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A guerra está associada aos Estados e está associada às relações internacionais. Historicamente
há uma relação entre guerra e paz, porém também historicamente tem-se privilegiado a guerra
como uma forma legítima e lícita, nalguns casos, pelo menos em termos históricos, na resolução
dos diferendos entre os atores políticos. E aqui está o principal problema, esta tradição histórica
na utilização do instrumento de guerra nas relações internacionais.
Há um longo caminho que foi decorrido até 2023, apesar de em 2022 temos feito um retrocesso
com a guerra da Ucrânia. Associado a esta tradicional utilização de um instrumento guerra na
resolução dos diferentes, temos que conjugar com outro problema, que é o problema do
conceito de anarquia.
Neste sentido, nós temos um longo caminho que tem vindo a ser percorrido não só nas várias
tentativas de limitar essa anarquia, bem como limitar o uso deste instrumento (guerra). E uma
das formas tem sido a institucionalização, que é outro conceito de ordem Internacional.
Uma a destacar é sem dúvida, a paz de Vestefália de 1648, que confirma o princípio da soberania.
Desde logo, o direito a termos fronteiras, o direito de os Estados existirem e atuarem, pelo menos
dentro das suas fronteiras. Até aqui a fronteira era a que diariamente era possível ser defendida
e depois todo um trabalho ao nível do trabalho dos vários autores, da filosofia política, das ideias
políticas em que se destaca o trabalho da paz perpétua de Kant (1795) e que vem informando
não só a Academia, mas também os setores políticos e a partir de meados do século 20, as
próprias organizações internacionais.
É nesse sentido que temos depois outro passo importante do Congresso de Viena de 1815, por
várias razões, mas sobretudo pela Constituição de alianças e do estabelecimento, a nível
multilateral, de uma Aliança entre vários Estados e a afirmação entre as várias partes do princípio
e do objetivo de se constituir uma balança de poderes.
A mais importante é, sem dúvida, a Segunda Guerra Mundial e a criação da ONU em 1945,
através da ou com base na Carta das Nações Unidas. É com base neste marco que se projeta
define, normaliza, institui e criam-se normas relativas a um sistema de segurança coletiva. Um
novo conceito muito utilizado nas relações internacionais.
Sendo estas:
Todo este sistema de segurança coletivo está definido nos capítulos 6º, 7º e 8º da Carta das
Nações Unidas.
No 6º capítulo estão previstas as ações e medidas de caráter pacífico. Os bons ofícios, por
exemplo, que assistimos recentemente na visita do Secretário-Geral das Nações Unidas na
Ucrânia, a propósito também da questão dos cereais. E fê-lo justamente como uma questão de
bons ofícios, mas não só mediação, arbitragem, etc.
No 7º capítulo as medidas ditas violentas, este está dividido em duas partes. Na primeira parte,
são as medidas não militares, como embargo, o boicote, etc. Depois, as medidas violentas de
carácter militar, aqui está a grande inovação e o grande problema associado à manutenção da
paz. A ONU definiu todo um procedimento para atuar num conflito Internacional, repondo a paz,
justamente cumprindo o princípio da segurança coletiva de repelir o agressor. Porém, está
dificultado pelo próprio processo de decisão definido, que implica a questão do veto, daí que se
torna impossível a concretização de parte deste capítulo – a criação de um exército das Nações
Unidas, uma força multilateral. Neste capítulo é também tipificado, que é uma ameaça, que é
uma rutura paz e que é uma agressão, ou seja, cria uma hierarquia de gravidade da resposta
deverá ser proporcional. Por fim, o 8º capítulo diz respeito à delegação nas organizações
regionais da área, ou seja, em pequenas instituições regionais delegadas sempre pela ONU. É
nesse sentido que a partir da Segunda Guerra Mundial há a criação de várias organizações
regionais, justamente para poderem ser utilizadas e não ONU, sendo este o caso da própria
NATO, esta é criada ao abrigo do capítulo 8º.
Surge o primeiro obstáculo na utilização dos meios disponíveis pela ONU, o dito exército ONU,
ao abrigo do Capítulo 7º, uma vez que a Carta ficou definida, nos pós Segunda Guerra Mundial,
de forma a garantir a presença das grandes potências, sobretudo Estados Unidos e União
Soviética, por isso esta foi blindada em termos jurídicos.
Tendo, como exemplo disto o processo decisão do Conselho de Segurança (revisto em 1903).
Chamamos a isso o veto, que na verdade se trata de um duplo veto, ou seja, todas as questões
de manutenção da paz e segurança internacionais são da inteira responsabilidade e da exclusiva
competência do Conselho de Segurança. E, como se observa no artigo 27, o Conselho de
Segurança é composto por 15 membros, 5 permanentes e 10 não permanentes. Sendo que as
questões se dividem em:
As questões, ditas processuais ou de procedimento, como diz a Carta, são definidas com base
numa maioria de 9 dos 15 votos. As questões, ditas não processuais, ou seja, não de
procedimento, são chamadas questões importantes, como é o caso da guerra na Ucrânia. Esta
exige que para decisão de ser aprovada que haja uma maioria de 9 dos 15, incluindo
favoravelmente os dos 5 membros permanentes.
Na Carta, nada diz o que é uma questão de procedimento, ou seja, uma questão não importante,
o que é uma questão não processual, ou seja, importante. Apenas diz que se deve fazer a eleição
a qualificação da questão e isso implica uma prévia eleição. Esta prévia votação, a Carta estipula
por si só é não processual, ou seja, importante. Por isso, logo antes de se decidir tem de haver
uma votação para qualificar a questão e aí, já existe possibilidade do primeiro veto que acontece
sempre, ou seja, os membros permanentes, vetam uma vez para que a questão passa
automaticamente para não processual. Quando chegarem a reunirem para decidirem de facto a
decisão a tomar, vetam uma segunda vez, se quiserem bloqueá-la, que foi o que aconteceu na
Ucrânia. Por isso, para além da questão do veto, estamos perante um duplo veto, o primeiro veto
para qualificar para depois, num segundo momento de vetar-se.
Face a isto, a ONU ficou bloqueada, não conseguindo cumprir o principal papel para o qual foi
criada: a manutenção da paz. Nesse sentido e face ao descrédito generalizado e a hipótese
mesmo da ONU, passar a ser desrespeitada, porque não conseguia fazer face. E também numa
lógica de Guerra Fria, mas também numa lógica paralela de uma contínua descolonização e
aparecimento de novos Estados, a Assembleia Geral das Nações Unidas em 1950. criou uma
resolução que é a “Resolução 377 – Unidos para a paz”, esta é uma resolução simbólica, segundo
esta resolução, sempre que há um bloqueio do Conselho de Segurança, a Assembleia Geral pode
chamar a si a questão e debatê-la e aprovar uma recomendação, as suas decisões não têm o
caráter vinculativo, como tem Conselho de Segurança, mas pelo menos permite que haja um
debate sobre a questão. No caso do conflito da Ucrânia, dados vetos da Rússia (tal o duplo veto)
ela nem sequer foi discutida em termos de que medidas adotar.
Pela “Resolução 377 – Unidos para a Paz”, a Assembleia Geral pode propor a criação das ditas
operações de manutenção da paz, conhecidas como os famosos capacetes azuis.
Estas operações de manutenção da paz tornam-se, o único rosto visível de um “exercito” da ONU,
sendo a única “presença militar” da ONU nos conflitos.
*Porque é que lhe chamamos capacetes azuis? Porque foi escolhida a cor azul, um sinónimo de
paz e para em batalha se distinguirem dos restantes militares em conflito.
Hoje, estas operações de manutenção da paz, que evoluíram, tornando-se muito mais complexas
e muito mais interventivas. Contudo, estas operações manutenção da paz, ou seja, os capacetes
azuis não estão previstos na Carta das Nações Unidas. Contudo, como aliam características
pacíficas, ou seja, características das medidas que a ONU tem previsto no capítulo 6º e como são
compostas por militares, mas também civis. O Conselho de Segurança, não querendo ficar
marginalizado deste processo de intervenção nos conflitos também chamou a si a legitimação
das operações de manutenção da paz.
É este o grande paradigma que sustentou e possibilitou a criação dos capacetes azuis. Dado o
contínuo bloqueio do Conselho de Segurança e dada a contínua paralisia do Conselho de
Segurança, os capacetes azuis são o único rosto visível da ONU nos conflitos militares. Dada esta
importância, o próprio conceito de capacetes azuis tem evoluído, sendo chamado no meio
académico de “gerações de capacetes azuis”, ou seja, vários modelos destas forças de
intervenção. Onde se destingem dois momentos, o momento de Guerra Fria, sobretudo conflitos
entre Estados (o conceito clássico de guerra) e o momento do pós-Guerra Fria, onde temos
guerras civis e o terrorismo. Atualmente a questão de segurança globalizou se em termos
gráficos, mas sobretudo em termos de conteúdo, tudo que se inclui na questão de segurança
como as questões económicas, as questões climáticas (Ex.: a ameaça do Antropoceno, já é
considerada uma ameaça à segurança Internacional)
…………………………..
Desta primeira geração temos grande exemplo na crise do Suez, em 1956, a missão UNEF (United
Nations Emergency Force). Assim, a primeira geração ou tradicional são sobretudo para os
conflitos clássicos entre Estados e os capacetes azuis são meras forças de interposição, ou seja,
são muros para, por exemplo, poder passar a Cruz Vermelha, para permitirem que a fuga de civis
das zonas de conflito, etc.
Com o fim da Guerra Fria, há uma alteração em que houve algum consenso por parte dos Estados
Unidos e agora da Rússia e em que se pensou que finalmente se iria conseguir este grande
projeto de paz perpétua, já previsto por Kant e novamente defendido por Fukuyama – o fim da
História, ou seja, acabou-se o conflito. É neste sentido que a própria ONU faz um esforço, numa
maior intervenção nos conflitos, sendo importante destacar o papel do Secretário-Geral e a
agenda para a Paz, que vem dar uma nova vida a estas forças (capacetes azuis).
Por isso, considera-se, a partir do fim da Guerra Fria, que há uma segunda geração de capacetes
azuis que são as ditas forças multidisciplinares ou multidimensionais, também chamadas de
Peacemaker. Ou seja, existe um maior empenho e mais atributos para a intervenção dos
capacetes azuis em que eles já participam não só como meros muros, como meras forças de
interposição, mas com papel ativo nomeadamente com as populações. Supondo que no pós-
conflito estes Capacetes azuis irão estar no terreno para evitar o reacender novamente dos
conflitos. Contando então com a sua participação na marcação e na realização de novas eleições,
vigiar o desarmamento das forças que se opõem.
Esta segunda geração, por exemplo, na Namíbia, Moçambique, El Salvador… foram e continuam
a ser pois algumas delas mantêm-se ativas ainda Hoje. Porém, houve um grande fracasso da
ONU, sobretudo no genocídio de Ruanda, na questão da Somália e mesmo na Bósnia chamado
massacre de cerâmica, o que levou a ponderar o papel dos capacetes azuis, sendo que eles
próprios passaram a ser vítimas, passando a estar envolvidos no conflito como vítimas e a ser
alvos dos conflitos.
Assim pretende-se um maior poder para os capacetes azuis. Por isso, já se começa a admitir, nas
opções de manutenção da paz da dita terceira geração, no chamado Peace enforcement (garantia
da paz), o uso da força. O que leva, assim, ao abandono do princípio da exigência do
consentimento das partes. Esta terceira geração ainda se mantém, mas simultaneamente já
existe uma quarta geração, a construção da paz. Ou seja, são os capacetes azuis que se mantêm
no terreno anos depois de o conflito ter terminado, chamadas forças de Peace building
(construção da paz).
Atualmente, academia já fala numa quinta geração híbrida, mas que ainda não é consensual.
Esta quinta geração já é a utilização da ONU por delegação em organizações fora da área, ou seja,
o recurso a outras organizações (Ex.: a NATO que teve uma atuação nas Jugoslávia fora da área).
Além disto, para complicar finda a Guerra Fria, a alteração da ordem Internacional é também
importante chamar a atenção que, em alternativa complementarmente, temos também a
atuação da NATO e da própria aqui, já em posição de força, de acordo com um novo conceito. E
finalmente a União Europeia. Com o paradigma de gestão de crises, sobretudo a partir de 1991
Maastricht, e as declarações de Petersburgo de 1992.