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Nota de Leitura: Portugal, as Nações Unidas e a autodeterminação de Timor-Leste, 1974-1982

Francisco Pereira; nº2022126510; Metodologia da História; 2022

Introdução: A partir de 1955 (quando Portugal adere à ONU) até 1974, todas as tentativas de autodeterminação
foram rejeitadas. Inicialmente a organização pretendia apenas obter informações de natureza técnica e estatística
sobre as suas colónias mas, após o início da guerra com Angola (1961) os esforços foram no sentido de solicitar o
direito à autodeterminação. A resposta portuguesa, fundamentada na revisão constitucional de 1951 que classifica as
suas colónias como “províncias ultramarinas”, não obteve apoio da comunidade internacional. Não tendo havido luta
armada em Timor, Portugal promoveu, após o 25 de Abril, passos para que se iniciasse o debate quanto ao futuro do
território. Em maio de 1974, a partir da pequena elite timorense, formaram-se três associações que se assumiram
como porta-vozes de projetos distintos: a União Democrática de Timor (UDT), que defendeu a continuação da
ligação com Portugal, vindo mais tarde a admitir uma independência a longo prazo; a Associação Social-Democrata
Timorense (ASDT) que postulava a independência do território, após uma transição de vários anos, e que em
setembro de 1974 se converteria em Frente Revolucionária de Timor-Leste Independente (FRETILIN) e a Associação
Popular Democrática Timorense (APODETI), um conjunto de defensores da integração na Indonésia.

1975: Portugal reúne com a UDT e APODETI, ficando previsto que Timor se tornaria independente em 1978. No
entanto, com a retirada de Díli da administração colonial portuguesa, devido a disputas, tais disposições foram
ultrapassadas. É neste clima que, por ordem do presidente Costa Gomes, se fazem os primeiros contactos com a
ONU, com vista a organizar evacuações e uma eventual intervenção política, mas a organização oferece apenas
ajuda humanitária. Considerando que qualquer solução teria de passar por um entendimento com a Indonésia,
Portugal chegou a colocar a hipótese de convidar o país a fazer uma intervenção militar de cariz humanitário em
Timor e antecipar a independência para 1975 ou o mais tardar em 1976, concordando que seria cedo para envolver a
ONU. A Comissão Nacional de Descolonização (CND) traça linhas para a defesa da posição de Portugal na
intervenção da ONU. Entretanto a FRETILIN proclama unilateralmente a independência (28/11) e solicita a admissão
do território na ONU sob a designação de República Democrática de Timor-Leste. Em reação, o Movimento
Anticomunista (MAC), composto pela APODETI, UDT, Klibur Oan Timor Aswain (KOTA) e Partido Trabalhista, declara
a integração na Indonésia. Portugal não reconhece nenhuma das declarações e pede cooperação efetiva da ONU.
Entre 2 e 11 de dezembro debate-se a situação, com participação de Portugal e Indonésia; Austrália, Japão, China,
Moçambique, Guiné-Bissau, República Unida da Tanzânia e Argélia. Portugal conseguiu chegar a um projeto de
resolução que, no entanto, ficou obsoleto com a invasão de Timor pela Indonésia a 7/12, apoiada pelos EUA.
Portugal pede uma intervenção maior da ONU e consegue obter uma segunda resolução que, apesar de favorável
aos interesses portugueses, evidenciava a capacidade da Indonésia em mobilizar apoios e evitar que fosse
condenada pela sua ação. Dias depois, no CS, que inicia a discussão da situação em Timor a 15 de dezembro, ficam
evidentes também as divergências dos movimentos timorenses. A 22/12 chega-se a nova resolução, mais moderada,
onde se “deplora” a intervenção indonésia e se lamenta a incapacidade administrativa de Portugal. Esta resolução
não previa mecanismos de sanção à Indonésia caso não retirasse as suas forças, abrindo caminho à consolidação do
status quo no terreno: Indonésia prepara a visita de um representante do SG (Vittorio Winspeare Guicciardi),
estabelecendo um Governo Provisório em Díli. Guicciardi, no seu relatório, acaba por concluir que, por não ter
passado tempo suficiente em Timor, o seu conhecimento da situação era insuficiente.A circunstância de ser um
pequeno território, a retirada de Portugal, a influência da Indonésia e o desinteresse das grandes potências terão
contribuído para o pouco empenho de Waldheim.

1976: O CS debate o relatório de Guicciardi entre 12 e 22 de abril, evidenciando novamente o poder da Indonésia na
região.. A Guiana, a Tanzânia e o Panamá apresentaram um projeto de resolução, mas, com a oposição do Japão,
um dos principais aliados de Jacarta, e dos EUA, não foi possível alcançar unanimidade. A resolução adiou
novamente a adoção de uma decisão que contribuísse para solucionar a questão e permitiu que a Indonésia
aprovasse, com ajuda do Governo Provisório, um pedido de integração submetido ao governo indonésio e declarasse
oficialmente a integração de Timor-Leste como 27ª província da Indonésia. Em Portugal, a CND, compreendendo que
as resoluções esbarravam sempre na vontade indonésia, conclui que Timor escapava aos modelos habituais de
descolonização e considerou que o problema seria agora da responsabilidade da ONU. A resolução de 1976 marcou
o fim da intervenção do CS no processo de Timor-Leste, o qual só voltaria a ser apreciado pelo órgão em 1999. Nos
anos intermédios a questão foi ficando “adormecida”, com as resoluções a tornarem-se cada vez mais moderadas e
com linguagem cada vez menos incisiva.

1977: num momento em que a integração na Indonésia vai sendo reconhecida pelas potências regionais, com o
argumento de que era a única alternativa viável para Timor, a FRETILIN perde reconhecimento internacional. Com o
apoio de várias organizações diplomáticas internacionais, Jacarta alega que a integração era plenamente aceite pela
população e que as questões de direitos humanos eram fruto do conflito com a FRETILIN.

1979: Jacarta declara Timor pacificado, mantendo no entanto a presença militar. Entretanto Portugal segue de perto
os esforços de países apoiantes de Timor, sendo que a situação interna do país impedia uma estratégia mais
ambiciosa. Em novembro do ano anterior Portugal tinha sido eleito membro não permanente do CS e, para que não
surgissem objecções, dá garantias à Indonésia que não pretendia levantar de novo a questão timorense. Não
surpreende, pois, que a resolução 34/40 demonstrasse ainda maior moderação, desvalorizando o significado das
deliberações da ONU e sem referência à recusa indonésia em implementar as resoluções da ONU. Nesta altura
Portugal e os países que se posicionaram do lado de Timor estavam cada vez mais isolados, e a FRETILIN perdia
peso no plano internacional. O MNE português elabora um estudo para avaliar as opções relativas à situação de
Timor e aconselha um desbloqueamento gradual, começando por garantir as salvaguardas humanitárias e evitar que
o fosso entre Portugal e a Indonésia se agrave.

1980: Um novo estudo conclui que Portugal não tem condições para exercer as responsabilidades de potência
administrante. Em setembro Portugal emite um comunicado orientando a sua política para o apoio humanitário aos
refugiados timorenses e para uma ação diplomática visando o diálogo com a Indonésia.

1981: O primeiro-ministro português, Francisco Pinto Balsemão, comunica que o governo dava por encerrado, sem
êxito, o esforço político e diplomático desencadeado desde setembro de 1980.

1982: O PR e o governo desenvolvem nova campanha diplomática que, por ser algo ambígua, não granjeou grandes
resultados. No projeto de resolução entregue pela delegação portuguesa à IV Comissão destaca-se a proposta de
enviar o SG para consultar as partes interessadas, visando uma solução definitiva e global. Este passo obrigava a
Indonésia a admitir que a questão timorense era de interesse internacional e não de soberania interna e Portugal a
acolher as sugestões que viessem a ser feitas pelo SG. Uma intervenção patrocinada por Jacarta do ex-PM
australiano levou a um debate aceso e a proposta acabou por ser aprovada com uma fraca maioria, provocando
novas iniciativas diplomáticas do lado português e indonésio. A resolução foi aprovada novamente em novembro com
uma margem ainda mais reduzida. Por não referir o “direito inalienável do povo de Timor-Leste à autodeterminação e
independência e a legitimidade da sua luta”, o embaixador indonésio defendeu que as decisões do CS tinham sido
suplantadas pelas da AG, já muito diluídas em conteúdo.. Além da moderação progressiva de linguagem, o aumento
significativo dos votos contra e o número cada vez mais elevado de abstenções demonstraram o desinteresse
internacional numa mudança de paradigma em Timor. No entanto, esta votação terá sido considerada pouco
satisfatória para a Indonésia que, apesar dos seus esforços, não conseguiu uma legitimação do status quo pela ONU
e viu-se obrigada a ter de continuar a trabalhar a questão com Portugal. Para a comunidade internacional, a forma
como a questão de Timor-Leste foi abordada demonstrou que os princípios consignados na Carta das Nações Unidas
eram frágeis quando confrontados com interesses de estados poderosos. As abstenções tanto do bloco
europa/ocidente como do bloco comunista evidenciaram a irrelevância de Timor no quadro dos interesses
geopolíticos internacionais. Contudo, a continuação das denúncias da situação vivida no território e o facto de a
procura de uma solução se ter mantido sob a égide da ONU constituía um incómodo. A resolução de 1982 constituiu
um expediente para libertar a AG da tarefa de realizar anualmente um debate sobre a questão, transferindo a
iniciativa para o SG. A partir de então, o problema de Timor ficaria parcialmente adormecido.

Conclusão: Procurando atuar em conformidade com as resoluções da ONU, após o 25 de Abril, Portugal decidiu
negociar bilateralmente com as organizações políticas surgiram em Timor, mantendo a ONU afastada do processo.
No entanto, a deterioração da situação rapidamente obrigou à intervenção da organização e impediu que Portugal
conseguisse evitar a anexação da Indonésia, não contando com grande margem de manobra da parte da
comunidade internacional. A Indonésia acabou por beneficiar da limitada projeção internacional do problema de
Timor, mantendo a ocupação do território. A presença na ONU de peticionários que condenavam a Indonésia refletiu-
se negativamente na imagem da organização,demonstrando a fragilidade dos seus valores básicos. Timor-Leste teria
pela frente largos anos até alcançar a independência em 1999.

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