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A Constituição da República

Desde a sua independência de Portugal em 1975, Moçambique teve três constituições


(1975, 1990 e 2004). A Constituição de 1975 estabelecia um regime monopartidário que
confirmava o papel destacado do Executivo – com efeito, o partido no poder,
FRELIMO (Frente da Libertação de Moçambique) – sobre todos os aspectos da vida
pública, incluindo o judiciário.

Esta Constituição manteve-se em vigor durante o período de guerra civil entre a


FRELIMO e a RENAMO (Resistência Nacional de Moçambique). A Constituição de
1990 foi elaborada no contexto das negociações de paz que culminaram com a
assinatura do Acordo Geral de Paz, entre a FRELIMO e a RENAMO, em 1992.7 O
objectivo era elaborar uma nova Constituição que possibilitasse firmar a paz e realizar
eleições democráticas.

A Constituição de 1990 marcou uma ruptura radical com o passado, consagrando a


transição de uma economia centralizada para o capitalismo, de um sistema
monopartidário para a democracia multipartidária, e colocando o cidadão como figura
central relativamente ao Estado. Abriu-se, portanto, espaço a reformas legislativas em
todos os aspectos da organização e política estatais.

A Constituição de 1990 alargou a Carta de Garantias e Direitos Fundamentais de forma


a incluir novos direitos e liberdades individuais que haviam sido negados pelo Estado
monopartidário. Muito embora a Constituição de 1975 incluísse um capítulo sobre
direitos dos cidadãos, era dada ênfase aos direitos colectivos e não aos individuais. A
Constituição de 1990 continha disposições muito mais abrangentes no que respeita à
Carta de Garantias e Direitos Fundamentais, fazendo com que Moçambique se
colocasse a par dos padrões internacionais em direitos humanos.

A Constituição de 1990 incluiu expressamente o direito à igualdade perante a lei (art.


66), o que não era explícito na Constituição de 1975. Outras novas disposições incluíam
o direito à vida, com a abolição da pena de morte (art. 70); a liberdade de expressão e o
direito à informação, sem qualquer limitação via censura (art. 74); a liberdade de
movimento (art. 83); e o direito a formar e participar em partidos políticos (art. 77). O
direito a contestar a violação de direitos (art. 81) foi também incluído, com particular
referência ao direito a apresentar petições e reclamações (art. 80) e o direito de recorrer
a tribunais em caso de violação de tais direitos (art. 82).
A Constituição de 1990 também incluiu um capítulo sobre direitos e deveres
económicos e sociais. Representando uma mudança formal das anteriores políticas
económicas socialistas da FRELIMO, ela previu o direito à propriedade privada (art.
86), o direito à herança (art. 87) e o direito a trabalhar numa profissão de livre escolha
(art. 88), contra uma contribuição justa (art. 89). O direito à educação (art. 92) e o
direito a cuidados médicos e de saúde foram também reconhecidos.

A Constituição de 1990 foi elaborada e aprovada na esteira dos acordos de paz e no


contexto do sistema monopartidário. O processo de elaboração teve uma participação
alargada dentro e fora da estrutura do partido FRELIMO e alcançou um certo grau de
consenso para as mudanças necessárias à estrutura política, social e económica do país.
Apesar de alguma oposição dentro da estrutura partidária e entre os apoiantes da
FRELIMO, a liderança do partido foi avante com esta grande mudança.

Em Outubro de 1995, um ano após as primeiras eleições multipartidárias, a Assembleia


da República aprovou uma resolução que criou uma comissão ad hoc para a revisão
constitucional.8 A comissão era composta por 31 deputados, e reflectia a composição do
parlamento, com 16 membros da FRELIMO e 14 membros da coligação eleitoral
Resistência Nacional de Moçambique – União Eleitoral (RENAMO-UE),9 sendo
presidida por Hermenegildo Gamito da FRELIMO.

A primeira versão da Constituição foi apresentada à Assembleia em 1 de Julho de 1998,


tendo-se seguido um seminário nacional em Outubro, com o objectivo de marcar o
início de um debate público. Cerca de 750 indivíduos – incluindo deputados, juízes,
advogados, líderes políticos e 250 membros da sociedade civil de todo o país –
participaram no seminário, que se realizou em Maputo, no edifício da Assembleia da
República.

Entre Outubro e Dezembro de 1998, foram realizados cinco debates públicos nas
cidades de Beira, Nampula, Pemba, Tete e XaiXai. Em 1999, a Assembleia realizou
uma sessão extraordinária com o objectivo específico de aprovar o projecto da
Constituição, mas a sessão terminou em desacordo. Em particular, criaram divisões
amargas as propostas para alterar o status quo estabelecido na Constituição de 1990 que
permitia ao Presidente da República nomear o Primeiro-Ministro10 a favor de um
sistema em que este seria nomeado pelo partido vencedor nas eleições legislativas.
Seguiu-se um período de cinco anos de silêncio, tendo a comissão retomado os seus
trabalhos apenas em 2004.11 A comissão ad hoc para a revisão constitucional retomou
os debates em Julho de 2004, e, em Setembro de 2004, foi tornada pública uma nova
versão da carta constitucional. A FRELIMO e a RENAMO foram incapazes de chegar a
acordo quanto à realização de um referendo sobre a Constituição, assim como sobre a
realização de seminários regionais ou em todas as capitais provinciais.

Finalmente, através da comissão ad hoc, os dois partidos decidiram não realizar o


referendo e, em meados de Setembro, a comissão levou a cabo seminários regionais de
dois dias em Maputo, Beira e Nampula.12 Embora instituições como a Ordem dos
Advogados de Moçambique (OAM)13 e a Faculdade de Direito da Universidade
Eduardo Mondlane tenham tido a oportunidade de apresentar comentários para possível
consideração, não houve uma consulta pública alargada como em 1999.

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