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Timor Lorosa´e – Uma experiência militar nas Nações Unidas

Francisco Proença Garcia

Este artigo resulta de uma breve adaptação de uma conferência apresentada no Centro de
Investigação e Formação para uma Cultura da Paz da Fundação Mário Soares e retracta alguns
episódios de uma experiência militar vivida durante o período de Fevereiro a Outubro de 2001.
A base do texto resulta da observação dos factos, do relembrar de alguns apontamentos e notas
soltas, das conversas com o bom amigo jesuíta, alguns Liurais, o vendedor do mercado ou com o
simples homem da rua.

Para a concretização deste objectivo articulámos o texto em três partes. Na primeira abordamos o
envolvimento da ONU em Timor, as suas fases e principais missões; na segunda analisamos e
descrevemos a situação interna; na terceira fazemos a descrição da participação militar
portuguesa com o seu terceiro contingente, bem a alusão a alguns episódios mais interessantes
com que nos deparámos.

1. A ONU e Timor

O envolvimento da ONU em Timor pode ser caracterizado em 4 grandes períodos:


 O período anti-colonial – Este período inicia-se com a adesão de Portugal à Organização,
em 14 de Dezembro de 1955, e prolonga-se até à aprovação da Lei 7/74, que definiu o
reconhecimento do direito dos povos à autodeterminação, com todas as suas
consequências. Neste período, as pressões internacionais para Portugal ceder surgiram
através do inquérito realizado pelas Nações Unidas, nos termos do Artigo 73º da
respectiva Carta. O Governo Português sustentou a mesma resposta durante 19 anos, os
territórios ultramarinos já eram independentes com a independência da Nação.
 Um período de reacção entre 1975 e 1982 – Inicia-se com a invasão da Indonésia,
reagindo a ONU através de diversas Resoluções que condenavam a situação. As
resoluções ao longo deste período são evolutivas, quer quanto ao apoio político suscitado,
quer, no seu conteúdo. O apoio político foi decrescendo, não sendo sequer possível, um
ano depois dos acontecimentos, a aprovação de uma única resolução pelo Conselho de
Segurança; o conteúdo passa, logo em 1978, de uma exigência da retirada do Poder

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indonésio para questões relacionadas com a violação dos direitos humanos, acabando
com uma distribuição de tarefas dentro da estrutura das várias Agências da Organização.
 Um período de atenuação/contenção, entre 1983 e 1998 – Neste período Portugal
negoceia bilateralmente com a Indonésia, sob mediação de representantes do Secretário-
Geral, não conseguindo resultados efectivos.
 Um período de forte envolvimento a partir de 1999 - Inicia-se com a abertura política da
Indonésia, que leva aos acordos de Maio de 1999 em Nova Iorque, e pelas respostas aos
actos bárbaros perpetrados pelas milícias integracionistas, após o anunciar dos resultados
do referendo sobre os destinos do território, findando com a extinção da UNMISET
(United Nations Mission of Support in East Timor), a de 20 de Maio de 2005.

É sobre este último período que vamos focalizar o nosso artigo.

A partir de 1997, a Indonésia enfrenta uma crise económica séria que leva ao afastamento do
General Shuarto, em 1999. O novo Presidente, General Habibie, inicia um conjunto de reformas
políticas, encetando também uma abertura quanto ao caso de Timor, cujo primeiro resultado
substantivo se traduz nos acordos de 5 de Maio em Nova Iorque, no âmbito das negociações
iniciadas em 1983. No fundo, cedendo à pressão internacional, aceita acordar com Portugal e
com as Nações Unidas a realização de um referendo no território sob a égide desta última
Organização.

Estes acordos basicamente contemplavam um Acordo Geral, onde estava prevista uma consulta
popular, baseada no escrutínio directo secreto e universal, e um Acordo Bilateral onde estava
prescrito que a Indonésia seria a responsável pela paz e segurança em Timor, de modo a garantir
uma consulta em ambiente pacífico e sem intimidações. Porém, logo a partir do momento em
que a Indonésia admitiu uma eventual independência (1999), teve início uma operação de terror,
com o nome de código Operasi Sapu Jagad, conduzida pelas milícias que integravam não só
timorenses como militares dos TNI (Tentarra Nasional Indonesia / Forças Armadas da
Indonésia).

Neste período, o Conselho de Segurança desenvolve uma actividade intensa, criando a 11 de


Junho desse ano, pela Resolução 1246, a UNAMET (United Nations Mission in East Timor),
com a missão de organizar e conduzir o processo de consulta à população. O referendo, que
acabou por ter lugar a 30 de Agosto desse mesmo ano, conduziu a uma votação esmagadora

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(78,5% dos votos) a favor da independência. Estes resultados nunca foram os esperados pelo
Poder indonésio, que apoiou o desencadear de uma onda de violência sem precedentes por parte
das milícias integracionistas.

Com o caos instalado, as Nações Unidas decidem, através da Resolução 1264, constituir uma
força internacional para repôr a lei e a ordem, forçando a paz, a INTERFET (International Force
in East Timor). Esta Força. sob comando australiano, com o consentimento indonésio, entra a 20
de Setembro de 1999, em Dili.

Finalmente, e ainda em 1999, a UNTAET (United Nations Transitional Administration in East


Timor), operação multidimensional de peacebuilding, é estabelecida pela resolução do Conselho
de Segurança 1272, de 25 de Outubro desse ano. A Indonésia revogou a anexação da 27ª
Província, Timor Leste, a 19 de Outubro de 1999.

O cerne destas operações multinacionais de peacebuilding está na procura de construir um estado


novo e legítimo, com capacidade para proteger a sua população, e que assegure o respeito pelos
direitos humanos.

A UNTAET assumiu a administração do território sob tutela das Nações Unidas a partir de 23 de
Fevereiro de 2000.

As numerosas resoluções do Conselho de Segurança em 1999 revelam uma capacidade de


intervenção até então inexistente naquele Conselho, mas também o alargamento a áreas não
restringidas à segurança mundial, como o sócio-económico e o jurídico.

A resolução que instituiu a UNTAET é paradigmática neste aspecto, pois decide a constituição
de uma Administração Transitória das NU para o território, incumbida da responsabilidade geral
pela administração de Timor Leste, com poderes para exercer todas as funções legislativas e
executivas, incluindo a administração da justiça. A resolução atribuía ainda as seguintes funções:
segurança e manutenção da ordem, administração efectiva, assistência no desenvolvimento civil
e de serviços sociais, coordenação e entrega de assistência humanitária, reabilitação e
desenvolvimento, apoio à formação de governo próprio e assistência à criação de condições para
um desenvolvimento sustentado.

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Para tal foi organizada em três componentes:
 A componente de administração pública e governo ETTA (East Timor Transitorial
Administration, incluindo a Polícia);
 A componente de assistência humanitária;
 A componente militar – PKF (Peace Keeping Force).

Esta organização mostra a complexidade de funções da UNTAET, que na prática correspondeu a


um verdadeiro governo do território.

Após a independência, em 20 de Maio de 2002, de acordo com a Resolução 1410 do Conselho


de Segurança, esta missão foi substituída pela UNMISET, que deveria garantir a segurança e
estabilidade do novo Estado, tendo um mandato de um ano. No essencial, o seu mandato
preconizava:
 A assistência às estruturas administrativas críticas para a viabilidade e estabilidade
política de Timor;
 Providenciar do apoio à segurança pública e apoiar o desenvolvimento da TLPS
(Polícia de Timor);
 Contribuir para a manutenção da segurança externa do novo país.

Este mandato da UNMISET foi projectado para assegurar e consolidar os resultados alcançados
pela UNTAET. Para garantir a consolidação dos objectivos definidos, o mandato foi depois
prolongado por mais 2 anos, até 20 de Maio de 2005.

Nesta fase já de consolidação, que começou no dia da independência, a PKF e a UNPOL


(componente policial de UNMISET) deixaram de ser as responsáveis pela segurança, assumindo
os timorenses essa responsabilidade.

Efectuado este enquadramento sobre a intervenção das Nações Unidas, vamos agora caracterizar
a situação interna em Timor durante o período da eleições legislativas, caracterização que em
certos aspectos permanece actual, e que penso ser fundamental para depois compreendermos o
papel da componente militar.

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2. A situação Interna

O terror instalado na sequência dos tumultos de Setembro de 1999 provocou dezenas


de milhares de deslocados e de refugiados. Aproximadamente 250 mil pessoas foram
forçadas a abandonar os seus lares.

Esta situação foi habilmente aproveitada pelo remanescente das milícias e pela sua
estrutura política (UNTAS)1, que se opunham à presença da UNHCR e da OIM em
Timor Lorosa´e.

A UNTAS reafirmava que o referendo em 1999 fora fraudulento; todavia, alguns dos
seus dirigentes admitiam mesmo os resultados eleitorais de 30 de Agosto de 2001, e
falavam num eventual regresso ao território. Este processo era conduzido nos
bastidores com negociações complexas, onde as cedências e as cumplicidades eram
consideráveis. No fundo constituiu-se num jogo de contrapartidas, de que se esperava
o regresso de alguns dirigentes e do retorno de populações por si controladas.

Para se criar e manter um ambiente de estabilidade, e consequentemente progresso e


desenvolvimento, os elementos retornados necessitavam ser membros activos no
processo de reintegração e de reconciliação nacional, caso contrário estes
contribuiriam para uma expiral de instabilidade social. O regresso das populações aos
seus territórios levantava não só o problema da sua reintegração e aceitação na
comunidade de origem, do desemprego, mas também o da posse da terra.

Os riscos de segurança e de instabilidade não provinham só do regresso dos


deslocados/refugiados, de eventuais bandos armados, ou das milícias. Internamente,
existiam e existem situações preocupantes que provocam a agitação e instabilidade
social. No pós referendo, e com a Administração Transitória das Nações Unidas, o
grande problema social passou a ser o desemprego. Estima-se que cerca de 80% da
1
A UNTAS (Uni Timor Aswain), é uma organização criada em Kupang no Timor Ocidental em Janeiro de
2000, numa tentativa de unir todos os grupos e milicias pró-integração. Esta organização é a sucessora
do FPDK (Forum Persatuan, Demokrasi dan Keadilan - Unity, Democracy & Justice Forum), criado
antes do referendo, e que então fornecia cobertura política às milícias. A UNTAS integra ainda o PPI
(Pejuang Pro-Integrasi ou Pasukan Pejuang Integrasi - Lutadores pró-integração) que é a estrutura
superior militar das milícias, e o BRTT (Barisan Rakyat Timor Timur - Frente Popular de Timor Leste)
também fundado antes do referendo, procurando pôr a tónica na acção política, negligenciada pelas
anteriores.

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população urbana estivesse desempregada, vivendo do pequeno expediente. Muitos
jovens e inúmeros quadros qualificados, por exemplo, vagueavam por Dili e Baucau,
almejando a timorisação dos cargos públicos ocupados por funcionários internacionais
da UNTAET.

As sociedades locais sofriam uma influência cultural intensa devido à presença dos
funcionários das NU, de ONG e de outras Organizações, o que determinava, em parte,
a sua desagregação sem, contudo, se assistir a uma correlativa assimilação da cultura
dos novos Poderes instituídos. Estes fluxos e refluxos culturais (primeiro o português,
depois o indonésio e agora o dos funcionários internacionais) provocaram, dependendo
das circunstâncias, aquilo que se designa por “desenraizamento” ou então a
coexistência forçosa do desenraizado com a sociedade tradicional. A posição do
desenraizado origina um sentimento de vácuo pela falta das estruturas tradicionais que
o explicam perante si mesmo. Nascem, então, as hierarquias de compensação, de
forma a preencher o vazio e insegurança resultantes da desagregação das instituições
tradicionais. A insegurança resultante do desenraizamento, acrescida de um
sentimento de frustração, face a uma integração difícil e, em consequência, o seu
progresso social, vulnerabiliza estes homens a propagandas aliciantes e conduz ao
reagrupamento, feito sob novas formas, para readquirir a segurança perdida.

Em acréscimo a este fenómeno, emerge uma outra tendência, a de lutar contra a


situação de inferioridade social, emergindo então as mais diversas formas associativas
de cariz reivindicativo.

Tais associações, como são os "gangs" e as escolas de artes marciais, tendem a


organizar-se com base etno-linguística, comportam, jovens e representam um esforço
dos marginais ou dos que estão prestes a ingressar nessa categoria para se adaptarem
aos novos tipos de condicionalismos sociais em que têm de viver. Estas massas de
“proletariados suburbanos”, vivem à margem da disciplina dos respectivos grupos
étnicos e das comunidades originárias, transformando-se num perigo para aquela que
era encarada como a paz social. Estes "gangs" (ninjas, masters, setia hati, sacunar,
cowboys, etc.), dedicam-se a actividades como a extorsão, o contrabando, os assaltos,
o câmbio ilegal de divisas e a outras actividades ilegais perturbadoras da Lei e Ordem.

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Durante o processo eleitoral verificou-se a criação de grupos de segurança dos
partidos; alguns deles envergando uniforme camuflado e espadas tradicionais, o que
lhes permitia realizar a cerimónia de hastear e arrear da bandeira do seu partido com
todas as honras. Surgiram também diversos grupos que se intitulavam de autodefesa
das populações. Estas oranizações para-militares, no fundo emergem como uma
tradição cultural de defesa dos aglomerados populacionais, muito enraizada
localmente.

A população era, e continua a ser, o elemento chave, o centro de gravidade da


operação militar, de que falaremos adiante, pelo que o controlo das mesmas passa
inegavelmente pelo seu conhecimento detalhado. Da análise do tecido humano do
território pensamos que qualquer processo ou sistema político que se pretenda para
Timor terá de passar pelo apoio de duas estruturas fundamentais que detêm um papel
primacial, a Igreja católica e as autoridades tradicionais. Estas estruturas ainda mantêm
o contacto e um real comandamento e accionamento sobre as populações, situação
que inicialmente, foi descurada pelas NU, que aos poucos foi assimilando a sua
importância.

Ao nível político partidário, Timor vivia uma situação em tudo idêntica ao PREC do
Verão Quente Português, em 1975. Os partidos proliferavam e a actividade partidária
intensificava a sua actuação.

Concorreram às eleições para a Assembleia Constituinte, visando eleger os 86


representantes do povo, 16 partidos e 4 candidatos independentes.

Destacamos, pelo papel de relevo desempenhado até à sua dissolução a 1 de Junho


de 2001, a coligação de partidos e movimentos políticos criada durante a ocupação
indonésia para unir os grupos independentistas, o CNRT (Conselho Nacional da
Resistência Timorense). Em Agosto de 2000, esta coligação adoptou a designação de
CNRT/CN (Congresso Nacional), que se considerava uma estrutura representativa dos
timorenses, congregando no seu seio representantes de todos os partidos políticos que
defendiam estatutariamente a independência nacional, a soberania e a integridade
territorial.

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Destacamos ainda, no período pré-eleitoral e mesmo eleitoral, o movimento CPD-RDTL
(Comité Para a Defesa da República Democrática de Timor Leste), que fora presidido
por Xavier do Amaral até a criação do ASDT (Associação Social Democrática
Timorense). A criação deste novo partido provocou cisões no movimento com a
consequente transferência de alguns quadros.

O CPD-RDTL defendia que Timor já era independente desde 1975, situação que
pretendia ver reconhecida por Portugal e pela Indonésia. O CPD-RDTL foi reabilitado
em 1999 por jovens timorenses, aquando das comemorações da proclamação da
independência em 1975. Com base na declaração unilateral de independência,
entendia ser o legítimo governo. Para o CPD-RDTL, as eleições eram, assim,
desnecessárias, pois ele era o governo em exercício aquando da invasão da Indonésia.
O seu apelo era atractivo para a juventude sem esperança e revoltada, para ex-
FALINTIL e ex-milícias, bem como para todos os desenraizados e desempregados que
vagueavam pelos centros urbanos.

Durante o período eleitoral, sempre se considerou a possibilidade (não verificada) dos


elementos mais radicais deste movimento causarem alguns desacatos. O movimento,
que efectuou uma nítida colagem à FRETILIM durante as eleições, também aceitou
pacificamente os resultados eleitorais anunciados oficialmente a 10 de Setembro de
2001.

Nas eleições, que decorreram num ambiente seguro e demonstrativo do civismo dos
timorenses, os partidos mais votados foram, por ordem decrescente, a FRETILIN, que
elegeu 55 deputados, o PD com 7 deputados, o PSD e a ASDT, que elegeram 6
deputados cada.

O II Governo da transição timorense foi empossado a 20 de Setembro de 2001 pelo


administrador transitório do território, o falecido Sérgio Vieira de Mello
A 22 de Março de 2002 foi aprovada a primeira Constituição, a 12 de Abril realizam-se
as eleições presidenciais e a 20 de Maio de 2002 Timor foi formalmente erigido como
novo País.

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3. A componente Militar

E qual o papel da componente militar das diversas missões das NU neste contexto.

A intervenção militar teve diversas fases e formas de actuação em períodos e situações


diferentes.

A 15 de Setembro, o CS através da resolução 1264, autorizou o estabelecimento de


uma força multinacional INTERFET, com três tarefas fundamentais:
 Restaurar a paz e segurança em Timor
 Proteger e apoiar a UNAMET
 Facilitar, dentro das suas capacidades, a assistência humanitária.

A força foi autorizada ao abrigo do cap. VII da Carta, a utilizar todas as medidas
necessárias para cumprir o seu mandato. Esta força de entrada, deveria ainda preparar
o terreno para que as NU completassem a tarefa da transição de Timor para a
independência, o que envolveria forças de capacetes azuis e o estabelecimento de
uma autoridade transitória.

O efectivo militar envolvido foi de cerca de 7500 homens de 12 países.

A UNTAET entra em funções em 23 de Fevereiro de 2000, com o mandato que já


referimos e com uma estrutura militar organizada de acordo com a Resolução do
Conselho de Segurança 1272. Esta missão durou até 20 de Maio de 2002.

A Peace Keeping Force era a componente militar da operação multidimensional de


peacebuilding e tinha por missão apoiar a manutenção de um ambiente seguro em
Timor Leste e apoiar a UNTAET, de acordo com as necessidades, na realização de
eleições livres e democráticas, e ainda apoiar a ETTA, dentro das suas capacidades,
no desenvolvimento em Timor Leste de organizações e infra-estruturas sustentadas.

O dispositivo territorial assentava em forças de quadrícula, cuja sectorização foi


variando. Por exemplo, no nosso caso começamos com um sector com 6 distritos e
acabámos com um sector de 9. Havia ainda forças de intervenção, locais e globais.

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Em 2001, altura em que o meu contingente estava no território, o Sector Central, de
comando português, abrangia 6 Distritos (Dili, incluindo a ilha de Ataúro, Liquiça,
Ermera, Aileu, Ainaro e Manufahi), cabendo a responsabilidade pelo Distrito de Ermera
à Companhia Queniana (KENCET), e os restantes ao Batalhão Português (PORBATT).

Esta sectorização por vezes criava desentendimentos dentro da própria força


multinacional, nomeadamente com os australianos.

No Sector a população registada era de 359.021 habitantes, num total de 737.811


registados em todo o território.

Portugal participou nesta missão de paz com 4524 militares só do Exército organizados
em 8 UEB. Depois ainda estiveram envolvidos 1193 fuzileiros, mais os elementos da
Força Aérea, e ainda outros que integravam a estrutura do Quartel-General da PKF,
incluindo os observadores militares.

O contingente nacional, para além de manter a segurança na sua área de


responsabilidade nomeadamente, pela acção de presença em todos os distritos,
mantinha uma estreita ligação com a polícia civil das NU, no reforço da Lei e Ordem,
com ETTA, com os DOC/NOC, com a Administração local e com a população.

Nesta altura tínhamos uma Unidade de escalão Companhia como reserva do Force
Comander a 24h NTM e em Dili éramos os responsáveis pela segurança dos pontos
sensíveis (Local de reabastecimento de água; Heliporto; Aeroporto de Comoro;
Hospital Militar; Centro de trânsito de retornados).

A companhia queniana efectuava fundamentalmente as mesmas tarefas para cumprir a


sua missão no distrito de Ermera.

A Polícia Militar brasileira garantia a segurança do aquartelamento do Comando do


Sector Central; efectuava escoltas de segurança; executava postos de controlo de

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viaturas; garantia a segurança pessoal ao Brigadeiro General Taur Matan Ruak 2;
eventualmente conduzia investigações policiais e mantinha uma estreita ligação com a
CIVPOL.

O conceito de operações definido para cumprir a missão deste Comando português


estava assente no patrulhamento de reconhecimento e segurança em áreas remotas
em conjugação com actividades CMA, utilizando quando necessário a infiltração e
exfiltração aérea; na monitorização do desenvolvimento de actividades políticas; no
providenciar assistência médica à população local; no efectuar de operações conjuntas
com unidades do sector, com a CIVPOL e o serviço de fronteiras, com vista à detecção
da posse ilegal de armamento; e na execução de patrulhas marítimas para
monitorização e controlo da costa sul na respectiva área de responsabilidade do
Sector.

Durante o complexo período eleitoral, o intenso patrulhamento incidiu sobretudo nas


áreas remotas, tendo o esforço sido transferido para as áreas urbanas 10 dias antes
das eleições e extendendo-se até 15 dias após o final das mesmas. Foram ainda
efectuadas operações de dissuasão em diversos sub-distritos, nomeadamente em
Turiscai. Estas acções seguiram a velha premissa (não se vence pela acção militar,
mas perde-se pela inacção militar), na situação em apreço, neste tipo de operações
não se cumpre o mandato só com a presença e acção militar, mas de certeza que não
se cumpre sem esta.

Ao nível das actividades CMA, o Sector efectuava ligação com a administração distrital
e com as autoridades locais, efectuava a ligação e fazia a gestão dos pedidos das
Organizações Internacionais e das ONG´s, com quem realizava projectos comuns.

Timor Leste apresentava grandes carências na área da saúde, no que diz respeito a
instalações e a pessoal para exercer esta actividade. Assim, uma das actividades de
grande importância desenvolvida ao nível CMA foi a assistência médica às populações.
Os médicos das sub-unidades do Sector, além de participarem activamente nas

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Até Maio de 2001 assegurava também a segurança de Ramos Horta e Xanana Gusmão.

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patrulhas CMA deslocando-se a zonas remotas para apoiarem sanitariamente os
timorenses, davam consultas em diversas ONG e nos próprios aquartelamentos.

A monitorização do movimento dos refugiados foi das principais preocupações, pois o


seu regresso implicava não só a segurança dos retornados mas também a sua
reintegração social. O processo era coordenado pela UNHCR e pela IOM, que se
responsabilizavam pelo processamento e transporte, respectivamente. À PKF
competia-lhe apenas a segurança dos movimentos.

Uma importante operação realizada foi o apoio à transferência do Mercado Central de


Dili para os mercados de Comoro, Bécora e Taibessi, que era uma das prioridades da
ETTA. Apesar de parecer de pouca importância, localmente tinha grandes
repercussões na vida comunitária e no clima de segurança.
Foi uma operação cujo início foi sucessivamente adiado no tempo, nomeadamente
devido à falta de decisão política para se efectuar. Os receios eram inúmeros,
esperava-se grande oposição da população e das famílias que vendiam e habitavam
no local (cerca de 6 mil vendedores e respectivas famílias). A surpresa foi total; devido
à campanha de informação desencadeada pelos órgãos distritais e CIVPOL, à
coordenação do Sector e ao apoio do PORBATT, a operação decorreu em apenas três
semanas, sem qualquer incidente. O sucesso desta operação levou a ETTA a solicitar,
de novo, apoio para a transferência do Mercado do Peixe, que também decorreu de
forma pacífica.
Esta foi mais uma situação em que a população timorense demonstrou grande civismo
e vontade de colaborar na construção do seu país.

A ilha de Ataúro era também uma das grandes preocupações do CMA, pois, devido ao
isolamento, as suas necessidades são ainda mais gritantes e em que qualquer
pequena acção tem efeitos imediatos e de grande visibilidade, nomeadamente o apoio
médico/sanitário ou mesmo a distribuição de roupas e material escolar.

Nesta ilha tivemos algumas dificuldades com o contingente norte-americano que não
estava integrado na PKF.

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O Sector também foi responsável pelo acompanhamento e coordenação de outras
actividades, como o ministrar de cursos de informática, a reparação das estradas e
melhoramentos de escolas e o apoiar projectos de reabilitação de edifícios; o
acompanhamento da campanha e acto eleitoral e o garantir apoio a viveiros e centros
de melhoramento de sementes de café para garantir uma produção de melhor
qualidade.

Gostaria ainda de salientar que os militares portugueses no apoio à política externa do


Estado, sob orientação das NU, desenvolveram importantes acções ao nível da
cooperação técnico militar, sendo de destacar a formação da componente terrestre das
F-FDTL, da componente naval com a atribuição de duas lanchas e de todos os estudos
do porto de Hera.

Conclusão

Esta foi uma Missão das NU com grande sucesso e que contribuiu, substancialmente,
para reabilitação de instalações de infra-estrutura públicas, a restauração da harmonia
social, das estruturas administrativas e comunitárias, bem como para o
estabelecimento de uma governação democrática.

O interessante nesta Missão que ela atravessa praticamente todas as tipologias de


operações da Agenda para a Paz.

Começamos com uma peace-enforcement, ao abrigo do capítulo VII, com a


INTERFET, passámos depois para uma operação de peacekeeping/peacebuilding3
multidimensional, e desta para o desenvolvimento normal do país.

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Peace building, seja no pós violência, pós Acordo (compreensive settlement) ou como esforço de
impedimento de reemergir do conflito, depende da capacidade para transformar a situação conflituosa de
uma potencial/actual violência em massa, numa relação pacífica e cooperativa, capaz de promover a
reconciliação e a reconstrução e um desenvolvimento sustentado no tempo. Objectivo do mandato
A PeaceKeeping é uma ferramenta de gestão de conflitos, para conter a violência, enquanto
peacebuilding são os meios para estabelecer uma governação democrática viável e inclusiva numa
sociedade de post-conflito, por norma através de eleições livres e justas, função legislativa e judicial
independentes, transparência e administração responsáveis, acesso a oportunidades políticas e
económicas, e partilha equitativa da riqueza.

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No fundo acompanhou-se a transformação do conflito, típico das operações de paz,
num produto coordenado de várias intervenções levadas a cabo por actores oficiais e
não oficiais que trabalharam a todos os níveis da sociedade.

Durante as missões das NU, a componente militar integrada contribuiu decisivamente


para a estabilidade global e ambiente seguro dentro do território, particularmente nas
áreas de fronteira. Durante os dois anos seguintes ao estabelecimento de UNMISET a
componente militar continuou a apoiar a segurança externa e a integridade territorial de
Timor-Leste, enquanto assegurava a transição de responsabilidades para as F-FDTL

Gostaríamos de terminar com a premissa militar que já referimos: este tipo de


situações não se resolve com o emprego de forças militares, mas que não se cumpre
sem essas mesmas forças. Só com a sua presença se consegue garantir o ambiente
de segurança fundamental para o desenvolvimento e bem estar das populações que,
lembramos, são o cento de gravidade de toda a operação.

O desenvolvimento de Timor deve agora ser auto-sustentado, com o apoio de Agências


de ONU, Fundos e Programas diversificados, e da cooperação internacional e nossa,
nas áreas da defesa, segurança interna e da cultura.

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