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Parte III – Estudo das Organizações Internacionais (OI): Estrutura e

Funcionamento

O estudo das OI divide-se em duas partes: geral e especial. Na parte geral,


estudaremos o conceito, a origem, as características, a classificação e a capacidade
jurídica das OI. Na parte especial, dedicaremos a nossa atenção ao estudo de algumas OI
existentes, sobretudo aquelas que estão ligadas ao continente africano.

1. Conceito de OI

A alínea i) do n.º 1 do artigo 2.º da Convenção de Viena de 1986 define a OI


como uma organização intergovernamental. Note-se, porém, que esta Convenção não
apresenta como tal uma definição de OI, mas tão somente procura delimitar o âmbito de
aplicação das suas normas, excluindo, deste modo, as chamadas Organizações Não
Governamentais (ONG).

Segundo uma noção adoptada com ligeiras diferenças por vários autores,
compreendendo os diversos elementos caracterizadores de uma OI, esta pode definir-se
como “uma associação voluntária de Estados, constituida por tratado internacional e
dotada de personalidade jurídica, bem como de órgãos próprios, permanentes e
independentes, habilitados a exprimir uma vontade juridicamente distinta da dos seus
membros, com vista à realização de objectivos comuns”.

Examinaremos sumariamente cada um dos elementos integrantes da noção de OI


quando abordarmos as suas características.

Em sentido amplo, a designação de organizações internacionais abarca, por um


lado, as Organizações Intergovernamentais e, por outro lado, as ONG. As primeiras são
as OI propriamente ditas e que constituem objecto de estudo da nossa disciplina.

Com efeito, as OI distinguem-se das ONG pelo seguinte:


 Quanto à composição: as OI são compostas por Estados; as ONG são
compostas por particulares;
 Quanto à forma de constituição (ou fonte): as OI são constituidas por
meio de tratado internacional; as ONG são constituidas por acto de
Direito interno;

1
 Quanto ao regime jurídico aplicável: as OI regem-se pelas normas do
Direito Internacional (são sujeitos de Direito Internacional); as ONG
regem-se pelo Direito Interno do Estado em que se constituiram.

Como exemplos de ONG temos: Cruz Vermelha Internacional, Médicos sem


Fronteira, Amnistia Internacional, Human Rights Watch, Comité Olímpico Internacional,
FIFA, etc.

2. Origem e importância das OI

Durante muito tempo, os Estados foram os únicos sujeitos de Direito


Internacional. Com o surgimento das OI, a sociedade internacional deixou de ser
constituida apenas por Estados.

As OI surgiram na segunda metade do século XIX para responder às necessidades


resultantes da crescente interdependência dos Estados e às exigências da cooperação
internacional nos mais diversos domínios.

Alguns factores contribuiram para o surgimento e a proliferação das OI,


nomeadamente:
 Os progressos da ciência, da tecnologia e da técnica no domínio das
comunicações, das telecomunicações, dos transportes, as revoluções
industriais, etc.;
 As questões que transcendem o âmbito de cada Estado – a necessidade de
cooperação internacional;
 A intensificação das relações internacionais;
 O surgimento da diplomacia multilateral como consequência da crise da
diplomacia bilateral;
 A Guerra Fria, a necessidade de manutenção da paz e segurança
internacionais, a descolonização, a promoção do desenvolvimento
económico e social.

Citemos abaixo as primeiras OI que foram criadas:


 Comissão Fluvial para o rio Reno (1831);
 Comissão Fluvial para o rio Danúbio (1856);

2
 União Telegráfica Internacional (1865)1;
 Secretariado Internacional dos Pesos e Medidas (1875);
 União Postal Universal (1878)2;
 União para a Protecção da Propriedade Industrial (1883);
 União para a Protecção da Propriedade Literária e Artística (1886);
 Sociedade das Nações (SDN) (1919);
 Organização Internacional do Trabalho (OIT) (1919); etc.

A maior parte das OI que conhecemos hoje foram criadas no século XX –


considerado como século das OI.

Hodiernamente, as OI transformaram-se em instrumentos privilegiados da


indispensável cooperação intergovernamental, bem como em instrumentos de
aproximação entre os povos. Grande parte das matérias em que a cooperação se pode
considerar necessária constituem actualmente objecto de OI específicas.

As OI, nos seus mais variados campos de actuação, contribuem para a preservação
da paz e segurança internacionais, a promoção do desenvolvimento económico, social,
cultural, técnico e científico, a liberalização do comércio internacional, a integração
económica, o apoio financeiro às economias dos países, a protecção das pessoas
desfavorecidas ou em risco, assim como a criação, aplicação e controlo da observância do
Direito Internacional, dentre outros.

3. Características das OI

Do conceito de OI acima exposto, podemos divisar alguns elementos que


caracterizam toda e qualquer OI, nomeadamente:

a) São compostas por Estados:

As OI são constituidas por Estados soberanos. Porém, actualmente admite-se a


possibilidade de outros sujeitos de Direito Internacional poderem fazer parte de uma OI3,

1
Foi transformada na União Internacional das Telecomunicações, em 1932.
2
Anteriormente designada por União Geral dos Correios (1875).
3
Os Estados federados raramente são membros de OI, embora tenhamos exemplos da Ucrânia e da Bielo-
Rússia, que eram membros da ONU enquanto estados federados da ex-URSS.
A Santa Sé é igualmente membro de algumas OI como a UNESCO e a União Postal Universal.

3
razão pela qual alguns autores definem a OI como associação de sujeitos de Direito
Internacional.

b) São constituídas por tratado internacional:

Diferente das ONG, as OI têm origem convencional porque são estabelecidas


mediante um tratado internacional, independemente da designação que possa assumir
(Carta, Constituição, Pacto, Acto Constitutivo, etc.).

Embora existam OI criadas por decisão de outra OI4, a verdade é que o tratado
continua a ser a fonte das OI, o instrumento por virtude do qual elas adquirem
personalidade jurídica internacional, constituindo-se como sujeitos de Direito
Internacional.

c) São dotadas de personalidade jurídica internacional:

Já vimos o que é a personalidade jurídica internacional. Apesar das OI serem


criadas pelos Estados, elas possuem personalidade jurídica distinta da dos seus Estados
membros, ou seja, não se pode confundir a personalidade jurídica de ambos. As OI são
entidades autónomas, juridicamente distintas dos Estados que as compõem.

As OI são sujeitos de Direito Internacional cuja personalidade jurídica emana do


tratado constitutivo. Elas exprimem, através dos seus órgãos, uma vontade própria – quer
nas relações internas (com os seus membros) e externas (com terceiros Estados ou com
outras OI).

As decisões tomadas ou os actos praticados pela OI são imputáveis à ela mesma e


não aos seus Estados membros.

Não é necessário que o tratado constitutivo da OI contenha uma disposição que


diga expressamente que a OI tem personalidade jurídica internacional5.

4
Exemplo: a Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (ONUDI), o Programa
das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), a Conferência das Nações Unidas para o Comércio e
Desenvolvimento (CNUCED) foram instituídas por resoluções da Assembleia Geral da ONU. Porém, em
bom rigor, alguns autores defendem que não se tratam de novas OI, mas de órgãos subsidiários.
5
Veja, por exemplo, o Acto Constitutivo da União Africana ou a Carta das Nações Unidas. Porém, a
Constituição da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) e a Convenção
sobre a Organização da Aviação Civil Internacional (OACI) consagram expressamente que estas OI gozam
de personalidade jurídica.

4
Convém salientar que o reconhecimento da personalidade jurídica internacional
das OI como sujeitos de Direito Internacional só sucedeu com o Caso da Reparação dos
Prejuizos Sofridos ao Serviço das Nações Unidas, TIJ, 1949, o qual recomendamos a
leitura e estudo sobre a sua importância.

d) Possuem uma estrutura orgânica permanente e independente:

As OI possuem órgãos próprios, que funcionam de forma permanente, conduzindo


a acção da OI e exprimindo a sua vontade juridicamente distinta da dos Estados
membros.

As OI têm uma sede fixa e, para o efeito, torna-se necessário a celebração de um


acordo de sede6.

A estrutura institucional difere de OI para OI. Em todo o caso, importa assinalar


os 3 (três) principais órgãos que são transversais a qualquer OI: i) Uma Assembleia
composta por todos os Estados membros, funcionando como órgão deliberativo; ii) Um
Conselho que assegura o governo da OI, funcionando como órgão executivo; iii) Um
Secretariado responsável pela administração e integrado por funcionários internacionais,
sendo um órgão com funções administrativas.

e) São criadas para a prossecução de objectivos comuns aos seus membros:

A existência de objectivos comuns e a conjugação de esforços por parte dos


Estados membros para a sua realização constitui a razão de ser de uma OI. As OI existem
para realizar tarefas que os Estados, isoladamente, não conseguiriam realizar ou realizá-
las-iam com muitas dificuldades.

Os objectivos que uma OI se propõe realizar encontram-se plasmados nos seus


instrumentos constitutivos.

6
Um tratado bilateral entre a OI e o Estado acolhedor, considerando que as OI são sujeitos de Direito
Internacional sem base territorial.

5
BIBLIOGRAFIA

 CAMPOS, João Mota de (Coord.) e outros. Organizações Internacionais. 4.ª


edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2010.
 CREUZ, Luís Rodolfo Cruz e. Organizações Internacionais de Integração e
Cooperação Económica: Revisões de uma Teoria Geral. Revista da SJRJ, n.º 24,
Rio de Janeiro, 2009.
 GONÇALVES PEREIRA, André/Fausto QUADROS. Manual de Direito
Internacional Público. 3.ª edição, Almedina, 2013.
 ISATA, Sebastião. Apontamentos de Direito da Cooperação e Integração em
África (Textos Policopiados), Luanda.
 MOCO, Marcolino. Organizações Internacionais: Emergência, composição,
organização, funcionamento, personalidade e competência. Chá de Caxinde,
Luanda, 2008.
 NETTO, José Cretella. Organizações Internacionais. In SYDNEY GUERRA
(Coord.). Tratado de Direito Internacional. Freitas Bastos Editora, Rio de Janeiro,
2008.
 SAVITE, Adilson. Lições e Ilações das Organizações Políticas Internacionais.
Escolar Editora, Lobito, 2015.
 VÁN-DÚNEM, França. Apontamentos de Direito Internacional Público (Textos
Policopiados), Luanda.

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