-se um projeto real. O contexto de grupo inimigo será
muito presente no sul do Império, sobretudo com a chegada de escravos importados
do norte brasileiro, indivíduos rotulados como violentos e assassinos em potencial. O
comércio interprovincial foi responsável por retirar inúmeros cativos do seu local de
origem e, consequentemente, quebrar os seus laços sociais e familiares, fator
apontado como o motivo para intensificar os crimes praticados pelos escravos.

Esse clima de insegurança dominou a região cafeicultora na segunda metade


do XIX, após a expansão do café para o oeste paulista. A historiadora Célia Azevedo
faz uma minuciosa análise sobre o interior paulista e, a partir de sua obra,
percebemos o quanto o clima de inquietação afetava o cotidiano da região. O
aumento da criminalidade na zona cafeeira revela a iniciativa de alguns cativos

38
MACHADO, Maria Helena P. T. Crime e escravidão: trabalho, luta e resistência escrava nas
lavouras paulistas (1830-1888) 2ª ed. São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 2014. p. 41.
39
SHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: Cientistas, instituições e questão racial no Brasil.
1870-1930. São Paulo: Companhia das letras, 1993. p. 42.
28

partirem para o embate direto, especialmente os vindos da região norte do Império.


Sobre tal iniciativa, a autora faz o seguinte destaque:

É possível que as relações sempre conflituosas entre senhores e


escravos estivessem agora a vivenciar um novo momento histórico,
com o espaço de produção tornando-se palco privilegiado das
revoltas individuais e coletivas dos negros escravizados. Isto quer
dizer que a resistência escrava estaria se concretizando cada vez
mais no próprio lugar de trabalho (no eito e no interior das moradias
dos senhores), muito mais do que fora dele, tal como nas tradicionais
fugas e quilombos40.

Como descreve a autora, o regime estaria vivendo um novo período, em que


os escravos poderiam transformar o local de trabalho em ambiente violento, ou seja,
a reação através do crime estaria tornando-se uma prática recorrente entre os
escravos da região. A autora relata algumas dessas ações na província paulista:

Vários crimes foram feitos por vingança, como o assassinato de um


fazendeiro em Paraíba pelo escravo Malaquias, devido aos castigos
sofridos por sua mulher. Outros ainda por escravos que se
rebelavam contra castigos rigorosos e combinavam matar o senhor,
como foi o caso do assassinato de um fazendeiro de Campinas por
seis escravos. Também os capitães-do-mato não escapavam aos
golpes de foice e facadas de cativos fugitivos que eram conduzidos
de volta as fazendas41.

Os crimes citados anteriormente revelam situações importantes. Inicialmente,


algumas expressões se destacam: “crimes foram feitos por vingança” e “escravos
que se rebelavam contra castigos rigorosos”. A ação violenta indica a existência de
um limite aceito pelos escravos. Outro fato relacionado à criminalidade a ser
ressaltado é que muitas autoridades escravistas e senhores creditavam essa onda
de violência à Lei do Ventre Livre, e não apenas à entrada de cativos do norte.

A suposta relação entre os crimes e a Lei de 1871 já era levantada antes da


sua regulamentação. Os senhores acreditavam que a dita Lei prejudicaria seu
controle sobre os cativos, modificando a relação de respeito e obediência entre eles,
bem como alterando o próprio significado da alforria que, até então, tratava-se de
concessão senhorial, e não uma conquista escrava. Manuela Carneiro da Cunha
relata um pouco dessa ideologia, afirmando que a alforria deveria ser representada

40
AZEVEDO, Célia Maria Marinho de Azevedo. Onda negra medo branco: o negro no imaginário
das elites século XIX. 3ª ed. São Paulo: Annablume, 2004. p.158.
41
Idem, p.162.
29

como uma dádiva, além da afeição que o senhor nutria pelo cativo, e o próprio
reconhecimento dos seus bons serviços42, iniciativa que vimos na produção do
projeto de emancipação.

A província de Alagoas não esteve isenta da violência cometida pelos


escravos, tendo em vista que as tentativas de homicídio e assassinatos também
foram frequentes na Província. Tais agressões seriam destinadas tanto aos
senhores e a sua família como aos feitores e, em outros casos, contra os próprios
cativos. Moacir Sant’ana descreve um acontecimento que exemplifica bem esse fato
na província. Em 1872, no município de Limoeiro de Anadia, o escravo Manoel
assassinaria Pedro Alexandrino, seu senhor, uma filha do mesmo, além de ferir
gravemente sua esposa43. No município de Pilar, em 1874, os cativos Prudêncio e
Vicente, auxiliados por Francisco, assassinaram os proprietários dos dois primeiros,
João Evangelista de Lima, Capitão da Guarda Nacional, e sua esposa, D. Josefa
Maria de Lima. Aproveitando o ensejo, Francisco tentou matar o seu senhor, o Dr.
Telesforo Viana. A ação empreendida pelos escravos levou Francisco a ser
executado por enforcamento no município. Aliás, esta seria a última aplicação da
pena de morte do Império44.

Os fatos mencionados até o momento fazem parte de um processo regular de


abolição que, por meio das etapas citadas pretendia conduzir os escravos à
liberdade sem criar maiores problemas à sociedade escravista. Porém, a iniciativa
de emancipação progressiva originaria novos rumos ao regime. Os enredos
originados a partir de 1871 seriam sentidos por todo o Império. Mesmo com o
contingente menor, outras localidades vivenciaram os reflexos da Lei. A província
alagoana que, historicamente, é lembrada pelo quilombo dos Palmares, conviveu
com outras experiências da dinâmica escravista. Escravos ganhadores, outros
executando trabalho na lavoura ou dentro das casas, alguns fugindo e alguns sendo
libertos compunham o seu cenário cotidiano, e não foram menos importante. Como
veremos, a Alagoas imperial também teve o seu ambiente escravista influenciado

42
CUNHA, Manuela Carneiro da. Negros, estrangeiros: os escravos libertos e sua volta à África. 2ª
ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. p. 74.
43
SANT’ANA. Moacir Medeiros de. Mitos da escravidão. Maceió, Secretária de Comunicação Social.
1989. pp. 42-44.
44
Prudêncio foi assassinado em Pernambuco, após resistir à prisão, matando dois policiais. Idem, p.
42.
30

pela lei de 28 de setembro de 1871; tais alterações tornam-se enredos a serem


descobertos nas páginas que compões este texto.

1.3 O ventre livre, a propriedade privada e a emancipação dos escravos.

A década de 1870 seria um marco no controle da escravidão. A Lei do Ventre


Livre foi a primeira interferência do Império no controle da instituição. A intervenção
do governo não recairia unicamente sobre o direito de propriedade, mas no próprio
controle dos senhores sobre os escravos. Por intermédio do Fundo de Emancipação
e o direito a formação de pecúlio, os cativos passaram a contar com espaços legais
de liberdade. Esse último seria responsável por reduzir a autoridade dos senhores
sobre a concessão da alforria. A legitimação de tais mecanismos movimentou as
balizas da escravidão. Nesse caso, foram balançadas em favor dos escravos. O que
até então seria privilégio costumeiro, tornara-se nessa data, direito legal.

Devemos mencionar outro aspecto que influenciou a mudança no trato do


regime escravocrata, a modernidade não combinava com a escravidão. Em meados
do século XIX, o Brasil já desfrutava de melhorias em sua infraestrutura e
industrialização, até a forma de investimento tinha mudado. Luiz Carlos Soares
indica que, finalizado o tráfico, buscaram-se investimentos mais rentáveis, como as
cadernetas de poupança, a compra de apólices de dívidas públicas e ações de
empresas comerciais e serviços urbanos45. A maior segurança das ações
contrastava com a insegurança dos escravos, estes poderiam fugir ou mesmo
adoecer, causando prejuízo ao seu proprietário.

Luiz Soares constatou a mudança no comportamento social e econômico de


alguns investidores, ou seja, a escravidão foi dando espaço para novas formas de
pensar e agir. Nesse caso, vemos que as iniciativas progressistas vão modificando a
estrutura secular do regime. É justamente o que aponta Emília Viotti Costa, ao dizer
que, em meados do século XIX, a instituição seria identificada como atraso e
ignorância, e a abolição, com o progresso e civilização.46 A cada dia, a modernidade
distanciava-se da escravidão; no entanto, a classe escravista relutava em abrir mão
45
SOARES, Luiz Carlos. O “povo de cam” na capital do Brasil: A escravidão Urbana no Rio de
Janeiro do século XIX. Rio de Janeiro: Faperj – 7Letras, 2007.p. 77.
46
COSTA, Emília Viotti da. A abolição. 9.ªed. São Paulo: Editora UNESP, 2010. p. 128.
31

das suas propriedades. Por isso, o direito de indenização era uma das exigências
dos escravocratas na formação do projeto de liberdade gradual.

Tais ideias fazem parte de um novo contexto. É justamente essa novidade


que vai nortear as relações entre escravos e senhores. Antes e após a Lei, dúvidas
e incertezas dominariam o cenário escravista. O que os proprietários poderiam
esperar da Lei? Qual o comportamento dos cativos após a mesma? O clima de
expectativa criava espaço para diferentes especulações, característica que pode ser
observada na fala de Perdigão Malheiro ao se questionar

que destino dar a toda essa gente assim repentinamente solta da


sujeição e das relações em que se achava? Deixá-los entregues a si,
eles incapazes no geral de se regerem por causa da escravidão em
que jazeram e do que seriam assim bruscamente retirados? A
vagabundagem, os vícios, o crime, a prisão, a devassidão, a miséria,
eis a sorte que naturalmente os esperaria47.

A fala de Malheiro carrega o temor de muitas autoridades e senhores de


escravos; o futuro que tomariam esses homens e mulheres que até então eram
dependentes de alguém, considerados incapazes de administrar sua liberdade,
entregando-se ao ócio, aos crimes e à vadiagem. Esse foi um dos argumentos para
contrariar uma liberdade definitiva, uma vez que, ao cortar repentinamente os laços
de dependência, toda nação estaria em risco. A observação realizada pelo
parlamentar relembra a visão que as autoridades do oeste paulista tinham sobre os
escravos. Sendo assim, o período que antecedeu a Lei presenciou o aumento da
hostilidade contra os escravos, sentimento que estava associado ao comportamento
dos futuros libertos, e, em particular, carregava posturas intolerantes, que reduziam
os cativos a indivíduos selvagens, que tinham na criminalidade a sua principal
resposta contra o cativeiro.

Entretanto, nem todos pensavam dessa maneira. No litoral norte de Alagoas,


em 1876, o juiz municipal de Passo de Camaragibe apresentou um discurso
favorável aos resultados da Lei até aquele momento. O juiz alegava que,

pelo que se observa atualmente, essa lei, se não tem produzido


todos os seus efeitos benéficos, em parte, vai melhorando a

47
MALHEIRO, Perdigão. A escravidão no Brasil: ensaio histórico, jurídico, social. 3. ed. Petrópolis,
RJ: Vozes, 1976. p. 154.
32

condição dos escravos. O escravo já não trabalha tão somente


forçado, pela sua condição, mas duplica seu trabalho com o fino de
formar um pecúlio, tendo em vista horizontes mais vastos. O escravo
já não processa tantas vezes, como d’antes, esquecer no crime ou
na embriaguez a sua desgraçada condição, porque também espera
ser livre.48

O juiz José Carvalho analisa os primeiros resultados da Lei em sua


localidade. Para ele, a Lei melhorou a condição dos cativos. Provavelmente, fazia
referência aos direitos conquistados pelos cativos, entre eles o direito de acumular
pecúlio, considerando que, através desses recursos, os escravos ampliavam a
possibilidade de comprar sua alforria. Esse seria o motivo de estarem a duplicar sua
jornada trabalho, com o objetivo de encurtar sua permanência no cativeiro. O juiz
indica outro aspecto importante, ao afirmar que, em Passo de Camaragibe, havia
diminuído a busca pela liberdade por intermédio da justiça, até mesmo a embriaguez
e o crime deixaram de ser uma alternativa recorrente contra sua condição. Essa
mudança de atitude estaria novamente relacionada à Lei, pois tais práticas excluíam
os cativos da emancipação. Logo, simulado ou não, os escravos passaram a evitar
os excessos em seu comportamento, ou seja, a mudança de conduta tornaria os
mesmos aptos às exigências para classificação e liberdade através do fundo.

O município de Passo de Camaragibe estava situado no norte da Província,


onde se destacava a produção de açúcar e concentrava boa parte dos cativos
alagoanos. A localidade possuía quase 2.500 cativos49. Na percepção do juiz, a
maioria dos cativos se adaptou facilmente à Lei; no entanto, em Porto Calvo,
município da mesma região, foram registrados seis assassinatos cometidos por
escravos. Tal fato indica que a Lei teve resultado parcial entre os cativos de cada
localidade, portanto, não sabemos até que ponto o comentário do Juiz de Passo de
Camaragibe exprime entusiasmo pessoal. Mas ele deixa transparecer situações
relevantes, que, ao mudar a forma de conduta, os escravos compreendiam as
alterações ao seu redor.

Sendo assim, os espaços estabelecidos pela Lei seriam igualmente utilizados


pelos escravos. Ao duplicar sua jornada de trabalho, eles buscavam acumular
recursos para antecipar a compra da alforria, enquanto a mudança para um

48
Juiz municipal de Camaragibe, 1876. Arquivo Público de Alagoas. APA. Caixa 1423.
49
Segundo o censo de 1872 residiam no município de Passo de Camaragibe 2.478 escravos.
33

comportamento exigido pelas regras poderia garantir a classificação para o Fundo


de Emancipação. As circunstâncias apresentadas por José Carvalho acabam por
revelar uma diferença, a artimanha muitas vezes substituiu a violência na luta contra
o cativeiro50.

Apesar da aparente melhora indicada em Passo de Camaragibe, os


escravistas presumiam outras situações, sobretudo a violência, a vagabundagem e a
ociosidade. Após 1871, presenciamos o aumento na vigilância sobre os escravos.
As listas de crimes perpetrados por escravos, a partir desse ano, indicam que o
controle sobre os futuros libertos não deixou de ser exercido. O controle sobre os
cativos seria importante para distinguir quem estaria qualificado para viver em
liberdade.

O bom comportamento seria determinante para garantir a possível


emancipação e o governo não foi o único a praticar o controle sobre os escravos, os
próprios senhores realizavam essa vigilância. Encontramos, na Província de
Alagoas, casos que confirmam esse fato. Inicialmente, verificamos a ação de
Claudino Affonso, proprietário de Joaquina. Esse recorreu à polícia para que a
escrava fosse castigada com três dúzias de palmatórias após sua fuga51. Já
Marcelino foi preso pela polícia no município de Atalaia, por crime de ferimentos
graves cometido contra um casal de escravos de um engenho vizinho 52. É nítido que
o processo de emancipação elevou o nível de controle sobre os escravos. Além do
controle policial, os senhores passaram a exercer uma vigilância pessoal,
caracterizando uma espécie de ação conjunta para reprimir qualquer expectativa de
desordem.

Sendo assim, queremos demonstrar que a influência dos senhores continuou


presente. Apesar da interferência, a Lei de 1871 não eliminou a autoridade senhorial
completamente, mas exerceu uma função moderadora, procurando atender as
exigências emancipadoras e escravistas, que reivindicavam, particularmente, sobre
as perdas no patrimônio pessoal. A manutenção da autoridade senhorial é
observada nos critérios de impedimento para a emancipação. Desse modo, os dois
escravos citados anteriormente estariam proibidos de liberdade pelo fundo; contudo,

50
Juiz municipal de Camaragibe, 1876. Arquivo Público de Alagoas. APA. Caixa 1423.
51
Documentos do chefe de polícia, 1877. Arquivo Público de Alagoas. APA. Caixa 1734.
52
Idem.
34

Joaquina estaria vetada de ser escolhida para liberdade durante os seis meses
seguintes.

A proposta de restrição atendia à necessidade de emancipar apenas escravos


que não representassem perigo para a ordem social. Dois fatores a serem
preenchidos no momento da classificação para liberdade são reflexos da
permanência do domínio senhorial: a moralidade e a aptidão para o trabalho são
itens que demonstram a preocupação com os futuros libertos. Essa medida não foge
da observação feita por Katia Mattoso sobre a aceitação do escravo na sociedade:

A inserção social do escravo, sua aceitação pelos homens livres


numa sociedade fundamentada no trabalho servil, dependerá
estritamente da resposta que o trabalhador-escravo dá a seus
senhores no plano da fidelidade, da obediência e humildade53.

O trabalho era uma questão importante a ser resolvida e, diante disso,


acreditava-se que os ex-cativos não se adequariam ao modelo de trabalho industrial,
ou mesmo que não seriam capazes de continuar trabalhando após sua liberdade,
pois só o faziam devido ao controle exercido por seus proprietários. A continuidade
do seu trabalho seria essencial para o sustento da lavoura, sobretudo a cafeeira.
Celia Azevedo descreve o significado de aptidão para os grandes proprietários,

ela seria uma aceitação pacífica do trabalhador pelo trabalho


excedente, tempo não-remunerado, e por isso gerador de possíveis
lucros no mercado. Por isso seria necessário fazer que o nacional
livre, especialmente os libertos e alforriados incorporassem todo um
ideal de trabalho, a “moral” ou o “amor do trabalho”54.

Como podemos observar, os escravistas buscaram manter em algumas


frentes sua autoridade na segurança, no trabalho e no acesso à alforria. A
permanência da autoridade senhorial rendeu críticas à evolução do processo de
emancipação, destacando as ações com o objetivo de fraudar sua execução. Porém,
é importante ressaltarmos que o Fundo de Emancipação subtraiu dos senhores um
espaço de controle sobre os escravos. Após a classificação, seria difícil impedir a
sua emancipação. Essa derrota não resultaria no fim de todo o regime, e, sim, em
sua parcialidade. É o que argumenta Emília Viotti da Costa, ao salientar que, os

53
MATTOSO, Kátia M. de Queirós. Ser escravo no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 2003. pag.102.
54
AZEVEDO. op. cit., p.114
35

proprietários convertiam-se à mudança gradual, reconhecendo que seria melhor


ceder um pouco do que perder tudo55.

É notório que a Lei do Ventre Livre proporcionou novos contornos ao regime


escravocrata. Naquele momento, intervia-se no principal meio de manutenção do
elemento servil, a reprodução interna que, desde o fim do tráfico, tornou-se o
principal método de obter novos trabalhadores.

É importante percebermos que a lei de 28 de setembro de 1871 aprovou três


segmentos para liberdade. A principal proposta era favorecer os recém-nascidos, no
entanto, a emancipação e o pecúlio oferecem a oportunidade dos adultos
alcançarem sua alforria. Este último seria um espaço bem utilizado pelos cativos que
trabalhavam ao ganho. A compra da liberdade através do pecúlio já era uma
realidade de muitos cativos, ou seja, a prática costumeira tomou contornos oficiais a
partir daquela data.

O acúmulo de pecúlio tornou-se ferramenta legal para a compra da alforria. O


artigo fazia a seguinte determinação: “Art.4º é permitido ao escravo a formação de
um pecúlio com o que lhe provier de doações, legados e herança, e com o que, por
consentimento do senhor, obtiver do seu trabalho e economias.”56 Mesmo com a
legalização do pecúlio, os proprietários não foram esquecidos, visto que apenas com
a sua concordância é que os cativos poderiam trabalhar; no entanto, obtido o valor
da indenização, o senhor perdia seu controle sobre a alforria. Caso não
concordasse, a mesma seria realizada por arbitramento, conforme o segundo
parágrafo do referido artigo.

A prestação de serviços, parágrafo terceiro da lei, também mencionava a


autorização dos senhores, e novamente nos deparamos com o dilema de peteca57;
assim Chalhoub se referia à disputa entre a propriedade privada e a liberdade58. Só
que, desta vez, o arbitramento destituía a possibilidade dos senhores de intervir
diretamente na alforria. Nesse caso, o autor destaca sua relevância:

55
COSTA, Da senzala à colônia. op. cit., p. 424.
56
Artigo 4º Lei Nº 2.040, de 28 de Setembro 1871.
57
O dilema alertava para a contradição entre o direito de propriedade e o direito de liberdade,
expunha senhores e escravos a uma situação de extrema indecisão, onde ambos buscavam
resguardar os seus direitos. A indefinição de determinadas situações exigiu a interferência da justiça
para sua resolução. CHALHOUB, op. cit., pp. 125-132.
58
Idem, p.150.
36

O tradicional método de luta contra o cativeiro, consagrado pelo


costume, de conseguir a alforria através da indenização do senhor se
transforma em lei escrita – isto é, num direito dos escravos que não
59
mais dependia da aquiescência dos senhores .

Tais aspectos revelam o quanto a Lei foi importante e, apesar de toda


relutância, vemos que os escravistas foram perdendo privilégios após o espaço legal
conquistado pelos cativos, juntamente com o pecúlio, o Fundo de Emancipação
determinou novas perspectivas à escravidão na década de 1870. Entre fraudes e
alforria, o projeto de liberdade gradual apresentou vários contornos, principalmente
na década seguinte a sua regulamentação. Sobre o Fundo, recairiam várias
expectativas, sobretudo por representar a primeira intervenção contra o regime.
Essa alteração na estrutura escravista poderia acelerar o processo de emancipação,
no entanto, a liberdade através da emancipação apresentaria resultados
numericamente desfavoráveis. Porém, os problemas não ocorreram apenas na
finalização, mas em todo o processo, desde os registros de matrícula até as fraudes
cometidas pelos senhores para a emancipação.

A década de 1870 é, sem dúvida, um marco no controle do regime


escravocrata brasileiro. A Lei Rio Branco modificou o cenário político e trabalhista
nacional, ao passo que instigou dilemas que envolvem tanto as disputas entre
abolicionistas e escravistas quanto a transição do trabalho escravo para o livre. Mas,
especialmente por tratar-se de um período de transição, onde a escravidão
representava retrocesso e a permanência de uma estrutura arcaica. Contudo, para
alcançar o progresso, a instituição deveria ser eliminada da Nação, propósito que
deveria ser encaminhado de maneira prudente e progressiva.

Temos, nesse caso, um conjunto de ideias emancipatórias que foram


pensadas e repensadas na tentativa de oferecer uma alternativa inteligente e
responsável para eliminar a instituição. Tão importante quanto pensarmos na
legislação aprovada em favor dos escravos é visualizar que eles também foram
responsáveis por tal conquista; essa é a conclusão realizada por Chalhoub, ao
afirmar que:

o texto final da lei de 28 de setembro 1871 foi o reconhecimento legal


de uma série de direitos que os escravos haviam adquirido pelo
costume e aceitação de alguns objetivos das lutas dos negros. Isso é

59
Idem, p. 225.
37

verdade não só em relação ao pecúlio e à indenização forçada, como


também no que diz respeito à ideia mestra do projeto, isto é, a
liberdade do ventre [...] Na verdade, a lei de 28 de setembro pode ser
interpretada como exemplo de uma lei cujas disposições mais
importantes foram “arrancadas” pelos escravos às classes
proprietárias60.

A reflexão de Chalhoub esclarece que a Lei não foi concretizada apenas pela
ação das autoridades no Parlamento, e, sim, conquistada pelos próprios cativos,
espaços legais que foram moldados no decorrer da escravidão. Essa análise nos
revela que tais mudanças não aconteceram apenas na letra da lei em 1871, mas
iniciaram na década de 1820, quando o governo iniciou as discussões que
envolviam o fim do comércio de escravos. Já na década de 1850, o desejo do
progresso e da civilização exigiu mudanças no trato da escravidão, assim como o
crescimento do movimento abolicionista e a própria atuação dos cativos
expressavam a progressiva vulnerabilidade do regime escravista na segunda
metade do século XIX.

Desse modo, estamos diante de um período incomum para a escravidão,


onde senhores também precisaram se adequar aos novos enredos do projeto
emancipador, entre eles o arbitramento de alforrias e disputas judiciais em prol da
mesma. É justamente sobre as diferenças causadas pela lei do ventre livre que recai
nossa inquietude. Especialmente em Alagoas, alguns questionamentos precisam ser
respondidos. Entre eles, qual seria o alcance dos mecanismos legais de liberdade
na Província? De que maneira os cativos usufruíram da Lei? E como os senhores
alagoanos buscaram alternativas para se ajustar à Lei? São essas algumas das
dúvidas que norteiam nosso estudo e, por intermédio das mesmas, buscaremos
detalhar, nos próximos capítulos, não apenas a execução do Fundo de
Emancipação, mas, em particular, analisar as transformações da escravidão em
Alagoas durante o processo de emancipação na segunda metade do século XIX.

60
CHALHOUB, op. cit., p. 199.
38

2. Alagoas e a emancipação dos escravos.

A alforria pode ser gratuita, seja porque o legislador


assim o decidiu, seja porque o proprietário quis
mostrar-se generoso. Em geral, porém, é concedida
com ônus. Nesses casos o escravo deve pagá-la em
moeda sonante, ouro ou papel, de uma vez ou em
prestações. Acontece, também, o escravo comprar-
se dando outro escravo a seu senhor. Contudo, se o
proprietário fixa em seu testamento um certo preço
para o escravo que seus herdeiros deverão libertar,
geralmente inferior ao valor real do cativo, este teto
deverá ser respeitado sem discussão.

Katia Mattoso. Ser escravo no Brasil, 2003.

A intervenção do Estado na escravidão foi responsável por reordenar o


controle da escravidão, e coube ao mesmo equacionar o regime de maneira segura.
A sua mediação buscava diminuir os possíveis percalços do projeto
emancipacionista, entre eles, uma desordem no controle dos escravos, sobretudo
após o Império intervir no controle dos senhores sobre suas propriedades. A
ambiguidade da Lei Rio Branco originou vários contornos no decorrer do projeto de
emancipação, que envolviam a obrigação da matrícula, a classificação dos escravos
para liberdade e a compra da alforria. Tais aspectos, juntos ou separados, foram
responsáveis por minar a estabilidade da instituição.

Portanto, após a Lei do Ventre Livre, senhores, escravos e os componentes


que formavam a junta classificadora tiveram que se adequar aos enredos originados
pela Lei, cuja dicotomia contribuiu para o desenvolvimento de uma estrutura flexível.
Sobre tal característica, a historiadora Keila Grinberg fez a seguinte observação:

É impossível desvincular a lei de 1871 do projeto de emancipação


gradual levado à frente pelo governo. Se, por um lado, ela golpeou “a
ascendência moral dos senhores sobre os cativos”, por outro marcou
o posicionamento do governo sobre a forma como deveria ser
encaminhada a questão da libertação dos escravos, já, àquela altura,
irreversível. [...] Assim, sendo a lei de 1871 considerada a primeira
positiva no que se refere a escravos, ela teria significado também o
61
cerceamento da possibilidade de obtenção da liberdade .

61
GRINBERG, Keila. Liberata: a lei da Ambiguidade: as ações de liberdade na Corte de apelação do
Rio de Janeiro, século XIX. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994. pp. 98-99.
39

Dessa maneira, a sua natureza ambígua não excluiu completamente os


senhores do acesso à liberdade através do fundo, porém, “o golpe na ascendência
moral dos senhores” contribuiu para tornar o processo de alforria mais dinâmico.
Logo, é a partir da associação do reconhecimento dos direitos dos escravos e da
fragmentação do poder senhorial, que tem início a execução das alforrias por
intermédio do fundo. Sendo assim, a província das Alagoas será o cenário das
nossas descobertas, onde iremos observar as mudanças que acompanharam a
escravidão no decorrer da década de 1870, especialmente, analisando a adaptação
e a conduta de escravos e senhores à nova legislação.

Ao iniciar o período de liberdade gradual, Alagoas era mais uma província da


região norte que sofria com o declínio da economia açucareira e a venda de
escravos para as plantações de café do sul, fatos que poderiam criar oposição à
realização do projeto, pois a emancipação representava mais uma perda à
propriedade dos senhores. Em meio ao comércio interprovincial, o censo de 1872
apontou que a Província possuía 35.741 escravos, do total de 348.009 habitantes.
Os números do censo revelam que pouco mais de 10% da população alagoana
estava subjugada ao cativeiro. Apesar de uma possível imprecisão, esses números
serão importantes para verificarmos a flutuação na quantidade de cativos durante o
projeto de liberdade gradual.

Como mencionamos anteriormente, a matrícula dos escravos foi a primeira


etapa do processo de liberdade, tarefa que era obrigatória para os senhores. O
decreto número 4.835, de 1º de dezembro de 1871, trazia as informações de como
aconteceriam os trabalhos, apontando que a operação deveria ser efetuada entre 1º
de abril e 30 de setembro de 1872, e poderia ser prolongada por mais um ano, até
setembro de 1873. A partir dessa data, os escravos que continuassem sem os
registros oficiais poderiam ser libertos, caso fosse provado judicialmente que os
proprietários foram os culpados pela falta de registros.

Apesar do adiamento nos prazos, alguns escravos conseguiram a liberdade


comprovando que não foram matriculados, logo, não eram propriedade dos
respectivos senhores. Em São Miguel dos Campos, seis cativos conquistaram a
liberdade dessa forma62, mas, infelizmente, não encontramos os processos judiciais

62
Relatório dos escravos manumitidos no município de São Miguel dos Campos 1876. Arquivo
Público de Alagoas 1876
40

que os conduziram à liberdade. Em Pernambuco, Lenira Lima registrou alguns casos


que envolviam a disputa da manumissão motivada pela falta de matrículas; o
episódio envolveu o escravo João e Luiz Gomes da Costa. Em 1866, o escravo
destinou uma petição ao presidente da Província de Pernambuco, solicitando que
não fosse colocado de volta no cativeiro63.

Logo, João vivia como liberto pela falta do registro, mas, na verdade, Luiz
Gomes o matriculou como Mathias e, segundo o próprio ex-escravo, João não foi
registrado. Em 1885, após a regulamentação da Lei dos Sexagenários, o proprietário
tentou efetuar a matrícula, fato negado pelo coletor local, pois João já vivia como
liberto há algum tempo. No entanto, o mesmo estava preso, o que considerava
ilegal, pois, sem a matrícula, não poderia ser tratado como escravo. O delegado
aceitou o argumento de João e o libertou da cadeia64.

O episódio revela que os dois personagens tentavam reafirmar as suas


disposições, além do que, podemos observar que João tinha pleno conhecimento
das regras do processo de emancipação, e as utilizou para questionar o domínio do
antigo proprietário; em torno dessa disputa, o ônus da prova coube a Luiz Gomes da
Costa: comprovar que João era seu escravo. Em Maceió, a confirmação de
propriedade foi exigida para a entrega do escravo Simão, que havia fugido do
Engenho Canoa, em Pioca, de propriedade do senhor José Joaquim Calheiros de
Mello, fato que foi confirmado ao delegado da cadeia da Capital65, com a lista de
matrícula apresentada com os nomes dos escravos registrados pelo proprietário em
agosto de 1872,

Imagem 1: Lista de matricula dos escravos de José Joaquim Calheiros de


Mello.

63
COSTA, Lenira Lima da. A lei do ventre livre e os caminhos da liberdade em Pernambuco,
1871-1888. Dissertação (mestrado em história) Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2007.
pp. 37-38.
64
Idem.
65
Entrega do escravo Simão, fevereiro de 1877. Arquivo Público de Alagoas. APA. Caixa 1734.
41

Fonte: Lista dos escravos matriculados pelo senhor José Joaquim Calheiros de Mello. Arquivo público
de Alagoas. APA. Caixa 1734.

A lentidão com a qual os escravos foram registrados se transformou no


primeiro dilema do Fundo de Emancipação, fato que esteve atrelado pela deficiência
nos recursos materiais ou humanos destinados a sua execução. Em Sergipe, os
trabalhos da junta classificadora foram atrasados por três meses devido à falta dos
livros de registros, além da falta de promotor, o que exigiu a suspensão dos
trabalhos da junta66. A dificuldade de realizar as matrículas não foi exclusividade da
província sergipana, fato que influenciou na prorrogação das matrículas em todo o
Império. O relatório do Ministério da Agricultura de 1873 fazia o seguinte informe
sobre o processo de matrículas:

Encontrou este sérvio algum, embaraço em certas localidades por


não existirem nas estações fiscais os livros respectivos [de
matrícula]; e em outras por não estarem as ditas estações
promovidas de pessoal. Procurou-se remover essas dificuldades,
permitindo-se, quanto às estações fiscais, que, em falta de coletores,
fosse a matrícula cometida aos agentes dos correios67.

66
CONRAD, Robert. Os Últimos anos da escravatura no Brasil 1850-1888. Rio de Janeiro,
Civilização Brasileira. 2.ed. 1878.p.136
67
Relatório do Ministério da Agricultura, 1873, p.6.
42

Ao final de 1872, o Ministério da Agricultura divulgou uma lista primária de


matriculados, que incluía apenas 198.814 indivíduos, divididos em onze províncias68,
quantidade bem inferior aos números apresentados pelo censo, que no mesmo ano
indicou a existência de 1.510.806 escravos no país. Como previa o decreto, o prazo
seguiria até o ano de 1873, quando os registros acumularam 1.002.240
matriculados69, e, após três anos, o número de matriculados alcançou 1.419.96670.
Sendo assim, não podemos creditar tais prorrogações de prazo exclusivamente à
rejeição dos senhores, mas à própria dificuldade do governo em manter sua
regularidade. A ampliação do prazo de matrícula contrariou até mesmo as normas
estabelecidas anteriormente, que libertavam os escravos sem matrícula após o
encerramento do prazo em 30 de setembro de 1873.

Alagoas foi uma das províncias que enviou o resultado das matriculas para o
Ministério da Agricultura e, aparentemente, não enfrentou grandes problemas em
realizar sua tarefa, remetendo ao governo Central os dados de mais de 32 mil
escravos. Através desses relatórios, formamos um quadro comparativo com
informações da primeira lista de matriculados e o censo da população escrava,
ambos em 1872. Vejamos:

Quadro 1: Comparativo entre os escravos matriculados e o censo de 1872.


Províncias Censo de 1872 Escravos matriculados 1872
Bahia 167.824 67.025
Maranhão 74.939 41.906
Alagoas 35.741 32.193
Sergipe 22.623 31.969
Paraná 10.560 13.780
Mato Grosso 6.667 5.803
Santa Catarina 14.984 3.674
São Paulo 156.612 933
Amazonas 979 909
Rio Grande do Sul 67.791 425
Pernambuco 89.028 397
Total 647.448 199.014
Fonte: Relatório do Ministério da Agricultura 1872 e censo demográfico de 1872.

68
Relatório do Ministério da Agricultura, 1872. p.4.
69
Relatório do Ministério da Agricultura, 1873. p.6.
70
CONRAD, op. cit., p.136
43

O quadro acima não deixa dúvidas quanto à morosidade nos registros, onde
nove Províncias e o Município Neutro deixaram de enviar os dados referentes à
matrícula; contudo, não poderemos delimitar os reais motivos que levaram a níveis
de ineficácia tão altos. Os resultados sugerem que essas localidades enfrentaram
sérios problemas administrativos durante o período das matrículas. Os resultados
das províncias de Rio Grande do Sul, Pernambuco e São Paulo podem ser um
reflexo disso, pois a quantidade de matriculados foi muito inferior quando comparada
com os dados da população escrava de cada Província.

A Bahia, aparentemente, também enfrentou problemas com a realização das


matrículas, uma vez que a Província enviou registros de quase 40% dos escravos
baianos. José Pereira Netto revela que várias localidades atrasaram o envio dos
registros devido à falta dos livros especiais, caso ocorrido nos municípios de Rio de
Contas e Caetité. Na Vila de Santo Antônio de Jesus, os trabalhos atrasaram devido
à inexistência do coletor das rendas no local, já a Vila de Santa Cruz não realizou a
matrícula pelos dois motivos, a ausência do terceiro membro da junta e a falta dos
livros71.

Na contramão desse processo esteve Alagoas. Já na primeira lista, em 1872,


foram enviados os registros de pouco mais de 90% da população cativa provincial. É
possível que a elevada porcentagem de registros estivesse relacionada à ausência
de graves problemas nos trabalhos da junta, considerando que até o momento não
encontramos qualquer problema que tenha dificultado a realização das matrículas
nos municípios alagoanos. Semelhante a Alagoas, esteve Mato Grosso, que
também atingiu níveis consideráveis de matriculados; porém, ressaltamos que a
mesma possuía pouco mais de 6.600 escravos, números que representavam menos
de 20% dos escravos alagoanos. Entretanto, é preciso destacar que as duas
províncias apresentaram as maiores proporções de registros especiais em 1872.

Os proprietários eram obrigados a realizar as matrículas anualmente; assim o


Império teria conhecimento da população de escravos do território nacional. Da
mesma maneira que poderia acompanhar a concessão de alforrias e,
consequentemente, o progresso do projeto emancipacionista. Em Alagoas, o

71
NETO, José Pereira de Santana. A alforria nos termos e limites da lei: o fundo de emancipação
na Bahia (1871-188) Dissertação (mestrado em história) Universidade Federal da Bahia, Salvador,
2012.
44

número de matrículas teve resultados semelhantes durante quase todo o período


que antecedeu as alforrias, porém, a quantidade de matriculados sofreu um grande
declínio no ano de 1873, como podemos observar no próximo quadro:

Quadro 2: Escravos matriculados em Alagoas entre os anos de 1872 -1875.

Ano Quantidade
1872 32.193
1873 19.920
1874 33.242
1875 30.216
Fonte: Relatórios do Ministério da Agricultura entre 1873-1876.

Dentro da perspectiva de falha, verificamos que, na maioria dos casos, o


número de escravos matriculados em Alagoas apresentou resultados compatíveis
aos números apresentados pelo censo. É possível que a redução na quantidade de
matrículas tenha sido motivada pelo fato de alguns senhores não atenderem a
exigência da confirmar a matrícula anualmente, acreditando que a mesma seria
efetuada apenas no ano de 1872, resultado que voltou a crescer novamente no ano
de 1874. As dificuldades na realização dos registros determinaria uma nova
prorrogação em sua execução.

Conrad revela que D. Pedro II, juntamente com seus conselheiros, voltariam a
ampliar o prazo para as matrículas, que foi estendido até novembro de 1875. Da
mesma maneira, definiu que os escravos sem registro até 30 de setembro de 1873
não seriam mais libertados72. Precisamos ressaltar que a demora na etapa inicial do
projeto causaria consequências na sua finalidade à concessão de liberdade, pois os
cativos só poderiam ser emancipados após a conclusão do registro especial.

O autor também foi enfático ao considerar o Fundo de Emancipação um


fracasso; apontou que a demora na realização das matrículas retardou as
manumissões, destacando que foram quase cinco anos para as primeiras alforrias,
que só foram anunciadas em 1876, quando o governo divulgou a emancipação de
1.503 homens e mulheres73. Ao ingressar na década de 1880, Conrad intensifica sua
posição ao fazer um parâmetro entre a concessão de liberdade por intermédio do
Fundo de Emancipação e as alforrias concedidas pelos senhores; foram 23 mil
libertos pelo projeto do governo até 1885, enquanto, por decisão dos senhores, 35
72
CONRAD, op. cit., p. 137.
73
Idem, pp. 137 - 138.
45

mil cativos haviam deixado o cativeiro em princípios de 1880 74. É necessário


salientar que, em meio a todo o processo de emancipação gradual, as províncias de
Ceará e Amazonas eliminariam a escravidão já em 188475.

As críticas de Robert Conrad foram desenvolvidas a partir de uma minuciosa


análise, indicando que as falhas do programa de emancipação foram originadas,
desde o seu início. A demora na execução dos registros especiais delimitou a baixa
quantidade de emancipações. Ele finaliza elegendo duas razões para a demora na
aplicação das quotas: primeiramente, faltou aparato administrativo, pois o governo
não providenciou os mecanismos necessários para que as províncias executassem
a tarefa. O segundo seria a falta dos recursos financeiros, uma vez que, somente as
loterias, multas e impostos, seriam incapazes de oferecer os recursos necessários
para o pagamento das indenizações. Assim, jamais conseguiriam os valores
suficientes para libertar um número considerável de escravos76.

Está nítida a visão pessimista que o autor tinha sobre o fundo, o que fica mais
evidente ao comparar os seus resultados com as alforrias particulares. Porém, ele
não é o único a mencionar esse fato. A historiadora Emília Viotti da Costa retrata o
assunto de maneira mais detalhada, comparando o número de alforriados em São
Paulo, no ano de 1879, com o Fundo de Emancipação. Em seus dados, ela aponta
que o fundo havia concedido a liberdade a 372 pessoas, isso em 79 municípios,
enquanto que, por ação particular, foram 3.410 libertos77. Podemos verificar que
ambos os autores destacam a ineficiência numérica do Fundo de Emancipação, no
entanto, em seu conjunto, a Lei foi responsável por romper o domínio senhorial,
abrindo brechas legais aos escravizados, instituindo métodos de liberdade que estes
sabiam manipular, ou seja, sua influência em minar a escravidão é tão importante
quanto a sua finalidade numérica.

Apesar das frustrações em torno dos resultados do Fundo, notamos que a Lei
originou mudanças na reação dos próprios escravizados. Logo, salientamos que a
classificação para liberdade também dependia do cativo, era o seu comportamento
que delimitava sua classificação. Sendo assim, a liberdade através do Fundo de
Emancipação não foi uma ação exclusiva do Império, mas, no mínimo, uma decisão

74
Idem, pp. 138-140.
75
Idem, pp. 241-247.
76
Idem, p. 141.
77
COSTA, Da senzala à colônia, op. cit., p.459.
46

compartilhada, onde o escravo, além de poder se adequar, conseguiu manipular as


exigências de comportamento definidas em 1871.

Já vimos que, em Alagoas, o juiz de Passo do Camaragibe atestou a


mudança no comportamento dos escravos – iremos utilizá-lo novamente devido a
sua importância em nosso posicionamento -, descrevendo que, após 1871, o
escravizado trabalhava com o intuito de formar seu pecúlio e que, na esperança de
conquistar a liberdade, o escravo já não processava como antes, [...] além de afirmar
que o mesmo não a buscava por meio da insurreição, mas esperava as tendências
filantrópicas do século. A mudança de conduta descrita por José Carvalho não
indicaria uma espera, e, sim, uma clara interpretação que os cativos fizeram da Lei,
adequando o seu comportamento para evitar qualquer risco de exclusão.

Essa adaptação é importantíssima, e a partir dela nos reportarmos a Michel


de Certeau78. Segundo o autor, o cotidiano é um espaço de aprendizado, e através
de tarefas simples é possível desenvolver novas fórmulas de atuar sobre ambientes
distintos. Logo, a experiência da escravidão exigia que os escravos buscassem
alternativas de amenizar sua condição; fingir respeito e bom comportamento poderia
funcionar para conquistar a simpatia e a confiança dos proprietários. Na verdade,
não podemos resumir a disputa entre senhores e escravos ao embate direto; em
várias oportunidades, os cativos usaram da astúcia com o objetivo de ratificar suas
escolhas, Kátia Mattoso já alertava sobre essas ações silenciosas:

Existem, porém, formas sutis de oposição, condutas que beiram os


limites da honestidade, muito conhecidas no mundo dos cativos.
Aquele escravo, obrigado a um trabalho forçado, joguete nas mãos
de seus chefes negros e brancos, senhores ou amigos de senhores,
aquele escravo obediente, fiel e humilde, cujo poder e autoridade são
nulos, este contesta à sua maneira particular. É capaz de todos os
tipos de sabotagens. Algumas delas o senhor termina por descobrir,
como os furtos de alimentos, de roupas, de dinheiro e sobretudo de
mercadorias, que são a praga das fazendas de café e das minas de
diamantes. Outras há, porem contra as quais é usada a autoridade
dos chefes; desmazelo no trabalho profissional, paralisações
intermitentes, tornar impossível a existência daqueles crioulos ou
negros que são “criaturas” do senhor.[...] Trapacear o senhor é um
jogo que tem sua justificativa na própria opressão79.

78
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano 1: As artes de fazer. Petrópolis: Vozes. 2005.
79
MATTOSO, op. cit., p.. 157.
47

A passagem de Mattoso demonstra uma série de artifícios que confirmam o


uso de artimanhas para contrapor o regime. Percebemos que são atitudes simples,
empreendidas através do conhecimento adquirido diariamente. Tais exemplos
evidenciam que não basta a capacidade de aprender, mas ser capaz de fazer a
leitura do momento ideal para colocar o seu plano em prática. Assim o fez Catharina.
A escrava estava embargada por José da Silva, seu verdadeiro senhor, para o
pagamento de dívidas adquiridas com José Lins de Meira, e durante a disputa dos
senhores, a escrava foi anunciada como fugitiva; possivelmente a discórdia entre os
senhores foi determinante para empreender a sua fuga80.

O caso de Catharina não foi algo exclusivo, visto que tirar proveito de falhas
do regime foi aspecto marcante, especialmente quando aconteciam no aparelho
repressivo. O contexto local teve forte influência nas iniciativas de reação, e, nesse
caso, a cidade do Recife representa bem a conexão entre fugas e as brechas do
sistema escravista. O historiador Marcus Carvalho nos assegura que, entre os anos
de 1817 e 1824, o quilombo do Malunguinho viveu seu período de apogeu, aspecto
que coincide justamente com a instabilidade política e econômica da cidade. As
disputas entre as elites locais abriu brechas no regime, o que favoreceu a fuga dos
escravos. Durante sua existência, até o fim década de 1830, o quilombo funcionou
como polo de atração para os escravos fugitivos, além de se tornar símbolo da
resistência escrava em Recife81.

Os escravos do território alagoano também usaram de situações atípicas para


empreender fuga. A seca na década de 1870 ocasionou um processo de migração
no interior da Província. Alguns escravos viram nessa alternativa, a possibilidade de
fugir, como foi o caso de Lucio e José Tiburcio em 1878. Os anúncios de jornais
revelam que os escravos pretendiam se passar por retirantes. Tais casos trazem
outras semelhanças, o possível ponto de partida da fuga, as cidades margeadas
pelo Rio São Francisco, Penedo e Piranhas82. É provável que o rio tenha funcionado
como uma rota de fuga para a província de Sergipe. Uma fuga para uma localidade

80
O liberal, ed. 186, 6 de setembro de 1878. APA.
81
CARVALHO, Marcus J. M. Rumores e rebeliões: Estratégias de resistência escrava no Recife,
1817-1848. Tempo, vol. 3- nº 6, p. 49-72, 1998. p.55.
82
O Rio São Francisco foi alternativa igualmente usada pela escrava Lucrécia em direção a Sergipe,
e Romão estaria em Penedo; é possível que o Rio fosse à alternativa de fuga para o mesmo. SILVA,
Wellington José Gomes da. A busca de um novo destino: Os escravos e a conquista da liberdade
na Alagoas provincial. 1878-1888. Monografia (Graduação) em História. Universidade Federal de
Alagoas. UFAL, 2015.p.58.
48

distante poderia ser entendida como um rompimento imediato com o atual


cativeiro83. Tais episódios revelam a interpretação que os cativos tinham do seu
ambiente. O disfarce entre os retirantes e a saída para uma região mais distante dos
seus senhores evidenciam o desenvolvimento de estratégias de ação pensadas a
partir das transformações do ambiente em que estavam inseridos.

Esse mesmo procedimento foi averiguado na província do Grão-Pará. José


Bezerra Neto constata que durante a Cabanagem84, a fuga de escravos tornou-se
uma calamidade. A intensidade delas levou as autoridades a modificarem a
legislação local com o objetivo de coibir as fugas e os próprios mocambos, 85
situação que reafirma a interpretação do ambiente. Tal fato ganha mais notoriedade,
quando a cidade de Caiena transforma-se em rota de fuga para os cativos
paraenses, especificamente após o fim da escravidão no território francês,

as notícias editadas pela imprensa paraense, acerca das expressivas


fugas de escravos em direção ao território da colônia francesa, no
período posterior ao término da escravidão na mesma, indica-nos
perfeitamente a leitura feita pelos escravos, a partir do processo de
intercâmbio de informações havido entre os dois lados da fronteira,
fazendo com que as próprias fugas adquirissem novos significados,
86
embalados pela esperança da obtenção da liberdade em Caiena .

Em Alagoas, podemos verificar essa leitura através da redução nos processos


de justiça e insurreições. Até mesmo a fuga de Catharina nos expõe iniciativas que
foram desenvolvidas conforme a necessidade oriunda do cotidiano de cada escravo,
salientando que essa movimentação ocorria em espaço adverso e dominado pelos
senhores. Nesse âmbito, os escravos desenvolveram suas táticas contra o cativeiro.
Através do conceito de Certeau, vemos que essa atuação acontece no lugar do
outro, sendo construída por partes, especialmente em ocasiões oportunas. Sendo
assim, temos ações que são executadas em um âmbito de conflitos, o que é
83
Entre as modalidades de reação contra o cativeiro, João José Reis, aponta a fuga para localidades
distantes como uma tentativa de liberdade definitiva. Reis, João José; SILVA, Eduardo. Negociação
e Conflito: A resistência escrava no Brasil escravista. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. p. 66.
84
A Cabanagem foi mais um dos movimentos separatistas do período Regencial do Império,
aconteceu na província do Pará (1835- 1840), a revolta envolvia a disputa entre portugueses e
liberais paraenses. Após um longo conflito, os rebeldes conseguiram tomar a capital, Belém, porém,
logo depois, foram expulsos pelas tropas do Império. CARVALHO, José Murilo de. A vida política. In:
SCHWARCZ, Lilia Moritz. (Dir.) CARVALHO, José Murilo de. História do Brasil Nação:1808-2010.
CARVALHO, José Murilo de. (Org.) A construção nacional. Vol. 2. Madri: Fundação Mapfre; Rio de
Janeiro: Objetiva, 2011. p. 91.
85
NETO, José Maia Bezerra. Ousados e insubordinados: protesto e fugas de escravos na província
do Grão-Pará – 1840/1860. Topoi, Rio de Janeiro, v. 02, p. 73-112, 2001. op. cit., p. 78.
86
Idem, p. 88.
49

entendido pelo autor como estratégia, local onde ocorre o cálculo de relação de
força que seria capaz de isolar um sujeito de vontades próprias87. Portanto, o
controle do regime escravocrata e o domínio senhorial funcionavam como o “lugar”
capaz de reprimir a autonomia dos cativos.

Desse modo, tais perspectivas dizem muito sobre a nossa pesquisa,


destacando que a escravidão foi um espaço de disputas sob o domínio dos
escravistas, porém, sendo usado pelos cativos como local de reação, ou seja, vários
artifícios foram criados e executados em um ambiente desfavorável, mas não
desconhecido. Foi justamente a compreensão do ambiente que os fizeram atuar no
momento adequado. Tanto as observações quanto as experiências vistas na
Província de Alagoas são o reconhecimento de que os escravos estiveram distantes
de ser meros espectadores da sua sorte, como demonstrou o juiz José Carvalho em
Passo de Camaragibe.

2.1 Os senhores e a liberdade particular.

A forma veemente com a qual o Fundo de Emancipação foi questionado não


deixa dúvidas sobre a possível ineficiência do seu propósito, principalmente quando
comparado com a concessão da liberdade particular. A partir de então, esse
parâmetro emerge como ponto importante. Os números apresentados por Robert
Conrad e Emília Viotti nos fazem acreditar que não estamos falando de alforrias
esporádicas, mas de um movimento concreto de manumissão. Portanto, enquanto o
Império buscava alternativas para o funcionamento do seu projeto, os proprietários,
através das alforrias particulares, criaram um processo de emancipação próprio, que
continuou sob os seus critérios de liberdade.

Tal iniciativa tinha uma clara finalidade, continuar exercendo algum comando
sobre os cativos mesmo após a liberdade. Foi isso que demonstrou Hebe Mattos ao
investigar a concessão de alforrias e o processo de deserção nas fazendas de
Campos, interior do Rio de Janeiro:

87
CERTEAU, op. cit., p. 45.
50

Não havia mais como reprimir pela força as deserções. [...] A seus
senhores restava tentar antecipar-se à desagregação definitiva do
poder senhorial, para preservar sua autoridade moral e a
88
organização do trabalho, como faziam os proprietários paulistas .

Em meio a expectativas pessoais, os escravistas deram início ao seu projeto


de liberdade. Logo após 1871, o Império passou a registrar esses dados, revelando
ter ciência de que ocorria um movimento paralelo de alforrias, ou seja, antes mesmo
de o governo libertar qualquer cativo, as manumissões se tornaram uma realidade,
porém, por intermédio dos senhores com da concessão das alforrias privadas. O
contraste quantitativo entre os dois projetos gerou as inúmeras críticas ao Fundo de
Emancipação, particularmente por sua inexpressividade numérica, pois, enquanto o
Império tentava efetivar sua proposta de emancipação, as alforrias particulares
dominaram o cenário de liberdade.

O primeiro registro oficial sobre as alforrias particulares foi informado no


relatório do Ministério da Agricultura do ano de 1876, contendo os dados desde 28
de setembro de 1871 até dezembro de 1875. Ao mencionar esse aspecto, o relatório
traz a seguinte descrição:

A grande obra da gradual extinção do estado servil tem encontrado


concurso eficaz nos generosos sentimentos da nossa população.
São raras as disposições de última vontade em que se não
concedem libertações. Os bons serviços dos escravos são o mais
das vezes recompensados por seus senhores com a liberdade a
titulo gratuito89.

Podemos entender o entusiasmo da liberdade particular a partir da


disparidade numérica entre os dois projetos, mesmo apresentando alguns
problemas, como a falta de dados do Piauí e as informações incompletas do
Amazonas. A concessão de alforrias particulares chegou ao resultado de 21.70490
libertos, enquanto o Fundo tinha emancipado 1.503 indivíduos. O número de
emancipações em cada província é variado: enquanto no Amazonas foram 18
libertos, na Corte foram 3.044. Juntamente com a Corte, outras quatro localidades
sozinhas alforriaram mais escravos do que o Fundo de Emancipação; foram elas:

88
MATTOS, Hebe. Das cores do silêncio: os significados da liberdade no sudeste escravista. 3º ed.
Campinas, São Paulo: Editora da Unicamp, 2013. p. 225.
89
Relatório do ministério da Agricultura, 1876, p. 15.
90
Idem, p.16.
51

Rio de Janeiro e São Paulo, ambos com mais de 3 mil libertos , além do Rio Grande
do Sul e Minas Gerais, com mais de 2 mil cada91.

Essa foi a dinâmica dos anos seguintes. Enquanto o fundo apresentava


resultado restrito de emancipações, os senhores alcançavam números contundentes
por meio da liberdade particular. Como afirma o relatório, esse seria o reflexo da
“grande obra da gradual extinção do estado servil”, no entanto, o abolicionismo
particular não perdeu todas as marcas do regime. A prática de libertar os escravos
condicionalmente não deixou de ser exercida pelos proprietários, haja vista que
muitas dessas alforrias continuavam sendo concedidas a título oneroso. Até o mês
de dezembro de 1878, dez províncias, juntamente com a Corte liberaram 16.086
escravos de forma gratuita, e 3.747 a titulo oneroso. Vejamos o quadro completo do
relatório da agricultura de 1879:

Quadro 3: Liberdade particular e emancipação no Império.

Titulo
Província gratuito Titulo oneroso F. emancipação Total
Amazonas 147 3 150
Pará 1267 936 76 2279
Maranhão 2868 2868
Piauí 643 419 124 1186
Rio Grande do Norte 513 324 48 885
Pernambuco 2220 563 341 3124
Alagoas 346 570 122 1038
Espírito Santo 694 281 77 1052
Corte 1317 1317
Rio de Janeiro 3392 492 674 4558
Santa Catarina 678 142 44 864
Total 16086 3747 1509 21342
Fonte: Relatório do Ministério da Agricultura 1879.

O quadro nos oferece uma dimensão real do alcance do processo de


liberdade gradual. Ao verificarmos apenas as alforrias particulares, vemos que o
movimento abolicionista e o emancipacionista não foram capazes de derrubar todas
as práticas inerentes à escravidão. A liberdade a título oneroso permitiu que muitos
proprietários continuassem utilizando os cativos por mais algum tempo, mas,
particularmente, evitava que o Estado interviesse no seu direito de propriedade. Isso

91
Idem, p. 16.
52

decorre do decreto de 5.135, de 13 de novembro de 1872, trazer a seguinte


especificação no 1º parágrafo, do 32º artigo: Os alforriados com cláusulas de
serviços durante certo espaço de tempo, ou sujeitos a cumprir alguma outra
especificada condição, não serão contemplados na classificação; e, se classificados,
serão omitidos.

O historiador Marcus Carvalho salientou que a alforria seria conquistada, por


meio de um processo gradativo, este seria caracterizado por um conjunto de direitos
que poderiam ser adquiridos ou perdidos com o tempo, ou seja, a flexibilidade marca
o caminho da liberdade92. Todavia, essa trajetória seria mais complexa no caso da
alforria condicional, em que o cativo vivia obstáculos mais instáveis, qualquer
descuido seria o fim de sua jornada para a liberdade,

juridicamente, então, a situação do statuliber parece muito próxima


dos alforriados sem condições ou restrições de qualquer espécie. Na
prática, porém, a liberdade do statuliber é ameaçada, assaltada de
todos os lados por limitações previstas na carta de alforria. As mais
comuns, mais numerosas, estipulam que o escravo somente será
livre após a morte de seu amo e senhor. Esta cláusula aparece com
a frequência de um refrão, como uma litania em inúmeras cartas de
liberdade93.

A liberdade condicional colocava os cativos em uma situação transitória;


atitudes entendidas pelos senhores como desrespeito ou desobediência poderiam
terminar com a revogação da liberdade concedida94. A prestação de serviços até a
morte do proprietário poderia tornar-se um período de incertezas para os escravos; o
senhor talvez tivesse uma longa vida pela frente, e, com isso, frustrar qualquer
possibilidade de alforria imediata. Esse não seria o único empecilho, os herdeiros do
senhor poderiam reivindicar a liberdade do cativo após a morte do seu proprietário.

É o que observou Sidney Chalhoub através do caso da africana Cristina, que


alegava estarem libertas ela e suas filhas com a morte de sua senhora; portanto,
uma alforriada condicional. Contudo, após a morte da senhora, seus filhos
reivindicaram o direito sobre as três escravizadas, a questão foi levada à justiça, que

92
CARVALHO, Liberdade, op. cit., p.214.
93
MATTOSO, op. cit., p. 208.
94
Em 1865, os tribunais declararam inadmissível a revogação de alforria. Idem, p.180. O 9º artigo da
Lei do Ventre Livre também proibia a revogação de alforrias.
53

decretou a liberdade de mãe e filhas95. Tal episódio revela a fragilidade da alforria


condicional e o quanto os libertos condicionais estavam reféns dos caprichos
senhoriais. Diante disso, notamos que o recurso da liberdade particular não deixou
de reproduzir a dicotomia do regime escravocrata.

O relatório do Ministério da Agricultura de 1879 mostra que Alagoas foi a


única localidade que alforriou mais escravos a título oneroso; ao total, foram 570,
contra 346 alforriados gratuitamente96. No entanto, os primeiros resultados de
alforria foram divulgados em 1876, registrando a manumissão de 421 entre os anos
de 1872 e 187597. Felizmente, conseguimos alguns desses dados, e dos mais de
quatrocentos escravos localizamos alguns no município de São Miguel dos Campos.
As libertações ocorridas na localidade podem ser dividias em 71 escravos alforriados
até a metade da década, deses, 3 por testamento, 8 através de inventários, 12 pelo
fundo de emancipação e 42 por concessão dos proprietários98. Podemos observar
melhor os municípios dos emancipados alagoanos no mapa a seguir.

95
CHALHOUB, op. cit., pp.135-136.
96
Relatório do Ministério da Agricultura 1879. Dados referentes ao ano anterior.
97
Relatório do Ministério da Agricultura 1876. p. 16
98
Não foi detalhada a modalidade das alforrias particulares. Relatório dos escravos manumitidos no
município de São Miguel dos Campos em 1876. Arquivo Público de Alagoas. APA. Caixa 1527.
54

Fonte: Carta topográfica e administrativa das Províncias do Pernambuco, Alagoas e Sergipe


Biblioteca Nacional: http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_ cartografia
/cart67925/ cart67925 _6.

Outras localidades trouxeram informações mais detalhadas sobre o processo


de liberdade gradual, por meio das quais encontramos 29 emancipados entre os
municípios de Murici, Atalaia e Assembléia (atual Viçosa), onde podemos verificar a
existência de liberdade condicional e gratuita, além do pagamento da própria alforria.
Em Atalaia, foram 12 alforriados, 3 homens e 9 mulheres; desses, apenas Camila
pardinha, foi alforriada sob condição, tinha que prestar serviços ao Major Inácio de
Morais até a sua maioridade99. Aparentemente, a atitude do Major não foi algo
atípico no regime escravista. Alforriar crianças parece ter sido prática comum. Quem
nos revela isso é Maria de Fátima N. Pires. Ao estudar o sertão baiano, a autora
registrou que 91 crianças deixaram o cativeiro nas duas últimas décadas que
antecederam a abolição100.

Além da relação de amor, muitos senhores alegavam o sentimento de


responsabilidade como motivo para alforria das crianças, contudo, muitas foram

99
Relatório dos manumitidos município de Atalaia 1876. Arquivo Público de Alagoas. APA.
100
PIRES, Maria de Fátima Novaes. Cartas de Alforria: "para não ter o desgosto de ficar em
cativeiro". Revista Brasileira de História, v. 26, p. 141-174, 2006.
55

manumitidas condicionalmente, sob a justificativa de aprender um ofício para


sobreviver como libertos. Infelizmente, não saberemos o real motivo que levou
Camila a ser alforriada condicionalmente na Atalaia de outrora, nossa única certeza
é que a mesma teria que percorrer um longo caminho até sua liberdade definitiva.
Ainda sobre Rio das Contas, Fátima Pires relata detalhes da escravidão infantil e
afirma que:
diante do escasso plantel de muitos sitiantes e lavradores, o trabalho
dos pequenos escravos se mostrava valioso. Em tenra idade,
trabalhavam na lavoura e com o gado, carregando água das fontes,
ou como aprendizes nas oficinas de ferreiros, seleiros, latoeiros... As
meninas, desde cedo, aprendiam com as mães as habilidades da
cozinha e da costura, a lavar e a engomar, todas as artes do serviço
doméstico...101

Não encontramos muitas crianças entre os emancipados, até mesmo porque


a prioridade de emancipação era dada às famílias e, individualmente, a preferência
foi dada às mulheres que estivessem acima dos 12 anos. Em Atalaia, foram
classificados cinco jovens para liberdade com apenas 12 anos, todos do sexo
masculino e trabalhadores agrícolas102. Já em São Miguel dos Campos, em 1880,
identificamos mais três casos, Sebastiana 11 e Elvira 7, as duas exerciam a
profissão de costureira, além de Balsenêo, alfaiate com 13 anos103.

O caso desses jovens comprova que a pouca idade dos cativos não impediu
os senhores de usar os seus serviços, haja vista que os cinco emancipados de
Atalaia já estavam aptos para o serviço da agricultura; levando em conta as
observações de Moacir Sant’na, é possível que trabalhassem na produção de
açúcar ou algodão, principal produto cultivado no município104. Já os emancipados
de São Miguel eram especializados no ofício da costura. A idade do trio demonstra
que o ensino de algum ofício ocorria desde muito cedo. Os cativos eram preparados
para realizar uma ou mais funções específicas. Tais episódios atestam o comentário
realizado por Kátia Mattoso, ao afirmar que “seria entre os 7 e 8 anos que a criança
teria seu primeiro choque; a partir de então, as exigências dos senhores tornam-se

101
Idem, p. 9-10
102
Lista dos escravos Emancipados no município de Atalaia. Arquivo Público de Alagoas. APA. Caixa
1527.
103
Lista dos emancipados no município de São Miguel dos Campos 1880. Arquivo Público de
Alagoas.
104
SANT’ANA. Moacir Medeiros de. Contribuição à história do açúcar em Alagoas. Recife:
Instituto do açúcar e álcool e museu do açúcar 1970. p. 110.
56

precisas e indiscutíveis, igualmente seria o momento onde teria uma profissão


ensinada”105. As crianças encontradas nas Alagoas confirmam tal circunstância.

Encontramos, em Alagoas, as características descritas por Maria de Fátima


em Rio das Contas. Quando ainda novos, muitos escravos foram ensinados a
exercer algum ofício. Aprendizes que futuramente efetuariam atividades específicas,
seja no ambiente doméstico, bem como os três especialistas na arte de coser ou 5
destinados ao serviço agrícola. Robson Costa detecta episódio similar para Olinda,
quando 3 pequenos escravos entre 6 e 7 anos já eram descritos com a profissão de
domésticos, e Lúcio, de 7 anos, encontrava-se apto para o trabalho106. Os exemplos
de Alagoas, juntamente com os ocorridos em Olinda e Caetité, evidenciam o quanto
essas crianças eram importantes para o futuro financeiro dos senhores. Quanto a
isso a historiadora Andréa Lisly indica como essas relações de dependência eram
mantidas em Ouro Preto, a partir do costume existente no cotidiano. Para ela,

tratar como suas crias as filhas de suas escravas parece revelar a


contraditória disposição das proprietárias de reforçarem o seu direito
de propriedade sobre a descendência de suas cativas, ao mesmo
tempo em que demonstrava a tentativa de estabelecimento de um
vínculo de tipo paternalista.107

Quando a manumissão foi comprada pelos cativos, os proprietários


continuaram arrecadando altos valores. Em Assembléia (Viçosa), até 1875, foram 10
escravos libertos; no entanto, somente 3 sem qualquer prestação de serviços, os
demais tiveram que pagar por sua alforria, valores que chegaram à quantia de
1:500$000 reis.108 Para compararmos o alto preço pago pela liberdade, com essa
mesma quantia, em 1881, Marcos José Antônio da Silva comprou duas faixas de
terra nos engenhos de D. Rosa Policarpo da Rocha, ambos no município de São
Miguel dos Campos. As altas quantias pagas no município acompanham a elevação
dos preços que surgiram durante o período de emancipação, sendo essa uma das
maneiras encontradas pelos senhores para garantir um ótimo preço pela liberdade
dos cativos.

105
MATOSSO, op. cit., p. 129.
106
COSTA, Robson. Vozes na Senzala: Cotidiano e resistência nas últimas décadas da escravidão,
Olinda, 1871-1888. Recife: ed. Universitária da UFPE, 2008. p. 102.
107
GONÇALVES, Andréa Lisly. As margens da liberdade: estudo sobre a prática de alforrias em
Minas colonial e provincial. Belo Horizonte, MG: Fino Traço, 2011. p. 197.
108
Lista dos escravos manumitidos na Vila de Assembleia, 1876. Arquivo Público de Alagoas. APA.
Caixa 1527.
57

Está evidente que os sentimentos de benevolência e caridade não foram


expressos pelos senhores do município de Assembléia. Em 1873, a escrava Izabel
recebeu sua alforria através de testamento, sendo conquistada após a morte do seu
proprietário, o major Luiz Correia. Portanto, trata-se de uma liberdade sob prestação
de serviços. Como vimos no caso de Cristina, a alforria condicional poderia expor os
cativos a uma situação de incertezas, exigindo dos mesmos o reforço na
demonstração de respeito e obediência, sendo provável que, até conquistar sua
liberdade, a escrava Izabel tenha precisado arquitetar seus movimentos com
cuidado para transformar sua alforria condicional em definitiva.

A compra da própria liberdade foi a principal porta de saída do cativeiro no


município de Assembléia, afirmando o traço de negócio atribuído à alforria, essa
característica justifica o pagamento de valores tão altos no local, entre 600$000 até
1:500$000. As alforrias foram conquistadas através do pagamento, indicando que o
ambiente rural de Assembléia não figurou como empecilho para os cativos
acumularem seu pecúlio, possivelmente a diversidade da sua produção agrícola,
com cana, algodão e mandioca109 tenha contribuído para os escravos conseguirem
recursos suficientes para comprar sua liberdade. Também podemos supor que tais
quantias levaram os cativos a recorrer a seus laços afetivos, como diria Mattoso, “a
alforria nunca é uma aventura solitária, mas o resultado de um tecido de
solidariedades, múltiplas e entrelaçadas”110. Assim, não é possível excluir a
possibilidade que parte do dinheiro arrecadado tenha sido emprestado ou doado por
um parente, amigo ou alguém que mantinha laços com o escravo.

2.2 Os escravos “banda forra”.

O Fundo de Emancipação foi um mecanismo de liberdade muito particular. No


tópico 2.1, vimos que seis cativos foram emancipados por falta de registro, algo que
parecia impossível após tantos adiamentos no prazo das matrículas. Outro
acontecimento chama atenção em Alagoas, conseguimos encontrar entre os
emancipados vinte cativos que possuíam alguma parte de livre. O artigo 32, do

109 109
SANT’ANA, História à contribuição do açúcar em Alagoas. op. cit. pp. 110-111.
110
MATTOSO, op. cit., p. 194
58

decreto 5.135 impedia a liberdade dos escravos com cláusulas de serviço; no


entanto, o artigo 90, do mesmo decreto, aponta a prerrogativa de que teriam
preferência de liberdade os classificados que apresentassem o menor tempo de
serviços a ser cumprido.

Esses vinte emancipados trazem detalhes sobre o andamento dessa


manobra, todos eram escravos adultos, classificados pelos senhores como aptos
para o trabalho. Em sua maioria, os escravos trabalhavam na lavoura. Mesmo
possuindo parte da sua liberdade, apenas seis escravos conseguiram constituir
pecúlio. Será igualmente importante verificarmos que à liberdade parcial estabeleceu
diferentes avaliações na Província.

Observamos seus locais de residência; são três: Murici, São Miguel dos
Campos e Traipu. Neste último, a prática de alforriar por partes foi mais recorrente, o
município teve seis cativos emancipados com cláusulas de serviço. O destaque para
suas alforrias fica por conta das avaliações. Mesmo possuindo metade da sua
liberdade, os escravos alcançaram cifras acima de 1 conto de réis111. Os altos
preços seriam uma realidade para o período de emancipação, Félix Lima Júnior
relata que, em 1879, a escrava Francelina, preta, de 30 anos, seria negociada em
Maceió ao total de 800$000112. Apesar de alto, o valor dela foi inferior a muitas
indenizações pagas através do Fundo de Emancipação. Por exemplo, em 1880, o
escravo Pedro, trabalhador agrícola, de 34 anos, foi avaliado por 1 conto de réis em
Anadia113.

A situação dos preços elevados é, no mínimo, intrigante, pois estamos


falando de escravos que possuíam uma “banda forra”114 e, mesmo assim, foram
emancipados com valores referentes a um cativo sem o dito privilégio. O ofício
também não validava essa valorização. É inegável que estamos nos deparando com
o prevalecimento do interesse senhorial, e este não foi um caso específico. Ao total,
19 senhores não abdicaram o direito de receber a indenização pelos escravos
libertos condicionalmente. Contudo, notamos situações diferentes no município de

111
Lista dos escravos emancipados em Anadia em 1880. Arquivo Público de Alagoas. APA. Caixa
976.
112
JÚNIOR. Félix Lima Júnior. A escravidão em Alagoas. Maceió. s/ed. 1974.p.87.
113
Fundo de emancipação do município de Porto Calvo 1882. Arquivo Público de Alagoas. APA.
Caixa 1624.
114
Esse é o termo utilizado na documentação para identificar os escravizados que teriam sido
alforriados condicionalmente. Félix indica que essa seria uma prática comum entre os senhores
alagoanos, negociar metade tanto com senhores quanto com os próprios cativos. Idem, p.19.
59

Camaragibe, onde três senhores não concordaram com o valor da indenização115,


no entanto, esse fato não impediu a emancipação dos cativos.

O último caso a ser mencionado é o de Maria, classificada no município de


Traipu. A escrava, que seria emancipada aos 52 anos, trabalhava como cozinheira e
seu senhor, o vigário Vicente Ferreira, não concordou com os 100$000 de
avaliação116. A história de Maria tem uma peculiaridade: a escrava tinha “uma banda
e mais parte um quarto de forra”, - a escrava possui 62,5% de forra- ou seja, Maria
estava presa ao cativeiro por apenas 37,5%, o que não foi suficiente para ser liberta
pelo próprio vigário. Ao se mostrar descontente com a indenização recebida,
percebemos que ele buscava receber o máximo possível, como fez o senhor de
Pedro. A atitude de ambos não foi exceção, e, sim, um procedimento desenvolvido
pelos escravistas para conseguir mais recursos pelo Fundo de Emancipação.

Esses acontecimentos demonstram que o Fundo de Emancipação não foi


capaz de modificar muitos percalços da escravidão. A liberdade condicional foi um
deles, Marcus Carvalho é quem nos alerta sobre algo essencial desse dispositivo. O
autor lembra que o homem era indivisível; a sua liberdade, não. Ela tinha gradações
e era multifacetada117. A liberdade condicional reproduz ocasiões inusitadas, entre
elas a revogação da alforria, colocando o cativo sob um sistema de vigilância até
mais delicado, no qual o respeito e a obediência precisam ser atestados
frequentemente. O pequeno passo que falta para a liberdade é o mesmo para
retornar ao cativeiro.

Contudo, a posse da carta de alforria muitas vezes continuou mantendo o


escravo sob situação delicada; o nosso próximo caso tem como plano de fundo a
vila de São José da Laje, localizada na zona da mata alagoana. A história de
Adriana e sua filha está diretamente associada à separação dos seus proprietários,
Francisca Procópio das Chagas e Marcolino Ferreira de Araújo. A senhora concedeu
a alforria às duas escravas, porém, seu antigo esposo não concordava com sua
decisão e pretendia revogar a liberdade. A suspeita de agressão contra as duas
libertas levou Francisca Procópio à delegacia do município para denunciar o ex-

115
Não foi alegado na lista os motivos para divergência no preço dos escravos classificados. Lista
dos escravos classificados para liberdade no município de Camaragibe em 1880. Arquivo Público de
Alagoas. APA. Caixa 1097.
116
Lista dos escravos classificados para liberdade no município de Traipu. Arquivo Público de
Alagoas. APA. Caixa 1527.
117
CARVALHO, Marcus. Liberdade op. cit., p. 248
60

marido. Dias depois da acusação, Marcolino devolveu Adriana para o convívio da


filha e da antiga senhora. O chefe de polícia indica que os enredos da disputa
tornaram a história conhecida na região, fato que pode ter determinado a mudança
de opinião de Marcolino, ou seja, o ambiente social acabou influenciando na causa
das libertas118.

A história de Adriana é semelhante à da africana Cristina, descrita por Sidney


Chalhoub119. Apesar da separação dos senhores, as escravas continuavam
trabalhando para os dois proprietários. Porém, não houve consenso entre Marcolino
e Francisca na decisão de conceder a liberdade às escravas. Possivelmente,
Marcolino sentia-se prejudicado pela iniciativa unilateral da ex-esposa. Quanto à
suspeita de violência, o delegado Eusttáquio de Carvalho fez uma afirmação
significativa sobre o ocorrido, indicando que, se a agressão fosse realizada, o juiz
municipal seria absolutamente competente para assegurar a liberdade das
alforriadas. O relato sugere que, numa eventual disputa judicial, o juiz do município
seria favorável à causa de Adriana e sua filha. Talvez a decisão em benefício das
libertas representasse a inclinação do juiz em favor do projeto emancipacionista.

Como podemos notar, as divergências entre proprietários colocava os


escravos no âmbito de insegurança e, nesse caso, as duas libertas ficaram à mercê
das autoridades, espaço limitado para influência dos escravos. Verificamos que tais
narrativas apresentam contextos variados, estando sujeitas à intervenção não
apenas dos seus atores, mas igualmente do seu espaço de inserção. Esses relatos
afirmam as particularidades que abrangem a liberdade particular, contudo, a
prestação de serviços até à morte do proprietário seria a principal modalidade de
alforria condicional utilizada pelos senhores, e Sidney Chalhoub alerta sobre esse
processo; para ele:

Mais do que um momento de esperança, porém, o falecimento do


senhor era para os escravos o início de um período de incerteza,
talvez semelhante em alguns aspectos à ameaça de ser comprado
ou vendido. Eles percebiam a ameaça de se verem separados de
familiares e de companheiros de cativeiro, havendo ainda a
ansiedade da adaptação ao jugo de um novo senhor, com todo um
cortejo desconhecido de caprichos e vontades120.

118
Processo de revogação de Alforria, chefe de Polícia 1880. Arquivo Público de Alagoas 1876. APA.
119
CHALHOUB, op. cit., pp. 135-138.
120
CHALHOUB, op. cit., p. 137.
61

O caminho percorrido até o momento nos revelou inúmeras possibilidades


sobre o processo de emancipação em Alagoas. A partir de então, gostaríamos de
relatar a execução das alforrias particulares no município de Murici, onde foram
libertos mais sete cativos no ano de 1876. A documentação não indica qualquer
referência à prestação de serviços nas cartas de alforria. Diferentemente da escrava
Camila, que precisou esperar até sua maioridade para ser liberta em Atalaia, os
escravos Ricardo, Jacintho, Luiza e Rita, todos com 14 anos, foram alforriados
incondicionalmente, ação que amenizaria a dicotomia, os infortúnios e a insegurança
que regiam a alforria condicional.

Ao verificar os registros do município de Murici, conseguimos identificar mais


um método de liberdade gradual. Foi igualmente importante observarmos que cada
modalidade de alforria tem um enredo próprio. Portanto, a alforria condicional ou
incondicional e a compra da alforria foram responsáveis por definir o comportamento
dos escravos durante o processo de liberdade. Nossa análise compreende os
primeiros anos posteriores à Lei. A presença das alforrias condicionais revela que os
senhores precisaram de um determinado tempo para se enquadrar à voga
emancipacionista. A historiadora Hebe Mattos analisa esse movimento de alforrias
particulares na região cafeeira, avaliando-a dessa maneira:

Percebe-se, assim, que a defesa da alforria em massa, condicional,


ou mesmo incondicional, não se confundia necessariamente com a
defesa da abolição imediata e incondicional por medida legislativa.
Era proposta como medida preventiva, que preservasse a autoridade
moral dos senhores na passagem da liberdade, que se percebia
inevitável, ante os sucessos dos paulistas. Era pensada como
condição para a retomada do controle social no processo121.

A partir dos casos encontrados, notamos a predominância das alforrias


condicionais. Ao total foram 39 manumissões divididas entre a compra e a alforria
sob a prestação de serviços. A liberdade sem qualquer retorno financeiro ou
trabalhista seria um risco para a estabilidade econômica dos proprietários de
escravaria reduzida. Ao estabelecer a obrigação de serviços até a sua morte ou a
maioridade dos seus escravos, os senhores prologavam a permanência dos cativos
sob o seu domínio. Ao definir um alto valor para liberdade, os senhores poderiam

121
MATTOS, Hebe. Das cores do silêncio: p. 228
62

retardar o seu pagamento, o que também manteria os cativos presos aos


proprietários.

Sendo assim, a liberdade a título condicional seria o reflexo da resistência dos


senhores alagoanos contra o processo de emancipação. A pretensão era justamente
manter os escravos sob os laços de dependência, e foi justamente essa iniciativa
que tornou Alagoas a única província a alforriar mais escravos de maneira
condicional até 1878. Analisando os objetivos da liberdade condicional, a
historiadora Andréa Lisly afirma que:

A alforria com cláusula de prestação de serviços sugere que a


condição do escravo pouco se alterava com a decisão do proprietário
em passar-lhe carta de liberdade, exceto naquelas circunstâncias em
que o destino o favorecesse, apressando a morte do senhor ou de
algum herdeiro ao qual ficasse obrigado. Nesse sentido, a condição
imposta ao alforriado se constituiria em um estratagema muito bem
urdido pelo proprietário no sentido de selar fidelidades, sobretudo em
um sistema no qual a instabilidade seria a tônica, visto que o recurso
122
à violência física seguia sendo uma prerrogativa do proprietário .

Através das alforrias e do Fundo de Emancipação, conseguimos detectar a


intervenção dos senhores, e, apesar de o escravo possuir uma “banda forra”, vimos
que inúmeros proprietários não dispensavam receber o valor que consideravam
justo. O município de Assembléia confirmou a disposição de mercadoria atribuída à
alforria, e as compras de liberdade foram todas efetuadas nessa localidade, com os
cativos pagando acima de 1:000$000 conto de réis. Portanto, através da compra por
altas quantias vemos exposta a lógica comercial da manumissão. Dessa maneira, os
altos custos para a manumissão tanto pelo Fundo de Emancipação quanto pela
compra de alforria, em conjunto com a liberdade incondicional, seriam uma última
tentativa dos senhores de conservar sua autoridade sobre o cativo e o regime
escravocrata.

O que presenciamos está de acordo com os dados do Ministério da


Agricultura em 1879. Os senhores alagoanos, ao contrário das outras províncias,
tinham pré-disposição para libertar sob condição, portanto, esses casos revelam que
a alforria não esteve tão atrelada a qualquer sentimento de carinho ou gratidão dos
senhores pelos escravos. Como afirmou Mattoso, a demora e a restrição da
liberdade formaram um grupo de indivíduos nem escravos nem livres, mas um grupo

122
GONÇALVES, op. cit., p.241
63

à parte, com situação particular na sociedade123. Acima de tudo, a liberdade


condicional continuou funcionando como alternativa de controle dos senhores; já nos
cativos, reforçou sua esperança de liberdade, e igualmente intensificou suas
obrigações, ou seja, esse modelo de alforria põe o escravo em uma situação
vulnerável, exigindo deles passos cuidadosos e bem delineados.

Para chegar até esse momento, o escravo percorreu um árduo caminho de


indefinições, com horas de trabalho, obediência e respeito, havendo pouco espaço
para questionamentos. Nos casos da emancipação, esse comportamento seria
fundamental para garantir uma possível classificação. Como já assinalamos, o fundo
buscava conceder a liberdade aos cativos que soubessem viver sobre si, e, assim,
os escravos tinham que evitar recorrer à justiça para garantir sua liberdade.
Igualmente precisariam reprimir qualquer iniciativa violenta, ou situações
consideradas corriqueiras, tais como: a fuga, os vícios, a embriaguez e a
vagabundagem. Evitar tais comportamentos seria fundamental para figurar entre os
cativos aptos à emancipação, ou seja, a servidão produziu um legítimo mecanismo
de seleção que atendia às necessidades escravistas. Portanto, em meio aos
procedimentos de liberdade, foi igualmente executado o instrumento de seleção dos
cativos, exercendo a tarefa de eliminar os indivíduos inapropriados para viver em
liberdade.

2.3 Os criminosos e a emancipação em Alagoas.

Como já foi mencionado, o projeto de liberdade gradual criou métodos para


coibir a classificação do mau escravo. De alguma maneira, pretendia-se resguardar
a autoridade dos escravistas sobre os futuros libertos. Essa ação visava proteger a
estrutura econômica, a ordem pública e a hierarquia dentro do Império. Assim
advertia Malheiro, ao alertar que “qualquer providência mal pensada ou
simplesmente precipitada poderia causar, além de uma incalculável desordem
econômica, estremecimento nas famílias e na ordem pública, cujas perigosas
consequências não poderiam deixar de ser temidas”124. A impossibilidade da

123
MATTOSO, op. cit., p. 177.
124
MALHEIRO, op. cit., p.152.
64

abolição definitiva envolvia diferentes fatores, desde a segurança econômica e social


até a preservação do domínio escravista. De maneira conjunta, esses elementos
asseguravam o movimento de liberdade gradual.

Como citamos anteriormente, foram elaborados critérios para excluir os


cativos do acesso à liberdade pelo Fundo de Emancipação. Em Alagoas,
conseguimos identificar esses registros, o que foi algo surpreendente, pois, segundo
Moacir Sant’ana, essa documentação teria sido incinerada por ordem de Rui
Barbosa125. Porém, alguns registros dessa documentação na Província não viraram
cinzas. Os dados dão conta de crimes cometidos nos seguintes municípios:
Imperatriz (União dos Palmares), Maceió, Murici, Porto de Pedras, Porto Calvo,
Passo de Camaragibe e Penedo. Com base na análise dos crimes, é possível
compreender quais motivos causavam a exclusão da lista de classificados e
poderiam macular os condenados a permanecerem na escravidão.

Todavia, a ação contra os escravos criminosos recebeu interferência do


Império muito antes de 1872. As primeiras medidas legais para conter os crimes
foram tomadas ainda na década de 1830, através do Código Criminal (1830) e da
Lei de Pena de Morte para os escravos em 1835126. Analisando a obra de Leila
Algranti, O feitor ausente, Gustavo de Souza relembra observações feitas pela
mesma. Por meio do código criminal, o Estado interferia na relação senhor-escravo,
e, consequentemente, substituiria a figura do feitor127. Podemos recordar que a
escrava Joaquina foi levada por seu proprietário à delegacia de Maceió para receber
palmatórias como castigo por ter fugido; assim, a autoridade policial serviria à
vontade do senhor ao infligir a punição para Joaquina.

No entanto, as leis não foram suficientes para inibir os escravos de


cometerem crimes. Maria de Fátima Novaes Pires analisa diferentes casos de

125
Existem duas versões para a decisão de Rui Barbosa: a primeira, de que o ministro da fazenda
pretendia evitar uma possível cobrança indenizatória dos senhores após a abolição; a segunda,
buscava apagar da história nacional a mácula do trabalho servil, eliminar qualquer vestígio de que a
República teria sido construída a partir do trabalho escravo. SANT’ANA, Mitos da escravidão, op.
cit., 42.
126
A Lei de Pena de Morte para os escravos foi instituída a partir da tentativa do Levante dos Malês,
na Bahia, em 1835. A condenação seria aplicada para os escravos que matassem ou atentassem
contra a vida dos senhores, esposa, familiares e feitores. Fonte: Lei nº4 10 de Junho de 1835.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/LIM4.htm
127
SOUZA, Gustavo Pinto de. Crimes de escravos e africanos livres nos espaços prisionais do
Brasil oitocentista. SILVA, Gian Carlo de Melo. (Org) Os crimes e a história do Brasil: abordagens
possíveis. Maceió: EDUFAL, 2015. pp. 91-92.
65

violência em Caetité, região do sertão baiano, e encontra crimes que atentavam


contra a pessoa, a ordem privada e a ordem pública. A autora demonstra que a
violência cometida pelos escravos foi direcionada a vários indivíduos,
independentemente da sua condição. Em 1837, o escravo Manoel assassinaria o
cabra Thomaz após um momento de embriaguez. 128 Em 1862, o africano Domingos
assassinaria sua proprietária, Maria Rufina, a golpes de foice129. As testemunhas
indicam não conhecer qualquer motivo que o levou ao assassinato; talvez
buscassem creditar o crime ao instinto selvagem do cativo.

Os dois casos apontam situações completamente diferentes, indicando que


os crimes aconteciam a partir de diferentes enredos. O assassinato de Manoel foi
cometido a um companheiro de cativeiro e pouco influenciaria a hierarquia social. Já
o crime de Domingos poderia causar graves consequências ao domínio senhorial se
fosse perpetuado por outros escravos na região contra seus senhores. Tais crimes,
principalmente o cometido contra a senhora Maria Rufina, teriam forte influência na
elaboração da Lei do Ventre Livre, pois era preciso restringir da emancipação os
cativos indisciplinados, sobretudo os potenciais criminosos.

Os critérios de exclusão envolviam desde situações jurídicas até as ações


desenvolvidas pelos cativos. O mecanismo de seleção não deixou de compreender
medidas que foram tomadas contra o regime anteriormente, e, assim, a lei de 10 de
junho de 1835 seria inserida entre os motivos de desclassificação. Vejamos os itens
em detalhe:

Art. 32. Para a classificação, além dos esclarecimentos que os senhores ou


possuidores de escravos podem espontaneamente prestar-lhe, a junta os exigirá,
quando lhe sejam precisos, dos mesmos senhores e possuidores, dos
encarregados da matricula e de quaisquer funcionários públicos; e observará as
seguintes disposições:

§ 1º Os alforriados com a cláusula de serviços durante certo espaço de tempo, ou


sujeitos a cumprir alguma outra especificada condição, não serão contemplados na
classificação; e, se classificados, serão omitidos, salvo o caso do art. 90, § 3º

§ 2º Embora classificados, serão preteridos na ordem da emancipação:

I. Os indiciados nos crimes mencionados na lei de 10 de Junho de 1835;

128
PIRES. Maria de Fátima Noves. O crime na cor: escravos e forros no alto sertão da Bahia. (1830-
1888) São Paulo: Annablume/ Fapesp, 2003. pp. 121-123.
129
Idem, p.200
66

II. Os pronunciados em sumário de culpa;

III. Os condenados;

IV. Os fugidos ou que o houverem estado nos seis meses anteriores á reunião da
junta;

V. Os habituados á embriaguez.

§ 3º O escravo que estiver litigando pela sua liberdade, não será contemplado na
execução do art. 42; mas ser-lhe-ha mantida a preferencia, que entretanto houver
adquirido até a decisão do pleito, se esta lhe for contraria.130

No decorrer do texto, podemos observar uma relação peculiar entre os


escravos e a violência, aspecto que vai nortear a discussão sobre o projeto de
emancipação. Os critérios de exclusão ressaltam a questão dos assassinatos,
sobretudo com a inclusão da Lei de Pena de Morte como uma das regras para o
impedimento da liberdade. Estariam igualmente proibidos de classificação os
escravos fugitivos; no entanto, o impedimento se estenderia por um prazo de seis
meses. E, como ressaltamos acima, a proibição por cláusula de serviços atendia às
prorrogativas senhoriais.

Em Alagoas, a violência física foi o principal motivo da desclassificação dos


escravos para a liberdade, haja vista que a continuidade dos homicídios revela que
muitos cativos atuaram em oposição às percepções do juiz de Passo de
Camaragibe. Na história alagoana, os primeiros autores a abordar o tema da
criminalidade dos escravos foram Félix Lima Júnior e Moacir Sant’ana131. Os dois
relatam uma série de crimes na Província que tem como vítimas centrais os
senhores. Félix comenta situações que podem levar os cativos a seu limite contra os
proprietários:
Trabalhando dia e noite, muitas vezes sem direito a repouso
reparador; mal alimentado; chicoteado desapiedadamente em muitas
ocasiões por haver cometido pequena falta, perfeitamente perdoável,
queimado com tições nas cozinhas; seminu; dormindo no chão com
um cão; carregando asquerosas “tigres”, cheios de dejetos, para
lançar na maré, alta noite ou madrugada; eternamente revoltado por
não ter liberdade; desesperado muitas vezes, o negro é levado a
cometer crimes de ferimentos graves e de morte.132

130
Decreto 5.135 13 de novembro de 1872.
131
JÚNIOR. Félix Lima Júnior. A escravidão em Alagoas. Maceió. s/ed. 1974. SANT’ANA. Moacir
Medeiros de. Mitos da escravidão. Maceió, Secretária de Comunicação Social. 1989.
132
JÚNIOR, 1976, op. cit., p. 29.
67

A situação descrita por Félix levaria alguns cativos a decisões extremas. Já


vimos que o crime cometido pelo escravo Manoel, no município de Limoeiro de
Anadia, teve início em uma discussão, sugerindo que a demonstração de obediência
e respeito do escravo rapidamente poderia se transformar em fúria. Entre os crimes
cometidos, o assassinato foi o principal motivo de desclassificação dos escravos; os
dados são referentes até o ano de 1876. A partir de então veremos, os motivos que
eliminaram os cativos de conseguirem sua classificação.
O município que registrou a maior quantidade de excluídos para a
emancipação foi Porto Calvo. A localidade teve sete escravos proibidos de
liberdade, em decorrência de seis homicídios e uma ofensa física133. Em muitos
casos, a violência foi a resposta dos escravos a uma situação estrema vivida no
cativeiro. Com isso, os cativos não perderiam apenas o direito à emancipação, mas
também responderiam na justiça pelos crimes cometidos. Dos sete criminosos,
apenas quatro receberam condenações: um a pena de morte, dois a açoites e um a
galés perpétuas. Nesses casos, as condenações eliminavam qualquer esperança de
liberdade. Os demais foram absolvidos. De acordo com Maria Helena Machado, tais
crimes tinham o seguinte significado:

O eclodir da violência escrava contra seus senhores, feitores e


capatazes imbricou-se na problemática do trabalho e nas relações
sociais a ele subjacentes. A positividade desses atos criminosos
encontra-se nas possibilidades de canalizar as forças do grupo para
a contestação da ordem senhorial, implicando uma evolução dos
laços de coesão entre os escravos. 134

Na localidade de Porto de Pedras, identificamos mais dois assassinos que


podem ser somados aos seis anteriores. No entanto, apenas um caso tornou-se alvo
da justiça, enquanto o outro foi absolvido pelas autoridades. Algo semelhante
ocorreu em Passo de Camaragibe, município do Juiz José Carvalho, onde
encontramos mais dois crimes que poderiam ter ceifado a vida de outrem. Marcos foi
preso por assassinato, já Roberto foi aprisionado por tentativa de homicídio. Ambos
cativos foram processados, e somente Marcos foi condenado. O cativo Roberto foi
absolvido da acusação, contudo, voltou para o cativeiro e a tentativa de homicídio o

133
Lista dos crimes perpetrados por escravos no município de Porto Calvo, 1876. Arquivo Público de
Alagoas. APA. Caixa 1423.
134
MACHADO, Crime e escravidão: op. cit., p. 96.
68

excluiu da classificação135. Possivelmente, as autoridades locais entenderam que


sua atitude não representava qualquer risco para a ordem social, fato que
determinou sua absolvição.

Em Imperatriz e Murici, ambos localizados na zona da mata alagoana foram


mais quatro cativos proibidos de receberem a alforria por intermédio do Fundo. Em
Murici, os motivos de desclassificação foram um assassinato e um estupro136.
Apesar de não figurar na lista de motivos para a eliminação, a atitude foi entendida
como grave e impossibilitava a manumissão. Em Imperatriz, outros dois escravos
foram impedidos de classificação. A primeira eliminação ocorreu devido à acusação
de ferimentos graves, enquanto o segundo excluído, Vicente, foi denunciado por
roubo de cavalos137.

Portanto, a desclassificação de Vicente revela que as tentativas ou


assassinatos não foram os únicos impedimentos para a emancipação, delitos mais
leves também foram levados em conta para exclusão, ou seja, o mecanismo para a
seleção dos possíveis emancipados aparentava certo rigor. No entanto, o estupro
parece ter sido atípico como razão para a exclusão da liberdade, essa foi à única
referência que conseguimos encontrar em Alagoas, seja na documentação ou na
historiografia. Já os homicídios apresentavam conjunturas específicas,
138
especialmente quando envolviam a morte de feitores e senhores . Segundo Maria
Helena Machado, esses crimes tinham como plano de fundo a vigilância e a
violência excessivas, a ausência de necessidades básicas, como alimentação e
vestuário. E sendo

pressionado por essas impiedosas restrições, os escravos foram


impelidos ao confronto direto. Eliminar o senhor, ato derradeiro de
explicitação de revolta pelo desacato, segundo o ponto de vista dos
cativos, de seu mais significativo direito: o de preservar, no interior

135
Lista dos crimes perpetrados por escravos no município de Camaragibe. Arquivo Público de
Alagoas. APA. Caixa 1423.
136
Lista dos crimes perpetrados por escravos no município de Murici. Arquivo Público de Alagoas.
APA. Caixa 1423.
137
O roubo de cavalos foi ação comum na província, Diégues Júnior comenta essa prática a partir
dos anúncios de jornais, relatando que o animal era elemento nobre na vida do Banguê. JÚNIOR,
Diégues. O Bangue nas Alagoas, op. cit., p. 114. Lista dos crimes perpetrados por escravos no
município de Imperatriz, 1876. Arquivo Público de Alagoas.
138
Seria em Alagoas, especificamente no município de Pilar, que no 26/04/1876, ocorreria a última
execução do Império por intermédio de lei de 10 de junho 1835, Francisco foi condenado a pena de
morte pela participação no assassinato dos senhores de Prudêncio, seu cúmplice juntamente com
Vicente. JÚNIOR, Escravidão em Alagoas, op. cit., 30
69

das fazendas, espaço e tempo autônomos que possibilitassem a


constituição de uma incipiente economia paralela139.

Os últimos municípios a apresentarem escravos proibidos de emancipação


foram Maceió e Penedo. Na Capital, os escravos João e Paulino foram eliminados
pela acusação de homicídio, apesar da apelação, ambos foram condenados140. Aqui
encontramos objetivos distintos: enquanto os senhores buscavam defender sua
propriedade, tentando a absolvição dos cativos, em contrapartida, o Estado
procurava defender a manutenção das relações sociais, o que passava pela
condenação dos escravos. Em Penedo, a desclassificação dos cativos também foi
motivada por assassinatos. A disputa por um tecido de algodão levou Benedicto Billé
a matar com pauladas a mulher livre, Anna Joaquina. Da mesma forma, Sebastião
matou Francisco das Chagas. O primeiro estava foragido e Francisco tentou
capturar o escravo, que, para evitar o retorno ao cativeiro, assassinou Francisco141.

Os casos encontrados deixam evidente que, mesmo após a Lei do Ventre


Livre, o assassinato continuou sendo uma resposta dos escravos contra o cativeiro.
Notamos que os crimes seriam cometidos contra pessoas de diferentes condições.
Assim como no sertão baiano, os cativos alagoanos assassinaram seus senhores,
os companheiros de cativeiro e os homens livres. As ações que infringiam a Lei e os
criminosos fizeram parte de um contexto amplo que envolveu segurança, escravidão
e emancipação, elementos que foram detalhadamente pensados durante a
elaboração do projeto emancipacionista. Como vimos, a formulação desse sistema
de repressão foi fundamental para o andamento do processo, pois o projeto de
alforrias tinha que caminhar em conjunto com a segurança.

Dessa maneira, precisamos destacar que a Lei do Ventre Livre contribuiu para
diminuir os crimes, como afirmou José Carvalho, entretanto, não o excluiu totalmente
do cotidiano escravista alagoano. Entre tentativas e assassinatos, encontramos 17
casos, demonstrando, portanto, que a violência física continuou sendo uma reação
contra a escravidão. O caso do escravo Roberto mostra que ele enxergou, por meio
dessa atitude, a possibilidade de continuar longe do cativeiro. Esses registros

139
MACHADO, Crime e escravidão, op. cit., p. 118.
140
Lista dos crimes perpetrados por escravos no município de Maceió, 1876. Arquivo Público de
Alagoas. APA. Caixa 1423.
141
Lista dos crimes perpetrados por escravos no município de Penedo, 1876. Arquivo Público de
Alagoas. APA. Caixa 1423.
70

indicam que, independentemente da regulamentação da Lei, os crimes continuaram


vinculados à instituição, não alterando a rotina da violência em outros municípios.
Como apontava José da Cunha Ferreira, juiz municipal de Porto Calvo em 1876:

Não me é dado dizer a V. Ex.ª. que foi benigna a influência da citada


lei [Lei do Ventre Livre] para a repressão dos crimes, [...] não me é
também permitido dizer, que foi perniciosa a influência daquela lei,
[...] se não tem diminuído o número de tais crimes, é também certo
que não tem ele aumentado142.

A análise do juiz indica que a Lei não teve influência sobre o índice de crimes
em Porto Calvo, ou seja, a mesma apresentou resultado paliativo, com cada
localidade expondo um resultado particular, mas, no qual, os escravos responderam
de diferente forma a sua implementação. Tão versátil quanto a execução das regras
de seleção foi o decorrer do julgamento dos escravos. Identificamos que alguns
foram apenas desclassificados da conquista da alforria, fato ocorrido com Roberto e
mais dois criminosos de Porto Calvo. Apesar da tentativa ou mesmo do assassinato,
o trio conseguiu ser absolvido das acusações, ficando livres da prisão, mas não do
retorno ao cativeiro. Possivelmente, essa situação aconteceu com maior frequência.
Celia Azevedo descreve uma série de crimes na província paulista após 1871, e
avalia da seguinte maneira a relação entre assassinato e sentença,

ao que indicam estes relatos, matar, senhores, feitores e


administradores significava libertar-se de um cruel regime de trabalho
e de vida, uma vantagem mesmo que momentânea para o criminoso.
Mas, além disso, na década de 1870 já havia a esperança de
impunidade, ao menos no tocante à pena capital, [...] escravos
homicidas incorriam em penas temporárias, provavelmente devido à
necessidade de braços sentida pelos fazendeiros. É possível
também que o descredito generalizado em torno do regime
escravista alimentasse a esperança de uma anistia dos cativos
condenados às galés perpétuas no momento em que se extinguisse
a escravidão143.

Sendo assim, a ausência de punição judicial demonstra um fato significativo:


enquanto o sistema de repressão apresentava falhas em sua finalização,
especialmente as condenações, o início do processo de liberdade gradual cumpria
bem a exigência dos escravistas, impossibilitar que os escravos de temperamento

142
Aviso dos crimes perpetrados por escravos até 1876, juiz municipal de Porto de Pedras 1876.
APA. Caixa 1423.
143
AZEVEDO op. cit., p. 167
71

agressivo fossem emancipados. Esses detalhes nos revelam ações simultâneas no


processo de liberdade: à medida que certos espaços foram atenuados, outros foram
reforçados. Os relatórios dos crimes referentes à lei de 1871 modificariam a rotina da
escravidão, particularmente na conduta dos cativos, que, a partir de então,
precisariam se enquadrar às novas exigências senhoriais.

É nítido que o Fundo de Emancipação realizava um processo de seleção, e,


através do sistema de exclusão, eliminava os cativos incapazes de reconhecer as
hierarquias. O espaço urbano e a vida social exigiam dos futuros libertos a
continuidade de antigos valores, entre eles o respeito, a humildade e a obediência. A
partir dessas características, os critérios de alforria priorizavam a liberdade das
famílias, além dos cativos de boa moralidade e aptos para o trabalho. Procurando
atender a esses requisitos, os senhores e as autoridades do Império colocavam em
prática o sistema de controle. Foucault observa a importância dessa prática ao
afirmar que:

O exercício da disciplina supõe um dispositivo que obrigue pelo jogo


de olhar; um aparelho onde as técnicas que permitem ver induzam a
efeitos de poder, e onde, em troca, os meios de coerção tornem
claramente visíveis aqueles sobre quem se aplicam [...] houve as
pequenas técnicas das vigilâncias múltiplas e entrecruzadas, dos
olhares que devem ver sem ser vistos; uma arte obscura da luz e do
visível preparou em surdina um saber novo sobre o homem, através
144
de técnicas para sujeitá-lo e processos para utilizá-lo .

O exercício da disciplina e da vigilância múltipla modificou a conduta de


muitos escravos. O juiz de Passo de Camaragibe afirmou sua eficácia através da
redução dos crimes e das insurreições no município. No entanto, o juiz de Porto
Calvo, José da Cunha, não observou qualquer relação direta da Lei sobre a violência
local, relembrando que o município teve a maior quantidade de criminosos. Logo, a
Lei apresentou influência distinta sobre cada localidade e tais criminosos seriam
mais um risco para segurança do regime. Assim, a permanência deles no cativeiro
funcionou como mecanismo de controle, e, especialmente, de proteção do regime
escravista.

Por outro lado, todos os juízes que emitiram o parecer sobre a Lei
concordaram em um quesito: muitos cativos trabalhavam com o intuito de formar seu

144
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis, Vozes, 1987. p. 198
72

pecúlio. Esse fato é importante para entendermos o contexto das manumissões em


municípios como Assembléia, onde a compra da mesma foi a principal forma de
deixar o cativeiro e, sem dúvidas, o pecúlio acumulado tornou-se essencial para
isso. Os escravos Zacarias, Catharina e João, que quitaram sua liberdade por
intermédio de suas economias, mostram como os cativos tinham pleno
conhecimento dos direitos conquistados em 1871, e colocá-los em prática foi a
melhor maneira de demonstrar o quanto tinham consciência das transformações
ocorridas na instituição no decorrer dos oitocentos. Por último, precisamos destacar
que o pecúlio foi igualmente importante no processo de classificação; o escravo que
apresentasse alguma economia no momento da matrícula teria prioridade na ordem
de emancipação.

Nossa trajetória até o momento revela as primeiras transformações do


sistema escravista durante o período de liberdade gradual. Do processo de matrícula
até a ação dos criminosos, encontramos experiências que foram compartilhadas por
outras províncias e que, durante o processo de emancipação, alguns proprietários
desenvolveram novas alternativas com o intuito de conservar seu direito de
propriedade o maior tempo possível. O registro especial dos cativos foi a primeira
etapa do projeto, porém, sua execução seria realizada com dificuldades em boa
parte Império. Vale lembrar que os dados indicam que tais problemas não
aconteceram tão fortemente na Província de Alagoas, pois, finalizado o primeiro
prazo de 1872, Alagoas contava com 90% da sua população cativa matriculada.
Sendo assim, verificamos uma aparente adesão ao projeto.

A matrícula foi o primeiro ponto a ser criticado no plano de emancipação; no


entanto, os problemas não estiveram associados unicamente à oposição dos
senhores ao projeto emancipacionista, mas à própria ineficiência dos instrumentos
administrativos disponibilizados pelo governo para a matrícula dos escravizados. A
soma disso foi responsável por retardar a parte inicial do projeto e,
consequentemente, atrasar as alforrias por intermédio do Fundo de Emancipação,
que só ocorreram em 1875, quatro anos após a regulamentação da Lei. Através da
primeira quota, foram emancipados, em Alagoas, oitenta e nove escravos, resultado
irrisório quando comparado com a população cativa da Província de Alagoas. Tal
fator intensificou as críticas ao projeto, principalmente quando comparado às
alforrias concedidas pelos senhores.
73

Na análise dos mecanismos de liberdade através dos números apresentados


pelo governo em 1879, confirmamos a superioridade da liberdade particular em todo
o Império, tendência que não foi diferente em Alagoas; no entanto, das 11
localidades observadas, a província alagoana foi a única a alforriar mais escravos a
título oneroso. Essa peculiaridade pode ser observada tanto nas alforrias
particulares quanto no Fundo de Emancipação. Por meio do Fundo, vinte escravos
alcançaram a liberdade definitivamente. Todos já possuíam uma parcela de
liberdade. Ao conceder uma alforria condicional, o proprietário impedia uma
classificação imediata. Sendo assim, o próprio espaço legal não conseguiu inibir a
ação dos senhores, transformando a liberdade condicional em artifício de
preservação do controle senhorial sobre os escravos.

Os registros constatam que essa prática foi frequente entre os proprietários


alagoanos. As escravas Camila e Izabel também foram alforriadas
condicionalmente. Enquanto Izabel esperou o falecimento do senhor, Camila
precisou trabalhar até sua maioridade, ou seja, Ignácio de Barros não escondeu sua
pretensão de usar os seus serviços domésticos. A partir da cláusula de serviços e da
esperança da alforria, os senhores conseguiram assegurar o trabalho de suas
escravas por um determinado tempo. Em meio a essa iniciativa de resistir ao
processo de alforrias, os proprietários de Murici atuaram de maneira contrária: todos
os escravizados foram alforriados sem qualquer condição, sugerindo uma provável
adesão ao projeto de liberdade gradual proposto pelo Império, como a própria cisão
dos escravocratas sobre o destino do regime.

No município de Assembléia, encontramos um fato peculiar, a compra da


liberdade foi a principal maneira de os escravos do local deixarem o cativeiro.
Ressaltando que as altas quantias não inibiram os cativos de pagarem pela alforria;
a recorrência dos preços elevados foi a maneira encontrada pelos senhores para
dificultar o acesso à liberdade, ou mesmo uma alternativa para reaver o investimento
financeiro feito anteriormente, iniciativa que afirma o caráter financeiro da libertação.
Esses fatos indicam que os senhores de Assembléia viviam uma situação incômoda
ao movimento emancipacionista. Por meio da concessão de liberdade, tentavam
conservar até o último instante o seu domínio sobre os cativos. Além da compra da
liberdade, também identificamos, no município, a presença das alforrias condicional
74

e incondicional. Esses exemplos demonstram que a negociação direta entre


senhores e escravos continuou, muitas vezes sujeita às aspirações senhoriais.

Em meio a esse período de liberdade particular, tivemos a oportunidade de


verificar a segunda parte do mecanismo de emancipação. Os relatórios de crimes
perpetrados demonstram que a Lei teve resultado parcial entre os cativos. Como
mencionou Célia Azevedo, Feliz Júnior e Manuel Diégues, os senhores e feitores
foram vítimas frequentes dessa violência. Foram os assassinatos o principal aspecto
de exclusão para a liberdade em Alagoas. Era esse criminoso em potencial que o
Império não tinha a intenção de libertar; a emancipação de tais cativos poderia
representar maiores transtornos à segurança do sistema escravista e ao projeto de
liberdade gradual.

No entanto, presenciamos que tais crimes não foram constantes, pois, no


período de cinco anos, a maioria dos municípios apresentou somente dois escravos
impedidos de classificação, ou seja, em Alagoas, a Lei, aparentemente, surtiu os
efeitos desejados no controle dos crimes cometidos por escravos. Os espaços legais
de alforria devem ter contribuído diretamente para esse resultado, fato que não está
associado à submissão dos cativos, mas à mudança em seu comportamento, e seria
a alteração de conduta que acentuaria a esperança de liberdade. Sendo assim,
mesmo o Império criando os mecanismos legais de liberdade, a classificação para a
alforria e a formação do pecúlio continuou dependente da interferência do escravo.

Até o momento, verificamos que a Lei do Ventre Livre causou um processo


de transformações na escravidão. Por intermédio da liberdade particular,
observamos que os senhores desenvolveram práticas de atuação com o objetivo de
conservar seu domínio sobre os escravos. Com a Intervenção do Império, a
Província de Alagoas foi a única localidade a alforriar mais escravos de maneira
onerosa; no entanto, o período de emancipação gradual também foi submetido à
influência dos escravos. Por meio de uma nova conduta e da formação de pecúlio,
eles puderam encurtar a distância à liberdade. Esses dois fatos evidenciam o reflexo
ambíguo da lei, e foi justamente esse aspecto que contribuiu para a mudança na
dinâmica da escravidão durante suas últimas décadas, algo que também
acompanharemos adiante na década de 1880, com a liberdade por meio do Fundo
de Emancipação.
75

3. O início da trajetória emancipacionista.

A lei [Ventre Livre] não é um tratado com a cláusula


subentendida de que não poderá ser alterado sem o
acordo das partes contratantes. Pelo contrário, foi
feita com a inteligência dos dois lados, seguramente
com a previsão da parte dos proprietários, de que
seria somente um primeiro passo. Os que a
repeliram, diziam que ela equivalia à abolição
imediata; dos que a votaram, muitos qualificaram-na
de deficiente e expressaram o desejo de vê-la
completa por outras medidas, notavelmente pelo
prazo.
Nabuco, Joaquim. O abolicionismo. 2012.

Durante as últimas décadas da escravidão, os senhores enfrentaram a


diminuição gradativa da sua autoridade em decorrência das novas leis e dos direitos
adquiridos pelos escravos. No Parlamento, tais leis representaram um duro golpe ao
domínio dos proprietários, mas foi no cotidiano escravista que enfrentaram a objeção
direta dos cativos. Sendo assim, além das fugas, crimes e revoltas, os senhores
tiveram que confrontar os seus escravos diante da justiça e, a partir de então, os
processos judiciais se intensificaram como um dispositivo legal para os cativos
questionarem a escravidão. Nesse caso, quando colocados em prática, esses
mecanismos de liberdade elevaram a atenção dos senhores quanto à manutenção
de sua autoridade nesse momento de mudanças. Sobre as últimas décadas da
escravidão, Maria Helena Machado diz que:

o clima de incerteza e insegurança minava a tranquilidade pública,


tão cara aos senhores e autoridades que procuravam, nos anos
1880, manter-se na liderança de um projeto pacífico de extinção da
escravidão, no qual, feitos receptores, os novos libertos tornar-se-iam
devedores da benemerecência das camadas senhoriais. Atropelando
os sonhos das elites proprietárias, no entanto, os levantamentos
traduziam a superação da ordem escravista, bem como a resistência
dos cativos em assumir os novos papéis que então se delineavam –
de mão de obra tutelada e dependente nas fazendas cafeeiras145.

145
MACHADO, Maria Helena Pereira Toledo. O plano e o pânico: Os movimentos sociais na década
da abolição. 2.ed.São Paulo: Editora da Universidade Federal de São Paulo, 2010. p. 91.
76

Sem dúvidas, a Lei Rio Branco se insere na tentativa dos escravistas de


conservar, junto aos recém-libertos, a relação de dependência construída durante o
cativeiro. Em meio à tentativa de conservar os interesses dos senhores, teve inicio a
execução da liberdade através do Fundo de Emancipação. As manumissões não
estiveram isentas das características que encontramos no decorrer das alforrias
particulares; a persistência das altas indenizações para emancipação, além da
divergência dos senhores em concordar com a liberdade, fizeram-se presentes.
Essa continuidade de aspectos revela que os senhores continuaram influenciando
as alforrias concedidas por intermédio do Fundo, no entanto, outros personagens
também tiveram importante participação no processo, os componentes da junta
classificadora, juízes municipais e os próprios escravos.

Tais detalhes evidenciam o caráter dicotômico que regia o período de


liberdade gradual. Esse fato permitiu que todos esses personagens tivessem
atuação significativa na etapa final do projeto. Logo, a associação desses aspectos
foi responsável por retardar os caminhos da liberdade. Nossa proposta é analisar as
nuances que envolviam a última etapa do projeto; logo, iremos examinar a execução
do Fundo de Emancipação por todo o Império, verificando a distribuição de recursos,
o crescimento gradativo das emancipações, fato que nos permite observar
detalhadamente a diferença numérica entre o projeto de liberdade do governo e as
alforrias concedidas pelos senhores.

Esses aspectos serão fundamentais para acompanharmos a realização do


projeto emancipacionista até os últimos instantes da escravidão. Não concordar com
a alforria ou mesmo com o valor da indenização, além de intervir na escolha dos
cativos emancipados, seriam algumas das iniciativas senhoriais para interferir nos
parâmetros legais de liberdade. Contudo, o processo de emancipação nos oferece
vários questionamentos; são eles: Quem seriam os cativos emancipados? Quais as
estratégias de escravos e senhores para retirar vantagem da Lei? Qual a
importância do pecúlio para a liberdade? É importante frisarmos que essas questões
não se limitam ao cenário nacional, mas se revelam igualmente importantes no
ambiente provincial, onde poderemos verificar as minúcias do procedimento
gradativo de liberdade.
77

3.1 A emancipação e o Império

Após quinze anos do projeto emancipacionista, o governo divulgava o seu


resultado final. Com a aplicação de sete quotas de liberdade, foram manumitidos
pouco mais de 32 mil escravos no Império, resultado correspondente a algo próximo
de 4,48% da população escrava atual, que seria de 723.719 pessoas 146. Como era
de se esperar, as províncias cafeeiras contribuíram com a maioria dos emancipados,
fato que esteve diretamente associado à divisão proporcional dos recursos
destinados à emancipação. Na região norte, as maiores contribuições aconteceram
em Pernambuco, Bahia, Maranhão e Ceará. A abolição antecipada na província
cearense foi determinante para a mesma configurar entre as localidades com mais
emancipados, situação compartilhada pelo Rio Grande do Sul.

Da mesma forma, notamos que ao fim do processo de emancipação, várias


províncias não conseguiram libertar ao menos quinhentos escravos. Entre essas,
estiveram: Paraná, Santa Catarina, Goiás e Mato Grosso. As demais localidades se
aproximaram dos mil libertos, como Paraíba, Piauí, Sergipe e Alagoas. Por último, a
formação de pecúlio demonstrou que os escravos tiveram participação ativa no
decorrer do projeto emancipacionista. Nacionalmente, a economia dos mesmos
representou 6,6% do valor total destinado à liberdade; já em termos provinciais, os
recursos constituídos pelos escravos alternaram entre 1,3% e 28% dos recursos
para a emancipação.

Na província de Alagoas, deixaram o cativeiro por intermédio do Fundo de


Emancipação 818 escravos. Para isso, foram gastos 460:371$496. Desse total, os
emancipados contribuíram com 49:168$884, quantia que representou 10,7% do
valor total aplicado na província. O preço médio das indenizações na Província foi de
562$735, sendo superior aos principais polos escravistas do norte, Pernambuco e
Bahia. Todos esses dados podem ser observados no quadro a seguir:

Quadro 4: Escravos emancipados no Império 1875-1886.

146
Relatório Provincial de 1877, p.14.
78

Média
Escravos Despesa do por % dos
Província Alforriados Pecúlios Estado Preço Total escravo pecúlios
Minas Gerais 5264 171:939$485 3 975:148$032 4 147:087$517 787$821 4,1
Rio de
Janeiro 5068 52:395$012 3 860:325$080 3 912:720$092 772$044 1,3
Bahia 3615 258:873$878 1 468:234$390 1 727:108$268 477$762 15
São Paulo 3470 98:505$177 2 537:508$802 2 636:013$979 759$658 3,7
Pernambuco 2537 73:503$624 1 221:218$170 1 294:721$794 510$336 5,7
Maranhão 2211 97:649$532 1 194:543$448 1 292:192$980 584$438 7,6
Ceará 1805 23:177$859 178:217$334 201:395$193 111$576 11,5
R. Grande do
Sul 1466 151:482$445 620:928$588 772:411$033 526$883 19,6
Município
Neutro 1037 35:000$000 560:000$000 595:000$000 573$770 5,9
Paraiba 926 37:418$554 297:202$492 334:621$046 361$362 11,2
Alagoas 818 49:168$884 411:148$612 460:317$496 562$735 10,7
Piaui 800 16:296$677 273:495$144 289:791$821 362$240 5,6
Sergipe 756 36:046$967 329:784$503 365:831$470 483$904 9,9
Pará 687 74:055$717 354:835$593 428:891$310 624$296 17,3
Espírito
Santo 489 35:317$946 279:734$979 315:052$925 644$280 11,2
Santa
Catarina 425 16:391$817 167:464$532 183:856$349 432$603 8,9
R.Grande do
Norte 387 13:463$308 135:663$500 149:126$808 385$341 9
Goiás 236 20:228$000 107:445$725 127:673$725 540$990 15,8
Paraná 225 11:915$837 125:409$627 137:325$464 610$335 8,7
Mato Grosso 162 14:622$465 112:058$960 126:681$425 781$984 11,5
Amazonas 52 10:405$343 26:737$635 37:142$978 714$288 28
Total 32 436 1 297:858$527 18 237:105$146 19 534:963$673 602$262 6,6
Fonte: Relatório do Ministério da Agricultura, 1887.

Vamos começar analisar o resultado final do projeto emancipacionista a partir


da quota de 1875, quando, após os quatro anos do processo de matrícula e
classificação, o governo finalmente conseguiria alforriar os primeiros escravos; foram
pouco mais de 1500 cativos libertos pela iniciativa do governo. Apesar de reduzido,
o resultado inicial nos permite descortinar as adaptações que o projeto recebeu
durante o período da sua execução. O relatório do Ministério da Agricultura do ano
seguinte expõe os detalhes na divisão dos recursos financeiros e de escravos
emancipados por cada província. Ressaltando que o dinheiro seria distribuído de
maneira proporcional, como apresentava o decreto nº 5.135 de 13 de novembro de
1872, em seu 25º artigo, que determinava: O fundo de emancipação será distribuído
79

anualmente pelo município neutro e pelas províncias do Império na proporção da


respectiva população escrava. Como podemos observar no quadro seguinte:

Quadro 5: Escravos emancipados no Império em 1875.

Província Emancipados V. Destinado V. Utilizado


Amazonas 3 5:775$406 2:408$000
Pará 33 56:035$596 15:655$301
Maranhão 120 183:025$828 62:383$295
Ceará 96 81:539$164 39:464$255
R. Grande do Norte 37 32:914$444 19:548$860
Paraíba 38 63:257$025 19:347$500
Pernambuco 307 226:659$055 185:586$656
Alagoas 89 81:143$722 45:782$334
Bahia 135 423:852$799 47:622$403
Espírito Santo 78 55:503$458 52:049$539
Município da Corte 185 121:350$000 121:350$000
Rio de Janeiro 114 743:880$104 98:294$120
Paraná 21 26:155$315 10:767$000
Santa Catarina 45 25:754$991 24:807$567
Rio Grande do Sul 160 169:322$406 90:186$137
Minas Gerais 8 728:628$736 11:682$137
Mato Grosso 15 24:834$734 17:401$701
Goiás 19 16:921$012 11:838$472
Total 1503 3.624:524$506 876:185$640
Fonte: Relatório do Ministério da Agricultura 1876.

A distribuição dos recursos financeiros seguiu a regra 147 e, assim, as


províncias cafeicultoras receberam os maiores valores, na seguinte ordem: Minas
Gerais 728:628$736, Rio de Janeiro 743:880$104 e São Paulo 414:882$124 148.
Como poderíamos esperar, a divisão proporcional provocou uma acentuada
desigualdade na distribuição das receitas destinadas à emancipação. Algumas
províncias receberam valores ao menos vinte vezes menores, quando comparado
com as províncias do sul, como foram os casos de Paraná 26:155$315 e Santa
Catarina 25:754$991149.

Na região açucareira, os maiores recursos foram destinados à Bahia


423:852$799 e a Pernambuco 226:659$055, os principais polos escravistas. A

147
Artigo 25, decreto 5.135 de 13 de novembro de 1872..
148
Relatório Ministério da Agricultura, 1874, p. 7.
149
Idem,p.7
80

província de Alagoas recebeu a quantia de 81:143$722150, ficando em 5º lugar na


ordem dos recursos assegurados para manumissão na região norte. Apesar da
discrepância na distribuição das quotas, as províncias enfrentaram o mesmo
problema: os valores destinados à liberdade seriam escassos para retirar do
cativeiro uma parcela considerável de escravos. Com isso, a associação entre os
limitados recursos e as altas indenizações acentuou a ineficiência numérica do
Fundo de Emancipação.

Como vimos, o alcance da emancipação em 1875 ficou muito abaixo do


quadro geral de matriculados. Mas, como aconteceu a emancipação pelas
províncias? De que maneira contribuíram na última etapa do projeto? Ao avaliarmos
individualmente, a deficiência quantitativa do Fundo de Emancipação ganha maior
destaque, pois o número de emancipados por província oscilou entre 3 e 307
escravos. Essa quota também se destaca pela não utilização de todo o dinheiro
recebido; diversas localidades utilizaram apenas metade dos valores a que tinham
direito.

O quadro cinco reflete um pouco das dificuldades de todo o processo de


emancipação, e não apenas na etapa final. Tão importante quanto o número de
emancipados é avaliar a gestão dos recursos financeiros. Como podemos observar,
em sua maioria, as províncias utilizaram apenas partes da quota, alternando entre
metade ou apenas um terço dos valores, fato ocorrido nas províncias do Ceará, do
Amazonas e da Paraíba. Já as províncias do Rio de Janeiro e da Bahia, e,
especialmente, Minas Gerais, apresentaram os resultados mais inexpressivos em
relação ao uso dos recursos financeiros; é provável que a dependência do
trabalhador escravo dificultasse a adesão dos senhores ao projeto, principalmente
na região sudeste.

Na contramão desse processo, estiveram o município da Corte e as


províncias de Santa Catarina e Espírito Santo, que usaram praticamente todo o valor
destinado à emancipação. Na Corte, centro da discussão da liberdade gradual, a
pressão das autoridades provavelmente influenciou na quantidade de libertos.
Enquanto isso, as províncias de Santa Catarina e Espírito Santo aparentemente não
enfrentaram problemas com o processo de matrículas, já que o número de escravos

150
Idem,p.7
81

matriculados foi muito próximo ao registrado pelo censo demográfico de 1872 151,
fato que possivelmente contribuiu para o resultado das alforrias nas províncias.

Ao que tudo indica, o baixo índice de emancipados em 1875 estava ligado à


má administração dos valores. Ressaltando que não constam três províncias na lista
acima; são elas: Piauí, Sergipe e São Paulo. Esta última recebeu uma aviltante
quantia, porém, não enviou ao governo qualquer relatório sobre suas atividades.
Como vimos anteriormente, Sergipe sofreu inúmeros problemas que envolviam
desde a falta de funcionários ao material básico para realização das matrículas. Sem
dúvida, a junção desses fatores foi determinante para a ineficácia do Fundo de
Emancipação no seu início. Sobre tal fato, Fabiano Dauwe destaca que:

[...] a ideia da má aplicação do fundo de emancipação é extensível a


todos os procedimentos de aplicação da lei, em especial ao trinômio
matrícula – classificação – fundo de emancipação. As críticas que se
fazem ao fundo versam principalmente sobre aspectos numéricos,
mas todo o processo de organização estatística e classificatória que
antecede a libertação institucional é alvo de duras críticas,
especialmente quanto à lentidão da matrícula. Isso demonstra que
esses processos estavam intimamente ligados, foram alvo de má
execução – ou, em outras palavras, que a aplicação da lei, que
envolvia esses três processos, foi prejudicada nos seus diversos
momentos152.

Dessa maneira, percebemos que a deficiência do projeto de emancipação


estava associada a uma série problemas desde o seu início, porém, as críticas
estiveram concentradas sobre a última parte do processo. A preocupação com o
projeto no âmbito nacional acabou retirando o foco da aplicação do Fundo de
Emancipação nas províncias. É a partir da execução individual, do olhar direcionado
numa escala local, que poderemos entender melhor os desdobramentos da política
emancipacionista. Por isso, iremos concentrar nossa atenção sobre as quotas de
liberdade distribuídas em Alagoas, logo, poderemos compreender como a mesma
contribuiu para o andamento do projeto imperial.

151
Os números das duas províncias foram os seguintes: Espírito Santo, 22.659 escravos
contabilizados e 22.659 matriculados, enquanto em Santa Catarina foram contabilizados 14.984 e
13.884 foram matriculados. Censo demográfico de 1872 e Relatório do Ministério da Agricultura 1876,
p.10.
152
DAUWE, Fabiano. A liberdade gradual e a saída viável: Os múltiplos sentidos da liberdade pelo
fundo de emancipação de escravos. Dissertação (mestrado em história) Universidade Federal
Fluminense, Rio de Janeiro, 2014.p.25.
82

3.2 Alagoas e a emancipação em 1875.

Como vimos anteriormente, somente em 1875 foi executada a primeira


emancipação no Império. Nesse momento, Alagoas possuía uma população cativa
de 30.216153. Desses, apenas 1815 estavam classificados para serem libertos154.
Porém, o quadro cinco demonstrou que a Província emancipou somente 89
escravos, ao custo de 45:782$334, valor que representou pouco mais de 50% dos
recursos recebidos. Portanto, a Província foi mais uma localidade que não utilizou
os valores em tempo hábil, prolongando a espera de vários classificados no
cativeiro. Os resultados obtidos em Alagoas são semelhantes aos apresentados na
província do Ceará, fator que nos ajuda a observar o início do projeto nas duas
localidades.
As duas províncias receberam praticamente a mesma quantia para
emancipação, usando quase 50% desses recursos. No entanto, a província
alagoana emancipou 7 escravos a menos, gastando 6:318$079 a mais. Nos
municípios, o resultado não foi diferente, a província cearense alforriou escravos em
16 municípios, enquanto, em Alagoas, foram apenas 13 municípios a libertar através
da quota de 1875155, ou seja, os gastos superiores em Alagoas revelam que os
proprietários continuaram arrecadando altas quantias com a liberdade dos escravos,
recursos que, desde então, eram advindos dos cofres públicos.

Já o relatório Provincial diz que os recursos do Fundo de Emancipação foram


divididos entre 20 municípios, porém, apenas 13 conseguiram alforriar até a data da
publicação do relatório imperial de 1876. Maceió e Porto Calvo foram os municípios
que receberam as maiores quantias. A Capital, com 9:722$712, enquanto o
município da região norte recebeu 8:907$480156. No entanto, a aplicação dos
recursos trilharam diferentes caminhos, o cumprimento dos trabalhos administrativos
no prazo permitiu que Maceió estivesse entre as localidades emancipadoras em
1875. Já em Porto Calvo, não houve manumissão no mesmo ano, o atraso nas

153
Relatório do Ministério da Agricultura 1876, p. 10. Infelizmente não existem registros oficiais sobre
a quantidade de escravos classificados para liberdade por municípios.
154
Os escravos foram selecionados em 17 municípios da Província e continuava sendo realizada.
Relatório Provincial 1874, p. 15.
155
Relatório Ministério da Agricultura, 1876, p.15.
156
Relatório Provincial 1876, p.89.
83

alforrias ocorreu devido à junta classificadora não conseguir realizar a seleção dos
escravos para liberdade.

Com os valores recebidos, a Capital libertou 14 escravos, sendo 12 mulheres


e 2 homens, gastando o total de 9:430$000. No mesmo relatório constam outros
municípios que alforriaram no primeiro prazo, entre eles, as cidades de Alagoas
(Marechal Deodoro), São Miguel dos Campos, Penedo e Traipu157. Juntos, esses
cinco municípios possuíam pouco mais de 11.154 cativos, porém, emanciparam
apenas 48 pessoas, número que representa menos de 0,5% dos escravos
registrados. Dessa maneira, notamos que a aplicação da quota modificaria pouco o
quadro numérico dos cativos em Alagoas. A recorrência desses episódios nas
demais províncias produziram os baixos níveis de liberdade anunciados pelo Império
no primeiro relatório, que trazia a seguinte informação:

A esta providencia é devido em grande parte o fato, que me é


sobremodo grato anunciar-vos, de que já haverem sido libertados no
município da corte e em várias províncias 1503 escravos: número
que, dentro em pouco, será superior a 4000158.

O governo tinha o conhecimento da carência de alforrias através da primeira


quota. Não por acaso, já anunciava as expectativas de alforriados nos anos
seguintes. As sobras dessa quota seriam importantes para dar prosseguimento ao
processo de liberdade. Segundo Robert Conrad, em 1877, foram emancipados mais
755 escravos159. Porto Calvo esteve entre as localidades que emanciparam nesse
ano e conseguiu libertar 17 escravos, sendo 8 homens e 9 mulheres. No município,
ocorreu uma oscilação no valor das indenizações. Entre os emancipados, temos 6
escravos que foram avaliados ao total de 1:550$000; individualmente seus valores
alteraram entre 150$000 e 300$000. Esse valor foi inferior à alforria da preta Maria e
sua família, formada por marido e filho, que foram alforriados pelo total de
1:800$000 réis160; o fato de ser toda uma família emancipada aumentou o valor
médio de cada cativo.

157
Idem, p. 90.
158
Relatório Ministério da Agricultura, 1876, p. 14.
159
CORAD, op. cit., p. 138.
160
Fundo de Emancipação do município de Porto de Pedras, 1877.
84

A divergência nos valores das alforrias expõe o problema na formação dos


mesmos; escravos que possuíam características semelhantes eram avaliados de
forma distinta. Esse fato é uma realidade em Porto Calvo, onde a família de Maria
apresentou valor médio de 600$000; ambos eram agrícolas161, com 44 e 54 anos,
respectivamente. Já os escravizados Bartholomeu e Diogo, que também eram
agrícolas, com idades de 54 e 43, nessa ordem, foram emancipados por 300$000
cada162.

Podemos observar que todos os libertos exerciam a mesma profissão e


possuíam idades equivalentes, porém, as avaliações foram divergentes, ou seja, não
existem, aparentemente, fatores que validem tais diferenças. Na verdade, não
estamos diante de uma situação atípica, pois a alta indenização funcionou como
uma estratégia dos senhores na tentativa de assegurar seu direito moral e
financeiro, e, assim, reaver parte dos valores investidos em seus cativos
anteriormente. Por meio dessa estratégia, a senhora Joaquina Maria conseguiu
receber a quantia de 1:500$00 dos cativos Joaquim, padeiro com 59 anos, e
Francisca (camareira) de 55 anos163. Além de indicar a iniciativa dos senhores,
esses episódios sugerem um possível descaso das autoridades com o valor das
indenizações.

Essa prática nem sempre obteve êxito. Em Pernambuco, o coletor das rendas
João Batista Gomes tentava combater essa iniciativa. Em 1880, o mesmo
questionava a avaliação de Felismino, mestre de açúcar, que foi estimado em
1:100$000. O coletor considerava a quantia um absurdo, especialmente por tratar-se
de um escravo de 40 anos, que há 16 anos sofria com uma úlcera, e seria incapaz
de exercer suas atividades164. Ao indagar a alta avaliação, João Batista frustrava os
planos do senhor em lucrar com a liberdade de Felismino, da mesma forma, que
coletor poderia assegurar maiores recursos para o Fundo de Emancipação.

Gerir os valores destinados à liberdade seria tarefa complicada,


especialmente quando as altas avaliações eram a regra entre os classificados, fato

161
Agrícola, trabalhador que lavra a terra, que vive dos frutos da terra cultivada por suas próprias
mãos. Brasiliana. Dicionário de língua portuguesa – Luiz Maria da Silva Pinto 1832. Disponível em:
http://dicionarios.bbm.usp.br/en/dicionario/3/agrícola acessado em 20/01/2017.
162
Idem.
163
Idem.
164
COSTA, Lenira Lima da. A lei do ventre livre e os caminhos da liberdade em Pernambuco,
1871-1888. Dissertação (mestrado em história) Universidade Federal de Pernambuco-UFPE. pp. 59-
61.
85

que dificultava a liberdade de uma quantidade maior de cativos. As 17


emancipações de Porto Calvo só foram possíveis devido aos seguintes fatores: a
quantia recebida pelo município, que foi a segunda maior da província, o pecúlio de
cinco escravos, que juntos, contribuíram com 482$000165, e, especialmente, por
contar com indenizações a preços mais baixos. Logo, a divergência nas avaliações
sugere a falta de padrão na elaboração da quantia a ser recebida. Tal fato permitiu
que muitos proprietários fraudassem o Fundo através das altas indenizações, como
foi o caso de José Antônio de Caldas, que conseguiu, pela liberdade de João, 64
anos, a quantia de 600$000166.

Já os municípios que recebiam menos recursos enfrentavam maiores


dificuldades em emancipar, sobretudo quando as avaliações alcançavam cifras
elevadas. Essa foi uma realidade ocorrida em Passo de Camaragibe e Murici, que
receberam 5:625$060 e 1:906$800167. Dependendo da avaliação dos escravos,
essas quotas seriam capazes de alforriar entre cinco e seis escravos, ou, no
máximo, retirar uma família com três integrantes do cativeiro. Três anos antes da
execução das alforrias, o município de Passo de Camaragibe possuía apenas um
escravo classificado, enquanto, em Murici, havia 178 selecionados para liberdade e
as juntas continuavam efetuando a classificação.

Em abril de 1877, o juiz dos órfãos de Passo de Camaragibe, Bento Carvalho


de Almeida Cunha, destinava à Capital o informe com o resultado dos trabalhos da
junta classificadora no município. O relatório concedia a liberdade a seis mulheres,
entre 8 e 34 anos, todas em idade produtiva, com avaliações entre 400$000 e
800$000, recebendo a maior quantia o Tenente Joaquim José Alvim, pela liberdade
de Luiza, a cativa mais velha. Enquanto o menor valor foi pago para o senhor de
Ângela168. Para termos um parâmetro por quantia semelhante à indenização da
cativa de 8 anos, Manuel Januário comprava uma casa de taipa e telhas pelo valor
de 420$000O, no município de São Miguel169.

165
Lista dos libertos através do Fundo de Emancipação do município de Porto Calvo, 1877. Arquivo
Público de Alagoas. APA. Caixa 1691.
166
Idem.
167
Relatório da província das Alagoas, 1876, p.89.
168
Fundo de Emancipação do município de Passo de Camaragibe, 1877. Arquivo Público de Alagoas.
APA. Caixa 1691.
169
Livro de receita de transmissão de São Miguel dos Campos 1880-1881. Arquivo Público de
Alagoas. APA. 3314.
86

Sobre as indenizações pagas em Passo de Camaragibe, o juiz afirmava não


ter recebido qualquer reclamação dos senhores, ou seja, não se sentiram lesados
financeiramente, o valor recebido poderia estar de acordo com os preços de
mercado particular para alforria dos escravos. Essas emancipações não consumiram
todo o recurso destinado ao município, que, posteriormente, seria utilizado na
emancipação de mais 3 escravos, totalizando 9 libertos ao custo de 4:698$000170,
sobrando, na localidade, o valor de 927$060, que seria acrescido na quota seguinte
para concessão de novas alforrias.

Apesar das sobras, a falta de dinheiro foi um problema corriqueiro, que


prejudicou o progresso das manumissões, principalmente quando os escravos
tinham altas avaliações. Tal situação ocorreu em outros locais, como o município de
Castro, no Paraná, que igualmente a Murici também enfrentou esse obstáculo, ao
receber menos de dois contos de réis. Os parcos recursos renderam o seguinte
comentário:

Ressalta-se que os recursos repassados pelo governo eram de baixo


valor, sendo assim, geralmente conseguiam o benefício da liberdade
os escravos que já possuíam algum pecúlio e completavam o valor
exigido por seus senhores, muitas vezes o dinheiro repassado não
era suficiente para comprar a liberdade de um único escravo171.

Situações como essa acabavam retardando a emancipação de cativos já


classificados. Em Castro, esse problema repercutiu na liberdade da família de
Antônio, que foi classificado juntamente com a esposa e o casal de filhos. Ao total,
foram avaliados em 2:500$000 réis. Os valores da quota foram insuficientes e
apenas Antônio foi alforriado, Dyonisia e Auta seriam emancipadas somente em
1882, enquanto Romualdo permaneceu no cativeiro 172. Logo, a família contou com a
liberdade de parte dos seus integrantes, conjuntura que manteria os libertos ainda
ligados ao cativeiro, consequentemente, inibindo os seus espaços de autonomia e
mobilidade.

A província de Alagoas partilhou dessa experiência. Como vimos acima, a


quota recebida por Murici, município da zona da mata alagoana, ficou abaixo dos

170
Relatório Ministério da Agricultura, 1879, p. 27.
171
NETTO, Fernando Franco & ANTOCZECEN, Inês Valéria. Fundo de Emancipação de escravos:
Aplicabilidade e as irregularidades em Castro/PR. In: VII Encontro de Pós-graduação em História
Econômica & V Conferência Internacional de História Econômica. Niterói, 2014. Rio de Janeiro. p. 11.
172
Idem, p. 13.
87

dois contos de réis, fato que causou a exclusão de alguns cativos, momentos antes
de serem emancipados. O relatório das atividades declara que o juiz municipal
exigiu aos membros da junta classificadora a liberdade de determinado escravo,
atitude irregular, pois todo o processo de emancipação era de responsabilidade da
junta. Contudo, o pedido do juiz foi atendido, resultando na reclassificação das
alforrias. José não configurava entre os classificados, mas, após a solicitação do
juiz, o escravo foi incluído na segunda colocação, e conseguiu ser emancipado
juntamente com Maria, sua mãe. Após a liberdade de ambos, toda a família da
escrava estava livre do cativeiro, o que poderia render maior mobilidade a todos, até
mesmo uma possível saída do município173.

A intervenção do juiz municipal infringiu diretamente o andamento das


atividades da junta classificadora, especialmente na ordem da alforria dos escravos.
Logo, a fraude do juiz de Murici favoreceu financeiramente o senhor José Ferreira,
que receberia apenas 140$000 com a alforria de Maria, de 50 anos; porém, com a
emancipação de José, 19 anos, o senhor garantiu o acréscimo de 1:000$000 conto
de réis a mais à sua indenização. Talvez a necessidade de conseguir uma
indenização maior tenha motivado a alforria do escravo. Somente uma relação
pessoal entre o juiz e José Ferreira poderia explicar a fraude, pois, além de
embaralhar todo o processo de liberdade, o episódio desrespeitou todas as normas
do projeto, pois o escravo não apresentava qualquer critério que favorecesse sua
liberdade através do Fundo de Emancipação, lembrando que, individualmente, a
emancipação seria concedida aos escravos mais velhos.

A interferência do Juiz, combinada com os baixos recursos, acabou excluindo


da liberdade os escravos Rosendo e Manoel. Esses eram respectivamente, os 3° e
4° colocados da lista, que tiveram sua alforria prorrogada após a liberdade de José.
Porém, por meio da quota, somente um dos cativos conseguira a liberdade, pois,
igualmente a José, ambos foram avaliados em 1:000$000 réis. Como podemos
notar, a emancipação de José influenciou na liberdade dos demais escravos e o
município acabou alforriando somente mais 3 escravos, com valores que não
superaram os 300$000174. Essa problemática acabou favorecendo a emancipação
de Elias, 6º colocado na ordem de liberdade, fato que mereceu atenção das

173
Fundo de Emancipação do município de Murici, 1877. Arquivo Público de Alagoas. APA. Caixa
1691.
174
Idem.
88

autoridades, que alertaram para o seu problema com a embriaguez, pois o


consideravam um indivíduo propenso a causar problemas após liberto, situação que
o governo pretendia evitar.

Possivelmente, os municípios de Passo de Camaragibe, Murici e Castro/PR


representam parte da rotina do processo de emancipação. O recebimento dos
baixos recursos, combinado com as altas avaliações, acabaram limitando as
alforrias. Tais ocorrências indicam que esses fatores foram determinantes para a
lentidão do projeto,

[...] primeiramente, os valores destinados ao fundo eram, de fato,


muito baixos em relação aos que seriam necessários para a
libertação de uma quantidade maior de escravos. [...] Por fim, se o
objetivo fosse simplesmente aumentar o número de emancipados,
seria possível estabelecer algumas limitações, como um preço
máximo para os cativos, quanto mais baixo ele fosse, maior seria a
quantidade de libertos. Mas a opção naquele momento foi por não
fazer a lei interferir na determinação dos valores, deixada a cargo de
cada senhor175.

A emancipação de um contingente maior de escravos passava por duas


decisões: aumentar o valor disponibilizado pelo governo para liberdade ou diminuir o
valor das indenizações. Contudo, as duas opções eram inviáveis no momento. A
primeira oneraria seriamente os cofres públicos, enquanto, na segunda, os senhores
perderiam o direito de determinar as indenizações a serem recebidas, significando
um novo golpe ao no seu poder de decisão.

O responsável por organizar o Fundo de Emancipação no ano de 1877 foi o


presidente da Província, Pedro Antônio da Costa Moreira, que precisou cobrar o
envio da documentação atrasada em vários municípios. Em 1875, foram
emancipados 89 cativos, resultado que aumentou com a entrega da documentação
dos municípios atrasados. Logo, cada município executou o seu trabalho de maneira
distinta, correspondendo às suas peculiaridades e, dessa forma, criou-se um ritmo
de atividades desordenadas que levou alguns a atrasarem a sua finalização. No
relatório provincial de 1877, Pedro Antônio comunicava que Porto Calvo, Murici e
São José da Laje haviam concluído os seus trabalhos, enquanto, em Anadia e
Quebrangulo o processo de emancipação continuava sendo executado176.

175
DAUWE, op. cit., pp. 91-92.
176
Relatório Provincial, 1877, p. 30.
89

Dessa maneira, percebemos que a quota foi sendo executada por etapas em
Alagoas e o número de emancipados foi ampliando sucessivamente. À medida que
os municípios finalizavam os seus serviços, o presidente anunciava os novos
resultados. Em 1877, Pedro Antônio divulgava que outros cinco municípios
emanciparam mais 36 indivíduos. Em Alagoas, percebemos que a emancipação
ocorreu em etapas intercaladas, iniciando em 1875 e finalizando quatro anos depois,
como vemos no quadro abaixo.

Quadro 6: Libertos através da aplicação da quota de 1875 em Alagoas.

Ano N. Municípios Emancipados Valor


1876 13 89 45:782$334
1877 18 125 65:386$284
1878 19 134 71:172$614
177
1880 19 145 83:774$922
Fonte: Relatórios do Ministério da Agricultura 1876-1878.

O quadro expõe a aplicação progressiva da primeira quota de liberdade em


Alagoas, demonstrando que os municípios executaram a tarefa de maneira
particular. Vimos que o atraso na classificação proibiu que os escravos de Porto
Calvo fossem emancipados em 1875. A divisão dos recursos foi outro entrave para
um quantitativo maior de emancipação, dos vinte municípios alagoanos apenas
quatro receberam quantias acima dos 6:000$000 contos de réis. A falta de dinheiro
levou muitas localidades a emancipar apenas três ou quatro cativos, caso que vimos
em Murici e que pode ser igualmente observado em: Quebrângulo (4), Traipu (4), e
Pão de Açúcar (3)178. Nos municípios da Bahia, o historiador José Pereira Neto
identificou conjuntura semelhante à encontrada em Alagoas; até o ano de 1876
várias localidades da província baiana apresentaram por volta de quatro escravos
alforriados, como o ocorrido em: Juazeiro (4), Belmonte (2), Sento Sé (1) Taperoá
(4) e Capim Grosso (4)179.

177
A emancipação em etapas acabou gerando o desencontro de informações entre os resultados
apresentados entre os governos nacional e provincial. O relatório da Província de 1880 inclui 11
emancipados a mais do que o relatório apresentado pelo governo dois anos antes. Segundo o
relatório provincial de 1878 e 1879, alguns municípios ainda não haviam executado a emancipação,
como foi o caso de São José da Laje e Anadia. Relatório Provincial 1880. p. 56.
178
Relatório do Ministério da Agricultura 1879, p. 27.
179
NETO, José Pereira de Santana. A alforria nos termos e limites da lei: o fundo de emancipação
na Bahia (1871-1878). Dissertação (mestrado em história) Universidade Federal da Bahia. Salvador –
UFBA. 2012. p. 48.
90

Das alforrias mencionadas no quadro acima, encontramos os registros de


vinte e sete emancipados. Nelas, as mulheres foram a maioria entre os libertos;
dezessete deixaram o cativeiro nos três municípios. Em Passo de Camaragibe,
todas as libertas eram solteiras, indicando que, no município, a classificação
priorizou a alforria das mães com filhos escravos e ingênuos; infelizmente, o juiz dos
órfãos não descreve a profissão das emancipadas. Porém, em Porto Calvo,
conseguimos detalhar o ofício das nove emancipadas: costureiras, domésticas,
cozinheiras e agrícolas. Dessas, seis exerciam trabalho especializado e três
apresentaram pecúlio no momento da matrícula que oscilou entre 50$000 e 200$000
réis. Tal fato foi relevante para a liberdade de Antônia, Paula e Maria, todas
solteiras; logo, sem o pecúlio, não teriam conseguido prioridade de classificação
para emancipação individual.

Sendo assim, o ambiente rural não impediu que alguns escravos formassem
pecúlio, especialmente os que exerciam algum ofício. Quanto aos trabalhadores
agrícolas, a situação foi oposta: apenas Maria, 7 anos, possuía a quantia de
32$000180. Provavelmente esse dinheiro seja fruto de alguma doação de familiares
com o intuito da escravinha obter prioridade na classificação da liberdade. Em Porto
Calvo e Murici, os escravos agrícolas adultos de ambos os sexos não possuíam
qualquer economia. Possivelmente, a exigência do trabalho na produção açucareira
dificultou o acesso às formulas de acumular o dinheiro.

Entre os dez homens libertos, apenas Joaquim possuía ofício, trabalhava


como padeiro. É provável que a profissão o tenha ajudado a constituir o pecúlio de
100$000181, sendo o único a contribuir financeiramente com a liberdade. Dessa
maneira, notamos que o trabalho especializado foi essencial para formar alguma
economia. Diferentes dos trabalhadores agrícolas, tais escravos poderiam possuir
maior flexibilidade ao trabalhar como ganhadores ou mesmo serem alugados, fator
que pode ter sido determinante na formação do pecúlio.

Além da importância do ofício, o local de residência foi igualmente relevante


para acumular o dinheiro. Todos os escravos que possuíam pecúlio moravam em
Porto Calvo. Isso indica que, apesar do predomínio da lavoura do açúcar, o

180
Fundo de Emancipação do município de Porto calvo, 1880. Arquivo Público de Alagoas. APA.
Caixa 1691.
181
Idem.
91

município possuía um mercado paralelo de escravos com ofício, que eram


demandados devido às necessidades mais urbanas do local, que contava, na época,
com uma população de 3.924 escravos182. Em Murici, os escravos enfrentaram
situação oposta, Maria e o filho José, Anna e Elias, não contribuíram com a
liberdade, todos eram agrícolas. Aparentemente, o trabalho na lavoura contribuiu
para esse fato. Em nove anos, vinte e quatro pessoas foram emancipadas no
município183, todos agricultores. Apenas, Firmino, de 30 anos, conseguiu juntar
50$000 réis. Acreditamos que o fato de ser banda forra foi essencial para constituir
pecúlio184. Dessa forma, a falta de espaços de mobilidade e autonomia vivenciada
pelos escravos que trabalhavam como agricultores no município de Murici foi
determinante para que a maioria não acumulasse pecúlio.

Tais municípios nos oferecem indícios da conjuntura de emancipação na


Província em 1875. Podemos observar que cada localidade apresentou
circunstâncias particulares, o acesso à formação de pecúlio até então esteve
limitado aos cativos de Porto Calvo. Enquanto isso, as mulheres foram unanimidade
entre os libertos de Passo de Camaragibe. Já no município de Murici, verificamos a
primeira fraude que envolvia a intromissão das autoridades locais no processo de
emancipação. Contudo, o aspecto evolutivo das alforrias é mais uma peculiaridade
no início das suas concessões, indicando um caráter de aperfeiçoamento do projeto
durante a sua primeira execução.

É nítido que estamos diante de um processo paulatino de liberdade. O próprio


ministro da agricultura já alertava para essa condição, seriam inicialmente 1.503,
mas que em pouco tempo alcançaria os 4.000 mil libertos. Fato ocorrido só em
1877, quando as alforrias, por meio do Fundo de Emancipação, alcançaram o
número de 4.138 libertos185. Nesse momento, o relatório já contava com a
colaboração de todas as províncias, e, no ano seguinte, o Fundo concedeu mais 245
alforrias. A evolução na quantidade de emancipados parecer ter contagiado o
ministro, que proferiu o seguinte comentário:

182
Censo demográfico de 1872.
183
Os 24 escravos foram emancipados através da aplicação de 3 quotas, 1ª quota 1875, 4
emancipados/ 2ª quota 1880, 10 emancipados/ 1884, 10 emancipados. Arquivo Público de Alagoas.
APA. Caixas 1691, 1097 e 287. . Arquivo Público de Alagoas. APA.
184
Fundo de emancipação do município de Murici 1884. Arquivo Público de Alagoas. APA. Caixa
1691.
185
Relatório do Ministério da Agricultura 1877, p. 14.
92

Da parte dos proprietários, nenhum obstáculo se há oposto a


libertação. Bem ao contrario pode assegurar-se que, em grande
número de localidades onde já se tem sido aplicado o Fundo de
Emancipação, há sido executada a lei no meio geral da satisfação
pública, sendo os proprietários dos escravos designados os primeiros
a auxiliarem a autoridade, e muitos revelando louvável desinteresse
na avaliação do preço das alforrias186.

As notícias oficiais indicam que os proprietários teriam participação importante


na evolução das alforrias, devido à manumissão particular, deixando transparecer
que a parceria entre Estado e senhores seria fundamental para o sucesso do
projeto. A contribuição dos proprietários era reservada ao momento das avaliações,
quando os baixos valores ajudariam a ampliar o número de libertos. Mas verificamos
que nem todos os senhores abraçaram essa ideia, visualizaram nas altas avaliações
a oportunidade de garantir elevadas indenizações, como fez José Ferreira, ao
conseguir pela emancipação de José a quantia de 1:000$000 conto de réis.

Ao acompanharmos as alforrias concedidas pelo Fundo de Emancipação em


Alagoas, notamos que procedimentos de liberdade passaram por adaptações.
Dessa maneira, queremos ressaltar a natureza móvel no cumprimento da Lei; tais
fatos revelam que o projeto de liberdade estava sujeito a interferências e alterações
no ato da alforria. A fragilidade nas regras do Fundo não ocorre por acaso, na
verdade, representam a ambiguidade da Lei e a conservação das prerrogativas do
Estado na elaboração do projeto.

Como salientamos anteriormente, antes de estabelecer padrões, tanto à Lei


quanto ao Fundo de Emancipação produziram diversidade. Assim sendo,
pretendemos verificar o prosseguimento do projeto de liberdade em Alagoas na
última década da escravidão, observando o alcance das emancipações, se existiram
mudanças no comportamento de escravos e senhores e quais as atitudes que
persistiram. Esses questionamentos que estão inseridos em uma conjuntura de
maior intensidade, que envolve o fortalecimento dos conflitos entre escravistas e
abolicionistas, a própria ineficiência da Lei Rio Branco e a formulação da Lei dos
Sexagenários.

186
Relatório do Ministério da Agricultura, 1878, p. 11.
93

3.3 O fundo de emancipação e as alforrias em 1880.

Na década de 1880, a escravidão ganhou diferentes contornos. O mais


importante deles foi a intensificação do movimento abolicionista, fato que acirrou as
tensões no parlamento durante os anos seguintes, com disputas que se estenderiam
para o cotidiano, por meio de discursos em praças, teatros e nos jornais. Abolir a
escravidão era uma tarefa delicada, que deveria ser coordenada pelos
parlamentares; essa seria uma alternativa para assegurar perdas paulatinas,
preservando as amarras econômicas e sociais e, especialmente, garantido a
segurança nacional.

O desmonte da escravidão não ficou restrito ao Parlamento brasileiro, os


escravos tiveram participação relevante nesse processo. As fugas, os assassinatos
e as revoltas contribuíram para ampliar as contestações que o regime sofreu a partir
de meados do XIX. Como vimos, os assassinos e fugitivos compõem o grupo de
escravos que não poderiam ser libertos pelo Fundo de Emancipação. Dessa
maneira, as disputas legais, em conjunto com a oposição aberta dos escravos,
exigiam certa urgência em solucionar o problema da escravidão. Sobre essa
atuação, Maria Helena Machado destaca que:

Os fatos ocorridos no início dos anos 1880 parecem indicar que a


resistência escrava começava a enveredar por novos caminhos,
transbordando as fronteiras das fazendas, vencendo o isolamento no
qual haviam sido confinados nos plantéis. Superando o ponto de
vista paternalista com relação à instituição, reivindicando não apenas
certos direitos tradicionais com relação a um ritmo de trabalho
flexível e o gozo de tempo livre pra organização social e econômica
autônomas ao universo da plantation, os escravos nos anos 1880
passavam a exigir, claramente, liberdade187.

Por intermédio da Lei ou dos acordos particulares, os escravizados se fizeram


ouvir. O espaço legal conquistado pelo Projeto Rio Branco não estendeu apenas as
possibilidades de alforria, ele ampliou o reconhecimento dos escravos para
interpelar os seus proprietários na justiça. A queixa dos escravos foi igualmente
disseminada pelos abolicionistas, tornando homens como Rui Barbosa e Joaquim
Nabuco porta-vozes da luta dos escravos. Juntos, esses aspectos ratificam as

187
MACHADO, O plano e o pânico, op. cit., p.97.
94

afirmações de Maria Helena, de que, nas últimas décadas da escravidão, os cativos


conseguiram superar algumas barreiras que lhes foram impostas durante os mais de
três séculos do regime escravocrata.

Na década de 1880, o Fundo de Emancipação passou por diferentes


momentos, desde os questionamentos no parlamento até a oscilação nos valores
arrecadados e, consequentemente, a redução na quantidade de alforrias. Tal
situação levou o Fundo a sofrer várias críticas sobre o seu desemprenho, sobretudo
quando comparado com as alforrias concedidas pelos proprietários. No Parlamento,
essa deficiência numérica ocasionaria maiores discussões entre escravistas e
abolicionistas, que resultariam na proposta da Lei dos Sexagenários.

O projeto sofreria a influência da conjuntura política nacional. Na década de


188,0 o envio de recursos para a alforria tornou-se mais habitual, as províncias
passaram a receber anualmente os valores arrecadados pelo governo, como previa
inicialmente o projeto. Mas, quantos cativos permaneciam no cativeiro? Quantos
mais poderiam ser libertos? E quais os contornos dessa nova série de alforrias em
Alagoas? Quantas emancipações o fundo concedeu na Província? E qual a
relevância do pecúlio nesse processo? As respostas a tais questões podem ser
encontradas através das quotas distribuídas em Alagoas. Com elas buscaremos
entender a dinâmica da emancipação dos escravos nos anos que antecederam a
abolição.

Após a execução da primeira quota, o Império demorou cinco anos para


encaminhar novos recursos, somente em 1880 seria aplicada a segunda quota de
liberdade. Na época o Brasil possuía o total de 1.402.664 escravos; portanto, uma
diminuição de pouco mais de cem mil cativos quando comparado com o censo de
1872188. Em se tratando das alforrias particulares, a região cafeicultora manumitiu
mais de 25.000 mil cativos, com destaque para a província do Rio de Janeiro, que,
pela ação dos senhores, libertou 10.259189. Enquanto isso, as principais províncias
produtoras de açúcar alforriaram 15.418 escravos. A província da Bahia teve o maior

188
Relatório do Ministério da Agricultura, 1881, p. 6. A diferença exata foi de 108.142 escravos.
189
As províncias do café alforriaram, de forma conjunta, 26.825 escravos, da seguinte maneira:
Espirito Santo: 1.209/ Município Neutro: 3.008 / Rio de Janeiro 10.259 / São Paulo: 5.627 / Minas
Gerais: 6.722. Idem, p. 11.
95

contingente de libertos, 5.627 pessoas deixaram o cativeiro por decisão dos


proprietários; em Alagoas foram mais 1.438 cativos a serem manumitidos190.

Sendo assim, o longo espaço de tempo para aplicação da segunda quota de


liberdade contribuiu para aumentar a diferença entre as alforrias concedidas por
intermédio dos senhores e do Fundo de Emancipação. Os dados do governo
revelavam que pouco mais de 35.000 mil escravos haviam sido libertados pelos
senhores, enquanto o Fundo tinha manumitido apenas 4.584 escravos191. A
discrepância entre a quantidade de alforrias dos dois projetos revela que a iniciativa
imperial estava cada vez mais distante de ter condições de fazer frente à atitude dos
senhores.

Qualquer tentativa do governo em conceder alforrias nos padrões particulares


causaria sobrecarga aos cofres públicos. Como notamos anteriormente, a execução
da primeira quota se estendeu durante quatro anos; nesse período, Robert Conrad
apontou para a variação no valor médio nacional dos escravos, saindo de 562$630
para 843$343, e, posteriormente, diminuindo para 742$778192. Relembrando que
esse valor não foi unicamente destinado aos escravos jovens, com ofício e aptos
para o trabalho. Senhores conseguiram essa quantia por trabalhadores velhos e
sem especialização, como foi o caso de Crispim, trabalhador agrícola do município
de Alagoas (Marechal Deodoro), que tinha 46 anos e foi emancipado ao custo de
800$000 para o Fundo193.

Essas avaliações estavam sujeitas às localidades e à região econômica onde


residiam os senhores. Os valores aplicados na região sul seriam diferentes dos
aplicados no norte, visto que “os preços nas províncias do café eram os mais
elevados, refletindo a maior capacidade reprodutiva dos escravos dessas regiões,
enquanto os preços no nordeste eram muito inferiores, particularmente no Ceará”. 194
Segundo Conrad, Alagoas teve a maior média de preço na região, alcançando, entre

190
As demais províncias contribuíram assim: Ceará: 2.303 / R. Grande do Norte: 916 / Paraíba: 819 /
Pernambuco: 3943 / Sergipe: 712.
191
Relatório Agricultura 1879. p. 22.
192
CONRAD, op. cit., p. 138.
193
Fundo de Emancipação do município de Alagoas, 1880. Arquivo Público de Alagoas APA. Caixa
1097.
194
CONRAD, op. cit., p. 139.
96

os anos 1875-1885, a quantia de 611$000195. Na década de 1880, o ministro da


agricultura atentava para o valor médio da indenização, quando afirmava que:

em geral os proprietários têm chegado a razoável acordo com os


agentes fiscais acerca do preço dos libertandos, que, frações
desprezadas, há regulado pela média de 735$140, com exclusão dos
pecúlios, e muito agradável me é registrar que, salvo a
desinteligência por vezes manifestada quanto ao valor da
indenização, nenhuma dificuldade tem sido oposta a obra da
emancipação oficial que, em numerosos pontos do Império, a
começar pela corte, há sido realizada no meio de expansões de
196
júbilo.

No ano da aplicação da segunda quota de liberdade, Alagoas possuía 29.606


pessoas vivendo sob o cativeiro, sua escravaria sofreu uma redução de quase 5.000
mil cativos. Segundo o mesmo relatório, viviam 34.587 escravos na Província,
portanto, uma redução aproximada de 14%197. Em meio ao processo de redução
natural decorrente das alforrias particulares, o governo preparava a nova execução
do Fundo de Emancipação, que, depois de reunidos os valores, foi encaminhado
para Alagoas, um valor no montante de 99:983$042. Com essa quantia, a Província
teve mais 189 emancipados198, a um valor médio de 529$010. Conseguimos
detectar detalhes da execução da quota de 1880 nos municípios de: Maceió,
Alagoas (Marechal Deodoro), São Miguel dos Campos e Anadia. A quantia
destinada para a província teve o acréscimo de 17:000$000 contos de réis,
possibilitando emancipar 40 cativos a mais do que a quota anterior.

195
Idem, p. 363.
196
Relatório do Ministério da Agricultura, 1881. p. 18.
197
Idem, p.5. O relatório revela que Alagoas possuía 34.587 escravos em 1880. A diminuição ocorreu
da seguinte forma: saíram da província: 6.035; entraram: 4.749; manumitidos 1.438; Uma diferença
total de 4.981.
198
Idem, p. 20.
97

3.4 O Fundo de Emancipação entre o litoral e o agreste alagoano: A execução


da liberdade em 1880.

A nossa trajetória de investigação das alforrias concedidas através da


aplicação da segunda quota de liberdade tem início no município de Alagoas, atual
Marechal Deodoro. Situado no litoral sul do território alagoano, a localidade foi
capital da Província até 1839, quando a sede do governo foi transferida para Maceió.
O açúcar era o esteio da economia do município. Segundo Moacir Sant’ana, 35
engenhos eram responsáveis por produzir uma média de 86.750 arrobas do produto
no ano de 1854199. Na década de 1870, o trabalho escravo no município era
executado por 1.046 escravos200; desses, apenas cinquenta e sete foram
selecionados até 1873201, portanto, algo próximo dos 5% da escravaria local.

Em 1880, a junta classificadora, formada por Antônio José Pinto


d’Albuquerque, presidente da junta, Manoel Camilo Ferreira, promotor público, e
Francisco Frederico, coletor, recebeu a quantia de 2:848$000 réis para ser aplicado
na alforria dos escravos202. Contudo, os quatro escravos classificados para
manumissão foram avaliados em 3:500$000. Somente o escravo Manoel, agrícola,
28 anos, custava 1:000$000 conto de réis. Joaquim, 38 anos, foi o cativo que
recebeu a menor avaliação, 750$000, ou seja, todos os libertos estavam acima da
média de indenizações apresentada pelo Ministério da Agricultura no mesmo ano.
Os escravos Luiz e Crispim, ambos agrícolas, de 36 e 46 anos203, respectivamente,
foram alforriados por 800$000 cada; logo, a diferença de dez anos na idade dos dois
cativos não impediu que fossem avaliados pela mesma quantia.

Precisamos ressaltar que as alforrias no município alagoano só foram


possíveis devido à contribuição financeira que os escravos fizeram através do
pecúlio. Juntos, os quatros escravos apresentaram a quantia de 702$000, valor que
representou pouco mais de 20% da avaliação total204. O maior valor foi apresentado
por Crispim, que conseguiu acumular 302$000; já Manoel, no momento da

199
SANT’ANA, História à contribuição do açúcar em Alagoas. op. cit., p.112.
200
Censo demográfico de 1872.
201
Relatório Provincial, 1874, p. 15.
202
Fundo de Emancipação do município de Alagoas, 1880. Arquivo Público de Alagoas. APA. Caixa
1097.
203
Idem.
204
Idem.
98

matrícula, possuía a soma de 200$000, enquanto Joaquim e Luiz auxiliaram com a


quantia de 100$000 cada. Dessa maneira, verificamos que escravos agrícolas do
município de Alagoas tiveram menor dificuldade para formar pecúlio. O fato de
residirem na antiga capital da Província, cidade com porto marítimo e atividade
comercial mais dinâmica, possivelmente favoreceu os emancipados a juntar suas
economias.

Em Passo de Camaragibe, município do litoral norte alagoano, conseguimos


identificar uma lista com vinte e nove escravos classificados para liberdade.
Seguindo os dados emitidos pelo governo imperial, verificamos que tais escravos
não conseguiram ser emancipados imediatamente. Com a execução da quota de
1880, o município somou vinte e dois libertos. Foi gasta com essas alforrias a
quantia de 13:004$490, determinando um valor médio de 591$113, 205 com isso, o
município ocupava o 6º lugar na colocação das localidades com alforrias concedidas
através do Fundo de Emancipação na província de Alagoas.

No município, ocorreu a superioridade de homens entre os classificados; ao


total, foram dezenove cativos, enquanto as mulheres somaram dez. Quanto à
constituição do pecúlio em Passo de Camaragibe, somente cinco cativos
conseguiram apresentar algum dinheiro no momento da matrícula, e, como
demonstra a lista, tiveram prioridade na classificação. Dessa maneira, as demais
classificações ficaram por conta dos critérios de prioridade existentes na Lei. Assim,
vinte escravos da localidade foram classificadas por terem como cônjuge pessoas
livres, priorizando justamente a liberdade das famílias. Como afirma Dauwe:

o objetivo principal desses critérios de classificação era, portanto, o


de manter unidas as famílias, ou de tornar possível essa união, o que
requeria garantir a liberdade a todos os seus membros de uma só
vez. Isso era especialmente importante se os membros da família
estivessem espalhados sob o jugo de diferentes senhores. Esse tipo
de libertação não era prejudicial aos senhores envolvidos, pois seria
garantida mediante a indenização de um valor fixado pelos próprios
senhores206.

Entre os classificados, estavam três integrantes de uma mesma família, o


escravo Salustino, sapateiro, de 48 anos, que permanecia no cativeiro juntamente

205
Relatório do Ministério da Agricultura, 1881, p. 20.
206
DAUWE, op. cit., p.77
99

com as filhas Maria e Leopoldina, 11 e 9 anos, respectivamente. A única liberta da


família era sua esposa, o restante pertencia ao Barão de Anadia 207, personagem
influente da política alagoana. Entretanto, não conseguiu usar o seu poder no
momento da avaliação. Tal assertiva decorre da informação feita na época, pois, de
acordo com a lista, o Barão não havia concordado com a quantia a ser recebida pelo
escravo. Infelizmente, a lista não menciona os valores, mas, talvez o senhor
entendesse que a indenização não estava de acordo com os atributos profissionais
dos seus escravos.

Igualmente ao Barão de Anadia, outros três senhores também se sentiram


lesados com a avaliação recebida por seus escravos. Bernardo Antônio de Macedo
teve cinco escravos classificados e, dependendo da quantidade da sua escravaria,
as alforrias poderiam representar um risco a suas finanças. Contudo, o proprietário
discordou da avaliação de três escravos, entre eles, os trabalhadores Venâncio e
Justino, 36 e 33 anos, respectivamente, e de Primo, de 48 anos, que exercia o ofício
de carreiro208. É possível que algum membro da junta classificadora tenha repudiado
o valor da indenização solicitada pelo proprietário por achá-lo abusivo, fato que o
levou a definir outro valor a ser recebido. No momento da matrícula, Venâncio e
Justino eram banda forra, aspecto que pode ter favorecido a iniciativa das
autoridades locais. Nesse caso, é possível que as expectativas do senhor em
garantir uma elevada indenização pela liberdade desses escravos tenham sido
frustradas pela atuação da junta 209.

O episódio se repetiu com os senhores Jorge José Lins e o Ten. Cel.


Francisco Melo Leão. Ambos tiveram apenas um escravo classificado. Jorge Lins
discordava dos valores atribuídos ao cativo José, agrícola, de 33 anos, já Francisco
Leão, não concordou com o preço de Gabriel, 43 anos, mestre de açúcar 210. Vale
lembrar que um escravo com o ofício de Gabriel era fundamental na produção do
açúcar, valorizado por sua “inteligência, atenção e experiência” 211. Vimos,

207
Natural de Porto Calvo, Manuel Joaquim Mendonça de Castelo Branco seguiu carreira na política.
Foi deputado geral por Alagoas entre os anos de 1850-1872 e 1876-1885. Nas duas últimas décadas,
como membro do partido conservador. ABC das Alagoas. Disponível em
http://www.abcdasalagoas.com.br acessado em 20 de janeiro de 2017.
208
Idem.
209
Veremos, adiante, que escravos banda forra foram avaliados em até 1:000$000.
210
Lista dos escravos classificados para liberdade em Camaragibe, 1880. Arquivo público de
Alagoas. APA. Caixa 1097.
211
SCHWARTZ. Suart. Segredos Internos: Engenhos e escravos na sociedade colonial, 1550 -1835.
São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p.265.
100

anteriormente, que o senhor de Felismino, também mestre de açúcar, solicitou


1:100$000 por sua liberdade; é possível que o Ten. Cel. Francisco Leão tenha
tentado algo similar e, como ocorrido em Ipojuca, Pernambuco, o senhor não obteve
êxito em sua proposta.

Dessa maneira, observamos que alguns senhores de Passo de Camaragibe


tiveram o direito de determinar o valor da indenização “confiscado” por algum
membro da junta classificadora. Apesar de a lista não revelar o preço das
avaliações, a iniciativa do agente público pretendia impedir a tentativa de fraudes,
sobretudo evitando o pagamento de altas quantias, atitude que ajudava a garantir
maiores recursos para liberdade.

Na zona da mata da Província, começamos nossa análise retratando o


problema da separação das famílias no momento da emancipação. Iniciamos nossa
jornada em São José da Laje, município localizado na região central da Província, e
desmembrado do município de Assembléia212. Sendo assim, a economia local
estaria dividida entre a produção açucareira e os gêneros alimentícios.
Provavelmente, a divisão dos municípios determinou uma redução na população
escrava das duas localidades.

Em 1880, o município emancipou quatro escravos; desses, três eram irmãos:


Alipio, 15 anos, Justiniano, 13 anos, e Rita, 11 anos; todos eram propriedade de
Lúcio de Albuquerque Eustáquio. Os jovens eram os últimos membros da família a
permanecer no cativeiro, pois Bernarda, a mãe do trio, havia sido emancipada no
mesmo município, em 1878, por intermédio da primeira quota. Episódio similar
ocorreu com a escrava Luiza, doméstica de 18 anos. Seus pais, Manoel e Muduosa,
também foram libertos dois anos antes, mas a filha continuou prestando serviços a
Manuel de Brito Gama e Antônio de Brito Gama213. Dessa maneira, o controle sobre
uma parcela da família acabava ajudando os senhores a manterem os libertos sob
sua influência.

O município de São José da Laje recebeu 4:424$029, quantia suficiente para


alforriar apenas os quatro jovens, sugerindo que cada senhor foi indenizado ao

212
A divisão entre os dois municípios ocorreu no ano de 1886, através da lei 861. MENDONÇA,
Carlos Alberto Pinheiro. Enciclopédia Municípios de Alagoas. Instituto Arnon de Mello. 3ª ed.
Maceió, 2012. p. 419.
213
Fundo de Emancipação do município de São Jose da Laje, 1880. Arquivo Público de Alagoas.
APA. Caixa 1097.
101

menos em 1:000$000 conto de réis. No ato da emancipação os escravos tinham


entre 13 e 18 anos, todos descritos com ótima aptidão para o trabalho; desses, Luiza
e Alipio exerciam o ofício de doméstica e pajem,214 respectivamente. Tais
características seriam usadas pelos senhores como elementos para validar as altas
indenizações; consequentemente, os valores desses escravos ajudavam a elevar o
preço médio dos cativos de Alagoas no âmbito nacional.

O historiador Álvaro de Souza descreve caso semelhante em Lajes, na


Província de Santa Catarina, quando o município emancipou apenas dois escravos,
com a quantia de 3:200$000, fato que causou indignação no juiz dos órfãos da
província215. Ao alforriar apenas um ou dois cativos através de altas cifras a junta
classificadora retardava a saída de vários escravos do cativeiro. O autor relata
alguns motivos que ajudaram a criar esse obstáculo, entre eles “a corrupção, o jogo
de poder entre os municípios, os conchavos coronelísticos existentes em todo o
território”216.

À medida que as avaliações eram altas, o pecúlio acabou funcionando como


um suporte facilitador para liberdade dos escravos. Em São Miguel dos Campos, o
açúcar também foi a principal fonte de renda do município, que contava com 12.328
habitantes; desses, 2.152 eram escravos217, pouco mais de 17% da população total.
Os membros da junta classificadora local, Francisco de Sá Cavalcante, Antônio
Severo do Bonfim e Francisco Ignacio, selecionaram vinte e seis escravos para
liberdade; desses, seriam emancipados quatorze em 1880, quando o município
recebeu o valor de 7:548$416218. A primeira quota distribuída no município foi
responsável pela alforria dos demais escravos, quando foi investida a quantia de
4:405$202219.

Por meio da aplicação das duas quotas, deixaram o cativeiro dezoito


mulheres e oito homens; desse total, apenas seis não possuíam ofício. Tal fato

214
Criado de acompanhar pessoas nobres. Moço de acompanhar, de levar recados. Biblioteca
Brasiliana. Dicionário de língua portuguesa – Luiz Maria da Silva Pinto 1832. Disponível em:
http://dicionarios.bbm.usp.br/en/dicionario/3/pajem. Acessado em 22/12/2016. Idem.
215
GOMES NETO, Álvaro de S. O Fundo de Emancipação de Escravos no Termo de Lages, Santa
Catarina. In: II Encontro Escravidão e Liberdade no Brasil Meridional, 2005, Porto Alegre. II Encontro
Escravidão no Brasil Meridional, Porto Alegre, 2005. Porto Alegre: Oikos, 2005. p. 12.
216
Idem.
217
Censo demográfico de 1872.
218
Relatório do Ministério da Agricultura 1881, p. 20.
219
Relatório do Ministério da Agricultura. 1879, p.27.
102

revela que os trabalhadores especializados foram uma parcela importante dos


municípios em que predominou o ambiente rural. Como vimos, a posse de pecúlio
era um dos fatores que conferiam vantagens na classificação, e os escravos
utilizaram bem esse recurso. No momento da matrícula, vinte cativos do município
apresentaram pecúlio, valores que chegaram até 800$000. Tais economias
alcançaram o montante de 5:250$000 réis. No quadro abaixo, podemos observar
com detalhes o perfil dos classificados de São Miguel dos Campos nas duas quotas:

Quadro 7: Escravos classificados para liberdade em São Miguel dos Campos -


1875 e 1880.

Nome Idade Profissão Pecúlio Nome Idade Profissão Pecúlio


Antônia 37 Cozinheira 200$000 Sebastiana 11 Costureira 200$000
Anania 19 Cozinheira $$ Paulina 35 Costureira 200$000
Agostinha 14 Cozinheira $$ Elvira 7 Costureira 400$000
Maria 28 Cozinheira 100$000 Luiza 40 Costureira 200$000
Narcisa 15 Cozinheira 150$000 Ricarda 18 Lavoura 400$000
Caetana 25 Cozinheira 300$000 Sabina 45 Lavoura 200$000
Maria 22 Cozinheira 200$000 Francis da Costa 49 Lavoura 100$000
Guilhermina 16 Cozinheira 150$000 Severino 41 Lavoura $$
Antônia 29 Cozinheira 100$000 João Camarão 25 Lavoura $$
Antônia 38 Cozinheira 250$000 Carlota 30 Lavoura $$
Antônia 29 Cozinheira 200$000 Gaspar 54 Mest. Acúcar $$
Manoel 16 Alfaiate 500$000 Miguel 37 Padeiro 800$000
Balseneo 13 Alfaiate 200$000 Abraão 40 Ferreiro 400$000
Fonte: Lista dos escravos classificados no município de São Miguel dos Campos, 1880. Observação:
não foi possível identificar a ordem de emancipação dos escravos.

Com base no quadro acima, podemos notar, entre os escravos libertos, a


predominância de atividades voltadas ao trabalho doméstico, em sua maioria
executa pelas mulheres. Ao total, onze cozinheiras e quatro costureiras que
conquistaram sua liberdade. A superioridade das escravas especializadas indica a
sua relevância no quadro de trabalhadores local, seja para trabalhar na casa do
próprio senhor ou servir como fonte de renda do mesmo. Portanto, fatores como a
superioridade das escravas com ofício entre os libertos e a formação de pecúlio
revelam que essas mulheres exerceram importante papel na economia do município.
A relevância dos escravos domésticos pode ser observada a partir das negociações
comerciais que os envolviam. Segundo Manuel Diégues, entre os anos de 1873-
1878, foram comercializados, em Maceió, dez cozinheiras e quarenta e cinco
103

escravos domésticos, do total de 134 vendas220. O que equivale a mais de 40% das
negociações.

Aparentemente, os escravos de São Miguel dos Campos contavam com


maior possibilidade para formação de pecúlio; contudo, as economias não foram
fruto somente do ambiente econômico favorável mas também da capacidade dos
mesmos em assegurar o direito conquistado através da Lei do Ventre Livre. É
possível que o pecúlio tenha sido originado a partir do aluguel dos seus serviços a
terceiros, como previa o §3 no artigo 4º da lei de 1871; porém, o fato só seria
possível com o consentimento do senhor, ou seja, o espaço de autonomia para
formação das economias precisou ser conquistado também no âmbito privado,
adquirido por intermédio da negociação direta entre os escravos e seus
proprietários.

O direito à constituição de pecúlio foi reconhecido em 1871, contudo, no


cotidiano escravista ele foi um direito costumeiro. Kátia Mattso descreve alforrias
compradas pelo próprio cativo, em 1825, o carpinteiro Joaquim pagou 100$000 por
sua liberdade. Em 1857, Fabrício nagô comprou sua liberdade pela quantia de
400$000221. Portanto, a reprodução desse direito acabou funcionando como um
artificio de defesa para os espaços conquistados durante a escravidão, de acordo
com Edward P. Thompson:

As práticas e as normas se reproduzem ao longo das gerações na


atmosfera lentamente diversificada dos costumes. As tradições se
perpetuam em grande parte mediante a transmissão oral, com seu
repertório de anedotas e narrativas exemplares222.

Infelizmente, a lista não apresenta o valor das indenizações e, apesar de ser


algo impreciso, o ofício dos escravos poderia motivar a avaliação a ser paga aos
senhores. O caso do preto Miguel nos serve de exemplo. Ele era padeiro e tinha 37
anos, mas, mesmo possuindo 800$000, não conseguiu comprar sua liberdade
diretamente com o seu senhor223. O escravo Abraão, ferreiro de 40 anos, viveu
situação semelhante, pois a quantia de 400$000 não foi o bastante para efetuar o
pagamento da sua manumissão. Esses escravos poderiam tentar a liberdade por

220
JÚNIOR, Manuel Diégues. op. cit., pp. 183-184.
221
MATTOSO, op. cit., p. 191.
222
Thompson, Edward Palmer. Costumes em comum. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.p.
18.
223
Lista dos escravos classificados para liberdade no município de São Miguel dos Campos, 1880.
104

meio do arbitramento judicial, porém essa medida os impedia de ser libertos pelo
Fundo de Emancipação. É provável que a ciência desse fato tenha coibido os
escravos de buscar sua liberdade através da justiça.

Os dois casos indicam que, mesmo com a Lei, muitos cativos continuaram
enfrentando dificuldades para conseguir sua manumissão, especialmente no âmbito
da negociação particular, e, apesar de não possuírem o mesmo poder de antes,
muitos proprietários continuaram criando barreiras para não perder sua propriedade.
A possível tentativa de Abraão ou Miguel em pagar por sua alforria poderia terminar
de maneira frustrada. No espaço privado, os senhores ainda poderiam recusar a
iniciativa. Assim fez José Manoel de Morais, que rejeitou conceder a liberdade de
Sebastiana em 1879. O senhor considerou baixo o valor de 600$000 apresentado
pela escrava à justiça, alegou que essa quantia foi estimada quando ainda era
criança, portanto, o preço estava defasado. O processo foi finalizado após dois anos,
quando Sebastiana acrescentou mais 600$000 ao valor depositado anteriormente 224.

A superioridade de trabalhadores especializados entre os libertos de São


Miguel dos Campos é um reflexo do reconhecimento e da capacidade dos escravos
de usufruir tanto do seu ofício quanto do espaço social no qual estava inserido.
Sobre a associação desses aspectos, Katia Mattoso ressalta que:

[...] é evidente que um escravo qualificado, numa boa conjuntura


econômica do mercado de trabalho, isto é, um escravo que tenha
muitas oportunidades de encontrar serviço, terá maiores facilidades
para ganhar ou levantar a quantia necessária à alforria do que o seu
companheiro “pau para toda obra” que sofre uma dura concorrência
de toda a mão de obra disponível225.

Na contramão do ocorrido em São Miguel dos Campos, estiveram os


municípios de Porto de Pedras e Murici, onde a presença de pecúlio foi restrita. As
duas localidades libertaram dezoito escravos ao total, porém, apenas dois
conseguiriam contribuir com a liberdade. Os escravos que possuíam pecúlio
trabalhavam como agricultores em Porto de Pedras. Rogério e Miguel, com 50 e 30
anos, respectivamente, acumularam 100$000 cada, auxílio significativo, uma vez
que as suas avaliações foram estabelecidas em 300$000 e 400$000. O município do

224
Os cálculos indicam que a Sebastiana tinha aproximadamente 20 anos. MENDONÇA, Joseli Maria
Nunes. Entre as mãos e os anéis: A Lei dos Sexagenários e os caminhos da abolição no Brasil.
2ºed. Campinas, SP: Editora Unicamp, 2008. pp.196-198.
225
MATTOSO, op. cit., p. 171.
105

litoral norte, recebeu, em 1880, o valor de 5:300$000 para destinar às alforrias, valor
suficiente para emancipação de dez escravos, todos homens, com as indenizações
oscilando entre 250$000 e 900$000 réis. Os maiores valores foram destinados aos
escravos que realizavam algum ofício; são eles: Joaquim, carreiro com 40 anos, e
Gonçalo, mestre sapateiro, de 45 anos. Ambos custaram aos cofres públicos,
respectivamente, 900$000 e 700$000226.

Em Murici, foram mais oito libertos, uma mulher e sete homens, todos
agrícolas, como destacamos anteriormente; nenhum escravo do município
conseguiu acumular pecúlio. A semelhança na atividade econômica entre Porto
Calvo e Murici nos permite fazer uma comparação entre as indenizações pagas nas
duas localidades, pois encontramos escravos que possuíam profissões e idades
similares, mas as avalições foram completamente distintas. Em Murici, o escravo
Domingos foi alforriado por 450$000, enquanto por Rogério foi paga a quantia de
300$000227; ambos possuíam 50 anos, além de trabalharem igualmente como
agrícolas.

Outro exemplo de contraste acontece com os escravos Rozendo, de 34 anos,


trabalhador agrícola228, e Miguel, 30 anos, também agricultor. Para a liberdade do
primeiro, foi gasto 1:000$000, enquanto o segundo foi avaliado por 400$000 réis229.
Tais casos revelam que os responsáveis por gerir o processo de liberdade em vários
momentos não questionavam os valores pagos aos proprietários, ou seja, usavam o
dinheiro público de maneira omissa, fato que favoreceu a recorrência das altas
indenizações como forma de tirar vantagem. Dessa maneira, a maioria dos escravos
de Porto de Pedras e Murici apresentaram apenas critérios administrativos para
conseguirem a classificação, ou seja, a liberdade foi oriunda do enquadramento dos
mesmos às normas de conduta requisitadas pelo governo. Sobre o comportamento
que conduzia a manumissão, Kátia Mattoso ressalta que:

Para ser liberto é preciso, portanto, ter sido um escravo trabalhador,


fiel e obediente. Liberdade merecida e bem aplicada, pois é preciso
assegurar à sociedade, garantir-lhe que o alforriado será um bom

226
Fundo de Emancipação do município de Porto de Pedras, 1880. Arquivo Público de Alagoas. APA.
Caixa 1097.
227
Idem.
228
Fundo de Emancipação do município de Murici, 1880. Arquivo Público de Alagoas. APA. Caixa
1097.
229
Fundo de Emancipação do município de Porto de Pedras, 1880. Arquivo Público de Alagoas. APA.
Caixa 1097.
106

cidadão, não pesará sobre pessoa alguma num mundo onde em que
a caridade é deixada aos particulares230.

Logo, o escravo deveria merecer a alforria e entendê-la como uma dádiva dos
senhores, ou seja, por meio do Fundo de Emancipação, o governo tentou reproduzir,
entre os recém-libertos, os princípios ensinados durante o cativeiro. Tal atitude fica
mais explícita ao Império regulamentar a participação dos senhores no processo de
entrega das alforrias231. Sendo assim, as manumissões deveriam ser interpretadas
como uma benesse concedida entre os proprietários e o Estado; portanto, pretendia-
se produzir entre os libertos um sentimento de gratidão no qual o Império e os
senhores teriam sido os responsáveis pela sua libertação.

Temos observado que as alforrias se tornaram um método dos escravocratas


para lucrar com a liberdade dos escravos. Fato que também temos presenciado no
Fundo de Emancipação e, como ressaltou Emília Viotti da Costa, as altas avaliações
se transformaram numa forma de os senhores burlarem a lei, especialmente, através
da emancipação dos escravos velhos e doentes; logo, dificilmente os senhores
desistiam do direito de receber sua indenização.

Em 1875, no município de Porto Calvo, José Antônio de Caldas conseguiu


600$000 réis pela alforria de João, agrícola de 64 anos, valor muito superior e que
equivalia a um cativo produtivo e com menos idade. Contudo, esse não seria um
caso isolado, as altas avaliações eram frequentes, principalmente no caso do cativo
ser jovem ou possuir ofício. Em Anadia, essa estratégia foi recorrente; ao total, dez
escravos foram classificados para liberdade no município; desses, sete estavam
acima da média nacional. Vejamos o quadro abaixo:

Quadro 8: Emancipados no município de Anadia 1880.


Nome Idade Profissão Avaliação Pecúlio
Lourenço 28 Agrícola 1:000$000 68$000
Pedro 34 Agrícola 1:050$000 $$
José 43 Agrícola 750$000 211$110
Anacleta 46 Agrícola 550$000 $$

230
Mattoso, op. cit., p. 187.
231
Decreto 5.135, Art. 42. Determinava que: Os juízes de órfãos, em audiência previamente
anunciada, declararão libertos, e por editais o farão constar, todos os escravos que, segundo a ordem
da classificação, possam ser alforriados pela respectiva quota de emancipação; e entregar-lhes-hão
suas cartas pelo intermédio dos senhores. Decreto nº 5.135 de 13 de novembro de 1872.
107

Felippe 38 Agrícola 750$000 100$000


José 45 Agrícola 700$000 $$
Bernadino 32 Agrícola 750$000 $$
Maria 22 Agrícola 650$000 100$000
José 22 Cozinheiro 1:000$000 200$000
Vicente 41 Agrícola 1:000$000 300$000
Total 8:200$000 979$110
Fonte: Lista do Fundo de Emancipação de Anadia 1880.

O município de Anadia está localizado na região agreste da Província.


Segundo Moacir Sant’ana, sua principal atividade financeira era a produção de
algodão, mas também se plantava muita mandioca, fumo e açúcar, este em menor
escala e em períodos específicos232. Sua população cativa foi estimada em 2.184
pessoas, representando pouco mais de 10% do total de habitantes da localidade 233.
Em 1880, José Eustáquio Ferreira, presidente da Província, destinou a quantia de
4:809$680 para emancipação dos escravos na localidade234, quantia insuficiente
para emancipação dos dez escravos, pois alcançaram preço médio de 820$000 réis
cada.

Através do quadro acima, verificamos que os senhores tiveram permissão


para estabelecer o valor a ser recebido como indenização, portanto, a lei deixou de
estabelecer parâmetros financeiros e, assim, controlar as quantias a serem pagas
pelo governo. Os preços pagos para a liberdade dos escravos José e Vicente
refletem esse aspecto. Ambos foram avaliados pela mesma quantia, porém,
possuíam características distintas. Vicente era agricultor e tinha 41 anos, no
momento da classificação. Enquanto isso, José, de 22 anos, exercia a função de
cozinheiro, a diferença de idade e ofício deveria legitimar a redução na quantia a ser
paga ao senhor de Vicente. As indenizações de Pedro e Lourenço também merecem
destaque. No momento da alforria ambos eram banda forra, ou seja, o fato de gozar
de parte da sua liberdade não interferiu na avaliação. Tal característica poderia
determinar preços menores, porém, custaram aos cofres públicos o mesmo que um
escravo sem esse privilégio.

232
Sant’ana Moacir Medeiros. op. cit., p. 110.
233
Segundo o censo demográfico de 1872, o município de Anadia possuía 23.675 moradores;
desses, 2.184 eram escravos.
234
Relatório do Ministério da Agricultura, 1881, p. 20.
108

O caso da escrava Anacleta reforça a recorrência dessa iniciativa. Aos 46


anos, ela foi avaliada por 550$000, enquanto Antônia, doméstica, de 15 anos, foi
estimada em 400$000235. As características de Antônia indicariam uma avaliação
superior à de Anacleta, em especial, por ser uma escrava jovem e com muitos anos
de trabalho pela frente. As peculiaridades do estado de saúde do escravo Gervazio
também não foram levadas em conta em uma ação de arbitramento na Província de
Pernambuco. O senhor Abdias Bibiano exigia, pela alforria do escravo, a quantia de
1:800$000, mesmo o escravo sendo cego e sofrendo de uma dor no coração, valor
que o coletor achou absurdo236. Não há dúvidas de que, ao permitir que os senhores
determinassem o valor das avaliações, o governo imperial contribuiu para que as
indenizações chegassem a quantias exorbitantes. Os transtornos causados por essa
prática tentaram ser evitados através da tabela criada na Lei dos Sexagenários, que
limitava os valores a serem pagos pela liberdade dos escravos.

O quadro também demonstra que o pecúlio foi igualmente importante entre os


escravos de Anadia. A economia dos seis classificados somou 979$110 réis,
representando 20% do valor total recebido pelo município. A conquista de espaços
de movimentação colocou os escravos fora do alcance dos senhores, permitindo
maior independência de ação, tanto para constituição do pecúlio, como para
ampliação dos laços de solidariedade. Portanto, um eventual direito de trabalhar
para si ou para terceiros, mesmo com a aprovação dos proprietários, foi igualmente
importante para a quebra gradativa do domínio senhorial. Analisando a associação
entre a independência do trabalho e a ruptura do domínio senhorial na Inglaterra do
século XVIII, Edward Thompson descreve que:

O trabalho livre trouxera consigo um enfraquecimento dos antigos


meios de disciplina social. Assim, longe de uma sociedade patriarcal
segura de si, o que o século XVIII presencia é o velho paternalismo
prestes a entrar em crise237.

O trabalho livre, sem a supervisão do senhor, pode conferir aos escravos


espaços de movimentação e, possivelmente, permitiu a constituição do pecúlio. A
conquista de tal espaço permitiu que os cativos tivessem acesso aos valores

235
Fundo de Emancipação do município de Anadia, 1880. Arquivo Público de Alagoas. APA. Caixa
976.
236
COSTA, Lenira, op., cit. A Lei do Ventre Livre e os caminhos da liberdade em Pernambuco
2007, 93-94.
237
Thompson, op. cit. p.45.
109

monetários, que puderam ser o resultado da venda de itens excedentes produzidos


na lavoura, a posse de um pedaço de terra tenha determinado a formação das
economias238. Semelhante a Anadia, o município de Rio das Contas, na Província da
Bahia, era distante do litoral e o açúcar também não foi o principal produto da
economia local. Ao analisar a compra da alforria por intermédio do pecúlio no sertão
baiano, Maria de Fátima relata como os escravos dos locais mais afastadas da
região açucareira atuavam para juntar suas economias,

as formas de reunir pecúlio estiveram diretamente relacionadas aos


arranjos cotidianos, constituídos nas redes de vizinhança e
parentesco, que ampliaram as margens de negociações com
senhores locais. Os escravos do alto sertão realizavam pequenos
negócios, prestavam serviços diversos, vendiam mantimentos nas
feiras, conseguiam empréstimos, trabalhavam nas tropas ou como
artífices nas oficinas manufatureiras das vilas239.

Dessa maneira, os escravos que residiam mais distante das principais regiões
econômicas precisavam ser mais versáteis para constituir o seu pecúlio, e, como
vimos, dos cativos que possuíam alguma economia em Anadia, cinco eram
agrícolas, ou seja, apesar das limitações sociais e financeiras impostas por sua
condição, esses homens e mulheres conseguiram contorná-las e usaram o próprio
ambiente para criar espaços de acesso ao acúmulo de recursos monetários para
sair do cativeiro. Porém, a soma do pecúlio com a quota recebida pelo município
alcançou 5:788$790 réis, valor que impediu a emancipação de todos os escravos
classificados. Do quadro oito, não foram libertos os escravos Lourenço, Pedro, José
e Anacleta240; nesse caso, a associação entre a quota diminuta e as altas avaliações
adiou a emancipação do quarteto. Esses casos mostram que, mesmo classificados,
os escravos continuavam correndo o risco de não serem libertos.

O processo de emancipação durou até 1881 e a única lista desse período a


que tivemos acesso foi novamente do município de Anadia. A mesma continha doze
classificados para a liberdade, dos quais quatro eram do ano anterior.

238
A concessão de um pedaço de terra funcionava como mais um mecanismo de controle e
manutenção da ordem escravista, o que resultou numa economia própria para os escravos dentro da
escravidão, a chamada “brecha camponesa”. Reis, João José; SILVA, Eduardo. Negociação e
Conflito: A resistência escrava no Brasil escravista. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. p.28.
239
PIRES, Maria de Fátima Novaes.
240
Juntos, os quatro escravos somaram 3:350$000 réis. Fundo de Emancipação do município de
Anadia, 1880. Arquivo Público de Alagoas. APA. Caixa 976.
110

Coincidentemente, estavam Pedro e Lourenço, dois dos escravos mais caros da


antiga lista. Logo, as altas avaliações impediram mais uma vez que outros
deixassem o cativeiro ainda em 1880. Uma das saídas encontradas pelos cativos foi
a de alegar doenças, defeitos físicos, idade avançada e incapacidade de trabalhar
na tentativa de diminuir as avaliações. Algo que nem sempre funcionou, mesmo
tendo sido uma prática comum nos processos de arbitramento.

Em Anadia, o Major Azarias Carlos de Carvalho solicitou a José Eustáquio de


Ferreira, presidente da Província, que os membros da junta classificadora
selecionassem para a liberdade o seu escravo Roberto, sapateiro com 68 anos241. O
senhor estabeleceu a quantia de 480$000 como indenização. Entretanto, a história
apresenta outros detalhes. Os componentes da junta, Manoel Leite, Edelberto da
Costa Campello e Ezequiel da Silva Pinto não aceitaram o pedido. Segundo os
mesmos, o escravo não apresentou qualquer critério de prioridade para a
emancipação, medida que levou o senhor a acusar a junta classificadora de
mesquinharia.

Os integrantes da junta apresentaram mais informações sobre o caso. O


senhor havia se mudado do município, fixando residência em Maceió, no entanto, o
escravo retornaria para o município e, de acordo com os mesmos, estava
abandonado, chegando até mesmo a esmolar. Esse fato esclarece a iniciativa do
proprietário de pedir sua liberdade pelo Fundo e, por outro lado, a ação dos
membros da junta, que afirmavam:

[...] é quase septuagenário esse escravo e, quando voltou dessa


capital, onde fora seu senhor fixar residência, ficara nesta vila ao
abandono e, segundo é publico e notório esmolou por algum tempo,
tornando-se por esse fato, em condições de ser alforriado não pelo
fundo de emancipação que deve ter melhor aplicação, mas, sim, por
força do artigo 6º §4 da lei de 28 de setembro de 1871242.

O caso revela que Azarias de Carvalho tinha conhecimento da situação de


Roberto, sabia que o mesmo poderia ser liberto por força da Lei e, sem qualquer
retorno financeiro e tentando evitar esse desfecho, o senhor acionou sua rede de
contato, solicitando ao presidente da Província a inclusão do seu escravo para ser
liberto pelo Fundo de Emancipação. Logo, a iniciativa do senhor era uma clara
241
Idem.
242
Comunicado da junta classificadora de Anadia ao presidente da província, 1881. Arquivo Público
de Alagoas. APA. Caixa 976.
111

tentativa de enganar as regras do projeto. Azarias de Carvalho representa alguns


dos vários senhores que visualizaram nos escravos velhos e incapacitados a
oportunidade de emancipação, assegurando o seu direito a indenização.

Ainda no agreste alagoano, encontramos mais escravos classificados para


liberdade no município de Traipu, situado às margens do Rio São Francisco. A
localidade também tinha no algodão a sua principal fonte de receita. A produção
local estava igualmente ligada à produção de gêneros alimentícios, como arroz,
feijão e milho243. A população de escravos representava quase 5% da população
local. Segundo o censo, na década de 1870, 1.000 pessoas estavam presas ao
cativeiro no município244; desse total, quatro foram alforriadas com a aplicação da
primeira quota de liberdade em Alagoas245.

Após um novo processo de classificação, encontramos uma lista com


cinquenta e três escravos selecionados para liberdade; desses, vinte e seis eram
mulheres e vinte e sete homens246. Tais escravos seriam libertos no decorrer da
última década da escravidão. Em 1880, Traipu emanciparia mais onze escravos, sob
o valor de 2:568$905. Com essa nova execução, chegaria ao total de quinze cativos
libertos através do Fundo. O valor médio das indenizações ficou em torno de
233$000. Apesar do valor baixo, as avaliações apresentaram números bem
distintos, partindo de 100$000 até alcançar 1:000$000 conto de réis247.

Os senhores da região também recorreram à prática da alforria fragmentada.


Seis escravos, no momento da matrícula, desfrutavam de uma parcela da liberdade.
Novamente, esse fator não foi suficiente para os senhores rejeitarem a indenização.
Entre eles: o vigário Vicente Ferreira Lins recebeu 100$000 pela liberdade da
cozinheira Maria, que, aos 52 anos de idade, possuía banda forra, e mais ¼ de forra
- lembrando que a mesma escrava foi mencionada no capítulo anterior. Tal situação
colocava esses cativos entre a dicotomia do mundo dos livres e dos escravos.
Nesses casos, o Fundo de Emancipação foi a oportunidade dos escravos se
libertarem da situação ambígua. É importante mencionar que, em Traipu, nenhuma

243
SANT’ANA, História à contribuição do açúcar em Alagoas. op. cit., pp. 110-111.
244
. A população total de Traipu era de 21.174 pessoas. Censo demográfico de 1872.
245
Relatório Provincial de 1873, p.15. e 1876, p. 90.
246
Lista de escravos classificados no município de Traipu. S/Ano. Arquivo Público de Alagoas. APA.
Caixa 1527.
247
Idem.
112

indenização dos escravos banda forra ultrapassou os 300$000248, valor três vezes
menor que o praticado em Anadia no mesmo ano. Poderemos verificar maiores
detalhes da escravaria do município no quadro abaixo:

Quadro 9: Escravos classificados para liberdade em Traipu.

Nomes Idade Profissão Avaliação Observações


O senhor fez cessão de 50$000 em favor da sua
José 23 Cozinheiro 800$000 liberdade
Paula 31 Cozinheira 500$000
O senhor fez cessão de 100$000 em favor da sua
Anna 36 Posseiro 800$000 liberdade
O senhor fez cessão de 100$000 em favor da sua
Roza 26 Posseiro 700$000 liberdade
O senhor fez cessão de 100$000 em favor da sua
Elias 28 Posseiro 1:000$000 liberdade
O senhor fez cessão de 70$000 em favor da sua
Manoel 44 Posseiro 700$000 liberdade
Possui pecúlio de 60$000 em posse da sua
João 43 Posseiro 800$000 senhora
Possui pecúlio de 100$000 em poder do senhor
Hilário 39 Lavrador $$ José Nicolau
Possui pecúlio de 100$000 em poder do senhor
Joana 44 Lavrador $$ José Nicolau

Martinho 49 Sapateiro 400$000 Possui pecúlio de 100$000 em posse da senhora

Feliciano 40 Posseiro 400$000 Possui pecúlio de 300$000 em posse da senhora


André 49 Posseiro $$ Possui 44$000 na mão do coletor
Benedicta 30 Engomadeira 400$000 Possui pecúllio de 60$000
Martha 32 Costureira 400$000 Possui pecúlio de 100$000
Maria 20 Cozinheira 300$000 A escrava tem banda forra
Luiz 32 Posseiro 300$000 A escrava tem banda forra e Pecúlio de 40$000
Guilhermina 32 Lavadeira 300$000 A escrava tem banda forra
José 64 Posseiro $$ Escravo tem banda forra
A escrava tem banda forra + 1/4 de forra. Senhor
Maria 52 Cozinheira 100$000 fez cessão de 10$000
Fonte: Lista de escravos classificados para emancipação em Traipu S/D. Arquivo Público de Alagoas.
APA. Caixa 1527.

Como podemos observar, os senhores do município apresentaram outra


atitude particular: a cessão de valores em benefício da liberdade, no momento da
avaliação. Como forma de doação, os proprietários abriam mão de uma parte do

248
Idem.
113

valor que seria recebido como indenização; vinte e dois senhores usaram esse
recurso em favor dos seus escravos249. Mas, qual o intuito dessa iniciativa
justamente no momento em que a expectativa era assegurar elevadas
indenizações? É possível que alguns desses senhores tentavam demonstrar ou
afirmar o afeto e a compaixão pelo escravo e, igualmente, a favor da sua
manumissão. Dessa maneira, poderiam manter os libertos na propriedade após a
emancipação.

As concessões financeiras apresentaram cifras distintas, variando entre


10$000 e 100$000. Em alguns casos, o valor pouco interferiu na indenização a ser
recebida. Candido Ferreira era proprietário dos cônjuges José e Paula, de 23 e 31
anos, respectivamente. Ambos exerciam o ofício de cozinheiro, porém, somente
José conseguiu o benefício, o senhor concedeu 50$000 réis em favor da sua
liberdade, contudo, o casal foi avaliado em 1:300$000. Da mesma maneira, agiu
Francisco de Farias, proprietário das escravas Roza e Anna, de 26 e 36 anos. As
duas trabalhavam com posseiras e, juntas foram avaliadas em 1:500$000. Em
benefício da liberdade das escravas, o senhor fez concessão no valor de 100$000
para cada250.

Notamos que as concessões financeiras pouco interferiam na indenização a


ser recebida pela liberdade dos escravos. A avaliação total dos vinte e dois escravos
que receberam o benefício dos senhores alcançou 11:100$000 réis. Já as
concessões registraram 1:600$000, ou seja, as doações em favor dos escravos
representaram algo em torno dos 14% das indenizações251. Logo, ao compararmos
a diferença entre as concessões senhoriais e a avalição dos cativos, notamos que a
iniciativa dos senhores de Traipu apresentou resultados financeiramente modestos.
Talvez a pretensão de homens como Francisco de Farias e Candido Ferreira fosse
renovar entre os libertos os sentimentos de gratidão e respeito forjados durante a
escravidão. Tal atitude estaria acentuando um dos significados da alforria, que
segundo Manuela Carneiro da Cunha reforçava que “laços morais entre senhores e
escravos existiam e não deveriam terminar com a manumissão”252.

249
Idem.
250
Idem.
251
Idem.
252
CUNHA, op. cit., p. 72.
114

Dessa forma, enquanto os senhores tentavam desenvolver mecanismos de


defesa da sua autoridade, os escravos tornaram o pecúlio uma ferramenta para sair
do cativeiro. Em Traipu, quinze escravos constituíram pecúlio, somando o quantia de
1:439$000; individualmente, os cativos do município contribuíram com valores entre
40$000 e 300$000253. O pecúlio predominou entre os que trabalhavam na
agricultura. Onze escravos exerciam a profissão de lavrador e posseiro, somente
quatro tinham ofício, portanto, semelhante ao que verificamos em Anadia, o acesso
a terra foi determinante para os escravos do município de Traipu formarem suas
economias. Feliciano, posseiro de 40 anos. realizou a maior contribuição; os seus
300$000. apresentados como pecúlio, representaram ⅓ da sua avaliação254.

Na maioria dos casos, o pecúlio dos escravos foi importante para garantir a
prioridade de classificação no município. Como vimos acima, Feliciano seria o único
escravo que teria a chance de pagar por sua liberdade. Dos cinquenta e três
classificados no município, somente quarenta e dois trazem o valor da avaliação,
alcançando preço médio de 545$238, quantia que foi superada por quinze escravos.
No quadro nove, podemos observar algumas das avaliações praticadas no município
e, na oscilação dos valores, verificamos que as indenizações muitas vezes não
correspondiam à qualidade dos escravos.

A engomadeira Benedicta, de 30 anos, foi avaliada em 400$000. Enquanto


isso, a posseira Ana, 36 anos, foi estimada em 800$000. Se considerarmos as
idades, o valor da posseira deveria ser menor. Episódio semelhante ocorre entre os
cativos. José, cozinheiro de 23 anos, rendeu a seu senhor, Candido Ferreira
Machado, o valor de 800$000; a mesma quantia recebeu D. Maria das Dores
Guimarães pela alforria de João, posseiro, com 43 anos. A diferença de vinte anos
de idade entre os escravos não determinou qualquer diferença no valor das
indenizações255. Tais casos sugerem que as altas avaliações foram estabelecidas
independentemente do ofício e da idade dos cativos. Assim, mesmo sem possuir
atributos que justificassem as indenizações, as alforrias pagas por intermédio do
Fundo de Emancipação acompanharam o aumento dos preços cobrados pelos
proprietários nas negociações particulares. Logo, os senhores conseguiram

253
Lista de escravos classificados para emancipação em Traipu S/D. Arquivo Público de Alagoas.
APA. Caixa 1527.
254
Idem.
255
Idem.
115

reproduzir no projeto do governo os altos valores pagos para liberdade no âmbito


particular.

Aos escravos, a constituição do pecúlio e o bom comportamento foram os


caminhos para a liberdade. Como mencionou Kátia Mattoso, vimos que os cativos
precisavam merecer a alforria. Dissimulando ou não, o fato é que a boa conduta
também se tornou um artifício dos escravos para conseguirem a liberdade através
do Fundo de Emancipação. As regras de seleção estabelecidas pela Lei do Ventre
Livre ampliaram as possibilidades de os cativos conseguirem a classificação para
liberdade. Analisando a importância desse aspecto, Joseli Maria Mendonça
argumenta que:

Assim, a eficiência do fundo de emancipação pode ser considerada


como uma medida que colocava a possibilidade da liberdade fora do
domínio senhorial, podendo, inclusive, estabelecer embates entre
senhores e escravos. Além disso, propiciava a intervenção de
familiares na consecução de uma liberdade que, muito mais do que
concedida, poderia estar sendo percebida como uma liberdade
“arrancada” dos senhores256.

Sendo assim, verificamos que o Fundo de Emancipação foi um relevante


espaço de atuação dos cativos. Como podemos observar, inúmeros deles usaram o
pecúlio como o veículo da sua alforria. Igualmente, identificamos que cada município
apresentou um processo particular de execução do projeto. Os escravos que
residiam entre o litoral e a zona da mata alagoana possuíam maior possiblidade de
formar suas economias, como ocorrido nos municípios de Alagoas (Marechal
Deodoro) e, especialmente, em São Miguel dos Campos, onde vinte escravos
selecionados para alforria usaram o pecúlio para conseguir prioridade de
classificação. O ofício foi igualmente importante para esse resultado; os cativos que
realizavam trabalho especializado conseguiam maior acesso aos valores pecuniários
nessas localidades.

Na região agreste, a situação foi oposta. Nos municípios de Anadia e Traipu,


os escravos que trabalhavam na agricultura desfrutaram de maior chance de formar
suas economias. Com isso, verificamos que as diferentes regiões da Província
exigiram dos escravos diferentes caminhos para conseguir acumular pecúlio. Vale
ressaltar que, em todos os casos, foi inicialmente no âmbito privado que começaram

256
MENDONÇA, Joseli. Entre as mãos e os anéis. op., cit. p. 279.
116

as conquistas, pois cabia aos escravos obter a aprovação dos senhores para a
formação das economias; logo, os espaços de autonomia são adquiridos tanto no
ambiente público quanto no particular.

Como artifícios de defesa, verificamos que as altas avaliações, a concessão


de recursos em favor da alforria dos cativos e a liberdade em parcelas – banda forra
- indicam que os senhores de Traipu buscaram alternativas para resistir às
mudanças instituídas através da Lei do Ventre Livre. O espaço de intervenção dos
senhores é reflexo justamente do ideal de transformações progressivas elaboradas
durante o projeto. Tais casos demonstram que assim como os escravos, os
proprietários precisaram se reinventar após 1871. Logo, a procura por dispositivos
que ajudassem a conservar o domínio senhorial tornou o Fundo de Emancipação um
campo de disputa e atuação de senhores e escravos.

Em meio à sua aplicação e à atuação de escravos e senhores, notamos que


as juntas classificadoras tiveram autonomia em suas decisões, dependendo da
localidade. Em Passo de Camaragibe, observamos que algum membro da junta
interferiu no valor das indenizações, retirando dos proprietários um dispositivo
garantido por meio da Lei. Enquanto em Anadia e São José da Laje os agentes
públicos aparentemente foram coniventes com as altas avaliações, o fato era
agravado quando os municípios recebiam pequenas quantias para destinar as
manumissões, como no episódio de São José da Lage, onde as famílias esperaram
duas aplicações do Fundo de Emancipação para que todos os seus integrantes
estivessem fora do cativeiro.

Assim sendo, notamos que o Fundo de Emancipação recebeu a interferência


de escravos, senhores e autoridades, seja através dos mecanismos legais ou dos
espaços criados. Esses personagens deram maior flexibilidade à execução das
alforrias. Em meio a essa conjuntura, Alagoas alcançou trezentos e vinte e três
escravos emancipados com a execução da segunda quota; foram cinquenta e cinco
libertos a mais em relação à aplicação anterior257. Esse aumento se deve ao
acréscimo nos valores financeiros da mesma. Aparentemente, durante a segunda
aplicação, o Fundo contava com uma melhor organização. Os dados demonstram
que não ocorreram problemas no processo de alforrias. A exemplo disso, os
municípios da Província de Alagoas apresentaram seus resultados no prazo
257
Relatório do Ministério da Agricultura, p. 20.
117

determinado. As alforrias iniciadas em 1880 se estenderiam até o ano seguinte,


sendo responsável pela libertação de mais 5.413 escravos em todo o Império, ao
custo de 4.122:819$900258.

3.5 A dinâmica do processo de emancipação: a execução das alforrias


na última década da escravidão.

A execução da segunda quota foi suficiente para superar o número de


emancipações ocorridas nos mais de três anos de aplicação da quota anterior. Essa
evolução nos números, segundo Conrad, é devida ao novo despertar do movimento
abolicionista em 1880, quando, subitamente, o governo apressou a aplicação do
fundo259. No início da mesma década, o governo informava o quantitativo das
alforrias em todo o Império: seriam mais de 100 mil manumissões divididas, entre a
liberdade particular e o projeto governista.

Os dados do relatório revelam novos números da diminuição no contingente


dos escravos alagoanos. Em 1882, a população de escravos na Província era de
29.439 pessoas, uma redução de 6.685 indivíduos ao longo de cinco anos, pois o
novo relatório apontou que 36.124 foram registrados na Província durante o período
de matrículas. As alforrias contribuíram da seguinte forma para esse processo: foram
1.748 manumissões provenientes das concessões particulares, prevalecendo a
superioridade da liberdade condicional; ao tota,l 1.027 escravos foram libertos a
título oneroso, enquanto 721 pessoas deixaram o cativeiro de maneira gratuita 260. Já
por intermédio do Fundo de Emancipação, 417 pessoas foram libertas261, resultado
obtido com a aplicação da terceira quota em 1882.

O crescimento no número de emancipações mencionado por Robert Conrad


aparentemente ficou restrito à segunda quota. Já na aplicação 3ª, ocorreu uma
queda significativa nos recursos e na quantidade de emancipados; os valores
arrecadados pelo governo imperial foram reduzidos pela metade. Em Alagoas, as

258
Relatório do Ministério da Agricultura, 1881, p. 13.
259
CONRAD, op. cit., p. 139.
260
Relatório do Ministério da Agricultura, 1882, p. 12.
261
Idem, p.14.
118

rendas destinadas às emancipações caíram para 49:991$521262, exatamente


metade do valor recebido no ano anterior. Tal quantia recebeu o acréscimo dos
impostos locais e as sobras da última quota, elevando os recursos de emancipação
para 51:224$250263. Consequentemente, a diferença financeira foi sentida no
número de libertos; tais valores emanciparam oitenta e cinco escravos, obtendo
valor médio de 602$638 réis, ou seja, uma queda de mais de 50% no número de
emacipados.

A redução nos valores recebidos pela Província teve reflexo direto na


concessão de alforrias nos municípios. As localidades acabaram libertando, em sua
maioria, cinco escravos. Encontramos os registros de alforrias em treze municípios
alagoanos, que somaram cinquenta e sete emancipados. Com a execução da 3ª
quota, a Província somou a quantia de 267:742$458264 réis destinados à liberdade
escrava. Podemos observar em detalhes a aplicação das três quotas de
emancipação no quadro abaixo:

Quadro 10: Total de Escravos emancipados por Município em Alagoas.

Município Libertos Despesa


Maceió 43 34:989$225
Atalaia 33 17:434$975
Penedo 33 17:034$945
São Miguel 31 29:195$147
Porto Calvo 26 15:732$687
Anadia 25 17:005$545
Camaragibe 25 16:490$285
Traipu 22 7:266$132
Sta. Luzia do Norte 20 14:139$945
Porto de Pedras 20 10:534$945
Palmeira dos Índios 18 13:354$915
São José da Laje 16 12:800$245
Assembléia 15 8:465$895
Pilar 15 15:614$587
Coruripe 14 9:557$045
Maragogi 12 8:219$945
Murici 11 4:911$563
Alagoas 9 7:495$345
Quebrangulo 9 5:738$305
Pão de Açúcar 8 3:759$943
Paulo Afonso 7 5:209$945

262
Relatório Ministério da Agricultura, 1881, p. 12.
263
Relatório Provincial, 1884. p 52.
264
Nesse momento, a Província contava com 23 municípios, Relatório do Ministério da Agricultura,
1882, pp. 20-21.
119

Santana do Ipanema 4 1:632$945


Porto Real do Colégio 1 139$935
Total 417 267$742$458

Fonte: Relatório do Ministério de Agricultura, 1882.

Começamos nossa análise da aplicação da 3ª quota a partir do município de


Porto Calvo. Tal localidade, através da quota de 1875, emancipou 17 escravos.
Após 5 anos, esse número foi de apenas 3 libertos, ao custo de 2:177$487. Uma
diferença de mais de 6 contos de reis265, fato que merece destaque, pois segundo, o
critério da divisão proporcional, Porto Calvo deveria ter recebido valor semelhante ao
destinado a Maceió, como ocorrido em 1875, pois possuía a segunda maior
concentração de cativos da província; entretanto, a diferença financeira entre as
duas localidades chegou a mais de 4:000$000 contos266.

A inferioridade da quota destinada a Porto Calvo foi motivada pelo


desrespeito das regras do Fundo, fato confirmado ao verificarmos que o município
recebeu uma quantia inferior a Atalaia. A diferença nos valores alcançou quase
1:000$000 conto de réis, contudo, o município do litoral possuía dois mil cativos a
mais267. Caso similar ocorreu em Santa Catarina, nos municípios de Laguna e
Tubarão, que continham respectivamente 831 e 9 escravizados, entretanto, a
diferença de valores para quota foi de 1:000$000 conto de réis268 em favor do
município com menos escravos. Tais casos poderiam ser explicados pela
interferência política que estreitava as relações entre determinados poderes locais e,
como salientou Álvaro Neto, esse fato estaria sujeito à influência e ao jogo político
existente no interior do governo provincial, que decidia a seu favor, em detrimento
das ordens recebidas de decretos imperiais 269.

Possivelmente, os conchavos políticos determinaram a superioridade dos


recursos recebidos por Atalaia270. É difícil acreditarmos que, após dez anos do

265
Fundo de Emancipação do município de Porto Calvo, 1882. O censo imperial contabilizou 3924
escravos no município, contingente que o classificava como a segunda maior população de
escravizados da província, apenas atrás de Maceió, que possuía 4278.
266
A distribuição dos recursos, em 1882, rendeu a Porto Calvo a quantia de 2:177$487 e a Maceió
6:737$206.
267
Segundo o censo demográfico de 1872, o município de Atalaia possuía 1.888 escravos, o que
resultava em uma diferença de 2.036 escravos.
268
GOMES NETO, O Fundo de Emancipação de Escravos no Termo de Lages op. cit., p.10.
269
Idem.
270
A superioridade de valores para Atalaia poderia ser proveniente da interferência pessoal de
Lourenço Cavalcanti de Albuquerque, o Barão de Atalaia, que ocupou durante os anos de 1882-1883
120

projeto emancipacionista, o município contasse com uma população de cativos


superior ao município de Porto Calvo. Em 1882, foram somente três cativos
emancipados e, diferentemente do ano de 1875, nenhum dos emancipados
contribuiu financeiramente com a alforria. Os escravos Manoel e Joanna eram
trabalhadores especializados e, mesmo assim, não conseguiram constituir pecúlio,
exerciam as profissões de carreiro e cozinheira, mas foram avaliados em 950$000 e
407$442 respectivamente. A última dos três libertos foi Ignez, trabalhadora
qualificada como agrícola, de 45 anos. A escrava rendeu a seu senhor, Joaquim
Feijó de Albuquerque, a indenização de 750$000271.

No momento da emancipação, Joanna tinha 35 anos, era banda forra; o valor


da indenização sugere que sua liberdade foi paga com as sobras da quota. É
provável que o senhor precisou reduzir o preço da avaliação da escrava devido a
sua característica. Dessa forma, evitava a perda da cativa sem qualquer restituição.
O fato é que a quota distribuída no local foi suficiente para libertar apenas três
escravos, ou seja, as quantias pagas pela manumissão dos escravos continuaram
elevadas e não acompanharam a queda dos valores destinados para liberdade pelo
governo imperial.

Na verdade, a diminuição na quantidade de emancipados será a tônica da


aplicação da quota de 1882. No município de Porto de Pedras, foram apenas quatro
escravos libertos, quando foram investidos 2:550$000 dos cofres públicos. O
escravo Januário, cozinheiro, de 38 anos, rendeu ao Dr. Hermelindo Accioli Barros
Pimentel a quantia de 1:000$000 conto de réis, a maior avaliação. Já Francisco
Gonçalvez, conseguiria por Vicente, de 41 anos, trabalhador agrícola, a quantia de
600$000. Os senhores do município também usaram do Fundo para assegurar a
indenização por escravos que possuíam partes da liberdade. Foram eles: Manoel,
agrícola de 21 anos, era banda forra, enquanto João, agrícola, de 31 anos, possuía
¼ de livre272. É possível que a peculiaridade dos escravos Manoel e João tenha
impedido os proprietários de determinar o valor das indenizações.

o cargo de ministro dos estrangeiros do gabinete do Marquês de Paranaguá. Disponível em


http://www.abcdasalagoas.com.br acessado em 20 de janeiro de 2017.
271
Fundo de Emancipação do município de Porto Calvo, 1882. Arquivo Público de Alagoas. APA.
Caixa 1624.
272
Fundo de Emancipação de Porto de Pedras, 1882. Arquivo Público de Alagoas. APA. Caixa 1624.
121

Ainda no norte alagoano, o município de Passo do Camaragibe recebeu a


quantia de 3:355$096; o valor foi suficiente para emancipar quatro escravos. As
mulheres foram maioria entre os libertos: Delfina, agrícola, de 32 anos, foi avaliada
em 700$000, menor indenização. As escravas Tercila e Lucrécia foram estimadas
em 800$000 cada; elas exerciam os ofícios de cozinheira e costureira. Pedro foi o
único homem a compor o grupo de libertos; agrícola de 19 anos, rendeu ao senhor o
valor de 1:100$000273. Dessa maneira, Pedro não apresentou critérios para
liberdade em 1882; é provável que a sua classificação tenha gerado
questionamentos entre senhores locais, motivando o juiz dos órfãos, José Marinho
Carneiro, a esclarecer a liberdade de Pedro. Segundo ele, o escravo deixou de ser
emancipado na quota anterior com a sua mãe, pois a junta desconhecia que o
escravo fosse filho de Josepha274.

O episódio demonstra o quanto a classificação era algo inconstante.


Enquanto Pedro conseguiu ser selecionado, vimos que outros cativos foram
desclassificados antes de serem alforriados, como o acontecido em Murici, em 1877,
quando a inclusão repentina de José impediu a alforria de outros dois escravos.
Sendo assim, mesmo classificados para liberdade, os escravos continuavam sujeitos
a reviravoltas no processo de emancipação, perdendo o direito de liberdade
momentos antes de adquiri-la. José Pereira de Santana ressalta alguns elementos
que poderiam intervir na manumissão dos escravos. O autor descreve que:

O direito à alforria aparece como um campo aberto a interpretações


que poderiam ser pautadas em conveniências pessoais e de
amizade, apadrinhamento, além de concepções políticas e morais
mais amplas. De fato, autoridades públicas poderiam utilizar a lei
para referendar princípios escravistas de senhores incomodados com
a intervenção pública do Estado em seus assuntos domésticos275.

Em Maragogi, as alforrias foram igualmente limitadas. Situado no litoral norte,


o município se tornou independente de Porto Calvo em 1875. Além da produção
açucareira, no final do século XIX, a localidade funcionava como centro de negócios

273
Fundo de Emancipação de Camaragibe, 1882. Arquivo Público de Alagoas. APA. Caixa 1624.
Infelizmente, as informações foram sendo suprimidas no decorrer dos anos; na nova documentação,
não constam informações como profissão, aptidão para o trabalho e moralidade.
274
Fundo de Emancipação do município de Passo de Camaragibe, 1882. Arquivo Público de Alagoas.
APA. Caixa 1624.
275
SANTANA NETO, A alforria nos termos e limites da Lei, op. cit., p. 121.
122

da região276. Por meio da 3ª quota, o município emancipou três cativos sob o valor
de 2:774$408. Aos 59 anos, Ignácio foi avaliado em 600$000; Innocencio, 10 anos
mais jovem, foi emancipado por 900$000 e Joaquim, de 19 anos, foi avaliado em
1:200$000277.

A indenização paga pelo jovem é equivalente à venda do escravo Luis, de 22


anos, que foi negociado pelo valor de 1:100$000, no município de Imperatriz, em
1875, período do comércio provincial de escravos278. Portanto, verificamos que,
mesmo com as quotas em baixa, os senhores não modificaram a prática das altas
avaliações. Da mesma forma, os integrantes da junta classificadora não tomaram
qualquer medida visando a adequar as indenizações aos baixos recursos recebidos
em 1882; assim sendo, a associação desses dois fatores ajudou a diminuir o número
de alforrias.

No município de Alagoas (Marechal Deodoro), foram emancipados apenas


três escravos, que formavam uma única família. Deixaram o cativeiro a escrava
Thomazia e seus filhos César e Fausta279. Todos renderam ao senhor Francisco da
Rocha Cavalcante o valor de 2:000$000 contos de réis. Possivelmente, a liberdade
da família só aconteceu devido a alguma doação, pois o município recebeu somente
a quantia de 1:436$745280, dinheiro suficiente para a liberdade apenas da mãe e de
um dos seus filhos.

A capital da Província foi a única localidade dos nossos registros que


emancipou onze pessoas. Mesmo com a diminuição nos recursos recebidos, a
terceira quota apresentou uma diferença de 5:000$000 contos de réis em relação à
precedente. Foram cinco mulheres e seis homens emancipados sob o valor de
6:737$206. As avaliações apresentaram variações, partindo de 400$000 até
1:000$000 conto de réis281. Com a aplicação da 3ª quota, foram libertos os irmãos
Claudemira, de 18 anos, Benedicta, com 11 anos e Thomaz, de 17 anos. Com a
alforria do grupo, todos os membros da família haviam deixado o cativeiro; seus pais

276
MENDONÇA, Carlos Alberto Pinheiro. Enciclopédia Municípios de Alagoas. op. cit., p 74.
277
Fundo de Emancipação do município de Maragogi, 1882. Arquivo Público de Alagoas. APA. Caixa
1624.
278
Venda do Escravo Luís, município de Imperatriz, 1875. Arquivo Público de Alagoas. APA. Caixa
1423.
279
Fundo de Emancipação do município de Alagoas, 1882. Arquivo Público de Alagoas. APA. Caixa
1624.
280
Idem.
281
Idem.
123

já tinham sido libertos por meio da quota anterior. A falta de recursos acabou
funcionando como um agente limitador, tanto para concessão de alforrias quanto,
consequentemente, para a evolução do próprio projeto emancipacionista, fato que
contribuiu para intensificar as críticas sobre o mesmo.

Na zona da mata, encontramos mais emancipados no município do Pilar,


situado às margens da lagoa Manguaba. O município possuía dezesseis engenhos
em 1854282 e, segundo o censo, na década de 1870, a população local era
composta por 1.348 escravos283. O município foi responsável por emancipar cinco
pessoas, quando foi investido pelo poder público o valor de 1:834$768 284. Foi
adicionado a essa quantia o pecúlio de três escravos, que somou 500$000 réis. A
contribuição foi realizada pelos escravos. Grigório, trabalhador doméstico de 30
anos, que acumulou 200$000 de pecúlio, porém, foi avaliado em 1:000$000 conto
de réis. A escrava Cecília, agrícola, com 55 anos, classificada com leve aptidão
para o trabalho, também auxiliou com 200$000, quantia suficiente para pagar por
sua liberdade. Enquanto Joana, doméstica, de 36 anos, constituiu pecúlio de
100$000285.

Também localizado na zona da mata alagoana, o município de Atalaia foi


responsável por emancipar mais seis escravos. O total das avaliações alcançou
3:450$000, porém, a alforria só foi possível devido à contribuição financeira de três
escravas, que, juntas, formaram o pecúlio de 407$618 réis. A menor contribuição foi
realizada por Maria, com 28 anos, que possuía 50$000; já Joanna, de 50 anos,
possuía 150$000, enquanto Gertrudes, aos 34 anos, acumulou pecúlio de 207$618
réis286. Em Olinda/PE, o pecúlio foi igualmente constituído por alguns escravos;
nesse caso, o trabalho especializado ajudou as escravas. Cipryanna, engomadeira,
de 34 anos, possuía 200$000, Delphina, empregada doméstica, de 30 anos,
acumulou pecúlio de 400$000 réis287.

282
MENDONÇA, Carlos Alberto Pinheiro. Enciclopédia Municípios de Alagoas. Instituto Arnon de
Mello. 3ª ed. Maceió, 2012. p. 30.
283
Censo demográfico de 1872.
284
Fundo de Emancipação do município de Pilar, 1882. Arquivo Público de Alagoas. APA. Caixa
1624.
285
Idem.
286
A lista de emancipação não possui a profissão das escravas; individualmente, foram avaliadas da
seguinte maneira: Gertrudes 700$000, Maria 750$000 e Joana 400$000. Fundo de Emancipação de
Atalaia, 1882. Arquivo Público de Alagoas. APA. Caixa 1624.
287
Costa, Vozes na senzala, op. cit., p.112.
124

Em São José da Laje e São Miguel dos Campos, municípios voltados para
produção do açúcar, a semelhança ficou por conta da predominância em emancipar
escravos de poucos senhores. Em São Miguel dos Campos, foram cinco escravos
alforriados, que pertenciam a apenas dois senhores. Manoel José Taboca teve três
escravas classificadas, são elas: Zeferina, com 30 anos; Honoria, de 14 anos, e
Leonor, com apenas 12. A diferença de idade não impediu que todas as escravas
recebessem a mesma avaliação, 750$000 cada. Já o senhor Antônio José Teixeira
teve emancipadas as escravas Bernardina, de 15 anos, no valor de 700$000, e
Valchiria, com 40 anos, avaliada por 400$000288. No total, as quatro cativas estavam
acima do valor médio de 602$638 que verificamos anteriormente.

Em São José da Laje, a situação se repetiu com Manoel de Brito, que


conseguiu receber 1:200$000 pelas jovens Joana e Maria, de 13 e 18 anos, a última
liberta foi Joana, de 20 anos, propriedade de Bernardo das Nevez289. Novamente
nos deparamos com um possível favorecimento no momento da classificação. Ao
ser executada a matrícula, os cativos não possuíam pecúlio ou eram casados,
portanto, não tinham critérios que garantissem prioridade de classificação. Os casos
presenciados nos dois municípios são um reflexo de como o processo de
emancipação poderia ser manipulado, ou seja, as relações pessoais entre os
responsáveis pela matricula, proprietários e funcionários públicos, poderiam
acometer todo o processo de emancipação. Sobre as fraudes no Fundo de
Emancipação, Joseli Mendonça descreve que:

é certo que os senhores procuravam fazer frente a esta limitação da


sua vontade, subornando indivíduos que atuavam na classificação,
retardando os processos de arbitramento que deveriam determinar o
valor a ser pago pela alforria, distorcendo informações que
orientavam os critérios de classificação290.

A situação dos recursos foi presenciada também em Quebrangulo, situado ao


norte da zona da mata alagoana. O município foi desmembrado de Assembleia em
1872291. A agricultura de subsistência era a base da economia local. Em 1882, o
coletor Sebastião Viana de Cabral enviou à Capital o resultado das emancipações

288
Fundo de Emancipação do município de São Miguel dos Campos, 1882. Arquivo Público de
Alagoas. APA. Caixa 1624.
289
Fundo de Emancipação do município de São José da Laje, 1882. Arquivo Público de Alagoas.
APA. Caixa 1624.
290
MENDONÇA, Joseli. Entre as mãos e os anéis, op. cit., p.278.
291
MENDONÇA, Carlos. Enciclopédia Municípios de Alagoas. op. cit., p. 354.
125

no município, que libertou três escravos. A soma das avaliações alcançou


2:080$000. Entretanto, o município não recebeu quantia suficiente para as três
alforrias. José, Domingos e Basílio precisaram auxiliar financeiramente a verba
destinada à localidade. Todos os libertos trabalhavam como roceiros e conseguiram
acumular 200$000 cada292, portanto, algo próximo dos 29% do valor total das
indenizações.

Em Paulo Afonso, atual município de Mata Grande293, a escrava Maria foi a


única emancipada, sendo avaliada em 700$000, indenização que consumiu quase
toda quota recebida. Sobraram apenas 269$368294, valor insuficiente para outra
liberdade. As baixas quantias para emancipação foram um problema compartilhado
pelos municípios baianos. Em maio de 1882, a localidade Morro de Chapéu recebeu
a verba de 267$444. O presidente da junta classificadora alegou que o valor era
insuficiente para libertar um único cativo. Em situação econômica mais delicada
estavam os municípios de Trancoso e Santa Cruz que, em seis quotas, somaram a
verba de 255$225 e 222$220 réis295.
Como podemos observar, esses fatos demonstram que a ineficiência na
quantidade de alforriados pelo Fundo de Emancipação fazia parte de processo
constituído por etapas. Os municípios eram o ponto de partida e o centro da
execução das alforrias, onde observamos que essas estavam sujeitas à interferência
de senhores, escravos e agentes públicos. Logo, os interesses pessoais e a
influência de tais personagens no âmbito local foram determinantes para o
progresso das emancipações. Sobre a relevância dos municípios no projeto de
liberdade gradual, José Pereira Neto menciona que:

o sucesso ou o fracasso das políticas emancipacionistas dependeria


do desempenho, nas localidades, das autoridades que as aplicavam
e da capacidade de pressão e barganha dos abolicionistas e
escravos, maiores interessados na mudança da sociedade. Neste
sentido, os conflitos e as negociações teriam no município o lócus
privilegiado de sua emergência, de sua proliferação e encerramento
no ano de 1888. Era o palco no qual os embates em relação à

292
Fundo de Emancipação do município de Quebrangulo, 1882. Arquivo Público de Alagoas. APA.
Caixa 1624. Não conseguimos encontrar qualquer referência sobre a quantia recebida pelo município.
293
A localidade chamava-se Mata Grande, por meio da Lei 516, de 20 de Abril de 1870, seu nome foi
alterado para Paulo Afonso, voltando a chamar-se Mata Grande somente em 1929. Disponível em
http://www.abcdasalagoas.com.br acessado em 20 de janeiro de 2017.
294
Fundo de Emancipação do município de Paulo Affonso, 1882. Arquivo Público de Alagoas. APA.
Caixa 1624.
295
SANTANA NETO, A alforria nos termos e limites da lei. op. cit., pp. 62-63.
126

abolição seriam encenados pelos senhores, escravos, libertandos,


abolicionistas, autoridades públicas e a sociedade em geral296.

O último Município de que temos registros dessa quota é Anadia que estava
emancipando seis cativos, todos agrícolas, com idade entre os 19 e 49 anos, que
custaram 4:650$000. As escravas Izidoria e Arahauja, ambas com 49 anos,
renderam a seus senhores 200$000 cada, as menores avaliações. Entre os homens,
as indenizações foram mais elevadas. O escravo Francisco, agricultor, com 33 anos,
foi avaliado em 1:300$000. Antônio e Manoel também alcançaram altas cifras; o
primeiro, 1:100$000, e o segundo, 1:000$000 conto de réis. A trajetória percorrida
até o momento revela uma particularidade de Anadia: os senhores do município não
enfrentavam oposição das autoridades locais ou provinciais na formação dos preços,
desfrutavam de liberdade suficiente para estabelecer a indenização a ser recebida.

Finalizada a aplicação da terceira quota, o Império somava mais 2.192


emancipações, chegando ao total de 12.898, efetuadas em 668 municípios, como
mencionamos anteriormente. Em Alagoas, seriam alforriados 417 escravos por
intermédio do fundo, que custaram 263:661$383297. Apesar da execução da terceira
quota, poucas províncias haviam superado a marca dos 1.000 emancipados, fato
alcançado somente nos grandes centros escravistas como Rio de Janeiro, Minas
Gerais, Bahia e Pernambuco298. No entanto, os resultados e a conjuntura que
envolvia as emancipações não passaram despercebidos pelos abolicionistas, a lei
acabou virando alvo de novas disputas entre defensores e opositores da escravidão.
Sobre isso, Emília Viotti fez a seguinte observação:

Os abolicionistas não tardaram em denunciar a ineficácia da lei e a


revelar e a burlas e as fraudes que prejudicavam sua execução.
Passaram, a partir daí, a pleitear mais drásticas que viessem a pôr
um paradeiro definitivo à escravidão. Os escravistas, por sua vez,
apegaram-se à lei a que tinham se oposto. Para eles, a Lei do Ventre
Livre encerra a questão. A emancipação seria consequência
inevitável da lei, mesmo que para isso os escravos tivessem de
esperar por mais de meio século. Na opinião deles, nada mais havia
a fazer do que esperar os efeitos da lei299.

296
Idem, pp. 30-31.
297
Relatório Provincial, 1883, p. 23.
298
Relatório do Ministério da Agricultura, 1883, p.14.
299
COSTA, op. cit., p.59.
127

A ineficiência e as fraudes que acompanhavam o Fundo não eram segredo,


tanto que originariam discussões em torno de uma nova proposta para a concessão
de alforrias, a Lei dos Sexagenários, que, a partir de então, estabelecia limites para
o pagamento das indenizações. As criticas sobre o desempenho do projeto
emancipacionista parecem ter surtido algum efeito na aplicação do Fundo de
Emancipação. Na 4ª quota, no ano de 1883, foram emancipados mais 6.002
indivíduos; para isso, o governo distribuiu, entre as províncias, a quantia de
3.000:000$000.

Passados doze anos, o projeto governista tinha emancipado 18.900 escravos,


fato que as autoridades comemoravam. Mais uma vez, o relatório do Ministério da
Agricultura demonstrava entusiasmo com o andamento das alforrias, não
esquecendo em destacar a abolição ocorrida no Ceará,

[...] Apesar do pequeno valor da propriedade escrava na província do


Ceará, a emancipação de todos os seus escravos em prazo tão curto
é fato altamente honroso para a filantropia particular. Nesta capital, e
em todas as províncias, o movimento emancipador está sendo
acelerado pala espontaneidade dos senhores e pela colaboração
eficaz e pacifica de associações que por toda a parte se constituem
como o humanitário intuito de abreviar o prazo em que será dado,
sem abalo profundo para a organização do trabalho, atingir o
desejado termo da escravidão. O governo Imperial tem procurado da
sua parte, quanto pode depender de sua esfera de ação, estimular
esta nobre tendência que na brandura e generosidade da índole
300
nacional encontra os seus principais incentivos .

O governo relaciona o crescimento das alforrias e a abolição da escravidão na


Província do Ceará a generosidade, filantropia e sentimento humanitário dos
senhores. No entanto, temos acompanhado, em Alagoas, um processo dissonante.
Há pouco presenciamos que as alforrias com cláusulas de serviço continuaram
superando as gratuitas, ou seja, os proprietários alagoanos escolheram por retardar
a liberdade definitiva dos seus escravos. Quanto ao Fundo de Emancipação, os
senhores o transformaram em mecanismo de compensação, onde as altas
indenizações fizeram da liberdade um produto rentável, portanto, a generosidade e a
filantropia em vários momentos foram preteridas pela preservação dos interesses
econômicos.

300
Relatório do Ministério da Agricultura 1883, p. 188.
128

Infelizmente, não conseguimos registros da aplicação da quota de 1883 em


Alagoas, apenas os valores gerais de sua execução, quando a Província recebeu do
governo imperial a quantia de 59:000$000301. Foram acrescidos a esse valor pouco
mais de 2:000$000 contos de réis das sobras financeiras da 3ª quota, quantia
responsável pela emancipação de 107 indivíduos. Ao total, a diferença de valores
entre a terceira e a quarta quota alcançou 10:000$000 contos de réis, garantindo a
liberdade de 22 escravos a mais, consequentemente apresentando menor média de
preços, 571$110 contra 602$638 réis do ano anterior. O presidente da Província
mostraria a execução das quatro quotas em detalhes. Vejamos o quadro abaixo:

Quadro 11: Manumissões concedidas em Alagoas pelo Fundo de


Emancipação.

Quotas
Ano concedidas Emancipados Pecúlio Valor total
1875 83:774$922 148 17:727$660 101:502$582
1880 104:656$550 184 13:083$886 117:740$436
1882 51:224$250 85 3:220$418 54:473$668
1883 61:108$960 107 4:033$650 65:142$610
Total 300:764$682 524 38:074$614 338:559$296
Fonte: Relatório da Província das Alagoas, 1884.

Como salientou Robert Conrad, a distribuição das quotas tornaram-se mais


frequentes na década de 1880; no entanto, sofreram importantes oscilações, fato
que afetaria diretamente o número de emancipados. Dessa forma, após alcançar o
seu ápice, em 1880, os parcos recursos destinados à liberdade na última década da
escravidão acabaram contribuindo para acentuar a diferença de alforrias entre o
Fundo de Emancipação e as alforrias particulares. Apesar da queda nas
contribuições realizadas pelos próprios escravos, o pecúlio teve parcela importante
em todo o processo de emancipação. Como podemos observar, o mesmo
representou mais de 10% da quantia total distribuída em Alagoas.

O pecúlio foi essencial em alguns momentos. Entre eles, para o escravo


comprar sua liberdade diretamente ao seu proprietário, como o ocorrido no
município de Assembléia, ou em Pilar, quando os escravos usaram suas quantias
para complementar os valores da quota e garantir sua liberdade. A soma do pecúlio

301
Relatório do Ministério da Agricultura, 1882, p. 13.
129

apresentado até 1883, no valor de 38:074$614, superara os recursos recebidos para


execução do fundo em 1884, quando a Província recebeu 35:400$000, e,
dependendo das avaliações, o valor da quota se esgotaria rapidamente. Sobre esse
dilema Fabiano Dauwe teceu o seguinte comentário:

O Império não podia, ou não desejava, arcar com toda essa despesa,
e por isso as soluções seriam libertar menos escravos, ou libertá-los
por valores muito menores, ou, ainda, baixar drasticamente o preço
302
de cada escravo, o que parecia fora de cogitação .

Os valores destinados à emancipação não apresentaram mudanças


significativas. E dando prosseguimento ao projeto, em 188,4 o governo imperial
endereçava a cada província os valores referentes à quinta quota de emancipação,
quando Alagoas recebeu a quantia de 35:400$000, valor que retirou mais 88
escravizados do cativeiro303. Após essa nova execução, a província alagoana somou
612 emancipados. Já em todo território brasileiro, foram 23.147 alforrias; portanto,
em 1884, deixaram o cativeiro por intermédio do Fundo de Emancipação o total de
4.247 escravos304, perfazendo exatamente 1.875 libertações a menos quando
comparamos com a quota anterior.

A partir do relatório de 1884, na 5ª quota, o governo não incluiu os dados por


municípios, apenas por província. Dessa execução, conseguimos os registros de
liberdade em três municípios; são eles: Murici, Porto de Pedras e Quebrangulo, os
quais totalizaram dezessete emancipações. A última localidade contribuiu com 2
cativos, Antônio e Vicente, ambos agrícolas, com 13 e 33 anos, respectivamente. O
município manteve o panorama das altas indenizações; somados, os dois alforriados
alcançaram o valor de 1:800$000305. O escravo Vicente contribuiu para sua
liberdade com o pecúlio de 200$000. É possível que a economia tenha completado a
quota recebida pelo município. A formação do pecúlio, que permitiu aos escravos
pagarem por sua liberdade, acabou tornando-se uma importante ferramenta no
auxilio das quotas municipais, especialmente quando as localidades recebiam
parcos recursos para a emancipação.

302
DAUWE, op. cit., p.87
303
Relatório do Ministério da Agricultura, 1883, p. 189.
304
Relatório do Ministério da Agricultura, 1884, p. 374.
305
Fundo de Emancipação do município de emancipação Quebrangulo, 1884. Arquivo Público de
Alagoas. APA. Caixa 287.
130

Em Porto de Pedras, mais cinco escravos foram emancipados através da 5ª


quota, quando foram investidos 1:900$000 réis306. A maior indenização foi paga por
Celestino, de 11 anos, que custou 600$000; os demais estiveram abaixo dos
400$000. Dessa maneira, os baixos valores contribuíram para emancipar mais
escravos. Portanto, observamos que os municípios de Porto de Pedras e
Quebrangulo receberam valores semelhantes, porém, os procedimentos de
execução foram diferentes. Em Quebrangulo, o escravo Antônio, trabalhador
agrícola, com 13 anos, custou 800$000. Com essa mesma quantia, o município do
litoral emancipou dois escravos.

O último município do qual temos registros de emancipações na 5ª quota de


liberdade é Murici, que recebeu a quantia de 1:209$576, valor que possibilitou a
emancipação de mais dez cativos307. Até a execução dessa quota, dezesseis
escravos tinham sido emancipados no município por intermédio do Fundo de
Emancipação ao custo de 9:002$575308. Aparentemente, as indenizações do
município foram baixas, nesse caso, indicando um preço médio em torno de
120$000 réis. Somente as baixas avaliações podem explicar o fato de um valor
pequeno emancipar dez escravos. Firmino foi o único cativo a apresentar pecúlio, no
valor de 50$000,309 recurso que não ocasionaria significativas mudanças à
execução.

No ano seguinte, o governo destinaria à liberdade na província o valor de


39:000$000310. Com os recursos da sexta quota, 122 escravos conquistariam à
liberdade. Nesse momento, a província somava 734 libertos por meio do Fundo de
Emancipação, e, a nível nacional, o projeto alcançava 24.165 emancipados311.
Temos que destacar um fato importante dessa execução, apesar da queda nos
valores recebidos, a Província conseguiu emancipar acima dos cem escravos, em
1885. A quantia seria inferior à quota recebida anteriormente, porém, em
comparação com o ano anterior, trinta e quatro pessoas a mais deixaram o cativeiro.

306
Fundo de Emancipação do município de Porto de Pedras, 1884. Arquivo Público de Alagoas. APA.
Caixa 287.
307
Fundo de Emancipação do município de Murici, 1884. Arquivo Público de Alagoas. APA. Caixa
287.
308
Relatório do Ministério da Agricultura, 1883, p. 198.
309
Fundo de Emancipação do município de Murici, 1884. Arquivo Público de Alagoas. APA. Caixa
287.
310
Relatório do Ministério da Agricultura, 1884, p. 373.
311
Relatório do Ministério da Agricultura, 1885, p. 374.
131

É possível que esse fato estivesse ligado à regulamentação da Lei dos


Sexagenários, que passou a limitar os valores indenizatórios que seriam pagos pela
liberdade dos escravos. Segue, abaixo, a tabela de preços determinados pela lei:

Quadro 12: Valores indenizatórios estabelecidos com a Lei dos Sexagenários.

Escravos menores de 30 anos 900$000


Escravos de 30 a 40 anos 800$000
Escravos de 40 a 50 anos 600$000
Escravos de 50 a 55 anos 400$000
Escravos de 55 a 60 anos 200$000
Fonte: Lei nº 3.270, de 28 de setembro de 1885.

Infelizmente, contamos apenas com os registros de liberdade de Limoeiro de


Anadia, que se tornou vila independente em 1882. Até então, fazia parte do
município de Anadia.312 A base da economia local era a produção de algodão, fumo
e mandioca. Em 1885, foi destinada, ao município a verba de 1:345$000, quantia
suficiente para libertar cinco cativos. Esse valor recebeu o auxilio financeiro de
455$000, proveniente do pecúlio de três escravos. Contribuíram para a liberdade os
cativos José, 57 anos, com 200$000, Rosendo, 40 anos, com 100$000, e Manoel,
32 anos, 155$000 réis313.

As cinco indenizações ficaram abaixo dos 600$000, estando os escravos na


faixa etária dos 30 e 57 anos. A princípio, podemos relacionar o aumento de
emancipados com a redução dos valores pagos pelo governo, ou seja, esse fato
poderia indicar uma adaptação às regras que estavam em discussão no parlamento.
Quanto às alforrias, Manoel Eugenio da Silva, proprietário do escravo José, de 57
anos, foi indenizado com 500$000314, portanto, valor acima do estabelecido na lei,
que, a partir de então, não poderiam superar a quantia dos 200$000 réis 315. Nesse
caso, a Lei dos Sexagenários aparentemente não impediu que os senhores
continuassem determinando o valor das indenizações pelo Fundo de Emancipação.

Os demais emancipados tiveram avaliações dentro dos padrões definidos em


1885. Os cativos Rosendo, de 40 anos, e Manoel, de 32 anos, foram avaliados por
400$000 e 600$000, respectivamente. A partir de então, escravos dessa faixa etária

312
MENDONÇA, Carlos. Enciclopédia Municípios de Alagoas. op. cit., p. 274.
313
Fundo de Emancipação do município de Limoeiro de Anadia, 1885. Arquivo Público de Alagoas.
APA. Caixa 1423.
314
Idem.
315
Tabela de valores estabelecidos através da lei nº 3.270, 28 de setembro de 1885.
132

não poderiam exceder o valor de 800$000. Já os escravos entre 40 e 50 anos, não


podiam superar os 600$000. Apesar de poucos, esses casos indicam uma possível
adequação nos valores que seriam pagos aos senhores através da nova Lei, ou
seja, a tabela desenvolvida por intermédio da Lei dos Sexagenários teria criado um
parâmetro financeiro a ser pago como restituição, ao menos no período que
antecedeu a sua regulamentação, possibilitando o aumento do número de
manumissões.

A execução de mais essa quota revela o quanto o Fundo de Emancipação era


dinâmico, algo que pode ser observado pelos recursos e a quantidade de
emancipados, que se alternaram conforme a aplicação de cada quota. Em 1886,
seria executada a sétima quota do Fundo de Emancipação; aliás, a última. Segundo
o relatório anterior, a população de escravos do País era superior a 1.1000,000
indivíduos, a redução foi acima dos 372.000 mil escravos. Os senhores contribuíram
com a liberdade de pouco mais de 177 mil cativos, prevalecendo a concessão de
alforrias gratuitas316. No mesmo relatório, foram divulgados as alforrias por
intermédio do Fundo, que somou o total de 24.000 mil libertos 317, representando
aproximadamente 14% das manumissões particulares.

A redução da escravaria de Alagoas esteve em torno dos 10.000 mil cativos.


A população, em 1887, seria de 25.046 indivíduos. Os senhores foram responsáveis
por libertar 3.057 pessoas, na contramão do verificado no âmbito nacional. Na
Província as alforrias a título oneroso continuaram superando as manumissões
gratuitas, sendo 1.610 libertos condicionalmente, contra 1.447 de maneira
incondicional318. Enquanto por intermédio do projeto imperial foram 734 libertos ao
longo de dez anos. No mesmo relatório o Governo anunciava que a Província
recebeu a quantia de 40:000$000 para ser empregado nas manumissões no
próximo ano, quantia que permitiu a liberdade de outros oitenta e quatro
indivíduos319.

Essa nova aplicação nos revela o quanto as quotas traziam diversidade ao


projeto. Se, em 1885, as emancipações aparentaram sofrer a influência da nova lei,

316
Os dados em detalhes foram os seguintes: população de 1873: 1.505.228, até junho de 1885
seriam 1.133.273. As alforrias a titulo oneroso: 69.430, alforria gratuita: 108.226. Relatório do
Ministério da Agricultura 1885, p.34.
317
Por intermédio do fundo de emancipação, foram libertos 24.165 escravos. Idem, p. 32.
318
Relatório do Ministério da Agricultura, 1885, p. 34.
319
Idem, p.32.
133

especialmente por ter libertado cento e vinte escravos, na quota seguinte, foram
trinta e seis emancipações a menos, apesar de a Província ter recebido valores
similares nas duas quotas. Portanto, durante os anos da execução do projeto, cada
município ou província conviveu com experiências próprias, nas quais, senhores,
autoridades e escravos foram igualmente atuantes, tornando o processo de abolição
um jogo de disputas e influência, onde as relações de dependência já apresentavam
desgaste.

Após quinze anos do projeto de liberdade gradual, a Província libertou 818


escravos, números que representaram 5,3% da população cativa. Em 1887, o
relatório registrou que a escravaria alagoana era composta por 15.269 indivíduos.
Para a promoção das alforrias, foi investido o total de 460:317$496 réis, dos quais,
49:168$884 foram provenientes do pecúlio dos escravos, quantia equivalente a
10,7% do dinheiro destinado à Província. Ainda em 1886, o Presidente da Província,
Geminiano de Oliveira Gois, apresenta o resultado parcial da aplicação da 7ª quota
de liberdade em Alagoas. Dos vinte e seis municípios da Província, apenas
dezessete haviam enviado os dados sobre a concessão das alforrias, revelando que
sessenta e três escravos foram manumitidos até o final de 1886 320. Podemos
observar sua execução no quadro abaixo.

Quadro 13: Execução da quota de liberdade em Alagoas de 1886.

Maceió 6 Penedo 4
Alagoas 3 Piaçabuçu 1
Anadia 3 Pilar 3
Atalaia 7 Porto de Pedras 4
Camaragibe 6 Quebrangulo 2
Coruripe 3 Santana do Ipanema 1
Imperatriz 3 São Miguel dos Campos 7
Murici 2 Traipu 6
Pão de Açúcar 2
Fonte: Relatório da Provincial, 1886.

O quadro demonstra que o decréscimo nas alforrias presenciado no início da


década de 1880 se manteve até a última aplicação do Fundo de Emancipação na
Província. Como a divisão de recursos destinados à liberdade era proporcional, o
surgimento de novos municípios como: Maragogi, Limoeiro de Anadia e

320
Relatório Provincial,1886, p. 15.
134

Quebrangulo acabou redistribuindo o contingente de escravos entre as localidades,


circunstância que acentuou a redução das alforrias. Portanto, a reestruturação
geográfica de Alagoas, associada à redução na verba das alforrias, foi determinante
para limitar o número de emancipações.

A deficiência financeira não impediu que as avaliações continuassem


elevadas. Nos municípios de Anadia e Quebrangulo, os senhores mantiveram as
altas indenizações para lucrar com a liberdade dos escravos. Em Anadia, a
emancipação de três escravos foi superior à quantia recebida por alguns municípios.
Exemplos disso são os escravos Antônio, Francisco e Manoel foram avaliados por
3:400$000321, quantia duas vezes maior que a destinada ao município de Alagoas,
que recebeu 1:436$745322, valor que libertou três escravos. Da mesma maneira, os
proprietários não perderam a oportunidade de conseguir alguma indenização por
escravos impossibilitados de trabalhar, como fez a senhora Maria Magdalena da
Costa que conseguiu 500$000 pela liberdade de Domingos, 18 anos, e Cecília, de
55 anos, mãe e filho, que foram considerados invalido e com leve aptidão para o
trabalho.

Igualmente à verba destinada pelo governo para liberdade, o pecúlio declinou


na década de 1880, conforme verificamos no quadro 10. Foram poucos os escravos
que contribuíram com a alforria, visto que até mesmo os trabalhadores
especializados enfrentaram dificuldades de formar suas economias. Exemplo disso
foi o que ocorreu com os escravos Joana e Manoel, cozinheira e carreiro,
respectivamente, libertos no município de Porto Calvo, ambos não conseguiram
contribuir com sua emancipação. Situação diferente da observada no mesmo
município em 1875. Logo, a redução na constituição de pecúlio também contribuiu
para a queda nas emancipações; como vimos, em alguns municípios o auxilio
financeiro dos escravos foi decisivo para emancipação dos escravos classificados.

Dessa maneira, notamos que o Fundo de Emancipação, apesar de poucos


manumitidos, transformou-se em mais uma porta de saída do cativeiro. Contudo, as
alforrias foram concedidas de maneira progressiva, respeitando às aspirações do
Império, que planejava libertar os escravos de forma cautelosa e segura, pois, o

321
Fundo de Emancipação do município de Traipu, 1882. Arquivo Público de Alagoas. APA. Caixa
1624.
322
Fundo de Emancipação do município de Alagoas, 1882. Arquivo Público de Alagoas. APA. Caixa
1624.
135

projeto emancipacionista pretendia, sobretudo, conservar os interesses da classe


escravista e preservar a ordem social.

Sendo assim, as transformações que acompanhamos em Alagoas após 1871


fazem parte de um novo contexto, que foi responsável por movimentar as estruturas
do regime escravocrata. É igualmente importante ressaltarmos que o Fundo de
Emancipação não está resumido a seus resultados numéricos, mas à reestruturação
do cotidiano escravista. Portanto, podemos observar em nossa análise que os
municípios alagoanos também foram palco das mudanças provenientes do período
de liberdade gradual. Sendo assim, as particularidades locais definiram o andamento
do projeto emancipacionista, respeitando, em diversos momentos, o jogo de
interesse, influência dos personagens locais.

Por intermédio do Fundo de Emancipação podemos observar toda a


versatilidade originada com o projeto de liberdade gradual; contudo, constatamos
que esses episódios não estavam mais restritos à relação particular entre senhores
e escravos. Apesar de ambíguo, o projeto Rio Branco trouxe nova dinâmica ao
cotidiano escravista, à qual os senhores e os escravos precisaram se adaptar.
Sendo assim, o Império surge como mais um personagem a atuar sobre as bases do
sistema escravista. Portanto, as mudanças desse período não estavam mais
restritas à dicotomia entre proprietários e escravizados, mas diretamente
relacionadas à inserção da legislação e dos agentes públicos na gestão do regime
escravocrata.
136

Considerações finais

Ao longo do nosso estudo, pudemos observar que a escravidão tornou-se


uma instituição instável no decorrer do século XIX. Desde os debates sobre a
entrada de africanos no Brasil até a regulamentação da Lei Rio Branco, verificamos
que a política assumiu um papel central no processo de abolição. O governo imperial
defendeu medidas paliativas que retardassem uma decisão final contra o regime
escravista. Essa proposta atendia especialmente aos objetivos dos escravocratas,
que buscavam preservar a saúde financeira e política do País e, sobretudo,
resguardar o seu domínio sobre os ex-cativos.

Como vimos anteriormente, os projetos de emancipação desenvolvidos entre


as décadas de 1830-1860 seguiam um aspecto em comum, a liberdade gradual
como a saída mais prudente para se findar a escravidão. Ou seja, a instituição não
poderia acabar de forma imediata e, sim, através de medidas progressivas,
preferencialmente sendo controlada pelo governo Imperial. Sendo assim, notamos
que, antes mesmo de alforriar, o Governo pretendia conservar a estrutura escravista,
de tal forma, as disposições legais não poderiam colocar em risco o respeito e o
domínio moral dos senhores sobre os escravos.

O motivo de tanta cautela para legislar sobre o assunto tinha finalidade: evitar
que no Brasil acontecesse um conflito semelhante à guerra civil vivenciada pelos
Estados Unidos. As divergências política e econômica acabaram acentuando a crise
entre os parlamentares das regiões norte e sul, especialmente no período do
comércio interprovincial entre as décadas de 1850 - 1870. Notamos que o futuro dos
recém-libertos foi outro aspecto que norteou o desenvolvimento das medidas legais.
Tais anseios acabaram criando uma série de dificuldades para o Império chegar a
um consenso sobre a composição do projeto. Ou seja, a nova lei precisava suplantar
diferentes propósitos e proporcionar uma solução parcial, as mudanças precisavam
ser moderadas, não extinguindo, mas apenas reduzindo o domínio dos senhores,
pois o programa emancipacionista teria que permanecer sob o comando dos
escravocratas.

As inúmeras prerrogativas seriam solucionadas com a Lei do Ventre Livre, de


28 de setembro de 1871. Por meio da sua regulamentação, o governo interferia, pela
137

primeira vez, na relação entre senhores e escravos. No entanto, como notamos no


decorrer da pesquisa, os proprietários continuaram exercendo controle sobre os
escravos. Dessa forma, o projeto Rio Branco cumpriu com as expectativas, deixando
sob a responsabilidade dos conservadores a execução do mesmo. Logo, notamos
que a Lei não representou a ruptura das relações escravistas, mas acabou
determinando o surgimento de novos hábitos e comportamentos, sendo responsável
por reformular o cotidiano escravista brasileiro.

Dessa maneira, notamos que a intervenção do Império no controle da


escravidão teve caráter ambíguo, funcionando como um agente de mediação entre
os diferentes interesses da política nacional, concretizada na oposição dos partidos
Liberal e Conservador. É nítida a influência dos dois grupos nas regras da Lei do
Ventre Livre; aos escravos foi reconhecido o direito a constituição de pecúlio, e a
conquista da alforria por intermédio do Fundo de Emancipação. Porém, ao mesmo
tempo em que os espaços de alforria foram legalizados, o Estado conservou as
prerrogativas senhoriais, seja emancipando apenas os escravos que estivessem
aptos para viver como libertos, e, sobretudo, mantendo as crianças nascidas após
1871 sob o domínio dos senhores de suas mães.

A dicotomia da Lei alterou a rotina da instituição, não sendo diferente em


Alagoas. Desde o período de matrículas até a concessão das alforrias, podemos
notar que a Província apresentou características particulares durante a execução do
projeto emancipacionista. Tal fato esteve estritamente ligado às mudanças de
comportamento ocorrida na conduta dos agentes sociais após 1871, e, a partir de
então, a ambivalência das regras permitiu que escravos e senhores determinassem
novos sentidos a lei durante o seu processo execução.

Em Alagoas, observamos que os proprietários desenvolveram diferentes


maneiras de burlar o Fundo de Emancipação. Dentro dessa proposta, as altas
avaliações foram usadas para lucrar com a liberdade dos escravos. A mesma
iniciativa foi usada para garantir recursos com a manumissão de escravos idosos.
Por intermédio da concessão de valores em favor da liberdade, os senhores
poderiam reforçar os laços de bondade e obediência, estratégia que poderia ajudar a
manter o ex-escravo sob seus cuidados. Quando o objetivo era ampliar o controle
sobre os cativos, os proprietários também recorreram à liberdade condicional, pois
assim poderiam impedir a classificação dos escravos para emancipação.
138

Logo, constatamos que a recorrência da liberdade sob prestação de serviços


foi determinante para que Alagoas figurasse entre as principais províncias que mais
alforriavam a título oneroso. Quanto à compra particular, os altos preços
funcionaram como uma alternativa para impedir os escravos de alcançar o montante
para conseguir se libertar. Tais fatos revelam que os senhores alagoanos não
estiveram inertes às mudanças, buscaram adaptar-se, desenvolver recursos
capazes de estender o seu poder pessoal sobre os cativos. Essas atitudes seriam
um sintoma da resistência dos senhores em perder o controle da sua propriedade.
Assim sendo, presenciamos que a Lei Rio Branco foi um dispositivo do qual os
senhores conseguiram tirar proveito, manuseando-a conforme as suas
necessidades.

Entretanto, notamos que as brechas da Lei foi igualmente utilizada pelos


escravos. Quanto à formação de pecúlio entre os emancipados alagoanos,
observamos alguns detalhes significativos. Conseguimos destacar que, conforme a
região ou o município de residência, modificava-se o perfil do cativo que conseguia
acumular algum recurso financeiro. Outro ponto a ser ressaltado é a utilização do
pecúlio dos escravos para complementar os recursos destinados à emancipação nos
municípios da Província. Dessa forma, além de relevante entre os cativos, o pecúlio
tornou-se importante para o próprio projeto governista, que utilizou da receita
particular para auxiliar o pagamento das alforrias.

Os cativos também identificaram, na mudança de conduta uma alternativa


para conseguir a emancipação. O aumento de trabalho por parte dos escravos e a
diminuição nas ações de justiça demonstram o conhecimento que os escravos
tinham das mudanças políticas e sociais ocorridas no regime escravocrata.
Conforme vimos, a atuação dos escravos esteve sujeita aos eventos que
aconteciam a seu redor. Na Província, observamos que os cativos se utilizaram das
disputas senhoriais e do período de seca nos finais da década de 1870 para
empreender a fuga. Saber o momento de agir foi igualmente importante para a
compra da alforria, demonstrando que os escravos possuíam habilidade para
negociar diretamente com os proprietários. Estas ações revelam que além de
conhecer o ambiente no qual estavam inseridos, os cativos sabiam o momento de
utilizar seus recursos.
139

Como podemos verificar, a partir de 187,1 a escravidão não esteve resumida


ao protagonismo de escravos e senhores. Os agentes públicos acabaram
assumindo um papel de destaque no programa emancipacionista. Além de
representar o Império, eram os responsáveis por executar todo o processo de
liberdade, o que os tornou mais um personagem a movimentar as engrenagens da
instituição em suas últimas décadas.

Na província, observamos que os membros da junta classificadora possuíam


autoridade suficiente para interferir no processo de alforrias, e, como constatamos,
os seus integrantes atuaram de maneira oposta, em alguns momentos reprimindo ou
compactuando com as fraudes. Em certos municípios a junta classificadora não só
tolerou, como participou das fraudes. Entre elas, a validação de altas indenizações e
a mudança na ordem dos escravos que seriam emancipados. Entretanto, outros
atuaram no impedimento das fraudes, evitando que o valor das avaliações
alcançasse cifras elevadas. Sendo assim, constatamos que o processo de alforrias
esteve longe de ser imparcial, a atuação dos agentes públicos ficou sujeita tanto à
relação privada que mantinham com os senhores locais quanto às prerrogativas
pessoais em favor ou contra o projeto emancipacionista.

Os fatos registrados em Alagoas nos confirmam que as balizas da escravidão


passavam por um período de transformação e, como reparado, a Lei do Ventre Livre
que, foi idealizada para determinar um padrão no acesso à liberdade acabou
seguindo o caminho inverso. A partir desse aspecto, notamos que escravos e
senhores criaram novas brechas e espaços de movimentação dentro da instituição,
e o Estado fez o papel de intermediador nesse jogo de poder. E, justamente
defendendo os seus propósitos, que esses personagens contribuíram para
dinamizar a execução do projeto emancipacionista, a trajetória de acesso à
liberdade, além da relação entre os proprietários e os cativos tanto no âmbito
particular quanto no jurídico.

Sendo assim, podemos ressaltar que uma das maiores contribuições da Lei
Rio Branco foi alterar os pilares do sistema escravista brasileiro. Contudo, a partir da
sua aplicação em Alagoas, detectamos que o Governo Imperial alcançou o seu
propósito, as medidas cautelares contribuíram para retardar a abolição definitiva da
escravidão. Esse fato ressalta o caráter ambíguo da proposta, que conseguiu
retardar o fim do regime e ainda amenizar a perda dos proprietários. A dicotomia foi
140

igualmente importante na relação entre senhores e escravos, pois permitiu que


ambos defendessem os seus objetivos a partir da flexibilidade das regras
estabelecidas com a Lei do Ventre Livre.

Sendo assim, percebemos que o fim da abolição no Brasil envolveu uma série
de conflito políticos, sociais e econômicos, e que as medidas contra a instituição
precisavam se adequar à realidade do Império. A Lei não buscava reprimir o domínio
da classe escravista e sim organizar regras que atendessem às suas expectativas.
Logo, a liberdade gradual foi a saída mais prudente para o fim da instituição. O
direto à liberdade concedido aos escravos foi acompanhado pela manutenção do
domínio senhorial no processo de emancipação. Ou seja, a Lei foi especialmente
desenvolvida para atender ao interesse dos escravocratas; logo, a prioridade era
eliminar a escravidão modificando o mínimo possível os princípios da hierarquia
social construída durante os mais de trezentos anos nos quais a instituição vigorou
no Brasil.
141

Referências

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http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LIM/LIM2040.htm

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Ministério da Agricultura 1872-1887.

Mapa província de Alagoas

Biblioteca Nacional
http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_ cartografia /cart67925/ cart67925
_6.

Arquivo Público de Alagoas:

Caixa 287:
142

Lista dos escravos emancipados no município de Murici, 1884;


Lista dos escravos emancipados no município de Quebrangulo, 1884;
Lista dos escravos emancipados no município de Porto de Pedras, 1884.

Caixa 976:
Lista dos escravos emancipados no município de Anadia, 1880.
Lista dos escravos emancipados no município de Anadia, 1881.

Caixa 1093:

Lista dos escravos classificados para emancipação em São Miguel dos Campos,
1880.

Caixa 1691:

Lista dos escravos emancipados no município de Porto Calvo, 1877;

Lista dos escravos emancipados no município de Murici, 1877;

Lista dos escravos emancipados no município de Passo de Camaragibe, 1877.

Caixa 1097:

Lista dos escravos classificados para liberdade no município de Passo de


Camaragibe S/D;

Lista dos escravos emancipados no município de Porto de Pedras, 1880;


Lista dos escravos emancipados no município de São José da Laje, 1880;
Lista dos escravos emancipados no município de Alagoas, 1880;
Lista dos escravos emancipados no município de Muricy,1880.
Processo de revogação de alforria, chefe de Polícia, 1880;

Caixa 1527:
Escravos manumitidos no município de Murici, 1876;
Escravos manumitidos no município de Atalaia, 1872-1875;
Escravos manumitidos no município de Assembléia, 1872-1875;

Escravos manumitidos no município de S. Miguel dos Campos, 1872-1875;

Lista dos escravos classificados para liberdade no município de Traipu, S/D.


143

Caixa 1423:

Relatórios dos crimes perpetrados por escravos em Imperatriz, 1871-1875;

Relatórios dos crimes perpetrados por escravos em Maceió, 1871-1875;

Relatórios dos crimes perpetrados por escravos em Murici, 1871-1875;

Relatórios dos crimes perpetrados por escravos em Penedo, 1871-1875;

Relatórios dos crimes perpetrados por escravos em Porto Calvo, 1871-1875;

Relatórios dos crimes perpetrados por escravos em Passo de Camaragibe, 1871-


1875;

Relatórios dos crimes perpetrados por escravos Porto de Pedras, 1871-1875;

Venda do escravo Luís, município de Imperatriz, 1875;


Lista dos escravos emancipados no município de Limoeiro de Anadia, 1884.

Caixa 1624:

Lista dos escravos emancipados no município de Alagoas, 1882;

Lista dos escravos emancipados no município de Anadia, 1882;

Lista dos escravos emancipados no município de Atalaia, 1882;

Lista dos escravos emancipados no município de Passo de Camaragibe, 1882;

Lista dos escravos emancipados no município de Maceió, 1882;

Lista dos escravos emancipados no município de Maragogi, 1882;

Lista dos escravos emancipados no município de Paulo Afonso, 1882;

Lista dos escravos emancipados no município de Pilar, 1882;

Lista dos escravos emancipados no município Porto Calvo, 1882;

Lista dos escravos emancipados no município Porto de Pedras, 1882;

Lista dos escravos emancipados no município Quebrangulo, 1882;

Lista dos escravos emancipados no município São José da Laje, 1882;

Lista dos escravos emancipados no município São Miguel dos Campos, 1882.
144

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148

Anexo
149

Fonte: Carta cartográfica do estado de Alagoas. Organizada pela propaganda de imigração e


colonização. 1893. Arquivo Público de Alagoas. APA. Caixa 4224.
150

Escravos emancipados nas Alagoas, 1877 -1885.

Emancipados no município de Porto Calvo 1877


Nome Idade Profissão Valor Pecúlio
Claudino 43 Agrícola 800$000
Vicente 37 Agrícola 900$000
João 64 Agrícola 600$000
Diogo 43 Agrícola 300$000
Bartholomeu 54 Agrícola 300$000
Vicencia 54 Agrícola 300$000
José 56 Agrícola
Maria 44 Agrícola
Felippe menor Agrícola 1:800$000
Joaquim 59 Padeiro 900$000 100$000
Francisca 55 Camareira 600$000
Antonia 15 Serviço doméstico 400$000 100$000
Paula 15 Ilegível 800$000 200$000
Constância 34 Ilegível 800$000
Maria menor Ilegível 300$000 50$000
Maria 7 Agrícola 200$000 32$000
Joaquina 39 Ilegível 150$000

Emancipados no município de Murici 1877


Nome Idade Profissão Valor Pecúlio
Maria 50 Agrícola 140$000
José (filho Maria) 19 Agrícola 1:000$000
Anna 50 Agrícola 300$000
Elias 48 Agrícola 250$000

Emancipados em Passo de Camaragibe 1877


Nome Idade Profissão Valor Pecúlio
Sebastiana 27 Não informada 600$000
Luiza 34 Não informada 800$000
Elvira 16 Não informada 600$000
Maria 31 Não informada 600$000
Ângela 8 Não informada 400$000
Maria 23 Não informada 600$000
151

Escravos classificados para liberdade no município de São Miguel dos Campos 1880
Nome Idade Profissão Valor Pecúlio
Antônia 37 Cozinheira Não informado 200$000
Anania 19 Cozinheira Não informado
Agostinha 14 Cozinheira Não informado
Luiza 40 Costureira Não informado 200$000
Severino 41 Lavoura Não informado
Francis da Costa 49 Lavoura Não informado 100$000
Gaspar 54 Mest. Acúcar Não informado
Miguel 37 Padeiro Não informado 800$000
João Camarão 25 Lavoura Não informado
Abraão 40 Ferreiro Não informado 400$000
Carlota 30 Lavoura Não informado
Manoel 16 Alfaiate Não informado 500$000
Balseneo 13 Alfaiate Não informado 200$000
Sebastiana 11 Costureira Não informado 200$000
Maria 28 Cozinheira Não informado 100$000
Narcisa 15 Cozinheira Não informado 150$000
Caetana 25 Cozinheira Não informado 300$000
Ricarda 18 Lavoura Não informado 400$000
Sabina 45 Lavoura Não informado 200$000
Maria 22 Cozinheira Não informado 200$000
Guilhermina 16 Cozinheira Não informado 150$000
Antonia 29 Cozinheira Não informado 100$000
Elvira 7 Costureira Não informado 400$000
Antonia 38 Cozinheira Não informado 250$000
Antonia 29 Cozinheira Não informado 200$000
Paulina 35 Costureira Não informado 200$000

Emancipados no município de Alagoas (Marechal Deodoro) 1880


Nome Idade Profissão Valor Pecúlio
Crispim 46 Agricultor 800$000 302$000
Manoel 28 Agricultor 1.000.000 200$000
Joaquim 38 Agricultor 750$000 100$000
Luiz 36 Agricultor 800$000 100$000

Emancipados no município de São José da Laje 1880


Nome Idade Profissão Valor Pecúlio
Alipio 15 Pagem Não informado
Justiniano 13 Agrícola Não informado
Rita 11 Agrícola Não informado
Luiza 18 Doméstica Não informado
152

Escravos classificados para liberdade no munícipio de Passo de Camaragibe 1880


Nome Idade Profissão Valor Pecúlio
Josefa 33 Costureira Não informado 50$000
Lecundina 36 Agrícola Não informado
Rita 48 Agrícola Não informado
Josefa 33 Cozinheira Não informado
Joaquina 58 Agrícola Não informado
Rofina 38 Costureira Não informado
Lauriana 53 Costureira Não informado
Silvana 59 Agrícola Não informado
Manoel 39 Carreiro Não informado 200$000
José 38 Agrícola Não informado 100$000
Givaldo 58 Agrícola Não informado
Salustino 48 Sapateio Não informado 100$000
Maria 11 Ilegível Não informado
Leopoldina 9 Ilegível Não informado
Primo 48 Carreiro Não informado
Justino 33 Agrícola Não informado 200$000
Venancio 36 Agrícola Não informado
Ignácio 38 Agrícola Não informado
Sabino 58 Agrícola Não informado 200$000
Adão 48 Carapina Não informado
Manoel 56 Agrícola Não informado
Gabriel 43 Mest. Assucar Não informado
GIvaldo 52 Carreiro Não informado
Henrique 35 Agrícola Não informado
Daniel 51 Sapateiro Não informado
José 33 Agrícola Não informado
Vital 51 Agrícola Não informado
José Mulato 48 Vaqueiro Não informado
Primo 58 Carreiro Não informado

Emancipados no município de Porto de Pedras 1880


Nome Idade Profissão Valor Pecúlio
Agostinho 37 Agricultor 500$000
Rogério 50 Agricultor 300$000 100$000
Germano 37 Agricultor 500$000
Henriques 45 Agricultor 600$000
Leonardo 47 Agricultor 250$000
Luís 38 Agricultor 450$000
Joaquim 40 Carreiro 900$000
Gonçalo 45 Sapateiro 700$000
Onofre 40 Agricultor 300$000
Miguel 30 Agricultor 400$000 100$000
153

Emancipados no município de Murici de 1880


Nome Idade Profissão Valor Pecúlio
Ignácia 44 Agrícola Não informado
Domingos 50 Agrícola 450$000
João 43 Agrícola 300$000
Firmino 48 Agrícola 300$000
Amaro 48 Agrícola Não informado
Bernabé 36 Agrícola 650$000
Pedro 58 Agrícola Não informado
Rozendo 34 Agrícola 1:000$000

Emancipados no município de Anadia 1880


Nome Idade Profissão Valor Pecúlio
Lourenço 28 Agrícola 1:000$000 68$000
Pedro 34 Agrícola 1:050$000
José 43 Agrícola 750$000 211$110
Bernadino 32 Agrícola 750$000
Felippe 38 Agrícola 750$000 100$000
José 45 Agrícola 700$000
Anacleta 46 Agrícola 550$000
Maria 22 Agrícola 650$000 100$000
José 22 Cozinheiro 1:000$000 200$000
Vicente 41 Agrícola 1:000$000 300$000

Emancipados no município de Anadia 1881


Nome Idade Profissão Valor Pecúlio
Thereza 34 Serviço doméstico 400$000 50$000
Anacleta 46 Agrícola 550$000
Amâncio 17 Agrícola 1:000$000
Januaria 13 Agrícola 555$000
Clemencia 35 Agrícola 700$000
Lourenço 28 Agrícola 1:000$000 68$000
José 43 Agrícola 750$000 210$000
Antonio 35 Agrícola 1:050$000 40$000
Jose 36 Agrícola 700$000 100$000
Pedro 34 Agrícola 1:050$000
Roberto 68 Sapateiro 480$000 200$000
José 45 Sapateiro 700$000
154

Escravos classificados para liberdade no munícipio de Traipu S/D


Nome Idade Profissão Valor Pecúlio
Luiz 32 Posseiro 300$000 40$000
Martha 32 Custureira 400$000 100$000
Placido 30 Posseiro 300$000
Agostinho 44 Posseiro 500$000
Antonia 34 Posseiro Não informado
Auta 34 Cozinheira 500$000
Manoel 39 Posseiro 800$000
Benvenuto 49 Posseiro Não informado
Guilhermina 32 Lavadeira 300$000
Hilário 39 Lavrador Não informado 100$000
Joanna 44 Lavrador Não informado 100$000
José 23 Cozinheiro 800$000
Paula 31 Cozinheira 500$000
Manoel 36 Posseiro 400$000
Feliciano 40 Posseiro 1:000$000 300$000
João 44 Posseiro 500$000
Pedro 52 Posseiro 200$000
José 64 Posseiro Não informado
Serafim 34 Posseiro Não informado
Martinho 49 Sapateiro 400$000 100$000
Ritta 46 Posseira 300$000
André 49 Posseira Não informado 44$0000
Simoa 39 Posseira 200$000
Hilario 20 Posseira 600$000
Benedicta 30 Engomadora 400$000 60$000
Manoel 74 Posseiro Não informado
Roza 31 Posseiro 300$000
Elias 28 Posseiro 1:000$000
Catharina 24 Posseiro 600$000
Ramalho 29 Lavrador Não informado
Luiz 48 Lavrador 500$000 100$000
Felippe 39 Lavrador 400$000 50$000
Frutuoza 44 Lavrador 100$000
Maria 24 Costureira 500$000 200$000
Maria 20 Cozinheira 300$000
Antonia 46 Posseira 300$000 50$000
Joaquina 26 Posseira 500$000 75$000
Domingas 42 Posseira 600$000
Vicencia 26 Posseira Não informado
Joanna 38 Posseira Não informado
Maria 52 Cozinheira 100$000
Margarida 24 Posseira 500$000
Frutuoza 29 Posseira 600$000
155

Jacintha 32 Lavradora 600$000


Antonia 22 Lavradora 700$000
João 34 Cozinheiro 800$000
Jacob 39 Posseiro 300$000 60$000
João 43 Posseiro 800$000 60$000
Manoel 44 Posseiro 700$000
Domingos 54 Posseiro 400$000
José 22 Posseiro 1:000$000
Roza 26 Posseira 700$000
Anna 36 Posseira 800$000

Emancipados no município de Atalaia 1882


Nome Idade Profissão Valor Pecúlio
Severo 13 Não informada 700$000
Vitoria 12 Não informada 500$000
Anna 15 Não informada 400$000
Gertrudes 34 Não informada 700$000 207$618
Maria 28 Não informada 750$000 50$000
Joanna 50 Não informada 400$000 150$000

Emancipados no município de Anadia 1882


Nome Idade Profissão Valor Pecúlio
Arahauja 49 Agricultora 200$000 50$000
Izidoria 49 Agricultora 200$000 30$000
Antonio 29 Agricultora 1:000$000 200$000
Francisco 33 Agricultora 1:300$000 200$000
Manoel 19 Agricultora 1:100$000 100$000
Bernardino 37 Agricultora 850$000 50$000

Escravos emancipados no município de Passo de Camaragibe 1882


Nome Idade Profissão Valor Pecúlio
Lucrecia 36 Costureira 800$000
Delfina 32 Agrícola 700$000
Tercila 19 Cozinheira 800$000 40$000
Pedro 19 Agrícola 1:100$000

Emancipados no município de Paulo Afonso 1882


Nome Idade Profissão Valor Pecúlio
Maria 17 Não informada 700$000
156

Emancipados no município de Alagoas (Marechal Deodoro) 1882


Nome Idade Profissão Valor Pecúlio
Thomazia 54 Cozinheira 400$000 50$000
Fausta 17 Engomadeira 800$000
César 13 Não informada 800$000

Emancipados no município de Maragogi 1882


Nome Idade Profissão Valor Pecúlio
Joaquim 19 Não informada 1:200$000 20$000
Ignacio 59 Não informada 600$000
Innocencio 49 Não informada 900$000

Emancipados no município de Pilar 1882


Nome Idade Profissão Valor Pecúlio
Cecilia 55 Agrícola 200$000 200$000
Domingos 18 Agrícola 300$000
Joanna 36 Serviço doméstico 600$000 100$000
Thereza 55 Agrícola 200$000
Grigorio 30 Serviço doméstico 1:000$000 200$000

Emancipados no município de Porto Calvo 1882


Nome Idade Profissão Valor Pecúlio
Joanna 35 Cozinheira 407$442
Ignez 45 Agrícola 750$000
Manoel 50 Carreiro 950$000

Emancipados no município de Quebrangulo 1882


Nome Idade Profissão Valor Pecúlio
José 35 Roceiro 580$000 200$000
Domingos 31 Roceiro 700$000 200$000
Basílio 46 Roceiro 800$000 200$000

Emancipados no município de São José da Laje 1882


Nome Idade Profissão Valor Pecúlio
Josefa 20 Serviço doméstico 800$000
Joana 13 Agricultora 500$000
Maria 18 Agricultora 700$000
157

Escravos emancipados no município de Maceió 1882


Nome Idade Profissão Valor Pecúlio
Claudemira 18 Não informada 500$000
Benedicta 11 Não informada 400$000
Thomaz 17 Não informada 600$000
Josefa 32 Não informada 700$000
Caetano 48 Não informada 400$000
Rufina 17 Não informada 400$000
Manoel 54 Não informada 600$000 100$000
Joaquim S. Costa 43 Não informada 800$000
Antonia 34 Não informada 800$000
João 23 Não informada 1:000$000
Ivo 32 Não informada 900$000 262$800

Emancipados no município de São Miguel dos Campos 1882


Nome Idade Profissão Valor Pecúlio
Zeferina 30 Não informada 750$000 100$000
Honoria 14 Não informada 750$000
Leonor 12 Não informada 750$000
Valchiria 40 Não informada 400$000 10$000
Bernardina 15 Não informada 700$000

Emancipados no município de Porto de Pedras 1882


Nome Idade Profissão Valor Pecúlio
Januário 38 Cozinheiro 1:000$000
João 31 Agrícola 500$000
Manoel 21 Agrícola 450$000
Vicente 41 Agrícola 600$000

Emancipados no município de Porto de Pedras 1884


Nome Idade Profissão Valor Pecúlio
Cândida 40 Não informada 300$000
Celestino 11 Não informada 600$000
Januária 14 Não informada 400$000
Leonor 26 Não informada 400$000
Antônio 47 Não informada 200$000

Emancipados no município de Quebrangulo 1884


Nome Idade Profissão Valor Pecúlio
158

Antonio 13 Agrícola 800$000


Vicente 33 Agrícola 1:000$000 200$000

Emancipados no município de Murici 1884


Nome Idade Profissão Valor Pecúlio
Eleutério 20 Agricultor Não informado
Paulina 16 Agricultor Não informado
Maria 17 Agricultor Não informado
Benedicta 50 Agricultor Não informado
Firmino 30 Agricultor Não informado 50$000
Antonio 31 Agricultor Não informado
José 31 Agricultor Não informado
Manoel 41 Agricultor Não informado
Lourenço 40 Agricultor Não informado
Manoel 25 Agricultor Não informado

Emancipados no município de Limoeiro de Anadia 1885


Nome Idade Profissão Valor Pecúlio
Joaquim 53 Não informada 300$000
José 57 Não informada 500$000 200$000
Rosendo 40 Não informada 400$000 100$000
Manoel 32 Não informada 600$000 155$000

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