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Sergio Aguilar
São Paulo State University
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The use of force and protection of civilians in UN peacekeeping operations View project
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REFORMA DO
SETOR DE
SEGURANÇA
TEORIA, PRÁTICA E CRÍTICA
Conselho Editorial
Barbara Heller
Carlota J. M. Cardozo dos Reis Boto
Célia Maria Benedicto Giglio
Daniel Revah
João Cardoso Palma Filho
Luiza Helena da Silva Christov
Editor
Sebastião Haroldo de Freitas Corrêa Porto
Coordenação Editorial
Silvana Pereira de Oliveira
Introdução
9
civil sobre as forças armadas e uma reestruturação dessas forças
de modo que rapidamente deixassem de ser empregadas em
prol dos regimes para garantir a segurança do Estado e da
população. Assim, cresceram de importância nesses países as
relações civis-militares.
Na mesma época, e relacionada com os conflitos que
se desenrolavam ou com a “privatização” dos conflitos nos
Estados com problemas de governança, surgiram os conceitos
de segurança humana e segurança societal, segundo os quais
a proteção de indivíduos e grupos sociais deveria ser mais
importante que a proteção do Estado, onde a disfuncionalidade
normalmente era a causa principal da insegurança.
O conceito de “segurança humana” e os debates sobre uma
visão mais ampliada da segurança ocorreram, também, com a
emergência de diferentes tipos de ameaças relativas ao declínio
das preocupações militares próprias do período do final da
Guerra Fria. Como consequência, passou-se a pensar em
mudanças da primazia da segurança estatal ou internacional
para a transnacional, subnacional e individual. Foi nesse
contexto que surgiu a Reforma do Setor de Segurança (RSS) e
que, por sua importância, passou a ser extensamente estudada
nos círculos acadêmicos.
Segundo Edmunds (2002), a reforma do setor de segurança
emergiu como um conceito-chave e sua origem vem de duas
áreas: da comunidade de desenvolvimento que aumentou
o conhecimento sobre a importância do papel do setor de
segurança nas questões de desenvolvimento econômico e
democratização; e do campo das relações civis-militares. Nesse
sentido, Hänggi (2004) apontou três abordagens para a reforma
do setor de segurança: como um instrumento para melhorar
a eficiência e a eficácia da assistência ao desenvolvimento;
como ferramenta para facilitar a coordenação prática e
integração conceitual das reformas da segurança interna e
defesa em Estados que haviam saído de períodos autoritários;
e no contexto da reconstrução nos Estados que emergiram de
conflitos violentos intraestatais ou interestatais.
10
Segundo Edmunds (2002), tanto nos processos pós-
autoritários como nas transições pós-conflito violento, a refor-
ma do setor de segurança desempenha hoje importante papel
nas áreas da democratização, boa governança, desenvolvimento
econômico, profissionalização, prevenção de conflitos e inte-
gração com instituições ocidentais.
Dessa forma, o texto se inicia com a apresentação de
conceitos de segurança, setor de segurança e de reforma desse
setor. Apresenta, ainda, algumas considerações sobre o contexto,
o ambiente, as características e as dimensões da reforma,
sobre os atores que podem ser envolvidos e as abordagens que
podem ser adotadas para lidar com a questão. Finalizando, e
entendendo a reforma do setor como processo, apresentamos
uma sugestão de método para o planejamento com ênfase num
estudo da situação que permite a decisão sobre como conduzir
os programas e projetos de reforma.
14
A partir do conceito de segurança pode-se definir o
chamado setor de segurança que, num sentido mais restrito,
compreende o aparato estatal de segurança interna e externa
e, num sentido mais amplo, pode englobar diversos atores em
segurança e justiça, estatais e não estatais.
Chuter (2006) sugeriu utilizar literalmente o conceito
de setor de segurança, englobando todas as organizações
responsáveis essencialmente pela provisão de segurança. Dessa
forma, o setor seria composto por
16
Principais atores de segurança: forças armadas; polícia;
gendarmerias; paramilitares; serviços de guardas presiden-
ciais, inteligência e de segurança (militares e civis); guardas
costeiras; guardas de fronteira; autoridades aduaneiras;
unidades da reserva ou de segurança local, unidades (forças
de defesa civil, guardas nacionais, milícias).
Órgãos de administração e fiscalização de segurança:
o Executivo; órgãos consultivos de segurança nacional;
Legislativo e suas comissões; ministérios da defesa, do
interior e de relações exteriores; autoridades habituais e
tradicionais; órgãos de gestão financeira (ministério das
finanças, escritórios de orçamento e órgãos de planejamento
e de auditoria financeira); e organizações da sociedade civil
(conselhos de revisão civis e comissões de reclamações
públicas).
Instituições de justiça e de aplicação da lei: instituições
judiciárias; ministérios da justiça; prisões; investigação
criminal e Ministério Público; comissões de direitos humanos
e ombudsmen; sistemas de justiça tradicionais e costumeiros.
Forças de segurança não legais, com os quais os doadores
raramente se envolvem: exércitos de libertação; exércitos
de guerrilha; unidades privadas de guarda-costas; empresas
de segurança privada; milícias de partidos políticos (OECE,
2007, p. 22, tradução nossa).
17
O relatório do Secretário-Geral das Nações Unidas (SGNU)
de 2008 conceituou reforma como um processo que inclui
análise, implementação e revisão, bem como o monitoramento
e a avaliação conduzida por autoridades nacionais. O Conselho
de Segurança (CSNU) observou que as reformas devem se dar
levando em consideração as necessidades e condições do país
onde são implementadas (UN, A/62/659–S/2008/39, 2008).
A Comissão de Assistência ao Desenvolvimento – Deve-
lopment Assistance Committee (DAC) da OCDE utiliza a
expressão “reforma do sistema de segurança”, “a fim de enfatizar o
número e a interconectividade de seus diferentes componentes”
com o objetivo de aumentar a capacidade dos países parceiros
para atender toda a gama de necessidades de segurança dentro
de suas sociedades, de forma consistente com as normas e
princípios democráticos de governança, transparência e Estado
de direito (OECD, 2007, tradução nossa).
O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
(PNUD) desenvolveu uma abordagem própria com foco
especial sobre a governança (SLOVAK REPUBLIC, 2006),
utilizando reforma do setor de segurança e de justiça “para
enfatizar que justiça e segurança são setores intrinsecamente
ligados” (HÄNGGI; SCHERRER, 2007, p. 3, tradução nossa).
Na África é utilizado o termo “transformação do setor de
segurança”. A União Africana (UA) e a Economic Community
of West African States (ECOWAS) adotaram mecanismos e
instrumentos que visam promover a governança democrática
do setor de segurança e começaram a se envolver em
atividades que estão sob o âmbito das reformas do setor de
segurança. A ECOWAS aprovou o Mecanismo para Prevenção,
Gestão e Resolução de Conflitos, Manutenção da Paz e
Segurança (Mechanism for Conflict Prevention, Management
and Resolution, Peacekeeping and Security), em 1999, e seu
Protocolo Suplementar sobre Democracia e Boa Governança
(Supplementary Protocol on Democracy and Good Governance),
em 2001 (ECOWAS, 1999, 2001). A Política Comum de
Segurança e Defesa Africana aprovada na União Africana
18
apresentou como uma de suas metas “prover melhores práticas
e desenvolver capacidades estratégicas e recomendações
políticas para fortalecer os setores de segurança e defesa na
África” e “permitir a formulação de políticas e fortalecer os
setores de segurança e defesa em níveis nacional e continental”
(AFRICAN UNION, 2004, p. 9, tradução nossa).
A União Européia apresenta a reforma como instrumento
para a prevenção de conflitos em estados frágeis, como
atividade-chave em países recém-saídos de conflitos e como
elemento central de uma reforma institucional maior em países
com melhor ambiente de estabilidade. Dependendo da situação
do país, as necessidades conduzirão a diferentes aspectos da
reforma que visa aumentar a capacidade do Estado em lidar com
sua segurança interna e externa. Envolve questões da estrutura
do sistema de segurança, seu gerenciamento, regulação, controle
e recursos e deve ser realizada pelo governo local baseada em
normas democráticas e em princípios de direitos humanos (EU,
12566/4/05, 2005).
Para a OCDE, a reforma é vista como uma ferramenta para
a prevenção de conflitos e a construção da paz e suas Diretrizes,
de 2004, apresentaram as questões principais da implementação
de processos: não tratar a reforma apenas como um processo
técnico, mas altamente político; enxergar a apropriação local
(ownership, em inglês)2 como um ponto de partida para
a reforma; e entender que o contexto é fundamental, pois
as necessidades em um ambiente pós-conflito podem ser
radicalmente diferentes de outros (SLOVAK REPUBLIC, 2006).
O envolvimento das organizações internacionais nos
processos de reforma apresenta também um aspecto cultural. A
Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) demonstra
uma preferência por uma agenda de reformas mais tradicional
22
No período pós-governos autoritários o debate em torno
das relações civis-militares apontavam para o setor de segurança
como uma ameaça que deveria ser removida. Os teóricos do
desenvolvimento viam as despesas com segurança, como um
“dreno de recursos que poderiam ser melhor utilizados em
outro lugar: que as despesas deveriam ser reduzidas ou mesmo
eliminadas” (CHUTER, 2006, p. 6, tradução nossa).
Em alguns países como a Argentina, isso significou
diminuir drasticamente o papel dos militares, reduzir soldos,
desmantelar parte da estrutura das forças armadas, incluindo a
indústria de defesa. Naquele país, a reforma das forças armadas
e a retirada dos militares da política se iniciou lentamente
com o presidente Alfonsín que teve que superar, inclusive,
as rebeliões da Semana Santa, em abril de 1987, de Monte
Caseros, em janeiro de 1988, de Villa Matelli, em dezembro
do mesmo ano, e a de janeiro de 1989 (QUARTELADA...,
1987; CARAPINTADAS..., 1988; A AVENTURA..., 1989).
O presidente Menem expurgou chefes militares, privatizou
o complexo industrial-militar, reduziu os efetivos e vendeu
instalações e áreas militares, incluindo imóveis de adidos
militares em diversos países latino-americanos (DIAMINT,
1992). Desmantelou projetos expressivos como o míssil Condor,
estabeleceu a total subordinação civil das Forças Armadas e
colocou os militares em condições de vida bastante abaixo da
que desfrutavam até então. O governo seguinte de Kirchner
levou aos tribunais os militares envolvidos em crimes contra os
direitos humanos.
Forman (2000, p. 3, tradução nossa) definiu relações
civis militares como aquelas que se referiam “às interações
amplas entre as forças armadas e as intituições e os setores da
sociedade em que estavam inseridas”. Focavam, normalmente,
“na distribuição relativa de poder entre o governo e as forças
armadas”. No geral, o diálogo sobre as relações entre civis e
militares se deu em torno da capacidade dos militares em
assumir o Estado; do peso da influência dos militares nas
decisões do Estado; economia; tecnologia e cultura militar;
23
complexos industrial-militares; militarização; transferência de
funções militares tradicionais para o pessoal civil, incluindo
a terceirização de serviços; recrutamento; as relações entre
militares e os governantes civis; dentre outros. Nesse campo,
os estudos envolveram a interface e a interação entre as
organizações militares e outros sistemas sociais (ROSÉN, 2010;
FORMAN, 2000).
Nos casos de transição pós-regimes autoritários, a reforma
do setor de segurança foi direcionada para as estruturas de
segurança do Estado que diferem de um país para outro. Nesse
âmbito, e qualquer que seja o país, lida com tensões entre as
forças (armadas e policiais) e o governo democraticamente
eleito, bem como com tensões que podem existir dentro das
forças e entre as diferentes instituições de segurança. Isso pode
se dar tanto por rivalidades, históricas ou surgidas durante o
regime autoritário, como em decorrência da tentativa dessas
instituições em manter o status no aparato estatal. Quando há a
presença de questões políticas, religiosas ou étnicas, a reforma é
dotada de maior complexidade.
Dessa forma, observa-se que a reforma deve partir do
conhecimento das diferenças entre forças armadas, policiais,
serviços de inteligência tradicionais e outros agentes, que no
Estado autoritário serviam aos governantes, e forças armadas
que nasceram de exércitos de libertação nacional, por exemplo.
Deve-se entender, ainda, as instituições militares e seu papel
histórico na construção do Estado e a situação dessas forças
em termos de funcionalidade e capacidade de cumprirem seu
papel constitucional. Esses conhecimentos e entendimentos
possibilitam definir os caminhos que o processo de reforma
deve seguir.
As situações são diferentes e a prática indicou que não há
um modelo que possa ser aplicado da mesma forma em qualquer
país. Uma coisa é lidar com forças de segurança disfuncionais
e incapazes por conta de falta de treinamento, equipamento
e recursos. Lidar com forças de segurança tradicionalmente
brutais e corruptas indica uma diferente abordagem. A mesma
24
ideia se aplica a forças profissionais, bem preparadas, mas
altamente politizadas e, por vezes, com efetivos acima do que
o Estado necessita.
Dessa forma, as relações entre civis e militares em cada
situação é trabalhada de maneira diferente. No entanto, o
objetivo final mostrou ser o mesmo, reformar o setor de segu-
rança, estabelecendo o real controle civil e que as instituições
cumpram com seu papel constitucional de oferecer segurança
ao Estado e à população de maneira eficiente e eficaz, incluindo
tanto a defesa contra ameças externas como a segurança pública
dentro dos Estados.
Como observou Germann (2002, p. 13, tradução nossa), as
forças armadas devem ter um papel e um local adequado dentro
de estruturas constitucionais e sociais do Estado. Para isso, há
pré-requisitos e princípios básicos estabelecidos cada vez mais
nas democracias emergentes que incluem a observância da
supervisão parlamentar e os mecanismos políticos e sociais de
controle das forças armadas, cujo sucesso de implementação
depende “de um processo anterior ou paralelo de estruturas
democráticas e de relações civis-militares”.
O autor apresentou que, embora a aplicação detalhada dos
princípios pode ser diferente de país para país, no geral incluem
26
do CSNU, de medidas coercitivas, incluindo o uso de forças
militares.
A construção da paz (peace-building)5 consiste em ações
executadas “após o conflito que identifiquem e apoiem as
medidas e as estruturas necessárias para manter a paz e permitir
a reconciliação duradoura das partes envolvidas” (AGUILAR,
2005, p. 21). Podem se dar no âmbito ou na sequência de outro
tipo de operação, normalmente de manutenção da paz. Sendo o
objetivo principal o de evitar a recorrência do conflito, as ações
são desenvolvidas por programas e projetos em áreas como:
restauração da habilidade do Estado em prover segurança e
manter a ordem pública, fortalecimento do Estado de direito e
do respeito aos direitos humanos, apoio à emergência de institui-
ções políticas legítimas e a processos participativos, e promoção
da recuperação social e econômica e do desenvolvimento, que
inclui o retorno seguro e o reassentamento de desalojados e
refugiados (AGUILAR, 2012).
O conceito de construção da paz pós-conflito foi
introduzido na ONU pela “Agenda para a Paz” como um passo
importante na sequência da diplomacia preventiva, pacificação,
e manutenção da paz, definindo-a como “ação para identificar e
apoiar as estruturas que tenderão a fortalecer e solidificar a paz,
a fim de evitar o retorno do conflito” (UN, 1992, p. 5).
O Relatório Brahimi (2000) ressaltou que a efetiva proteção
dos civis e a assistência em situações pós-conflito exigem uma
estratégia coordenada que vai além dos aspectos políticos ou
militares de um conflito. A seção que tratou das implicações
para a estratégia de construção da paz chamou a atenção para:
as características dessas operações em trabalharem com par-
ceiros governamentais e não governamentais; a necessidade de
engajamento com as partes locais; as eleições como necessárias
para o fortalecimento das instituições de governança; a polícia
da ONU trabalhando para “reformar, treinar e reestruturar a
polícia local de acordo com padrões internacionais de polícia
5. Em português, o termo também é traduzido como edificação ou
consolidação da paz.
27
democrática e de direitos humanos”; o papel do pessoal de
direitos humanos da Organização para a efetividade das
operações; e o desarmamento, desmobilização e reintegração
como chave para a estabilidade pós-conflito. Alertou, também,
para a necessidade de apoiar os atores nacionais e coordenar as
diversas atividades com a comunidade de doadores (UN, 2000,
p. 7, tradução nossa).
O Relatório do Painel de Alto Nível – Desafios e Mudanças
(2004) reforçou a necessidade da construção de instituições
públicas efetivas por meio da negociação com a sociedade civil,
estabelecendo um quadro consensual para o governo dentro do
Estado de direito e do financiamento para a segurança civil por
meio da reforma da polícia e da justiça (UN, 2004).
A Doutrina Capstone (2008) relacionou a reforma
do setor de segurança como uma das atividades de uma
operação multidimensional, juntamente com Desarmamento,
Desmobilização e Reintegração (DDR), ação contra minas,
proteção e promoção de direitos humanos e assistência eleitoral
(UN, 2008).
Em 2008, o relatório do SGNU sobre o papel da ONU no
apoio a reforma de setor de segurança apresentou que uma
das lições das reformas que já haviam sido realizadas foi que
suas metas são fundamentalmente interligadas com segurança,
desenvolvimento e direitos humanos. O documento definiu
reforma como um processo que deve ser conduzido por
autoridades nacionais. O CSNU observou que as reformas
devem se dar levando em consideração as necessidades e
condições do país onde são implementadas, indo além de
elementos militares tradicionais, envolvendo uma gama muito
maior de instituições e atores nacionais e internacionais (UN,
A/62/659–S/2008/39, 2008).
A Nova Agenda de Parceria (2009) apontou como
fundamental o apoio aos atores nacionais para que os mesmos
possam prover sua própria segurança por meio da reforma do
setor de segurança; que a transição ou a estratégia de retirada
de uma missão de manutenção de paz depende dos países
28
hospedeiros conseguirem prover sua própria segurança e a
ONU deve auxiliá-los a atingir esse objetivo por meio de um
melhor Estado de direito e da assistência à reforma; e que os
componentes do setor de segurança têm importantes papéis
em auxiliar as autoridades locais a construir capacidade para
proteção de civis e em promover a responsabilidade nacional
de proteger a população. O documento afirma que o início
do processo de reforma aparece como prioridade imediata
da construção da paz e só poderia ser conduzida com êxito
mediante parcerias entre países, parceiros especializados e a
ONU (UN, 2009).
Após o relatório do SGNU de 2008 foram identificados
papéis potenciais para a ONU, ou seja, funções distintas
“normativas” e “operacionais”. As normativas incluíram o esta-
belecimento de princípios e normas comuns internacionais,
políticas e diretrizes. As operacionais incluiram: ajuda para
estabelecer um ambiente propício; apoio para as avaliações
de necessidades; planejamento estratégico e coordenação; e
mobilização de recursos especializados. Foram elaboradas
orientações e políticas para melhorar o apoio técnico da ONU
e estabelecidas capacidades especializadas necessárias para
a reforma do setor de segurança tanto no quartel general em
Nova Iorque como nas missões de paz no terreno. Foi criada a
Força-Tarefa de Reforma do Setor de Segurança que preparou
o primeiro volume das Orientações Técnicas Integradas,
lançadas no final de 2012, para apoiar os processos de reforma,
contendo questões práticas e imediatas ao pessoal das Nações
Unidas, além de esforços para estabelecer parcerias com
organizações regionais e sub-regionais e a criação de fóruns
regulares para troca de experiências e lições aprendidas (UN,
A/67/970–S/2013/480, 2013).
32
as forças não reagrupem para desestabilizar ou se colocar
como uma ameaça a paz, o suborno e a corrupção sejam
eliminados; o setor (incluindo as estruturas de liderança)
seja completamente transformado para ganhar credibilidade,
legitimidade e confiança da população.
33
internacionais e suas agências, instituições financeiras, etc.) ou
privados (ONGs, companhias de consultoria e de segurança,
etc.) que devem se coordenar ou serem coordenados.
Atores e abordagens
34
apresentaram como causa principal a maneira como ela foi
concebida, por vezes imposta aos atores locais, sem levar em
conta especificidades, necessidades, desejos locais e/ou sem
a participação de setores locais. Os doadores engajados no
processo podem, também, acabar deslegitimando as estruturas
locais de segurança, o que, se num primeiro momento pode
eliminar uma das causas da violência, em médio e longo prazo
pode incentivar o retorno do conflito. Ainda, os doadores
podem passar uma imagem que o Estado e seu governo estão
sobre constante influência externa, o que prejudica a construção
da boa governança.
Podem estar presentes, ainda, Estados vizinhos com os
quais grupos armados mantêm ligações, ou onde há as mesmas
populações étnicas ou refugiados resultantes do conflito, ou
governos vizinhos que financiam ou apoiam materialmente
determinados grupos, como ocorreu nos casos da Libéria e da
Guiné-Bissau, cujas atitudes são importantes para os processos
de paz e devem ser levadas em consideração (HOLMQVIST,
2005).
O processo de reforma pode contar com a participação
de Organizações Não Governamentais e companhias privadas
o que apresenta pontos positivos e negativos. Por terem
estratégias próprias e não se subordinarem às organizações e
instituições internacionais envolvidas, as ONGs podem ter
mais liberdade de ação e o caráter informal de suas atividades
pode facilitar o contato e o trabalho com atores não estatais
de segurança. Por outro lado, a falta de coordenação com os
demais atores envolvidos pode gerar aspectos negativos como
ações divergentes ou sobrepostas que acabam complicando
mais que ajudando o processo como um todo. Além disso, o
contato com grupos não estatais que possam ter ficado de
fora do processo, ou que sejam tratados pelo governo como
criminosos, pode causar desavenças com o governo e/ou com as
forças de segurança estatal, complicando o processo. Holmqvist
(2005) apresentou o caso em que a UE financiou um projeto de
dois anos do grupo Geneva Call com o Exército de Libertação
35
Nacional (ELN) na Colômbia que, por considerado terrorista
pelo governo colombiano e pelos Estados Unidos, fez com que
as autoridades daquele país se mostrassem relutantes em apoiá-
lo.
Com relação aos atores internos, a abordagem da reforma
indicará quais serão incluídos no processo e de que forma.
Mas há um ponto comum qualquer que seja a abordagem,
sempre os esforços serão concentrados em afetar e/ou alterar
o comportamento dos grupos armados e das instituições
envolvidas e a forma será definida com base no estudo caso a
caso.
No caso das estruturas estatais de segurança, tanto em
situações pós-governo autoritário como pós-conflito armado,
elas se apresentam mais autoritárias que democráticas e sempre
estarão profundamente politizadas. Normalmente, nesses
casos, todos os atores do setor de segurança desempenham
papel-chave na política doméstica, ou por ela são usados. Ou
seja, todo o setor ou parte dele é instrumento-chave do controle
autoritário e serve ao regime por ideologia ou por interesses
particulares (EDMUNDS, 2002).
Nos países em conflito interno, as estruturas estatais
emergem ou são estruturadas e reestruturadas de acordo com
as demandas geradas pelo conflito, sendo os elementos do
setor de segurança, especialmente forças armadas e policiais,
os atores centrais. Dessa forma, no processo de reforma as
estruturas devem ser alteradas, tanto em sua forma, tamanho
e objetivos como também em relação à importância que têm
dentro do aparato do Estado. Como salientou Edmunds (2002),
o processo de reforma afetará várias instituições domésticas,
cada uma com sua cadeia de comando, responsabilidades e
normas burocráticas próprias o que, provavelmente, será visto
como uma ameaça aos interesses particulares de determinados
atores.
No caso de uma abordagem mais abrangente, o processo
de reforma pode incluir outros atores de segurança não estatais
que, numa situação específica, sejam responsáveis de facto por
36
prover segurança em alguma parte do território do Estado onde
se pretende implementar a reforma do setor como forças de
guerrilha, exércitos de libertação, paramilitares que não estejam
sob controle estatal e companhias de segurança privadas.
O Protocolo II às convenções de Genebra, de 1977, definiu
como grupos armados aqueles que
37
2) Manutenção da ordem pública dentro das comunidades:
mecanismos que mantêm padrões aceitáveis e previsíveis de
comportamento dentro de determinadas comunidades. Essa
função geralmente aborda prevenção do crime e é análoga à
polícia.
3) Defender a comunidade de ameaças externas: mecanis-
mos para lidar com tensões ou ataques de outros grupos ou
comunidades, ou prevenir a infiltração de grupos insurgentes
e outros atores armados. Essa função é análoga aos militares.
42
Baker e Scheye (2007, p. 512-513, tradução nossa) apon-
taram diferentes níveis pelos quais o Estado pode moldar e
influenciar as agências não estatais de justiça e segurança:
“patrocínio, regulação/criminalização, rede/exclusão, colabo-
ração, incorporação e treinamento”. Mas salientaram que em
Estados fracos é difícil distinguir os sistemas estatais e não
estatais de segurança e justiça.
Dessa forma, de acordo com a abordagem adotada e a
situação a ser tratada, a reforma do setor de segurança engloba
diversos atores, incluindo
43
serem adotadas para condução do processo. Segundo Lawrence
(2012), a comunidade internacional encara quatro opções de
reforma em situações complexas como: ignorar as estruturas não
estatais e empregar o modelo centrado no Estado; reconhecer
a importância dos atores não estatais e então eliminá-los ou
incorporá-los nas estruturas estatais; reconhecer a importância
de atores não estatais, mas decidir não engajá-los; reconhecer
a importância dos atores não estatais e adotar uma estratégia
não estatal lado a lado com as medidas direcionadas para
instituições estatais.
Segundo o autor, a primeira opção fará com que as ins-
tituições provedoras de segurança e justiça permaneçam
fracas e ineficientes. Na segunda opção, há um duplo custo
em desmantelar a arquitetura existente e construir uma nova
baseada em instituições estatais. A terceira se dá quando se
reconhece que os atores não estatais confundem os objetivos e
ferramentas da assistência internacional. A quarta
45
gastos são reduzidos após um conflito pelo simples fato de que
uma força numerosa não seria mais necessária. Assim, para
ele, a desmobilização não estaria ligada à reforma do setor de
segurança. Por outro lado, muitos conflitos são levados a cabo
por milícias que devem ser desarmadas, normalmente por
força dos acordos de paz. Segundo o autor, o Desarmamento,
Desmobilização e Reintegração (DDR) é útil nos processos de
paz, mas conceitualmente diferente de programas de reforma.
De qualquer forma, apenas sanados esses problemas
seria possível estabelecer programas em bases sustentáveis,
ganhando legitimidade, o que se daria em longo prazo e com a
paciência dos envolvidos, o que nem sempre acontece pois, por
vezes, há a necessidade de mostrar resultados rápidos, levando
à priorização de medidas de curto prazo.
Em situações complexas, a mudança das estruturas do
Estado não é apenas a fraqueza ou a ausência de instituições,
mas a presença de complexos arranjos de governança que
normalmente estão presentes em diversas regiões do país.
Nesses ambientes, o Estado divide autoridade e capacidade
com outras estruturas que possuem também suas autoridades
e, por vezes, detêm mais legitimidade que os próprios governos.
Nesses casos, a abordagem estatal já provou não ser a mais
apropriada para obter uma paz e segurança duradouras.
A abordagem não centrada no Estado se baseia na
promoção da cooperação, coordenação e cogovernança
sustentável entre as instituições estatais e os diversos provedores
não estatais de segurança. Havendo dentro do Estado relações
entre diferentes tipos de provedores de segurança e justiça
que exercem atividades similares de maneira paralela às
autoridades estatais, os programas de reforma tendem a buscar
a centralização da provisão de justiça e segurança exercida pelas
instituições estatais em longo prazo. A ação estatal em direção a
todo o Estado se dá paulatinamente, mas englobando e lidando,
no início, com os atores não estatais.
A análise conceitual e o aprendizado com diversas reformas
implementadas em diferentes Estados sugerem a abordagem
46
não estatal nas situações complexas, pois além possibilitar a
complementaridade e a cogovernança, normalmente facilita a
obtenção de recursos externos necessários para a implementação
dos arranjos nas esferas da segurança e da justiça. Logo, as
questões principais passam a ser como os programas devem
engajar efetivamente os atores não estatais, uma vez que não há
um modelo que possa ser aplicado a qualquer situação, e como
lidar com as normas e regras informais que estas estruturas
criam, aplicam e são seguidas pelas comunidades. A maneira
de lidar com os diversos atores será diferente em cada Estado,
dependendo da importância e do papel que desempenham
na sociedade e o impacto que causam na governança. Nesses
casos, os programas a serem implementados devem considerar
a situação nos níveis local, nacional e regional.
Greene (2003b, p. 7-8, tradução nossa), apresentou
as vantagens de uma perspectiva regional na prestação da
assistência à reforma: como os desafios de segurança e as preo-
cupações são muitas vezes transnacionais ou sub-regionais,
“uma abordagem regional pode aumentar a conscientização e
o engajamento nesses desafios, permitindo o desenvolvimento
de programas de reforma dirigidos às questões transnacionais
transversais”; as sub-regiões e regiões “muitas vezes com-
partilham entendimentos e abordagens semelhantes para
o papel dos diversos ramos do setor da segurança”, bem
como “compartilham semelhantes sensibilidades políticas
ou abordagens para a ajuda externa na reforma do setor de
segurança”; facilita a mobilização de organizações e instituições
regionais no apoio aos programas e reforça a cooperação
regional e a construção da confiança mútua; a cooperação
bilateral ou sub-regional pode aumentar consideravelmente
a eficácia dos programas; a proximidade geográfica facilita
o compartilhamento de experiências, a disseminação do
aprendizado nos processos e coordenação entre doadores e
os países beneficiários; e a análise regional pode ser usada no
desenvolvimento da assistência em países vizinhos.
47
O mesmo autor salientou que há desvantagens na adoção
de abordagens regionais: ela pode incentivar generalizações
regionais que aumentam os riscos de uma análise inadequada
das características nacionais ou setoriais da reforma; os
governos podem se mostrar menos dispostos em aceitar
ajuda por meio de um quadro ou abordagem regional; pode
influenciar na determinação de prioridades com custos para os
programas nacionais específicos; e a estratégia, coordenação e
lições apreendidas podem ser mais bem aprimoradas quando
focadas em um contexto ou agenda específica de segurança.
Ou seja, as relações complexas e por vezes contraditórias
entre atores estatais e não estatais pode indicar que os envolvi-
dos no processo de reforma como os doadores internacionais,
ONU, organizações internacionais e regionais e ONGs devam
observar níveis supra ou subestatais ao estruturar o setor de
segurança e a governança dos Estados, saindo da conduta
tradicional de observar o nível estatal ou internacional.
A quantidade de atores envolvidos, cada um com seus
interesses próprios e por vezes divergentes fazem com que, em
determinados casos, especialmente nas situações pós-conflitos
armados, haja uma dificuldade tremenda em formatar um
processo de reforma do setor de segurança que possa ter sucesso.
Em alguns casos, a melhor opção de abordagem será a que
engloba a questão regional, especialmente quando há Estados
vizinhos envolvidos de alguma forma no conflito. Em outros
casos, deverá ser localizada em regiões do país receptor onde
não há a presença do Estado ou ela é limitada por provedores de
segurança locais. Mas, em qualquer caso, os programas devem
estar englobados num processo mais amplo que envolva todo o
Estado, e planejados de acordo com as necessidade e prioridades
de curto, médio e longo prazos.
54
elementos do processo e não indica que deve haver essa clara
sequência temporal.
A abordagem holística implica no planejamento de ativi-
dades específicas de maneira interdependente, num quadro
mais abrangente de reforma. Sendo interdependentes, cada
atividade afetará, de alguma maneira, as demais. Ao lidar com
um componente específico, deve-se pensar outros elementos,
cujas ações impactam o primeiro. Pensar em uma força policial
eficaz implica em pensar nos órgãos do governo que garantirão
a eficácia, pois são responsáveis pelo orçamento, meios legais e
fiscalização, e na sociedade civil que é a receptora do “serviço”
e que, se corretamente organizada, vai prover o feedback do
desempenho policial.
A ONU reconheceu a necessidade de uma abordagem
holística como sendo vital para o sucesso das reformas. Também
reconheceu a necessidade de que a abordagem seja integrada e
coordenada (UN, A/62/659–S/2008/39, 2008).
59
está consubstanciado em alguns manuais como o Manual de
Campanha C 101-5 – Estado-Maior e Ordens (BRASIL, 2003).
Utilizando esse método de planejamento, com as adaptações
necessárias, apresentamos uma ideia de planejamento no
campo da reforma do setor de segurança.
Em um determinado momento, decorrente de um mandato
para uma operação de paz, em uma operação de paz já em
andamento, por força de um acordo de paz, por necessidade
de um determinado Estado, etc., surge a necessidade de lidar
com determinada questão no setor de segurança. Apresentado
o problema, será feito o estudo da viabilidade do projeto. É
um estudo genérico que apresenta a ideia geral em termos
de objetivos e fatores que devem ser observados para sua
implementação. É o nascimento do projeto que vai gerar o que
se denomina na área de gerenciamento de “termo de abertura”.
É o input necessário para o início do planejamento.
Kerzner (2010, p. 15) define projeto como um “em-
preendimento com objetivo identificável, que consome re-
cursos e opera sob pressões de prazo, custo e qualidade”. Um
projeto deve apresentar uma sequência clara e lógica de eventos
para atingir um objetivo claro e definido, com tempo, custos,
recursos e qualidade predefinidos (VARGAS, 2005). Assim, um
projeto tem prazo, sendo encerrado quando os objetivos forem
alcançados, quando se concluir que os objetivos não serão ou
não poderão ser atingidos ou quando o mesmo não for mais
necessário (PMI, 2014).
Um objetivo claro e definido indica a presença de requisitos
específicos, ou seja, tarefas a serem cumpridas, metas a serem
atingidas, tempo, custo e recursos. Um projeto é desenhado
para criar algo novo ou melhorar algo que já existente.
O gerenciamento de projetos indica um processo de
planejamento, coordenação, controle das atividades para
cumprir o objetivo, incluindo os prazos e o orçamento. Enten-
dido como processo, o gerenciamento deve ser contínuo e
revisado toda vez que surgirem novas informações, o que
possibilitará a adequação das propostas e decisões elaboradas.
60
Dessa forma, a processo de reforma pode apresentar as fases de
planejamento; execução; monitoramento; avaliação; e revisão e
encerramento.
O planejamento é um processo de tomada de decisão
pelo qual se escolhem as alternativas para as atividades a
serem realizadas, definido o quê, como, onde, quem, para quê
e quando fazer algo, ou seja, ao final do processo estabelece-
se os objetivos e as atividades que devem ser realizadas. A
finalidade do planejamento é determinar como alcançar os
objetivos dentro do tempo previsto, com economia de meios
e melhores resultados. Um planejamento adequado e objetivo
é essencial para a solução de qualquer problema e permite o
exame detalhado e sistemático de todos os fatores que envolvem
um programa ou projeto. O estudo da situação, a decisão e a
elaboração dos planos são partes integrantes do planejamento.
Em seguida vêm as etapas da execução, monitoramento
(supervisão e controle), avaliação e revisão.
Pode-se adotar uma metodologia cartesiana, dividindo o
estudo em partes para maior detalhamento de cada questão. A
fase de planejamento deve ser feita por uma equipe que deve
ser independente o suficiente para realizar a gestão. Ao receber
a missão, essa equipe deve se empenhar na identificação e
estruturação dos problemas, tomada de decisões e preparação
de planos. A realização dessas ações – o processo decisório –
numa sequência lógica e metódica permite a certeza de que
todas as situações possíveis sejam consideradas, que a decisão
se fundamenta em todos os dados e conhecimentos disponíveis
e que foi feito o melhor emprego da assessoria.
O estudo de situação é um processo lógico e continuado
de raciocínio, uma avaliação das necessidades e realidades, que
leva em consideração todas as circunstâncias que possam afetar
uma determinada situação para se chegar a uma decisão ou
a uma proposta que objetive o cumprimento de uma missão.
É um processo de resolução de problemas cuja finalidade é
determinar a melhor maneira de se cumprir uma missão.10
10. Definições adaptadas de BRASIL, EB, 2003.
61
É um processo continuado e deve ser prolongado durante a
execução dos projetos (monitoramento), o que possibilitará sua
adequação às demandas que surgirem durante a implementação
(revisão).
A técnica de resolução de problemas é desenvolvida
com base em etapas que possibilitam a tomada de decisão
através do estabelecimento e análise de alternativas (linhas
de ação) lógicas. O responsável (ou responsáveis) deve ter
conhecimento, experiência e o discernimento para reconhecer
quais os aspectos mais significativos do problema e quais os
fatos irrelevantes que devem ser afastados ou eliminados, e
identificar os fatores que tornem inadequada uma determinada
solução. Nesse sentido, parte-se do princípio que os membros
envolvidos no planejamento e gestão dos programas e projetos,
bem como os responsáveis pela integração dos mesmos,
tenham o conhecimento e a experiência necessária, tanto de
gerenciamento como de segurança.
As etapas dessa técnica são: estudo da missão, reunião de
dados sobre o problema (situação), estruturação do problema
e levantamento de alternativas de solução (confecção de linhas
de ação), análise das soluções possíveis (comparação das linhas
de ação) e seleção da melhor solução (decisão).
O estudo da missão implica na identificação ou definição
do problema. Analisa-se a missão recebida e a sua intenção com
base nos objetivos apresentados pelo nível político-estratégico,
verificando seu objetivo específico, sua finalidade e as ações
que devem ser realizadas (impostas e/ou que já possam ser
deduzidas nesse momento). O estudo permite definir as ações
que devem ser realizadas, qual a sequência dessas ações e quais
as condições para sua execução, por exemplo, a determinação
do tempo, o que permitirá a confecção de um cronograma
inicial, ou seja, a distribuição do esforço a ser empreendido ao
longo de uma linha do tempo. A conclusão dessa fase permite
a apresentação de um texto que será a base para a confecção
dos planos. O responsável pode, se achar necessário, apresentar
uma diretriz de planejamento, explanando a intenção dos
62
programas e projetos e as mudanças pretendidas, as quais
devem ser observadas pela equipe responsável.
Na fase da reunião de dados sobre o problema é feito um
estudo abrangente da situação, levantando os atores de alguma
maneira envolvidos no processo, ou pelo processo, e a maneira
com que cada um deles intervém no mesmo. Implica na coleta
de dados e análise das informações direcionadas ao objetivo
que deve ser cumprido. É uma fase de extrema importância,
pois uma avaliação errada ou incompleta pode resultar no
planejamento incorreto com graves consequências para o
sucesso do processo. Alguns dados são obtidos por comparação
ou de maneira descritiva, outros só podem ser obtidos por uma
pesquisa empírica.
Sendo a abordagem multissetorial, deve-se levantar
dados sobre defesa, inteligência, segurança pública, sistema
judiciário, sistema prisional, sociedade civil, fiscalização civil,
gerenciamento financeiro, companhias de segurança privada11
e companhias militares privadas.12
Como as ligações com outros fatores importantes
de estabilização e reconstrução são importantes, devem
ser levantados dados sobre: a agenda de democratização;
desarmamento, desmobilização, repatriamento, reabilitação e
reintegração (DDRRR) de combatentes, justiça de transição,
controle de armas, direitos humanos, igualdade de gênero
(proteção de mulheres), crianças soldados, minas, dentre
outros.
O estudo de todos os fatores possíveis permitirá em etapas
seguintes o levantamento dos riscos, ou seja, os aspectos que
afetam as possíveis linhas de ação.
O levantamento quantitativo e qualitativo dos diversos
atores como composição e valor, a comparação de poderes
relativos entre esses atores deve ser feito para determinar,
11. Companhias que prestam serviços de segurança privada ou para
governos como avaliação e análise de riscos e segurança pessoal.
12. São as companhias que prestam serviços militares de combate e/ou
treinamento e inteligência militar.
63
em cada fator analisado, os aspectos predominantes suas
possibilidades e deficiências. No estudo, deve-se observar os
indícios que servirão de base para a posterior determinação das
prováveis condutas desses atores, ou seja, determinar os atores
presentes (ou que possam se fazer presentes) e sua influência
no processo de reforma. Na análise das possibilidades dos
atores procura-se verificar as ações que cada um deles é capaz
de realizar e que, se realizadas, influenciam nos programas/
projetos a serem desenhados, as que têm maior probabilidade
de adoção, com base nas atividades importantes recentes e atuais
de cada ator, concluindo-se pela(s) mais provável(is). Quanto
às vulnerabilidades, elas resultam de suas peculiaridades e
deficiências e permitem determinar aquelas que possam ser
exploradas em prol do processo de reforma.
O estudo minucioso de cada ator evitará que os responsáveis
pela reforma sejam surpreendidos com uma ação inesperada
por parte de algum deles que possa comprometer o processo.
A montagem de uma matriz de eventos para acom-
panhamento das ações dos diversos atores e das atividades a
serem realizadas facilita o estudo. A matriz é confeccionada
com base no levantamento das áreas de atuação e atividades
observadas que podem revelar qual a linha de ação adotada por
cada um deles. É interessante salientar que o acompanhamento
da situação, interesses, etc. desses atores durante a execução
da reforma permite aos responsáveis se precaverem contra
possíveis ações que impactem o processo, bem como levantar
dados que permitam, na fase de monitoramento, a correção de
rumos de algumas atividades como parte da revisão.
Uma ideia de tópicos a serem levantados e analisados é
apresentada a seguir. Trata-se de uma compilação do que foi
apresentado nos trabalhos de diversos autores e centros
de estudo e pesquisa, e em documentos de organizações,
já apresentados no texto ou indicados nas referencias
bibliográficas.
O levantamento de dados e a análise se dão em relação
aos ambientes interno e externo. No ambiente interno devem
64
ser observados os campos político, econômico, social e de
segurança.
No campo político, o passo inicial seria levantar os prin-
cipais atores: governo, ministérios, parlamento, comissões
legislativas, sistema judiciário, cortes, partidos políticos. Os
aspectos a serem considerados são: história política nacional;
se há um governo eleito e um parlamento funcionando; classe
política dominante; partidos políticos e sua influência no
Estado; aspectos políticos que contribuem para um ambiente
conflituoso; sistema eleitoral; a divisão político-administrativa;
situação dos governos nacional, provincial, distrital e
municipal; situação dos ministérios e departamentos de mais
alto nível; situação da administração pública (infraestrutura,
burocracia, níveis de corrupção, etc.); nível de governança;
nível de controle do governo sobre o território e a população;
situação do sistema legal; situação do sistema orçamentário;
se há um conselho nacional de defesa e quais seus integrantes;
se há um judiciário independente; estrutura judiciária (infra-
estrutura, cortes de justiça, procedimentos, acesso à justiça);
situação do sistema prisional (instalações, procedimentos,
quantidade de presos); como se dá o controle e fiscalização do
governo e do parlamento sobre as instituições de segurança
e sob que mecanismos legais; qual a relação governo/classe
política-sociedade; qual a percepção da população em relação
a classe política; capacidades e integridade desses atores em
cumprir suas missões; qual o nível de capacidade do governo
em assumir o processo de reforma (apropriação local); e outros
que possam ser considerados relevantes.
No campo econômico devem ser observados: o nível
de desenvolvimento econômico; recursos econômicos; in-
fraestrutura (transporte, educação, energia, refinarias e
produção de combustível, água potável, sistema sanitário, saúde,
instituições financeiras, comércio, alimentação e abastecimento,
etc.) e seu impacto na sociedade; capacidades econômicas;
grupos que exercem controle de recursos econômicos, como,
onde e sua relação com o setor de segurança; situação do
65
orçamento e déficit orçamentário; impacto dos gastos do setor
de segurança na economia; oportunidades econômicas, a falta
delas e seu impacto social; nível de desemprego, especialmente
entre jovens; e impacto do processo de reforma na economia
local.
No campo social, os dados que devem ser levantados são:
estrutura da sociedade, incluindo enclaves étnicos, tribais,
políticos, religiosos, criminosos e outros; as disparidades/
discriminações na sociedade (étnicas, religiosas, raciais, de
gênero, etc.) e de normas e seu impacto no setor de segurança;
questões culturais importantes para o setor de segurança;
línguas e dialetos falados pela população; presença de
refugiados e deslocados e áreas onde se encontram; organiza-
ções religiosas, político-partidárias, patrióticas, comunitárias,
governamentais internacionais, não governamentais; sindicatos
de classe; estruturas sociais (grupos, redes, instituições,
influência que exercem, normas sociais, identidade);
instrumentos existentes de controle da sociedade (formais e
informais); indicadores de desenvolvimento; a existência de
disputas por terra ou por recursos e os grupos envolvidos;
acesso da população aos serviços públicos essenciais (educação,
saúde, segurança, energia, etc.); descontentamentos; cultura/
participação política; eventos que conduziram ao conflito;
existência de força externa no país; a disponibilidade de armas
para a população em geral; as relações civis-militares; situação
dos direitos humanos, se há violações, quem pratica, se há
mecanismos para monitorar, relatar, responder às violações,
o que fazer com os perpetradores e medidas para prevenir as
violações; existência de grupos marginalizados e como inseri-
los no processo de reforma; capacidade do setor de segurança
em lidar com o tema direitos humanos e como as atividades
de reforma podem lidar com a questão; situação da saúde
(ex. cólera), de doenças (ex. HIV/Aids) e suas consequências;
questões demográficas e climáticas e seu impacto (ex.
deslocamentos internos da população); situação educacional
(taxa de analfabetismo, etc.) e seu impacto social; situação da
66
mídia e da comunicação em massa, incluindo a infraestrutura
de comunicações e a importância do setor para a sociedade.
Nos processos de reforma, o campo da segurança ganha
maior importância. O levantamento de dados e a análise devem
partir da definição dos diversos atores estatais e não estatais de
segurança.
Inicialmente, deve-se fazer um levantamento geral sobre:
o ambiente interno de segurança; as deficiências do setor;
a situação do controle de fronteiras; migrações internas ou
interestatais, forçadas ou não, como se dão e suas causas; a
situação do crime organizado (terrorismo, tráfico de drogas,
pirataria, lavagem de dinheiro, contrabando, etc.); a presença
de mercenários, quem os financia e como atuam; taxas de
criminalidade; dentre outras. O segundo passo é identificar os
atores estatais de segurança: forças armadas, polícia (militar
e civil), gendarmerias, paramilitares, guardas presidenciais,
agentes de inteligência, guarda costeira, guardas de fronteira,
autoridades alfandegárias, unidades de segurança local e
unidades de reserva e de defesa civil.
Em seguida, para cada ator levantar: qual o seu papel
histórico; qual o seu papel dentro da sociedade; efetivo;
composição; dispositivo; situação logística; moral; grau
de instrução e de adestramento; infraestrutura (quartéis,
academias, delegacias); deficiências e vulnerabilidades; grau
de eficiência em prover segurança; se opera sob controle
(subordinado ao governo) ou com autonomia; qual o nível de
utilização desses atores externamente e/ou internamente no
Estado, em que condições isso ocorre e como se dá o balanço
entre segurança interna e externa; se opera de acordo com um
marco constitucional e seguindo política, estratégia, doutrina
e normas estabelecidas; como é acionado durantes as crises/
guerras; se opera mediante alianças (com outros grupos no in-
terior do Estado); se tem ligação com outros Estados (influência
e/ou financiamento de grupos ou de Estados) e a profundidade
dessa ligação; se opera apenas com o orçamento do Estado ou
possui outras fontes; quem aprova o orçamento; como se dá a
67
aquisição de armamento e equipamento; custo de cada ator para
o orçamento nacional; se há transparência na utilização dos
recursos; se possui cadeia de comando que permite o controle
dos comandantes sobre seus subordinados; grau de disciplina;
como é o sistema de recrutamento e de desmobilização; se é
inclusivo ou exclui determinados grupos de seus efetivos; como
é o processo de avanço na carreira (promoções); como se dá
o processo decisório; qual a capacidade (competência técnica)
e integridade (qualidade da governança) de cada um para
cumprir suas missões; o grau de politização (se houver) ou se
é politicamente neutro; qual o status que detém na estrutura
do Estado; quais seus interesses e suas necessidades; e qual a
percepção da sociedade sobre cada um deles.
No final, o estudo deve permitir a identificação clara de
quem provê segurança para quem, onde e como, qual o grau de
capacidade e de integridade dos atores e como estas dimensões
se interelacionam. Deve permitir, também, a identificação
dos interesses e necessidades de cada ator e das possibilidades
positivas e negativas de cada um deles atuar/influenciar nos
programas de reforma.
O terceiro passo é identificar os atores não estatais de
segurança: forças de guerrilha, insurgentes, paramilitares,
exército de libertação nacional, grupos rebeldes, vigilantes,
senhores da guerra, forças de defesa civil, companhias
privadas, unidades de segurança pessoal, milícias, autoridades
costumeiras e/ou tradicionais.
Para cada ator levantar: efetivo; composição; dispositivo;
situação logística; moral; grau de instrução e de adestramento;
deficiências e vulnerabilidades; se opera sob controle de
alguma autoridade estatal ou com autonomia; qual o grau de
envolvimento desses atores internamente no Estado; se opera
de maneira nacional ou local; se opera mediante alianças (com
outros grupos no interior do Estado); se tem ligação com
outros Estados (influência e/ou financiamento, de grupos ou
de Estados vizinhos) e a profundidade dessa ligação; quais suas
fontes de financiamento; como se dá a aquisição de armamento
68
e equipamento; se possui cadeia de comando que permite o
controle dos comandantes sobre seus subordinados; grau de
disciplina; como se dá o processo decisório; qual o seu papel
dentro da sociedade; qual a capacidade de cumprir suas missões
a que se propõe; o grau de politização (se houver); qual o status
dentro do Estado; quais seus interesses e necessidades; e qual a
percepção da sociedade (nacional/local) sobre cada um deles.
No final, o estudo deve permitir identificar: o claro papel
do setor de segurança no conflito; como cada ator contribui
para as causas do conflito; o nível de privatização do setor de
segurança; que grupo provê segurança para quem, onde e como;
quais os interesses e necessidades de cada ator; a capacidade de
cada um deles em cumprir com seus objetivos; se a provisão
de segurança é competitiva ou conflitiva e que estratégia de
reforma permite promover coordenação e delinear esferas de
influência; a percepção de diversos setores da sociedade sobre
cada um desses atores de segurança; a possível competição entre
a reforma e os interesses particulares e demandas desses grupos
e como lidar com isso; as possibilidades positivas e negativas
de cada um deles atuar/influenciar o programa de reformas;
a necessidade de um programa de DDR; como cada um deles
pode ser afetado pelo processo da reforma; a capacidade de
cada um em auxiliar ou minar o processo; e como esses grupos
podem ser motivados a participar da reforma.
No caso do ambiente externo, deve-se partir da avaliação
da dimensão regional do conflito: qual a dinâmica regional; se
há cooperação, influência, financiamento de Estados ou grupos
vizinhos com o governo e com os diversos atores estatais e não
estatais de segurança e qual o nível dessa relação; a influência
das fronteiras no conflito (atividades ilegais, crime organizado,
tráfico, refugiados, etc.) e as medidas necessárias em relação a
essa região; nível de participação regional no conflito; interesses
desses atores regionais; capacidade dos vizinhos em auxiliar ou
minar o processo de reformas; as ameaças (quais são, de onde
vem, quem faz o quê, como, onde, quando e para quem) e como
o setor de segurança lida com elas.
69
Em seguida, identificar os possíveis parceiros (inter-
nacionais, regionais, nacionais e locais), suas capacidades, qual
o tipo de envolvimento (em desenvolvimento, segurança ou
governança), qual o foco de cada um deles (global, regional,
sub-regional, local), os instrumentos que cada um utiliza
(atividades de campo, estabelecimento de normas, assistência
técnica, construção de capacidades), seus interesses e o grau de
influência no processo.
Os dados devem permitir o estudo dos diversos atores de
modo a poder identificar os potenciais interessados, determinar
seus interesses em relação a um programa de reforma da
segurança e da justiça, a capacidade e influência de cada um
deles, e se essa influência é positiva ou negativa para o processo,
programa ou projeto.
Há várias ferramentas que foram desenvolvidas e têm sido
utilizadas para o levantamento da situação (avaliações), como
o ISSAT Operational Guidance Notes (DCAF, ISSAT, 2014),
o Swedish SSR Assessment Framework (SWEDISH, 2008), o
UNDP Capacity Assessment (UNDP, 2007), o DCAF Gender and
SSR Toolkit (BASTICK; VALASEK, 2008) e o UNODC Criminal
Justice Assessment Toolkit (UNODC, 2006).
Na fase da estruturação do problema e levantamento de
alternativas para sua solução são considerados os aspectos
que possam afetar o desenvolvimento das ações, levantadas
todas as alternativas possíveis para atingir o objetivo proposto
e elaborada uma linha de ação possível de ser executada para
cada alternativa levantada, que deve responder as perguntas
o quê, quando, onde e como. Como nessa fase são estudados
os aspectos que afetam as possíveis linhas de ação que vão
sendo levantadas e as possíveis atitudes dos atores envolvidos,
o trabalho permite selecionar dados para a confecção do plano
de riscos que será realizada em etapas seguintes. A elaboração
das linhas de ações leva em consideração uma série de variáveis
que normalmente vão sendo levantadas e as atividades que
devem ser realizadas pelos diversos elementos envolvidos na
reforma de acordo com as possibilidades de cada um deles.
70
O levantamento de alternativas deve levar em consideração,
também, a adequação dos objetivos propostos aos desejos
dos envolvidos no processo (o desejo nacional e a expectativa
internacional) e o nível de aceitabilidade das atividades. Como
a reforma deve estabelecer links com outros importantes fatores
de estabilização e reconstrução como DDR, justiça de transição,
controle de armas, direitos humanos, igualdade de gênero,
crianças, etc., esses aspectos devem ser levados em consideração
na elaboração das linhas de ação. Também se deve observar os
mecanismos/padrões que devem ser seguidos como no campo
da proteção dos direitos humanos.
Na fase de análise das soluções possíveis, as alternativas
construídas no tópico anterior devem ser confrontadas com
as possibilidades de reação dos diversos atores (positivas ou
negativas) em relação a fatores que a impactam, procurando
visualizar a execução e os resultados prováveis. Durante
esse jogo, opção versus impactos (riscos) versus reação dos
atores, pode-se introduzir aperfeiçoamentos na linha de ação,
completar e/ou alterar os itens (o quê, quando, onde, como),
levantar vantagens e desvantagens (os pontos fortes e fracos)
de cada uma delas. O trabalho nessa fase também permite o
levantamento de dados para a sincronização das atividades,
especialmente com os chamados temas transversais, e sobre
os riscos a sua execução e que serão utilizados em etapas
posteriores. Da análise sobre a situação de cada ator relevante
devem-se utilizar os dados que indiquem a ação mais provável
que pode ser colocada em prática por cada um deles. No final
dessa fase, a equipe seleciona as linhas de ação possíveis de
serem executadas e que apresentam mais vantagens em relação
aos riscos.
Em seguida, selecionadas as linhas de ação possíveis
de serem implementadas (as que apresentam menos
riscos), a equipe realiza a comparação entre essas linhas,
julgando a importância de cada uma delas em termos de
vantagens e desvantagens, quantitativas e qualitativas, e de
fatores preponderantes, o que permite identificar aquela que
71
proporciona maior possibilidade de sucesso. Essa comparação
permite, também, levantar dados para a sincronização das
ações (tanto em relação ao tempo das atividades previstas para
um determinado projeto quanto aos pontos de integração com
outros projetos). No final dessa fase, as linhas de ação que se
mostrarem inviáveis são descartadas.
A melhor linha de ação é, normalmente, aquela que tem as
mais vantagens e menos desvantagens. Algumas das vantagens
e desvantagens observadas podem ser tão insignificantes que
são ignoradas. Então, deve-se determinar a importância de cada
uma delas para o cumprimento do objetivo do projeto antes de
aplicá-las em cada linha de ação.
Nesse trabalho, pode-se levantar todas as vantagens e
desvantagens e depois compará-las como também determinar
preponderância de um ou mais fatores sobre os outros
(selecionar os fatores mais importantes) e aplicá-los a cada linha
de ação. Ao final desse procedimento, os responsáveis ficam em
condições de decidir qual a melhor linha de ação a ser adotada,
usando também sua habilidade, experiência e capacidade de
julgamento e de lidar com as tensões que surgem no processo
decisório entre objetividade e subjetividade.
Finalmente, chega-se à fase da decisão, ou seja, da seleção da
melhor solução (ou melhores soluções). A alternativa escolhida
no tópico anterior define claramente os objetivos, metas, alvos,
quem engajar e como (as atividades a serem realizadas para
realmente afetar a situação de maneira particular). Assim, a
alternativa é transcrita, indicando o quê, quando, onde, como,
para quê e quem será responsável por fazer. É a definição do
escopo e dos requisitos do projeto.
A operacionalização da decisão envolve a execução de
atividades de acordo com as prioridades estabelecidas, os
princípios orientadores, metas e objetivos relacionados. A im-
plementação é realizada de acordo com prazos determinados,
tem consequências financeiras e sociais e, por isso, deve ter
sua eficácia avaliada de forma sistemática e com base numa
metodologia.
72
Assim, são definidas: as prioridades; as atividades a serem
executadas; a sequência delas, confeccionando um cronograma;
as comunicações necessárias; os custos do projeto (orçamento);
as aquisições necessárias; as necessidades de recursos humanos
(funções, responsabilidades, habilidades, etc.); as medidas de
controle e coordenação da execução (monitoramento); e os
indicadores de qualidade que devem ser atingidos (a serem
observados durante a avaliação). Com esses dados, o passo
seguinte é a confecção dos planos. Como a situação não é
estática, mas dinâmica, o planejamento deve ser continuado.
Tomada a decisão, a equipe responsável inicia a confecção
dos planos. Um plano de gestão disciplina o planejamento, a
organização e os recursos para atingir um objetivo. Na confecção
do Plano de Gerenciamento do Projeto é definido seu escopo
(missão), o escopo do produto (execução/implementação)
e apresentados os aspectos que prioritariamente devem ser
considerados para o planejamento (diretriz de planejamento).
São definidas e sequenciadas as atividades, estimando a duração
e os custos de cada uma delas e desenvolvido o cronograma do
projeto.
A missão (escopo) apresenta o enunciado claro do que deve
ser realizado, contém os aspectos principais que nortearão as
ações dos envolvidos, incluindo o contexto e as ações a serem
realizadas, além de outros dados necessários à sua compreensão.
A execução/implementação é uma exposição do plano tá-
tico (as ações no terreno) e deve ser expressa com detalhes
suficientes para assegurar uma completa compreensão e ações
apropriadas pelos responsáveis. Apresenta uma descrição geral
das atividades dos envolvidos nas ações práticas no terreno e
pode ser dividida em fases, itens e subitens descrevendo cada
atividade, devendo, sempre que possível, enumerar os critérios
(indicadores mensuráveis) e os níveis de performance que devem
ser atingidos (a serem utilizados nas fases de monitoramento
e avaliação). A diretriz de planejamento expedirá a intenção
inicial, orientando os trabalhos da equipe do projeto nas fases
73
seguintes e os planejamentos dos demais envolvidos para a
execução no terreno.
São preparados, então, os diversos planos. Para isso
é estabelecida a estrutura analítica do projeto (EAP)13,
desenvolvido o cronograma, preparado o orçamento e as
aquisições, planejada a qualidade do projeto e desenvolvido o
plano de recursos humanos. O Plano de Comunicações deve
permitir o estabelecimento da comunicação entre as diversas
partes envolvidas, atentando para o detalhe que ela normalmente
conecta vários ambientes culturais e organizacionais, diferentes
níveis de conhecimento e diversas perspectivas e interesses.
O planejamento de custos e de recursos humanos deve
apresentar as necessidades para execução das diversas tarefas
e a disponibilidade de recursos para realizá-las, tanto nacionais
(para permitir uma reforma que seja sustentável no tempo
e no espaço) quanto dos internacionais, e como devem ser
aplicados. Ainda, como se dará a coordenação e o controle
desses recursos e se o governo tem capacidade de gerenciá-
los com responsabilidade e transparência. O Plano de Custos
e Aquisições deve incluir mecanismos para garantir que os
gastos com segurança estão de acordo com os padrões de gastos
públicos, que sejam suportáveis pelo orçamento do Estado e se
dêem de maneira transparente e de acordo com as prioridades
estabelecidas.
Para o Plano de Gerenciamento de Riscos são identificados
os riscos (a maior parte deles já levantados no estudo da
situação), é realizada a análise desses riscos de forma qualitativa
(identificados nos objetivos do projeto) e quantitativa, e
planejadas as respostas a eles (gerenciamento dos riscos). Na
análise é feita uma priorização dos riscos que podem ter impacto
potencial e substancial nas demandas concorrentes do projeto.
No planejamento do gerenciamento dos riscos são desenvolvidas
e selecionadas ações e opções, oportunas e adequadas, para
responder a cada risco, incluindo a identificação e designação
13. A EAP apresenta as ações específicas, ou seja, as atividades a serem
realizadas.
74
dos responsáveis por implementar cada uma delas. Deve-se
observar, também, o impacto da reforma sobre as relações no
interior do Estado (se vai causar tensões, que tipo, como essas
tensões podem impactar o processo e como diminuí-las).
No caso de projetos que necessitam ser integrados, os
responsáveis podem trabalhar na matriz de sincronização,
que teve sua confecção iniciada no estudo da situação,
apresentando as atividades de cada projeto que dependem de
outras atividades e sua sincronização em termos de prazos para
conclusão. A matriz é empregada no arranjo das atividades de
todos os sistemas operacionais no tempo e no espaço, com a
finalidade de obter o máximo de eficácia em cada uma delas.
Será importante, também, para a visualização dos links com
outros projetos da reforma, especialmente os transversais, e no
auxílio ao monitoramento das atividades implementadas.
Os planos devem permitir a execução/implementação dos
programas e projetos de acordo com as prioridades, princípios,
metas e objetivos estabelecidos. A implementação deve ocorrer
em diferentes níveis em relação ao Estado, aos serviços não
estatais e à sociedade em geral, levando em consideração a
multiplicidade de interessados, o que permite direcionar os
recursos às diversas instituições receptoras em múltiplos pontos
em que os serviços de segurança ocorrem no dia a dia.
A presença de inúmeros atores locais e externos e o
sentido multidisciplinar e em diferentes níveis da reforma,
exige a coordenação entre os envolvidos, ou seja, as iniciativas
necessárias para que trabalhem em conjunto e de forma
organizada. A coordenação e integração entre as diversas partes
envolvidas tem um papel fundamental para a maior eficácia dos
programas/projetos, ajuda no seu melhor conhecimento e uso
dos recursos e integra as chamadas “questões transversais” como
gênero e direitos humanos, dentre outras, em todo o processo.
As equipes responsáveis pela coordenação do processo,
programas e/ou projetos devem ser dotadas de poder para
decidir, ser ligadas à autoridade central do processo (governo
nacional ou organização) e com capacidade para reunir e
75
compartilhar informações entre os diversos componentes da
reforma (indivíduos, órgãos, organizações ou instituições).
A coordenação é normalmente ligada às abordagens sis-
têmicas e interministeriais (ou também chamada global de
governo). A primeira diz respeito à interação entre as diversas
organizações internacionais com diferentes culturas, estruturas
e procedimentos institucionais e a segunda à interação entre
os diversos elementos da estrutura estatal como ministérios e
departamentos.
Os obstáculos à coordenação podem incluir: a natureza
política e interministerial da segurança, podendo haver
concorrência entre os ministérios e departamentos; as
diferenças na abordagem, culturas institucionais, opiniões e
procedimentos administrativos entre as diferentes instituições
governamentais; a multiplicidade de atores com agendas,
mandatos e recursos financeiros conflitantes; capacidade li-
mitada para coordenar as atividades no campo; vantagens
da ausência de coordenação para alguns atores; apropriação
nacional limitada no processo; diferenças culturais; tensão
entre os braços político e operacional dos doadores; falta de
estratégia coerente dos doadores; prioridades dos doadores
se sobrepondo as prioridades nacionais; multiplicidade de
mecanismos de coordenação, aumentando a burocracia, dentre
outros.
Durante a execução deve haver o monitoramento em razão
do dinamismo da situação, normalmente presente. Deve-se
verificar se as atividades estão sendo realizadas de maneira
correta, os objetivos serão possíveis de serem atingidos no
tempo previsto, se os receptores estão recebendo bem os
programas e projetos e se os mesmos se esforçam em cumpri-
los, que problemas surgiram e como fazer frente a eles, o que
precisa ser alterado e como.
O monitoramento vai indicar a necessidade, ou não, de uma
revisão do processo, ou seja, se deve haver uma intervenção para
correção de rumos, uma mudança radical de algum projeto que
76
não esteja sendo implementado corretamente ou a manutenção
das atividades de acordo com o planejado.
Os programas e projetos devem ser avaliados para que
haja a retroalimentação do processo. A avaliação indica
“medição”, ou seja, a utilização de critérios mensuráveis,
mas também de critérios subjetivos. Mas, medir “sucesso”
ou “fracasso” é problemático. Pode haver tecnicamente uma
reforma “bem-sucedida” das instituições a curto prazo, mas
para definir o “sucesso” num quadro amplo de democratização
e desenvolvimento é necessário um tempo maior de avaliação.
Sob o ponto de vista holístico, a “medição” só seria possível
com um tempo considerável e numa visão mais abrangente.
Qualquer avaliação em curto prazo e setorizada só seria viável
para reformas particulares, específicas. Por exemplo, pode-se
avaliar a evolução de um exército em termos de treinamento,
equipamentos e armamentos, analisando a construção de
centros, a criação de cursos, a compra de material, mas isso
não quer dizer que a reforma do setor de segurança como um
todo foi um sucesso. Dependendo de onde se dá, esses fatores
podem se constituir em um novo foco de insegurança. Polícia
com delegacias, viaturas, equipamentos e armamento novos,
por si só, não indicam que a mesma esteja cumprindo seu papel
de garantidora da segurança da população. E assim por diante.
Mas deve haver avaliação com o uso de mecanismos
para medir a eficácia que inclui metas e objetivos claramente
identificados e indicadores de desempenho.
Germann (2002) sugeriu três métodos de avaliação do
desempenho: a abordagem do quadro genérico baseado em um
“tipo ideal” contra o qual o desempenho pode ser medido (por
comparação de normas e padrões alcançados – ex. controle
democrático das forças armadas pode incluir fatores como
transparência no orçamento de defesa, supervisão parlamen-
tar eficaz da política de defesa e envolvimento da sociedade
civil em defesa); a abordagem coletiva/regional medindo o
desempenho contra agendas institucionais internacionais com
metas e indicadores específicos que devem ser alcançados,
77
por exemplo, utilizando critérios adotados pelo Euro-Atlantic
Partnership Council (EAPC) (NATO, 2014) e pelo OSCE Code
of Conduct (OSCE, 1994); e a abordagem processo/facilitação
que se concentra em critérios empíricos específicos em vez
de normativos, que atuam como elementos facilitadores
para a reforma (por exemplo, medindo “transparência” ou
“fiscalização” ao invés de “democracia”).
Para Edmunds (2002), a abordagem baseada no tipo ideal
pode funcionar bem para considerar a evolução geral da refor-
ma, mas apresenta problemas para fornecer avaliações de
elementos específicos do processo de reforma, pois a maior parte
dos critérios não são absolutos ficando abertos à interpretação
subjetiva. Além disso, por vezes esse tipo ideal vem de sistemas
diferentes e sua imposição em países com diferentes tradições,
circunstâncias políticas, estruturas, etc. pode ser problemático
e contraproducente. O segundo método fornece critérios
específicos para o processo mas pode estimular o trabalho de
cumprir os critérios em vez de perseguir uma reforma holística.
O terceiro método fornece um mecanismo útil para medir o
progresso em algumas áreas, mas pode resultar na perda do
foco do processo mais amplo da reforma.
De qualquer forma, a análise de cada caso é que determinará
qual desses métodos, ou qual a combinação de seus elementos,
se adapta melhor a determinada situação.
Conclusões
78
o principal responsável pela manutenção da segurança de seus
cidadãos, ainda permanece como o elemento central na agenda.
A partir da década de 1990, a reforma do setor de segurança
passou a ser implementada em diversos Estados, especialmente
em contextos de transição pós-autoritarismo (democracias
recém estabelecidas), em Estados ainda não abertos à
democracia, num contexto de conflito (pós-conflito) armado
e nos chamados Estados “fracos” ou “falidos”. Organizações
internacionais e não governamentais, Estados, instituições,
empresas privadas, de cunho local, regional ou global, se
envolveram nos mais diversos processos e em diferentes
contextos. A reforma do setor de segurança se dá, então, em
contextos específicos e com o objetivo maior de prevenir a
ocorrência ou recorrência de conflitos.
Estudos acadêmicos passaram a ser realizados sobre o
tema, além do aprendizado dos que se envolveram nessas
atividades de maneira prática, os quais deram forma ao atual
entendimento sobre a reforma do setor de segurança.
A atual concepção de reforma parte da precondição do
Estado com um governo civil eleito democraticamente que
controla o setor de segurança. Logicamente, esses elementos-
chave são carregados de valores ocidentais e da democracia
liberal. Mas é com base nesses valores que os principais
“doadores” internacionais têm implementado processos de
reforma.
O objetivo da reforma do setor de segurança é ajudar a
garantir que as pessoas fiquem mais seguras por meio da ação
eficaz e responsável das instituições de segurança que operam
sob o controle civil dentro de um quadro de Estado de direito
e de observância dos direitos humanos. O objetivo maior é
melhorar: a performance de provedores de segurança, dando-
lhes capacidade para cumprirem suas missões; o gerenciamento
das finanças e o Estado em geral pelos governos; e a capacidade
dos corpos independentes monitorarem e fiscalizarem os
provedores de segurança de acordo com normas democráticas.
Os principais elementos da reforma são: eficiência e eficácia (o
79
que engloba treinamento, equipamento, infraestrutura, etc.);
princípios e procedimentos para a operação das instituições do
setor de segurança, particularmente transparência e inclusão
(de grupos, comunidades e organizações da sociedade civil);
e responsabilidade em relação às comunidades. Com isso,
estabelece-se a confiança entre os cidadãos e as instituições do
Estado favorecendo a boa governança.
Os receptores da reforma são os elementos do setor
de segurança dos Estados. A maior parte das organizações
envolvidas em processos de reforma incluem hoje no setor
as instituições de segurança como forças armadas, polícia,
gendarmerias, serviços de inteligência, guardas costeiras e de
fronteira, etc., os órgãos de administração e fiscalização da
segurança, as instituições de justiça e de aplicação da lei e as
forças de segurança não estatais como exércitos de libertação e
de guerrilha, milícias, forças de segurança locais, etc.
Como são os Estados e as sociedades que definem e
gerenciam sua segurança de acordo com contextos particulares,
história, cultura e necessidades, apesar dela ser centrada em
valores-chaves, não existe um modelo único para a reforma
do setor de segurança. Tanto o ponto de partida como a
trajetória do processo diferem substancialmente de um país
para outro por conta das condições históricas específicas, nível
de desenvolvimento econômico, natureza do sistema político e
do ambiente de segurança. Então, princípios, diretrizes, valores,
etc. devem ser adaptados para cada país e contexto específico.
A viabilidade da reforma depende do ambiente político
e precisa ser ligada a reformas mais amplas no Estado que
criam as bases para os processos de transformação. Inclui os
diálogos nacionais, os esforços de reconciliação e iniciativas
de justiça transitória, dentre outros. Assim, em qualquer
situação, a reforma implica em mudanças profundas no Estado
e na sociedade. Logo, tem uma dimensão política e social
uma vez que altera as dinâmicas existentes, podendo ser,
consequentemente, controversa e contar com reação negativa
de determinados grupos. Nesse mesmo sentido, a reforma não
80
é um mero processo técnico ou de adaptação das estruturas
existentes, mas de alterações mais profundas nos sistemas do
Estado.
Atualmente há o consenso que a reforma tem que ser tratada
como um processo que se mostrou dinâmico no qual os Estados
têm que ser capazes de adaptar seus setores de segurança para
cumprir efetivamente suas demandas.
É multidisciplinar, engloba ou deve ser ligada a, num
sentido mais amplo, uma série de questões além daquelas
direcionadas especificamente para as forças de segurança
como eleições, reassentamento de desalojados internos e
refugiados, respeito e a proteção dos direitos humanos, grupos
de risco, o desarmamento, desmobilização e reintegração de ex-
combatentes, o controle de armas, gênero, gestão das finanças
públicas no setor, etc. A natureza transversal dos programas
exige a reunião de peritos com habilidades diferentes de várias
instituições e departamentos, bem como a aplicação de novos
tipos de experiência gerencial.
Sempre que possível, a reforma deve ser conduzida
pelas autoridades nacionais, ter um sentido de envolver todo
o governo (interministerial) com compartimentação das
responsabilidades. Os processos devem ser integrados nos
diferentes niveis do governo e pelas diferentes instituições
envolvidas e, se necessário, chegar até comunidades e
indivíduos. No processo, os parceiros (doadores), nacionais e
internacionais, desempenham o papel de apoiar e colaborar
com os envolvidos. Os principais atores externos que nas
últimas décadas têm desempenhado papel central na concepção
e realização de programas abordam a reforma de diferentes
maneiras, em desenvolvimento (Banco Mundial), na segurança
propriamente dita (Otan) ou pela perspectiva da governança
democrática (Conselho da Europa). Eles podem ter um foco
global (ONU, PNUD, Banco Mundial), regional (UA) ou sub-
regional (ECOWAS). Suas atividades podem se concentrar no
terreno, no campo da construção de capacidades, na prestação
de assistência técnica ou apenas fornecendo recursos (doações).
81
A multiplicidade de atores, na maior parte das vezes com
diferenças culturais, organizacionais, estruturais, de orçamentos
e de recursos humanos, e pouco acostumados a trabalhar
juntos, impõe a elaboração de mecanismos para coordenação
entre os envolvidos, em diversos níveis. Impõe, também, o
estabelecimento de links com as estruturas e quadros existentes
nas diversas organizações que participam do processo de modo
a permitir a integração entre os atores. A multiplicidade de
atores também leva a necessidade de se estabelecer mecanismos
de comunicação eficazes.
Atualmente há o consenso que a reforma deve ser abordada
de maneira holística por: reconhecer outras estruturas de
segurança além das tradicionais e seu papel num campo mais
amplo e complexo de reformas do Estado; permitir capturar a
extensão das demandas de segurança; criar melhores condições
para a implementação de ações de acordo com uma política
de segurança coerente e consistente; e combinar segurança,
governança e democracia, dentre outros aspectos. O sentido
holístico indica que deve haver a integração de reformas
parciais (defesa, polícia, inteligência, justiça, etc.), que deixam
de ser tratadas separadamente, bem como a integração com
outras questões a elas relacionadas como governança, direitos
humanos, responsabilidade, transparência, etc.
Vários acontecimentos, como no Timor-Leste, em 2006,
demonstraram que a reforma deve ser abordada de forma
sistemática. A prática ensinou, também, que qualquer atividade
deve definir claramente o papel dos envolvidos, que os modelos
criados não podem ser artificiais, ignorando as realidades no
terreno e as necessidades reais dos países beneficiários, e que
o processo deve ser realista, desenhado de acordo com as
possibilidades e recursos, e sustentável no tempo e no espaço.
A estratégia a ser adotada deve partir do conceito, se será
abrangente cobrindo todos os domínios políticos relevantes,
ou se haverá uma série de atividades específicas. Decidida pela
abordagem abrangente, a análise do setor em um determinado
ambiente deve permitir a definição das prioridades e o
82
planejamento de uma faixa mais estreita de atividades que
serão necessárias. Nesse sentido, a estrategia deve balancear os
programas centrados no Estado com os de abordagem não estatal,
devendo serem coordenados. Os parceiros internacionais e o
Estado receptor devem trabalhar para aumentar a habilidade de
lidar com as necessidades em segurança de maneira consistente.
Por vezes, isso implica em adotar iniciativas setoriais que
tenham um impacto transformador, incluidas no processo mais
amplo que aborda a governança e toda a estrutura do setor.
No planejamento, a fase da avaliação (estudo da situação)
ganha importância fundamental pois uma análise errada da
situação do Estado e dos atores a engajar, suas possibilidades,
interesses e vulnerabilidades, pode resultar no desenho de
programas e projetos fadados ao fracasso. Como processo, qual-
quer reforma, em qualquer país e em qualquer situação, deve
ser realizada dentro de um círculo que inclui o planejamento,
a execução, o monitoramento, a revisão e a avaliação que
reatroalimentará o processo.
Finalmente, é interessante lembrar que, num primeiro
momento, a reforma do setor de segurança leva a pensar em
conflitos armados, Estados fracos e transição pós-regimes
autorirários. Leva a pensar, ainda, nos Estados e organizações
que têm um histórico de envolvimento com o tema. No entanto,
a ampliação do conceito de segurança, as modificações na
maneira como a ONU conduz as operações de paz, o maior
envolvimento de organizações e de Estados em processos de
reforma, faz com que outros países se envolvam, direta ou
indiretamente com o tema, como membro de organizações
internacionais, mas também reorganizando seu próprio setor
de segurança para atender às demandas que surgem com o
conceito ampliado de segurança. Nesse sentido, os países
que compõem forças de paz da ONU devem reorganizar
seus sistemas militares para cumprir as novas demandas das
operações, por exemplo, se preparar para realizar atividades de
reforma durante essas missões.
83
Ou seja, reforma do setor de segurança tem sido trabalhada
com mais intensidade, tem envolvido uma quantidade maior
de Estados, organizações e instituições e é tema relevante na
agenda de segurança internacional na atualidade, o que reforça
a necessidade de se estudar e entender o tema e de aprender com
erros e acertos ocorridos nas diversas experiências já realizadas.
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91
Uma Crítica à Reforma do Setor de Segurança1
Stephanie Blair
Introdução
93
No entanto, historicamente tem sido muito mais fácil
desarmar e desmobilizar combatentes que reintegrá-los
efetivamente à sociedade e isso tem levado a problemas
persistentes (DZINESA, 2006). O processo de DDR mantém
uma importância significativa na preparação do caminho para
a formação de novos exércitos, como ocorreu na Namíbia,
Serra Leoa, África do Sul e outros lugares. Ao mesmo tempo,
o Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (PNUD)
tornou-se amplamente envolvido em reformas do setor da
justiça.
Provavelmente as primeiras recomendações de reforma do
setor de segurança identificadas na Organização das Nações
Unidas foram para o Mali, em 1994 e 1995. Funcionários da
ONU sugeriram um programa de “segurança em primeiro
lugar” que incluía a construção de forças policiais e outras
instituições, com o objetivo de impedir os fluxos de armas de
pequeno porte (CHANAA, 2002, p. 28-30).
Os esforços de reforma do setor de segurança na ONU
se beneficiaram inicialmente de uma medida para aumentar
a coordenação da Organização no terreno, por conta do
conceito de “missão integrada”. A partir daí, duas grandes
iniciativas políticas foram introduzidas para instaurar uma
maior coerência nos esforços de reforma do setor de segurança
empreendidos pela ONU. A primeira foi a criação do Escritório
de Estado de Direito e Instituições de Segurança – Office of
Rule of Law and Security Institutions (OROLSI). A segunda foi
o desenvolvimento da política da ONU para a reforma do setor
de segurança.
A RSS, como um todo, tornou-se parte do desenvolvimento
explícito das missões integradas da ONU. Desde o início da
década de 1990, as missões de paz da ONU tornaram-se cada
vez mais multidimensionais com tarefas que incluem
94
das capacidades administrativas do Estado em níveis central
e local; boa governança; apoio à sociedade civil; e assistência
aos processos constitucionais (HÄNGGI; SCHERRER, 2008,
p. 3).
95
de Segurança, em 2007, que passou a orientar de forma mais
integrada o grande número de iniciativas de policiamento e de
justiça que as Nações Unidas colocaram em andamento.
A segunda iniciativa foi a produção de um relatório do
Secretário-Geral sobre a reforma do setor de segurança,
incorporando a política de reforma na ONU. Em fevereiro
de 2007, uma declaração do Conselho de Segurança solicitou
um relatório sobre a abordagem da ONU para a RSS, sendo o
relatório entregue em janeiro de 2008. Observando o extenso
trabalho já em curso pelos Estados-membros sobre a RSS
e a grande variedade de atividades de reforma em curso no
âmbito da ONU, o relatório defendeu uma série de medidas
que incluíram o desenvolvimento de políticas e diretrizes da
Organização sobre RSS, melhorando a capacidade nesse âmbito,
tanto em Nova York quanto das missões de campo, construindo
relações de parceria para proporcionar um apoio eficaz,
expertise e recursos adequados para os processos nacionais de
reforma do setor de segurança, bem como o estabelecimento
de uma unidade na ONU para cumprir essas prioridades (UN,
2008). Como resultado, foi criada uma unidade de reforma do
setor de segurança dentro do OROLSI e inicada uma série de
iniciativas de coordenação.
No entanto, Hänggi e Scherrer apresentaram um
argumento forte para melhorar ainda mais a capacidade da
ONU no campo da RSS, com uma abordagem holística do
assunto, refletindo os princípios de reforma, a fim de permitir
uma aplicação mais coesa de esforços no terreno, de forma a
implementar processos de reforma do começo ao fim do ciclo
de conflito (HÄNGGI; SCHERRER, 2008). Mas os autores não
se mostraram otimistas. As preocupações de curto prazo em
relação às estratégias de saída das missões e as necessidades de
reconstrução e desenvolvimento a longo prazo implicam em
diferentes tarefas por parte da reforma do setor de segurança,
o que tem criado uma tensão permanente que pode prejudicar
gravemente o desenvolvimento de um programa comum de
RSS das Nações Unidas. Os autores dizem que
96
a superação desse viés e o estabelecimento de uma visão
comum para a RSS pós-conflito que englobe plenamente a
dimensão de governança pode se revelar difícil (HÄNGGI;
SCHERRER, 2008, p. 24).
97
Desde a sua criação, os pensadores da reforma têm se
preocupado com o abismo entre a política de RSS e a sua
prática, referida por Chanaa (apud SEDRA, 2009, p. 1) como
o “abismo conceitual-contextual”. Analistas, incluindo Alice
Hills (apud CHANAA, 2002), têm se perguntado se a RSS é
falha porque se baseia em uma compreensão limitada do setor
de segurança em muitas partes do mundo. Uma boa análise
empírica a respeito de como os setores de segurança realmente
funcionam no mundo em desenvolvimento tem sido muitas
vezes substituída pela ênfase em normas democratizantes
(BALL; HENDRICKSON, 2005), embora existam algumas
exceções mais antigas como os estudos de Luckham, Cox e
Baynham sobre a África (LUCKHAM, 1994), e outros que têm
sido realizados na Ásia e na América Latina.
Várias preocupações também têm sido expressas repe-
tidamente sobre a impraticabilidade da implementação de
programas de RSS por conta da natureza externa das normas
de reforma originadas no Norte e aplicadas em muitas partes
do mundo em desenvolvimento. Por exemplo, a ideia de
dividir as arenas públicas e privadas, no âmbito dos Estados
africanos neopatrimonais (HILLS, 2000). Se implementadas
em ministérios do governo ou em bases remotas das forças de
segurança, as normas de RSS vindas do Norte provavelmente
manterão pouco contato com lealdades provinciais de longa
data.
Um segmento do debate sobre RSS de particular impor-
tância para a reconstrução de exércitos é o equilíbrio entre
melhorias na eficácia e o reforço da responsabilidade das forças
de segurança, como mencionado anteriormente. A “guerra ao
terror” tem aumentado a necessidade aparente de forças de segu-
rança eficazes e essa ênfase na eficácia, ao invés de ocorrer na
responsabilidade (prestação de contas) dos agentes, tem raízes
profundas no ethos dos programas de assistência à segurança
do período da Guerra Fria. Muitos dos esforços da assistência à
segurança dos Estados Unidos eram eventualmente em relação
ao treinamento, equipamento e apoio a forças armadas que
98
operavam subordinadas a governos autoritários. Este debate
sobre “reforma versus reforma do setor de segurança” espelha as
dificuldades encontradas durante as operações de paz da ONU,
como discutido, bem como as dificuldades no Afeganistão e em
outros lugares que atraíram o rótulo do “deslize em direção a
conveniência”. Como apresentaremos mais adiante, isso levanta
a questão dos esforços de reconstrução de exércitos, que
muitas vezes são praticamente desprovidos de componentes
significativos de melhoria da governança, ainda poderem ser
considerados como reforma do setor de segurança.
O fim do confronto militar da Guerra Fria entre os blocos
ocidental e oriental tornou possível uma reavaliação global da
provisão de segurança. Na Europa, a União Europeia (UE) e a
Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) passaram a
considerar a adesão de novos países. No mundo, a Organização
das Nações Unidas se envolveu em uma infinidade de atividades
relacionadas à segurança. A comunidade de desenvolvimento,
incluindo as instituições financeiras internacionais, passou a
se interessar cada vez mais em reorientar seus esforços para as
causas mais profundas dos conflitos como forma de resolvê-los.
Ao mesmo tempo, surgiu uma “onda de democratização”,
oferecendo uma nova esperança para os teóricos das relações
civis-militares. Interesses e oportunidades comuns convergiram
para a produção da reforma do setor da segurança em uma
nova agenda política que apresentava uma ampla extensão,
com dimensões políticas, institucionais, econômicas e sociais.
O amplo espaço da reforma do setor de segurança permitiu
que prioridades diferentes coexistissem, e ajudou a popularizar
o conceito. Ainda, a ideia de Chanaa de “divisão conceitual-
contextual”, formulada após cinco anos do amalgamento
do conceito, identificou um obstáculo significativo para a
agenda política. Desde que Chanaa identificou este problema,
a introspecção sobre possíveis falhas das reformas do setor de
segurança tem andado de mãos dadas, quase paradoxalmente,
com um grande aumento do uso desse conceito. Assim, o
conceito de RSS continua sendo extremamente valioso e muito
utilizado.
99
Cinco críticas à reforma do setor de segurança
100
Na realidade, exércitos coexistem ao lado de outras
instituições estatais fracas em meio a uma rede de provedores
de segurança dominadas pelo setor informal. O grande
contingente de fornecedores de segurança que não faz parte
da polícia inclui grupos comunitários de combate ao crime,
polícia religiosa, milícias étnicas/clãs, milícias de partidos
políticos, forças de defesa civil, tais como a Força de Defesa
Civil que desempenhou um papel significativo em Serra
Leoa, grupos de segurança comerciais formais e informais,
guardas civis aprovadas pelo Estado, estruturas locais do
governo, polícia, tribunais costumeiros e comitês de justiça
restaurativa (BACKER, 2007). No Afeganistão, por exemplo,
estimativas oficiais de 2006 indicam que 90% dos afegãos
contavam com o direito consuetudinário, devido à falta de
confiança nas instituições formais de justiça (SENIER, 2006
apud ANDERSEN; MOLLER; STEPPUTAT, 2007; SCHEYE,
2010). Paralelamente a estes outros provedores de segurança,
os exércitos do mundo em desenvolvimento desempenham um
papel muito menor do que os do Norte poderiam inicialmente
imaginar (corroborando essa visão ver SCHEYE, 2010).
Os exércitos são um componente institucional no âmbito
das ferramentas que o Estado tem para fornecer segurança ao
desenvolvimento. Mas, em relação ao setor estatal como um
todo, é apenas provedor minoritário.
Desse modo, parece que existia, e ainda existe, uma
disjunção entre o potencial imaginado do poder do exército
estatal, atribuído pela maioria de conceituadores de reforma do
setor de segurança do Norte, e o real potencial dos exércitos
nestes Estados. A RSS, em grande medida, é um projeto do
Norte, elaborado de acordo com os valores do Norte, como
abordado por Nathan (2004). Como Ball destacou em 2005, a
“apropriação do conceito de reforma do setor de segurança e
da agenda política pelos países em desenvolvimento é muito
baixa” (BALL; HENDRICKSON, 2005, p. 28). Conceitos
do Norte parecem ter induzido a percepção de que pode ser
possível um nível relativo de igualdade de poder entre exércitos
101
de Estados desenvolvidos e em desenvolvimento. Assim, parece
que a segurança que os exércitos pós-conflito podem ser
capazes de fornecer para os cidadãos tem sido frequentemente
subestimada.
Uma extensa informalização das instituições do Estado e
a diluição das fronteiras tornam mais difícil a melhoria das
instituições estatais. Stepputat, Andersen e Moller (2007, p.
8) dizem que a “distinção entre Estado e não Estado [...] não
necessariamente corresponde às relações empíricas concretas
que são reveladas através de um exame mais minucioso”. Não
é difícil encontrar exemplos. Boas diz que no caso do Congo
Oriental, o Estado e o acesso privilegiado a recursos via Estado
continuam sendo importantes, mas
102
insuficientes em Estados frágeis, que suas finanças estão super-
comprometidas e são dependentes de determinados fluxos de
receitas menores e que “recursos físicos, constitucionais, legais
e administrativos são propensos a faltar”, citando o exemplo
da polícia de Serra Leoa, que apesar de um pesado apoio de
doadores, permanece fraca (BACKER; SCHEYE, 2007, p. 509).
A questão financeira das forças de segurança tem sido um
ponto fraco tanto para as forças armadas africanas durante a
era pós-colonial, como Le Roux destaca a seguir, mas também,
como os pensadores da E-Conferência sobre o Futuro da RSS,
realizada em maio de 2009, observaram, para maiores esforços
em relação à recente reforma da defesa. O problema tem raízes
históricas. Transições coloniais deixaram muitos Estados em
desenvolvimento com réplicas dos ministérios de defesa do
Norte, mas sem suas habilidades. Esses ministérios foram
muitas vezes seduzidos pela promessa de equipamentos de alta
tecnologia que eram caros de comprar e difíceis de manter. Os
processos de aquisição também foram muitas vezes vulneráveis
à corrupção. A má gestão financeira fez com que outras quantias
desaparecessem, por incompetência ou má-fé. Desta maneira,
na década de 1990, a base da competência da fiscalização da
defesa do mundo em desenvolvimento era fraca.
Desde 1990, os processos de revitalização do setor da
segurança têm sido, quase sempre, muito caros – espelhando,
em certa medida, os estabelecimentos militares em países
coloniais na época da independência (BRZOSKA, 2009). O
Afeganistão é um dos piores exemplos desse processo, onde
expansões adicionais do tamanho do exército continuam a ser
implementadas, apesar do processo já ser insustentável. Os gastos
com o setor de segurança do Afeganistão chegaram a 494% nas
receitas domésticas no ano fiscal de 2004-2005 (ANDERSEN;
MOLLER; STEPPUTAT, 2007, p. 172). Os gastos insustentáveis
têm continuado desde então. Analistas do setor de segurança
do Afeganistão têm sérias dúvidas sobre o futuro da tentativa
de reconstrução do exército, devido aos gastos insustentáveis e
ausência de qualidade do pessoal (GIUSTOZZI, 2009). Gastos
103
militares insustentáveis também ocorreram em Serra Leoa,
como mencionado anteriormente, e na Libéria2.
Países como o Iraque e o Afeganistão podem ser capazes
de preservar exércitos insustentáveis e caros devido ao
apoio contínuo dos ricos doadores ocidentais que estão
estrategicamente envolvidos, mas para outros países como Serra
Leoa ou a República Democrática do Congo, a severa escassez
finaceira coloca em risco todo o projeto de reconstrução dos
exércitos. Muitas vezes, os doadores estrangeiros encontram os
recursos necessários, inicialmente com a expectativa implícita
de uma transição para o financiamento total local . Mas isso
pode ser muito difícil, pois cria um problema inerente de
sustentabilidade. Como um gerente de programa do DFID
disse a respeito da frota de veículos da polícia de Serra Leoa,
“a única coisa pior do que não ter qualquer capacidade é ter
capacidade temporária e, em seguida, esta ser levada embora”
(ALBRETCHT; JACKSON, 2009, p. 132). Scheye e McLean
(2007), em suas recomendações sobre justiça e prestação de
serviços de segurança em Estados frágeis e devastados pela
guerra, o foco na sustentabilidade fiscal é urgente. Em termos de
reconstrução dos exércitos, quanto menor for o planejamento
projetado para o exército, melhores poderão ser os resultados
a longo prazo.
Existem abordagens técnicas que podem aliviar o pro-
blema, como por exemplo, o custo de todo o ciclo de vida de um
sistema de armas e a utilização de “abordagens impulsionadas
pelas necessidades, mas restringidas pelos custos”. Unidades
de eficiência também podem melhorar a situação (LeROUX,
2009). No entanto, estas soluções permanecem inadequadas.
De maneira simplificada, a reconstrução do exército feita
para um padrão de modelo do mundo desenvolvido está
além do alcance financeiro da maioria dos países pobres
do mundo em desenvolvimento. As alternativas podem ser
encontradas na restrição deliberada do uso de tecnologia
2. A partir de entrevista concedida à autora em Monrovia – Libéria – entre
abril e maio de 2009.
104
moderna, uma reversão para sistemas como cavalos, arquivos
em cartões, corredores humanos e secretários. Essas práticas,
deve-se admitir, eram perfeitamente adequadas para lançar e
sustentar as Guerras Napoleônicas e a Primeira e a Segunda
Guerras Mundiais. Deveria ser possível, em última instância,
e de maneira limitada, que um exército de baixa tecnologia
pudesse ser modernizado se recursos adicionais se tornassem
disponíveis.
Projetos ambiciosos podem ser insustentáveis, mas po-
dem haver outras opções. A análise de Reno em relação às redes
informais na Libéria pode ajudar a traçar uma resposta, pelo
menos para os programas planejados em todo o país como,
por exemplo, das forças policiais. Reno (2008) examinou a
natureza das redes informais político-criminosas da Libéria,
que incorporam pessoas violentas que tenham cometido
crimes de guerra. O autor argumenta que tais redes devem ser
“capturadas”, pelo menos inicialmente, a fim de permitir que o
governo reconstrua uma forma de governar de maneira mais
eficaz.3
Ao misturar soluções formais e informais Reno abre
caminho para uma triagem de soluções em potencial para
governos que enfrentam recursos limitados. Aplicada à
reconstrução dos exércitos, essa “triagem” pode abranger tanto
uma abordagem regional como de capacidade delimitadora.4
Em países como a República Democrática do Congo ou o
Afeganistão, grupos armados remanescentes não reconstruídos
podem, em algumas áreas, deliberadamente ser deixados de
lado para que os escassos recursos sejam focados onde há mais
chances de sucesso. Em outros países, onde o governo pode
exercer o controle sobre a totalidade do espaço reclamado, pode
ser mais apropriada uma capacidade limitada que um limitador
regional. Um acúmulo mais cauteloso de forças, com ênfase
3. Ver também conclusões de Reno em ANDERSEN; MOLLER; STEPPUTAT,
2007.
4. Para solução tipo “triagem”, ver KILCULLEN, 2009.
105
significativa na logística, pode muito bem aumentar as chances
de uma força mais sustentável em longo prazo.
As organizações de segurança do Estado, incluindo os
exércitos, são importantes atores de segurança em contextos de
pós-conflito. No entanto, preconceitos intrínsecos aos do Norte
podem fazê-los superestimar a extensão do poder que pode
ser alcançado pelo Estado. Organizações de segurança estatais
coexistem dentro de uma rede de provisão de segurança não
estatal, podendo ser amplamente informalizadas e enfrentar
graves limitações de recursos. É claro que o tamanho absoluto
dos recursos necessários para completar a reforma do setor de
segurança é enorme e a capacidade de absorver a ajuda dos
doadores em um ambiente pós-conflito pode ser limitada. O
alto perfil e as necessidades urgentes desses Estados também
fragmentam os recursos disponibilizados pelos doadores e
afastam a estabilização de uma situação futura melhor e mais
benigna, em países em desenvolvimento. Também não é certo
se, sob a dupla pressão de esgotamento dos combustíveis fósseis
e das mudanças climáticas5, os principais países doadores
continuarão, a médio e longo prazo, a fornecer recursos para
a reforma do setor de segurança para Estados que não sejam
aqueles considerados estrategicamente vitais.
107
não é realista supor que [intervenções] podem, em
aproximadamente metade de uma geração, construir
estruturas que garantam a responsabilização do setor de
segurança, onde elas não existiam, ou existiam em pequeno
número, anteriormente ao conflito (LAW, 2006, p. 16).
Apropriação local
114
Prioridades setoriais versus transformações es-
tratégicas
118
Embora haja uma série de vantagens potenciais na
formulação de quadros legais nacionais, há também uma
série de dificuldades de implementação. Scheye observa que
esses quadros: podem levar de três a cinco anos para serem
elaborados; têm demonstrado pouco efeito na melhoria da
justiça e da segurança, pelo menos, na melhor das hipóteses,
por uma década ou mais; raramente são capazes de serem
implementados e; por vezes, estão entre as primeiras vítimas
da transição democrática do poder para a oposição, como foi o
caso do Timor-Leste. Ao analisar os esforços de reforma do setor
de segurança em 2010, Scheye sugeriu que um dos principais
valores das estratégias nacionais era, na verdade, as habilidades
adquiridas pelos atores locais no processo de elaboração. A
aquisição dessas habilidades ajuda o desenvolvimento do
capital humano.
119
tentado, as experiências da Guerra Fria, no Congo/Zaire e no
Vietnã (e, possivelmente, na Nigéria12, Libéria e Afeganistão)
provaram que muitas vezes era difícil construir mecanismos de
gestão confiáveis para forças armadas nativas. Após o fim da
Guerra Fria, o foco dos EUA foi deslocado para a promoção
dos valores democráticos, e isso foi bem adaptado pelas teorias
de desenvolvimento que se tornaram a reforma do setor de
segurança. No entanto, os mesmos assuntos continuam a ser
problemas. Hills (2000, p. 59-60) relata a mesma falha no que
diz respeito à polícia britânica após o fim da Guerra Fria:
Conclusão
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129
Reforma do Setor de Segurança em Países
Afetados por Conflitos: a necessidade de
uma abordagem da segunda geração1
Mark Sedra
Introdução
130
No início de 2014, entretanto, em nítido contraste com
a rápida ascensão do conceito na política internacional, a
reforma do setor de segurança apresentava escassos registros
de realização. Na verdade, em ambientes que foram afetados
por conflitos, o alvo mais célebre da assistência a RSS, seria
difícil identificar um único caso irrestrito de sucesso que
pudesse estimular e informar sobre sua implementação. Isso
exemplifica o principal problema que a reforma do setor de
segurança sempre enfrentou – sua divisão conceitual-contextual
(CHANAA, 2002).
O rápido desenvolvimento e popularização do conceito da
RSS desde 1999 tenderam a não criar nem consolidar uma paz,
segurança ou desenvolvimento sustentáveis em países afetados
por conflitos. Como Jane Chanaa argumentou no início de
2002,
132
passaram a ver como inevitável a ocorrência de alguma
mudança nesse setor.
133
Estabeleceu os princípios fundamentais da RSS que a distinguem
das formas convencionais de assistência à segurança: a reforma
deveria ter orientação focada nas pessoas, ser comprometida
com valores democráticos, focada na governança e com uma
abordagem holística. Embora altamente ambicioso em suas
formulações liberais, o manual, repetindo o discurso de Short,
de 1999, avisou:
134
Democrática do Congo ou Somália, onde os programas de
reforma do setor de segurança estão sendo aplicados, mas onde
algumas ou todas as pré-condições para a mesma não existiam.
A nova concepção de reforma do setor de segurança deu
uma estrutura liberal à tradicional assistência bilateral de
segurança e ampliou seu escopo (WULF, 2000). Isso decretou
que a assistência à segurança prestada pelo doador deveria
ser sensível em relação à forma como o setor de segurança do
Estado beneficiário era dirigido e como tratava sua população –
fatores que eram irrelevantes durante a Guerra Fria. O conceito
também ampliou os limites do setor tradicional de segurança,
reconhecendo que a justiça, as instituições do governo e outros
atores eram fundamentais para o funcionamento das instituições
de segurança. Uma ampla gama de atividades de governança,
justiça e de assistência à segurança foram trazidas para o teto
conceitual da reforma, com a expectativa que elas poderiam ser
um avanço por conta da forma conjunta e sincronizada que os
países as incorporariam.
Desde sua criação na década de 1990, o conceito da
RSS evoluiu em três diferentes fases. Na sua primeira fase,
do final dos anos 1990 ao início da década de 2000, houve
o desenvolvimento do modelo conceitual – que pode ser
chamado de primeira geração do modelo de reforma do setor
de segurança – uma consequência da emergência da agenda
da paz liberal e suas várias ramificações como o paradigma
da segurança humana. A segunda fase, entre 2002 e 2010,
viu a rápida institucionalização do modelo nas políticas de
segurança e de desenvolvimento das organizações bilaterais e
multilaterais e a primeira onda de implementação. A terceira
fase, de 2010 até os dias de hoje, foi caracterizada pela destilação
das lições aprendidas com o início da onda de implementação
e pela emergência de críticas autorreflexivas sobre os impac-
tos marginais que a implementação produziu. Como Paul
Jackson argumentou, ao invés de um avanço em programas
de reformas holísticos, centrados nas pessoas, dedicados às
questões governança, responsabilidade democrática e direitos
135
humanos, a primeira onda dos programas de RSS em situações
de conflito habitualmente compreendeu “um grupo bastante
misto de políticas e iniciativas ad hoc” englobando “atividades
tradicionais de segurança e de desenvolvimento [...] renomeadas
e rotuladas como reforma do setor de segurança” (JACKSON,
2011, p. 1811-1812).
Desde o surgimento do modelo de RSS, “reformadores”
tendem a ver a reforma como um processo mecânico e
burocrático a ser implementado por técnicos e especialistas
como soldados, policiais e peritos judiciais. Suposições e
abordagens de “engenharia social tecnocrática”, dizem Egnell e
Haldén (2009, p. 46), “são inerentes à maior parte da literatura,
declarações políticas, manuais e estratégias de reforma do setor
de segurança”. Hendrickson (2009, p. 13) afirma que o modelo
de reforma aparentemente ignora a realidade de que o processo
“é inerentemente político” e envolve o delicado reequilíbrio
de poder através de um vasto processo holístico que engaja
diferentes níveis de governo e da sociedade. Para seu crédito,
Egnell e Haldén afirmam que “a literatura sobre reforma do
setor de segurança é, até certo ponto, ciente dos muitos desafios
e contradições na política e na implementação das reformas”,
mas elas são apresentadas tipicamente em termos estratégicos
ou tecnocráticos; “melhorando estratégias, aumentando
compromissos políticos e de financiamento” ou “desenvolvendo
um melhor conhecimento técnico sobre o grupo de pessoas
envolvido na reforma” (EGNELL; HALDÉN, 2009, p. 47).
As visões limitadas pelas quais cada doador percebeu
e propagou a reforma do setor de segurança lançaram
sérias dúvidas sobre até que ponto os programas de reforma
patrocinados externamente podem ser apropriados e
conduzidos pelos interessados locais. Afinal, como mostra
Hendrickson (2009, p. 17), muitas vezes fala-se em reforma
“como algo que é ‘feito’ para os países parceiros ao invés de ser
uma agenda na qual os países do Norte e Sul devem se engajar
igualmente como parceiros”.
136
Uma pesquisa do OECD DAC de 2005 sobre 110 países
em desenvolvimento revelou que o conceito da RSS “ainda
não é familiar para a maioria dos funcionários do governo e
membros das forças de segurança [...] e o principal ímpeto para
a RSS tende a ser de natureza externa”, situação que continuou
se mostrando verdadeira em 2014 (OECD DAC, 2005, p. 56).
Apesar dos doadores de reforma do setor de segurança
terem elevado a apropriação local a um nível absoluto, ela
continua a ser vista por atores locais, em muitos contextos de
reformas, como uma imposição alienígena, com a demanda de
implementação vindo dos doadores ao invés dos beneficiários.
Nas palavras de Bruce Baker e Eric Scheye, “uma aproximação
da RSS centrada no Estado costuma falhar ao considerar as
reais necessidades, desejos e demandas das populações locais”
(BAKER; SCHEYE, 2007, p. 505). A lógica de padronização
da RSS contribui para intervenções técnicas, apolíticas e não
contextuais, que limitam sua habilidade de criar raízes em
sociedades não ocidentais que não possuem tradições liberais
e estadistas.
A realidade desconfortável para muitos reformadores do
setor de segurança é que os países beneficiários frequentemente
não querem o que eles estão “vendendo”. Em um trabalho para a
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE), Nicole Ball e Luc van de Goor apresentaram que
consultas com os governos beneficiários em uma série de países
submetidos a projetos de reforma com apoio internacional,
surpreendentemente revelaram que
140
receberam dos países ocidentais um grande fluxo de assistência
à segurança após o 11 de setembro para permitir o aumento de
suas capacidades de segurança interna e de inteligência (BALL;
HENDRICKSON, 2006; COOKMAN et al., 2011; SERAFINO,
2012).
As preocupações com os assuntos de governança
democrática e direitos humanos têm sido previsivelmente
silenciadas nessas renovadas parcerias estratégicas. Dentre esses
países parceiros, muitos foram transformados de trapaceiros
ou parceiros estratégicos isolados, no dia 10 de setembro, em
parceiros indispensáveis no dia 12 de setembro, e exploraram a
crescente ambivalência dos doadores ocidentais em relação aos
princípios democráticos da prestação dos serviços de segurança
para reviver as práticas autoritárias e não democráticas que são
nocivas à ortodoxia da reforma do setor de segurança.
Eboe Hutchful e J. Kayode Fayemi observam que
141
O anúncio veio alguns dias depois das revelações do New
York Times de que as Forças de Operações Especiais norte-
americanas estavam treinando unidades antiterroristas de elite
em quatro países do Norte e do Oeste da África, com o objetivo
de ser a vanguarda contra a crescente presença da Al-Qaeda
naquele continente (SCHMITT, 2014).
Entre os países alvos do programa de assistência estão: Líbia,
Nigéria, Mauritânia e Mali. Em menos de um ano de programa,
os riscos associados da abordagem treinamento de pessoal e
equipamento foram demonstrados quando um acampamento
norte-americano na Líbia, que estava sendo usado para treinar
forças líbias especializadas no combate ao terrorismo, foi
invadido por militantes que, subsequentemente, “roubaram
centenas de armas automáticas fornecidas pelos americanos,
óculos de visão noturna, veículos e outros equipamentos”
(SCHMITT, 2014). O programa foi suspenso com o retorno dos
instrutores aos EUA. Esses movimentos mostraram que a visão
apoiada em alto grau no contraterrorismo e suas operações
concomitantes focadas em treinamento e equipamento foram
colocadas no centro da assistência norte-americana à segurança.
Talvez ironicamente, um mês antes do discurso do Presidente
Obama em West Point, Samantha Power, a embaixadora norte-
americana nas Nações Unidas, saudou a primeira resolução
do Conselho de Segurança da ONU com um posicionamento
sobre a reforma do setor de segurança (RES. 2151) indicando
que:
142
Os EUA, mais do que qualquer outro país doador, ainda
têm que abraçar a visão de assistência à segurança e à justiça
da reforma do setor de segurança. Muitas vezes os norte-
americanos elogiam os princípios do modelo, mas, ao mesmo
tempo, avançam militarmente, aplicam políticas duras de
segurança, exemplificadas pelo lançamento de um fundo aberto
contra terrorismo no qual parece faltar qualquer preocupação
com as questões de governança e de segurança humana.
143
reformas. No entanto, eles vão além da semântica, pois refletem
uma crescente inquietação sobre o rumo do conceito, seu
crescente escopo e sua lacuna conceitual-contextual.
Esse desconforto palpável em relação ao impacto e ao rumo
da reforma do setor de segurança tem impulsionado algumas
escolas (de pensamento) amplas e ainda em evolução sobre
o futuro do modelo. Três delas podem ser definidas como:
“escola monopólio”, “escola bom o suficiente” e “escola híbrida”
(SEDRA, 2013). O tema-chave ou variável que une e divide as
escolas são suas posições sobre o papel do Estado.
A escola monopólio, talvez a dominante entre as três
existentes na comunidade política, adota uma abordagem
tecnocrata centrada no Estado que prioriza a instalação de
estruturas com orientação ocidental (ANDERSEN, 2011).
Defensores dessa escola sustentam que instituições mais
robustas são a chave para avançar na estabilização e na
construção da paz em países em transição, assegurando
uma capacidade estatal mais densa e profunda de garantir o
monopólio do uso da força. As razões para as falhas do modelo
de RSS, segundo esta escola, foram insuficiência dos recursos
por parte dos doadores, de coordenação, de capital político
e de tempo. Assim, afirmam que a maior aplicação desses
ingredientes seria a cura para o modelo “doente” da reforma do
setor de segurança.
A escola “bom o suficiente” também vê como o ponto
final do processo de reforma o Estado. Não necessariamente
um Estado idealizado no modelo ocidental, com o completo
monopólio do uso da força, mas sim um Estado mediador “bom
o suficiente”, que atenda aos critérios mínimos de existência do
estado weberiano. A escola evita o planejamento estratégico
de longo prazo, optando pela implementação de um programa
interativo e adaptável que favoreça intervenções de curto e
médio prazo como forma de criar condições para estratégias de
reforma convencionais e mais abrangentes, semelhante ao que
alguns estudiosos como Muggah e Colletta (2009) chamaram
de medidas provisórias de estabilização. Assim, é passível de se
144
envolver com estruturas de segurança e de justiça não estatais e
alternativas, mas como uma medida temporária ou transitória
com a finalidade de ganhar tempo para que condições
políticas e de segurança se formem, se alinhem e amadurecem,
permitindo soluções mais convencionais e estatizantes. Seria
uma aproximação ad hoc e pragmática que procura combinar
o reconhecimento de realidades imediatas no terreno com
aspirações liberais de longo prazo para concretizar pelo menos
algumas das prescrições ambiciosas do modelo ortodoxo da
reforma do setor de segurança.
A escola híbrida é a mais radical e transformadora das três
e argumenta que o Estado weberiano de orientação liberal está
deslocado da maioria dos ambientes afetados por conflitos.
Ela está enraizada em um debate mais amplo sobre hibridismo
no campo da construção da paz que avançou por conta de
autores como Roger Mac Ginty e Oliver Richmond. Como
explica Mac Ginty (2008, p. 140), uma aproximação híbrida
para a construção da paz implica em um maior compromisso
com as realidades políticas locais e o reconhecimento de que o
projeto da paz liberal tende a minimizar “o espaço vago para
aproximações tradicionais e locais para o estabelecimento
da paz” (peace-making). De acordo com Oliver Richmond, o
hibridismo oferece
145
estabilidade e paz sustentáveis. O problema com as intervenções
de RSS para a escola híbrida não é a insuficiência dos recursos
fornecidos pelos doadores, mas o foco rígido no Estado e na
perspectiva apolítica, que tende a ignorar as dinâmicas locais
de poder. Para ser um sucesso, a reforma do setor de segurança
deve ser menos normativa, menos focada no Estado e mais
sintonizada com as realidades locais. A escola híbrida prevê
arranjos de cogovernança entre autoridades estatais e não
estatais não como uma medida temporária, mas como uma
característica permanente. Isso significa, como estabelece
Richmond (2009, p. 325), “envolvimento com o cotidiano além
dos parâmetros artificiais do Estado liberal”.
O futuro do modelo da reforma do setor de segurança
em ambientes afetados por conflitos, aos olhos de analistas
como Baker e Scheye, será determinado pela habilidade dos
reformadores de se envolver mais habitualmente nas estruturas
de justiça e de segurança não estatais e nos contextos locais. Isso
porque, como reconheceu o DFID no início do debate sobre
a RSS, “cada país define segurança com base em sua própria
história, seus contextos internos e externos e seus objetivos
nacionais” (DFID, 2000, p. 47).
Baker e Scheye (2005, p. 504) não exigem que a reforma
e todas as formas de assistência à segurança baseadas no
Estado sejam deixadas de lado, mas preferem o envolvimento
simultâneo de “outras camadas de provisão de segurança e
justiça: comercial, comunitária e informal”. Essa noção de
maior engajamento com o local, informal e tradicional, criando
formas híbridas de assistência à segurança e à justiça, está sendo
sancionada cada vez mais pelos círculos políticos internacionais.
O relatório de 2011 do Banco Mundial sobre desenvolvimento
admite que “uma mistura de abordagens estatal e não estatal,
de baixo para cima e de cima para baixo, sustenta melhor
as transformações institucionais de longo prazo” em países
afetados por conflitos (WORLD BANK, 2011, p. 271). O Banco
reconhece que
146
é necessária uma maneira diferente de fazer as coisas [...] para
se afastar das atuais práticas simples de ajustes e avançar em
direção a um novo conjunto de ferramentas fundamentais que
liguem desenvolvimento à segurança (WORLD BANK,
2011, p. 271).
147
enquadrados como elementos centrais na transição da guerra
para a paz, irá lançar uma extensa sombra sobre o modelo da
reforma do setor de segurança e o amplo projeto da paz liberal.
A situação nos dois países em 2014 era altamente precária e
volátil, com altos níveis de reincidência da violência em curso.
Os Estados Unidos, por exemplo, já demonstraram relutância
em se comprometer com missões de construção do Estado
em larga escala, como demonstraram as crises na Líbia, Síria
e Mali, entre 2012 e 2014. Os norte-americanos optaram
por uma assistência menos ambiciosa e complicada baseada
em treinamento e equipamento, dissociada do processo de
governança e democratização e diretamente combinada com os
seus interesses estratégicos.
Esse emergente declínio da ambição no avanço dos
processos de mudança dos setores de segurança nos países
afetados por conflitos não é limitado aos Estados Unidos, mas
está se tornando cada vez mais uma característica comum de
muitos países doadores ocidentais. Se as condições continuarem
se agravando no Afeganistão e no Iraque – esse último viu suas
forças de segurança desmoronar diante da violência insurgente
em julho de 2014 – nos próximos anos, a crescente reticência
para apoiar intervenções de construção da paz e construção
do Estado só aumentará. O impulso para encorajar e fortalecer
regimes pró-ocidentais estáveis não irá desaparecer, porém, os
poderes ocidentais provavelmente estarão menos inclinados a
atingir esse objetivo através de projetos de construção da paz e
do Estado.
Segundo, as novas realidades econômicas do ocidente que
se seguiram à desaceleração econômica de 2008 irão limitar a
capacidade e ambição dos países ocidentais em transformarem
as sociedades da periferia do sistema. Os orçamentos de
ajuda ocidentais estão diminuindo e os governos ocidentais,
conscientes dos custos, estão convocando suas agências de
desenvolvimento para encontrar “eficiência” e valorizar mais os
recursos disponíveis. As imensas reservas externas necessárias
para programas abrangentes e holísticos de reforma não
148
estarão disponíveis e as pressões internas no ocidente para que
os Estados se retirem de compromissos custosos no exterior
provavelmente aumentarão.
Terceiro, a mudança do clima geopolítico e a crescente
assertividade dos poderes globais emergentes como China,
Índia e Brasil podem fornecer um contrapeso para o projeto
de paz liberal. Em suas declarações sobre reforma do setor
de segurança, esses Estados apoiaram estratégias menos
prescritivas normativamente, enfatizando que os princípios de
soberania devem ser rigorosamente mantidos na assistência
externa para a RSS. O embaixador chinês na ONU, Liu Jieyi,
enfatizou isso em seu discurso para o Conselho de Segurança,
durante um debate aberto sobre a Resolução 2151, encorajando
os Estados-membros a se lembrarem de que “a segurança
nacional está dentro do campo da soberania nacional” e que
149
Por último, a globalização deu aos grupos não estatais e
da sociedade civil da periferia global uma nova voz e poder
para requerer e afirmar seu papel nos processos de transição.
Utilizando as modernas tecnologias de comunicação, esses
grupos podem alcançar diretamente os Estados doadores e
suas populações, bem como mobilizar seus próprios eleitores
domésticos. A maior assertividade e capacidade desses grupos,
mesmo em ambientes onde o capital social foi diminuído
devido ao conflito armado, pode gerar novas pressões para a
hibridização.
Analistas da reforma do setor de segurança, profissionais
e decisores políticos apresentam cada vez mais a necessidade
de mudar para uma segunda geração do modelo de RSS,
pois somente isso pode preencher a lacuna conceitual-
contextual (SEDRA, 2010). É semelhante à “paz pós-liberal” de
Richmond, que procura criar uma ligação mais forte entre o
modelo ortodoxo de RSS e as normas, estruturas e modos de
comportamentos locais. Há uma crescente crença que a RSS,
em sua forma atual, é muito utópica, tecnocrática, estatocêntrica
e dirigida demais pelos doadores para ser bem-sucedida. Os
princípios liberais do processo sempre foram mais aspirações
do que realidades nos países afetados por conflitos e raramente
têm sido alcançados na prática.
A reforma do setor de segurança surgiu, em grande parte,
fora da comunidade de desenvolvimento e, como afirma o
DAC OCDE (OECD, 2010, p. 5), é amplamente aceita “como o
componente central da assistência ao desenvolvimento” e “uma
ferramenta importante para as agências de desenvolvimento
em seus esforços para prevenir conflitos e construir a paz”.
Como Clare Short (1999) afirmou em seu pioneiro discurso
de 1999, segurança é “um pré-requisito essencial para o
desenvolvimento sustentável e a redução de pobreza” e, por
extensão, a RSS foi necessária para fortalecer a “contribuição
para o desenvolvimento” mundial. Essa desenvolvimentalização
da assistência à segurança pós-Guerra Fria foi congelada após o
11 de setembro (SCHNABEL; FARR, 2012).
150
Um processo reverso de ressecuritização aconteceria nos
anos que se seguiram, colocando o modelo da RSS em um
terreno incerto. A securitização da reforma privou o processo
de grande parte de seu significado original, excluindo-o do seu
foco na governança e na segurança humana. Heather Marquette
e Danielle Beswick observam que
Conclusão
151
de irrealistas, raramente foram traduzidas em mudanças
positivas no terreno dos países afetados por conflitos. O fraco
desempenho do modelo fez com que muitos analistas, como
Paul Jackson (2011, p. 1805), levantassem “questões sobre o
quão longe a RSS realmente pode chegar no mundo real”. Apesar
de mais de uma década de experiência em estudos de caso e
152
evitadas ou invertidas pelos doadores e beneficiários da ajuda,
nos Estados frágeis, falidos ou afetados por conflitos, seja na
aplicação como um programa de política integrada, seja como
um conjunto de princípios orientadores não vinculativos.
Dessa forma, o futuro da reforma do setor de segurança
se resume a duas questões fundamentais: o papel do Estado
e a capacidade dos doadores ocidentais de efetivar mudanças
transformativas no modelo da RSS e nas suas próprias práticas
desenvolvimentistas. O Estado é o único ator capaz de fornecer
estabilidade, segurança e boa governança, ou os arranjos
híbridos podem, envolvendo normas alternativas e estruturas
de governança não estatais, promover melhor a paz e a
segurança para as populações locais? Essa é uma questão aberta
e controversa. Como escreve Paul Jackson (2011, p. 1818),
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159
Os Desafios da Reforma do Setor de Segurança
na República da Guiné-Bissau
Christoph Kohl
Introdução
160
e sua transformação num país-chave para o tráfico de drogas.
Esses acontecimentos resultaram na designação da Guiné-
Bissau como um dos países “falidos” (MESSNER, 2013). Apesar
das críticas sobre tais atributos (BETHKE, 2012; LUCKHAM;
KIRK, 2013), há evidências de que o pobre desempenho da
Guiné-Bissau no último Índice de Desenvolvimento Humano
(MALIK, 2013) indica os problemas fundamentais do país.
Após a guerra civil de 1998-99, conhecido por “conflito
militar”, a comunidade internacional já tinha identificado o se-
tor de segurança guineense como responsável pela instabilidade
política, injustiça e falta de desenvolvimento social e econômico.
A esperança da comunidade internacional era de que a reforma
do setor de segurança contribuiria para a estabilidade do país
e a promoção de um desenvolvimento pacífico. A reforma,
esperavam os proponentes deste conceito, garantiria um Estado
de direito eficiente e forças de segurança responsáveis perante o
governo. A criação de estruturas de segurança democráticas, em
consequência, permitiria um clima propício para o aumento do
investimento privado e a diminuição da corrupção, resultando
no aumento do emprego, no crescimento econômico e no
progresso social. Os interesses dos doadores seriam também
satisfeitos pela reforma, incluindo a eliminação do tráfico
de drogas, a estabilização política da região e a limitação da
imigração ilegal da Guiné-Bissau para Europa.1
Desde 2005, portanto, vários atores internacionais e
supranacionais tentaram implementar uma reforma do setor
da segurança, trabalhando em conjunto com representantes
do governo e do setor da segurança guineense, contudo,
com sucesso limitado até agora. Os atores apontaram como
responsáveis pelas falhas, principalmente, resistências dentro
do exército e da política em relação às tentativas de reforma,
mas também a falta de capacidade no seio das autoridades
guineenses e uma falta de coordenação entre os diferentes
doadores. O fracasso dessas missões não só levaram à frustração
e desilusão nas fileiras daqueles que tentaram implementar os
1. Ver, por exemplo, OECD, 2007.
161
projetos, mas também, reforçou a imagem negativa da Guiné-
Bissau perante a comunidade internacional. Nesse contexto,
surge a pergunta sobre as razões para o fracasso das tentativas
reformadoras.
Na análise que segue, defendemos que é impraticável a
atual aplicação do conceito de reforma do setor de segurança na
Guiné-Bissau, devido à existência de percepções e expectativas
diferentes sobre a reforma entre os doadores e os beneficiários.
Além disso, os doadores compreendem e consideram apenas
de maneira rudimentar as preocupações e ressalvas locais. As
possibilidades de participação do governo local, dos membros
do setor da segurança, da sociedade civil e da população
em geral, continuam limitadas. Se levarmos em conta as
perspectivas locais, elas só ocorrem de maneira pontual. Logo,
esse requisito essencial para um sucesso das reformas não é
levado em consideração.
As principais razões para o fracasso são: 1) percepções
e expectativas contraditórias dos doadores, por um lado,
e das autoridades guineenses por outro lado; 2) a falta de
coordenação, integração, flexibilidade e continuidade das
diferentes abordagens reformadoras; 3) restrições processuais
estruturais do lado dos doadores que favorecem projetos
inflexíveis e de curto prazo; 4) a falta de recursos financeiros;
5) a falta de integração da sociedade e dos representantes
do setor de segurança guineense no processo; e 6) a falta de
comunicação.
Uma expressão do fracasso é a discrepância entre as
expectativas e a aplicação prática das reformas. Os contrastes
entre o suposto sucesso da reforma e a apresentação eufemística
e estereotipada em relatórios e documentos oficiais, por um
lado, e a visão de civis e representantes do governo e do setor de
segurança, por outro, são, por vezes, acentuados.
Como veremos a seguir, a revindicação por abordagens de
longo prazo e holísticas que levem em consideração os interesses
locais e uma melhor coordenação dos esforços reformadores
162
são, de fato, regularmente reafirmados.2 Os atores internacionais
na Guiné-Bissau invocam também, o princípio da apropriação
local (ou local ownership, em inglês). Muitas vezes, afirmações
nesse sentido podem ser consideradas letras mortas. Como
mostraremos, essa discrepância pode ser atribuída, em parte,
ao fundo biográfico dos especialistas internacionais que, muitas
vezes, são meros profissionais técnicos ou, pior, especialistas de
desenvolvimento. Além disso, são muitas vezes prisioneiros de
estruturas predeterminadas (curta duração de projetos, afluxo
restrito de verbas, responsáveis e responsabilidades que se
alternam, etc.) que exigem resultados mensuráveis rápidos.
Em muitos casos, os especialistas são limitados em
competências linguísticas e conhecimentos do terreno, o que
limita o entendimento de problemas complexos, situações de
conflito e a percepção e interpretação dos horizontes locais.
Em contraste, os funcionários relevantes da Guiné-Bissau não
são supostamente e/ou realmente educados o suficiente para
entender os esforços complexos de planejar e implementar uma
reforma. Outros fatores que se apresentam como obstáculos lo-
cais para um processo de reforma são: expectativas demasiadas
dos doadores; um mero foco de afluxos financeiros externos; e
“eminências pardas” na política, nas forças de segurança e na
burocracia estatal que se sentem ameaçadas pelo processo.
A sessão seguinte começa com um breve panorama
histórico do setor da segurança guineense, que se estende desde
a independência até o fim da guerra civil em 1999. Na sequência,
segue-se uma visão geral dos esforços passados e atuais de
reforma do setor de segurança. Nesse ponto, apresentaremos
as linhas de desenvolvimento e os problemas resultantes, junto
com soluções possíveis nas áreas da polícia, do exército e do
judiciário. Portanto, explicaremos o ponto de partida para a
reforma do setor de segurança, seguido por uma descrição dos
atores principais, até agora, e os seus projetos e iniciativas de
reforma. Essa parte incluirá uma análise crítica do conceito de
reforma do setor de segurança e da sua aplicação.
2. Conforme, recentemente, UNITED NATIONS, A/67/970–S/2013/480, 2013.
163
Finalmente, discutiremos na última sessão as razões
políticas e estruturais que levaram ao fracasso de elementos
centrais de reforma. Exploraremos as discrepâncias entre a
reclamação oficial e a prática da implementação do conceito
de “apropriação local” que desempenha um papel central no
discurso da reforma do setor da segurança. Contrastaremos
diferentes pontos de vista sobre os esforços de reforma, de
especialistas internacionais, membros do setor de segurança,
bem como da população civil.
O relatório é baseado em literatura primária, secundária
e especialmente em uma pesquisa de campo de oito semanas,
realizada pelo autor na Guiné-Bissau em fevereiro e março
de 2013. Os dados etnográficos consistem em entrevistas,
conversas informais e observações e mantivemos o anonimato
para proteger os interlocutores.
As condições iniciais
União Europeia
173
A Missang
175
de medidas concretas para a anunciada reforma do setor de
segurança.
177
interesses e os esforços das unidades que trabalham na área da
reforma do setor de segurança é uma opção viável.
Uma melhor coordenação e cooperação torna-se
complicada não só do ponto de vista sincrônico, mas também
por uma perspectiva diacrônica, uma vez que atores e
programas mudaram repetidamente na Guiné-Bissau. A falta
de abrangência faz-se sentir também em um nível prático. Por
exemplo, alguns policiais foram formados em Angola conforme
os currículos locais, outros em Bissau com base em currículos
brasileiros. Já nos anos oitenta policiais guineenses foram
treinados em outros países como a República Democrática
Alemã e a República Federal da Alemanha, enquanto a França
construiu uma Polícia de Intervenção Rápida. Devido ao fato
de que o trabalho policial é geralmente pouco padronizado
(MAINZINGER, 2011), é de se recear que os policiais formados
conforme diferentes currículos tenham habilidades bastante
diferentes.
Na sessão seguinte exploraremos as diferenças entre as
aspirações oficiais da reforma do setor de segurança na Guiné-
Bissau e a sua aplicação prática sob o ponto de vista guineense.
178
humano contribui para uma melhor fundamentação e aceitação
de tais reformas (OOSTERVELD; GARLAND, 2012).
Mas, como foi implementado o conceito de “apropriação
local” no âmbito da reforma do setor de segurança em Guiné-
Bissau? Observadores externos logo criticaram, certamente
de maneira exagerada, que no caso da EU-SSR se tratava, na
realidade, de uma intervenção militar imposta pelo exterior
(TELATIN, 2009) para transformar a Guiné-Bissau numa
espécie de protetorado da UE (MARISCHKA, 2008). Como
fator crucial que contribuiu para o fracasso da EU-SSR8, foi
identificado a quase completa ausência de “apropriação local”
(HUTTON, 2010). A partir de uma perspectiva eurocêntrica,
a UE acreditou que a sua definição da reforma era congruente
com a dos guineenses (GYA; THOMSEN, 2009). Assim, a
EU-SSR, bem como outras iniciativas de construção da paz
no país, encontrou-se realmente “na posse” da comunidade
internacional (ROQUE, 2009, p. 2; SOUSA, 2013, p. 88). Os
críticos apontaram que inclusive o documento da estratégia
guineense correspondeu primariamente aos requisitos,
princípios e abordagens da comunidade internacional. A
complexidade das reformas do setor de segurança tinha sido
subestimada. Da mesma forma, os atores internacionais não
eram suficientemente familiarizados com a realidade no
terreno e, evidentemente, não anteciparam o grau de resistência
de grupos dentro das forças de segurança e da política. Grupos
esses que temiam, com razão, a perda de poder e seus privilégios
no decorrer do processo de reforma (GOMES, 2009).
Qual foi a atitude da UE a essa crítica? A UE apresentou
ter considerado o princípio da “apropriação local” de acordo
com suas especificações. Um funcionário da UE se referiu ao
documento da estratégia para a reforma do setor da segurança
de 2006, adotada em 2008 pelo parlamento guineense. Diferente
da fase de planejamento da reforma, no entanto, a UE não levou
mais em conta o conceito de “apropriação local” durante o ciclo
da EU-SSR. O representante da UE frisou que tinham, de fato,
8. Ver também BLOCHING, 2010.
179
a estratégia adotada na época, elaborada segundo os princípios
da participação local. Mas a Estratégia Nacional de Segurança
foi adotada no final de 2006 e a missão da UE começou em
2008 e parece-nos que os membros do exército e da polícia
tiveram pouco ou nenhum envolvimento no processo de
reforma e no fluxo de informações sobre as medidas concretas
da reforma, o que pode não apenas indicar a responsabilidade
da UE, mas também das chefias locais guineenses. Em qualquer
caso, a evidência sugere uma falta de comunicação e troca de
informações.9
Muitos guineenses que trabalham na polícia e no exército
manifestaram ao autor falta de compreensão por não terem
sido informados sobre procedimentos e os passos no âmbito da
EU-SSR. Ex-colaboradores da EU-SSR também confirmam que
muitos guineenses que eram formalmente envolvidos na reforma
do setor de segurança não conseguiram compreender o alcance
do processo apresentado. Para a maioria dos representantes
do setor de segurança e do governo, obviamente, não estavam
claras as consequências da assinatura do documento da
Estratégia, caso tenham tido qualquer conhecimento deste
documento.10 Por isso, não é de estranhar que o documento
estratégico adotado em 2006, ao qual o funcionário da UE se
referiu, nunca tenha sido atualizado ao longo dos anos e não
tenha sido ajustado, em colaboração com as autoridades e a
população civil, às condições e necessidades atuais.
Os guineenses em geral sabiam muito pouco sobre a reforma
do setor de segurança. Policiais e militares, especialmente, rela-
cionaram a reforma, em primeiro lugar, com a aposentadoria
de colegas idosos e em excesso. Isso não foi surpreendente,
uma vez que “reforma” em português, em contraste com o
inglês que é a língua preponderante na ONU e na UE, assim
como na área da reforma do setor de segurança, pode significar
tanto “reforma” no real sentido como “aposentadoria” (GYA;
THOMSEN, 2009, p. 3).
9. Ver também SOUSA, 2013.
10. Ver também BAHNSON, 2013 e SOUSA, 2013.
180
Na Guiné-Bissau, há muitos anos se fala em iniciar um
“diálogo nacional”. Com esse objetivo, o PNUD organizou em
2011 um fórum e conferências regionais com habitantes locais.
Ao contrário de outros grandes projetos na área da reforma
do setor de segurança, o PNUD tentou centrar o processo
na população civil. Tais conferências foram organizadas com
a ajuda de “brigadas de paz” em todos os setores guineenses
(semelhantes às regiões brasileiras). Essas brigadas eram
compostas principalmente por jovens ativos em organizações
comunitárias em nível das aldeias e não expressivamente em
organizações não governamentais distantes. Deveriam aumen-
tar a sensibilização da população sobre a reforma do setor de
segurança e motivá-la a dar ideias e recomendações relativas a
essa reforma. Como conclusão desse processo deveria ter sido
organizada uma conferência nacional o que, no entanto, não se
concretizou porque o programa foi interrompido com a morte
do presidente guineense e o golpe de estado no início de 2012.
O ambicioso projeto poderia ter transmitido um sinal
importante com o envolvimento da população civil no processo
de reforma. Contudo, aparentemente não obteve frutos. Não
foram anunciados resultados, nem os guineenses tomaram
nota dos resultados dessas conferências. O PNUD se manteve
bastante reservado quanto a elas, o que foi surpreendente porque
em outros casos na Guiné-Bissau, normalmente documentou
solidamente seus esforços. Isto inclui, por exemplo, um
estudo relativo ao acesso ao sistema judicial que se baseou,
principalmente, em pesquisa de campo no país (GUERREIRO,
2011).
De forma semelhante, ocorreu o programa de reforma
do setor de justiça. Em outubro de 2010, o PNUD organizou
grupos de trabalho e um fórum final em Bissau a fim de alcançar
um “consenso participativo” da justiça, da sociedade civil e da
comunidade internacional em termos de prioridades no setor
de justiça (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2011a). Os resultados
da avaliação das necessidades foram compilados por um
consultor externo e como consequências deste processo foram
181
confeccionados um “Plano Estratégico” e uma “Estratégia
Nacional” (2010-2015) para o setor de justiça, aprovadas em
janeiro de 2011 pelo governo guienense (MINISTÉRIO DE
JUSTIÇA, 2011a, 2011b). Interlocutores entrevistados que
trabalham em posições médias no judiciário já há alguns anos
expressaram que não tinham ouvido falar deste fórum. Não
obstante, apesar dos esforços do PNUD, em geral há a impressão
de que, de forma semelhante à UE, a “apropriação local” é
tratada como input no início de um projeto. O círculo de pessoas
que são envolvidas em tais processos ditos “participativos”,
ou informados sobre eles, é limitado, provavelmente também
devido à insuficiência de meios e de estratégias de comunicação.
Quais são os argumentos contra a iniciativa que implica
em uma consideração mais aprofundada de oportunidades
locais para a participação na reforma do setor de segurança,
abstraindo de restrições financeiras e de tempo? Um
especialista internacional entrevistado disse, por exemplo,
que as organizações não governamentais que adotam uma
estratégia de base em seus projetos, visando aos membros das
forças armadas, corriam o perigo de serem manipuladas por
eles. As declarações de um funcionário das Nações Unidas
que trabalhava há vários anos no campo da reforma do setor
de segurança em Bissau tenderam para uma direção similar.
Em uma conversa confidencial, apresentou o que poderia ser
chamado de “participação excessiva” usando o exemplo de
uma delegacia de polícia modelo que foi estabelecida pelo
UNIOGBIS em um bairro desfavorecido (MAINZINGER,
2011, p. 77). Numa primeira tentativa, foi desviado dinheiro
por agências governamentais e empreiteiros locais, de modo
que a construção só pode ser implementada em uma segunda
tentativa. No entanto, até o momento da nossa conversa, a estação
não estava conetada à rede eléctrica, o que é responsabilidade
das autoridades locais. Da mesma forma pronunciou-se
outro alto funcionário de uma organização internacional,
apresentando o exemplo do Timor-Leste, onde a ONU havia
assumido temporariamente a responsabilidade policial, e que
182
poderia servir de modelo para Guiné-Bissau. Seria concebível
um mecanismo análogo para o país com a ONU assumindo a
gestão por um período determinado.
Repetidas vezes colaboradores de organizações inter-
nacionais, originalmente destacados por idealismo e entu-
siasmo, mostraram-se frustrados porque seus objetivos de criar
estruturas policiais e militares seguindo o exemplo europeu
não puderam ser alcançados, devido a “intransigência” local,
bloqueios, negligência e falta de interesse, capacidade e de
apoio. A “apropriação local” seria, portanto, sob esse ponto
de vista, mais um obstáculo do que uma oportunidade. Ora,
a participação pode ser interpretada como prejudicial para
o planejamento e a implementação de uma reforma do setor
de segurança, quando se coloca em causa a habilidade e a
independência dos especialistas internacionais e quando se
abrem portas para manipulações. Além disso, o problema da
falta de capacidade local não deve ser descartado. No entanto,
deve ser tentada, principalmente, a substituição de processos
de reformas pré-fabricadas por intensivos processos de diálogo
(que merecem este nome) e trabalho de base.
A habilidade estrangeira na área do setor de segurança
deve ser completada por um acompanhamento de estudos
sociais, culturais e pedagógicos dos programas de reforma. Um
aspecto crucial da apropriação local e do desenvolvimento de
capacidade local é basicamente a extensão na qual são postas em
consideração perspectivas e expectativas locais em estratégias
de reforma do setor de segurança.
184
familiarizados a trabalhar de maneira autônoma, devido a uma
aprendizagem escolar a base de métodos cognitivos repetitivos
que são amplamente disseminados. Os salários baixos ou não
pagos no setor público também resultam em pouco incentivo.
Além disso, o comportamento paternalista por parte
de altos funcionários e ministros desempenha um papel a
se considerador, quando procuram enfatizar a sua suposta
superioridade como “big men” frente aos especialistas
estrangeiros, colocando-se em cena como patronos de redes
clientelistas. Uma das consequências disso é que os processos
administrativos seguem uma lógica diferente do “Norte Global”.
Conhecendo a urgência ou a importância das preocupações, os
funcionários às vezes tentam relegar os solicitantes a um papel
de clientes e suplicantes. Assim, os processos são dificultados e
desacelerados.
Existem acusações mútuas. Por um lado, militares
competentes manifestaram a sua insatisfação com a cooperação
com a comunidade internacional por causa de sua política de
informação inadequada, tempos de espera excessivos e postura
arrogante. Por outro lado, os especialistas internacionais
queixam-se que a cooperação é geralmente difícil, os políticos
e os funcionários públicos são frequentemente muito lentos,
hesitantes e sobrecarregados, causando frustração e desilusão
por parte dos doadores. Então, muitas vezes os consultores
ocidentais tiveram de preencher essas lacunas, como quando
se tratou da elaboração de projetos de lei, uma vez que os
deputados são, em grande parte, analfabetos ou de baixa
escolaridade. A percepção das deficiências governamentais e
administrativas pode ser em parte atribuída, também, a uma
falta de compreensão dos especialistas idealistas sobre as
dependências e os interesses locais, e as constelações de poder
e de patrocínio.
Em resumo, constata-se que a incorporação insuficiente de
projetos e o baixo nível de conhecimento da cultura local por
especialistas internacionais podem afetar a implementação de
reformas no setor de segurança, como ilustra o caso da Guiné-
185
Bissau. Com certeza, as estruturas existentes e os contextos
socioculturais no setor de segurança e da burocracia dos
países em causa contribuem também, significativamente, para
complicações com a reforma.
Conclusão
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198
Fuerzas Armadas en Colombia: evolución, reforma
y perspectivas en el contexto de la globalización
199
En la medida en que el nuevo orden global1 ha llevado a
cambios en los métodos para resolver las tensiones del sistema,
las teorías predominantes durante la Guerra Fría que basaban
sus análisis en la relevancia del poder militar o económico,
y le otorgaban a la geopolítica y a la racionalidad estratégica
la superioridad en el rango de decisiones, han tenido que
replantearse. Muchos de los análisis producidos durante ese
período tenían como punto de partida el dilema de la seguridad
y la creciente expansión de las armas de destrucción masiva
como componente esencial de la dinámica del sistema. El
argumento central consistió en utilizar las armas de destrucción
masiva como herramientas de política exterior sin incurrir en
una confrontación convencional directa, y las Fuerzas Armadas
eran un medio por el cual se podía disuadir al enemigo de
entrar en esa confrontación. Las Fuerzas Armadas servían,
junto con su poder bélico, como elementos disuasorios a los
grandes poderes para evitar intervenciones o acometidas con
acciones ofensivas de tal forma que amenazaran el equilibrio
1. La mejor forma de identificar este orden es de manera negativa, es
decir, estamos en el contexto de la no polaridad. Según Haas (2008, p. 72)
“el mundo no polar de la actualidad no sólo es resultado del surgimiento
de otros Estados y organizaciones o de las fallas y disparates de la política
estadounidense; también es una consecuencia inevitable de la globalización.
La globalización ha aumentado el volumen, la velocidad y la importancia de
los flujos transfronterizos de prácticamente cualquier cosa, desde drogas,
correos electrónicos, gases invernadero, bienes manufacturados y personas,
hasta señales de radio y televisión, virus (virtuales y reales) y armas”.
Otros autores señalan que hay un sistema con una serie de actores y con
los cuales las Fuerzas Militares han de interactuar. Hay una lógica de los
estados, asumida en términos tradicionales como autonomía territorial y
preservación del interés nacional. Por otro lado, hay una lógica de lo global,
desprovista de fronteras nacionales, e impulsada por la economía planetaria
y la expansión de las tecnologías de comunicación. Finalmente, está la lógica
de las fuerzas transnacionales, la cual se refiere a todos los agentes que tienen
representación planetaria y que pueden movilizar voluntades e identidades.
Si bien la distinción de estas tres lógicas es analítica, pues en sentido estricto
todos estos factores se entrecruzan y relacionan en el sistema de relaciones,
sirve para comprender el nuevo orden mundial en el que se desenvuelven las
Fuerzas Armadas (BARBÉ, 1995, p. 122).
200
del poder dentro del sistema internacional (MERSHAIMER,
2012). Sin embargo, esto se ha transformado, pues ya las
Fuerzas Armadas no pueden ser utilizadas como elementos
disuasorios exclusivamente o como factores de amenaza hacia
otros estados, en la medida en que hay un sistema altamente
maleable y sensible a la incorporación de nuevos problemas
(PEÑAS, 1997).
Las Fuerzas Armadas en este contexto se tienen que
enfrentar a la emergencia de actores y al declive de otros que
se traduce en un nuevo reparto del poder. Es decir, el fin de la
Guerra Fría ha traído consigo una redefinición del poder dentro
del sistema por cuanto no se constriñe únicamente al Estado, ni
tampoco a las superpotencias. El mundo se ha fragmentado en
esferas dispersas de poder, no quedando restringido su uso ni
a los Estados, ni a los dos grandes bloques de la bipolaridad.
Lo que aparece es, más bien, un sistema altamente heterogéneo,
que no responde a un único patrón homogeneizador, pues hay
más bien una diáspora de modelos e ideologías que se aferran
a sus cuotas de poder. Lo heterogéneo son todos los Estados,
movimientos, actitudes y procesos que no se ajustan a las
normas del modelo capitalista y democrático occidental, ya
sean estados que no respetan las normas internacionales, como
Iran, o el terrorismo internacional o el narcotráfico, o estados
que no respeten los derechos humanos –Myanmar, China,
etcétera – dictaduras, o movimientos de contestación religiosa
o cultural, etc.
Estos nuevos poderes o fuerzas a las que se enfrentan las
Fuerzas Armadas van a ser muy difíciles de controlar para
los intereses de seguridad que tienen los Estados, pues por su
capacidad de ejercer presión o de movilizar voluntades obligan
a nuevas estrategias, nuevas formas de actuación; en la medida
en que el orden sigue siendo anárquico, seguirán existiendo
guerras, habrá luchas de poder, y se dará una degradación
(NAÍM, 2013) en donde las Fuerzas Armadas se enfrentan al
desafío de legitimar su acción frente a contextos inciertos y una
201
población que demanda mayor transparencia basada en los
principios que buscan defender.
En este sentido más que renunciar a la posibilidad de
una seguridad efectiva y acorde con objetivos nacionales que
busquen garantizar la capacidad del estado para enfrentar
amenazas en el ámbito interno, las Fuerzas Armadas han
pasado justamente del ámbito de seguridad nacional a la
seguridad global, en otras palabras, se ha promovido el ascenso
de la fase de una doctrina de seguridad nacional de vigilancia
a una seguridad global de control, en donde se responda a un
esquema de valores universales que depositan en las Fuerzas de
seguridad su garantía de cumplimiento.2
También los cuerpos de inteligencia han buscado adaptarse
a este contexto, pues las revelaciones hechas por Wikileaks con
Julian Assange a la cabeza, junto con las filtraciones de la NSA
(National Security Agency) perpetradas por Eduard Snowden,
muestran que la búsqueda por la seguridad no es una cuestión
que se restringe al ámbito exclusivamente nacional o militar y
que es necesario en esta búsqueda de la seguridad globalizada
emprender todos los métodos de inteligencia disponibles para
prevenir y atacar de posibles amenazas a los estados que ven
que estas pueden suceder más allá de sus territorios y al final
afectar sus intereses vitales (STEINMETZ, 2012, p. 18). Los
avances tecnológicos, la revolución en asuntos militares con
la entrada de nuevas tecnologías, dispositivos cada vez más
sofisticados para expandir el poder de control en el ámbito
205
la población civil, sean las modalidades operativas usadas por
las partes enfrentadas. Es por esto que
206
e interdependencia económica, será cada vez más vulnerable
ante estas grandes bolsas de caos económico y social. Y el
problema es importante ahora mismo, pues, a medida que
los países del club de la miseria se vayan descolgando de una
economía mundial cada vez más compleja, la integración les
resultará cada vez más difícil.
211
Los representantes deben ser quienes tengan la última
palabra en los asuntos de seguridad de importancia clave. Las
organizaciones de seguridad deben actuar de conformidad
con el derecho internacional y el derecho constitucional y
respetar los Derechos Humanos. La información relativa a
la planificación de la seguridad y los recursos conexos debe
estar disponible para todos, tanto dentro del gobierno como
a nivel del público. La gestión la seguridad debe encararse
con un criterio amplio y disciplinado. Esto significa que las
fuerzas de seguridad deben regirse por los mismos principios
de gestión del sector público, que se aplican a otros sectores
del gobierno, con algunos ajustes menores a fin de contemplar
la accesibilidad de confidencialidad propia de la seguridad
nacional. Las relaciones entre civiles y militares deben hacerse
en una escala de jerarquía de autoridad bien articulada entre
las autoridades civiles y las fuerzas de defensa, en los derechos
y los deberes recíprocos de las autoridades civiles y las fuerzas
de defensa, y en una relación con la sociedad civil basada en
la transparencia y el respeto de los Derechos Humanos. Las
autoridades civiles deben tener la capacidad de ejercer control
político de las operaciones y financiación de las fuerzas
de seguridad. La sociedad civil debe tener los medios y la
capacidad de vigilar a las fuerzas de seguridad y contribuir
de manera constructiva al debate político sobre la política
de seguridad. El personal de seguridad debe ser entrenado
para cumplir sus funciones de manera profesional, y debería
reflejar el carácter heterogéneo de sus sociedades, incluyendo
a las mujeres y a las minorías. Las autoridades encargadas
de formular las políticas deben asignar una alta prioridad al
fomento de un clima de paz regional y subregional (PNUD,
2002, p. 90).
212
de este sector. La importancia de este gráfico se debe a que
explica con precisión el orden de los factores dentro del sistema
democrático, el cual debe imponer un esquema de control de lo
civil hacia lo militar, pues en últimas, según la definición que
hemos dado de la seguridad, todo el sistema debe ir enfocado
hacia la protección del ciudadano y del régimen democrático.
Gráfico 1
213
internacional, caracterizado por el ascenso de la democracia y
los derechos humanos como normas de comportamiento. Ahora
bien, vale la pena caracterizar aun más este marco de actuación
dentro de lo que se podría denominar como el modelo de una
cultura democrática de la seguridad, una forma en la cual las
Fuerzas Armadas se adecuan en este nuevo contexto. Esta idea
podría estar basada en una serie de principios.
A. Los sistemas políticos democráticos operan con
mecanismos de representatividad que les llevan a buscar
consensos para mediar los distintos intereses de la
sociedad. Por tanto, un factor clave de operatividad para
las Fuerzas Armadas es el interés nacional basado en el
consenso racional que se tiene que efectuar para que se
preserven valores universales que el sistema democrático
contiene y beneficie a todos los ciudadanos5.
B. En el moderno escenario internacional las democracias
son el sistema de gobierno que permiten una mayor
profundización y arraigo en los principios básicos de
los derechos humanos, lo cual hace a la democracia una
condición indispensable de realización de la libertad
humana basada en la justicia, por ello el accionar de las
fuerzas de seguridad solo queda legitimado y sustentado
5. Según David Held (1997, p. 242), este rasgo caracteriza la legitimidad
del sistema democrático y permite consolidar los principios básicos
de los derechos fundamentales de los ciudadanos de una comunidad
política. Por ello dice que: “El derecho público democrático establece las
condiciones de posibilidad de la democracia –la gama de facultades que
una sociedad democrática debe garantizar a sus miembros.– Es, por lo
tanto, el <<macro>> o metamarco que puede circunscribir y delimitar de
forma legítima la interacción política, económica y social. Especifica las
condiciones necesarias de una comunidad política para que sean libres e
iguales en el proceso de autodeterminación. Proporciona, por lo tanto, los
criterios con que juzgar si un sistema político o un conjunto de disposiciones
es o no democrático. Al inscribir un conjunto de derechos democráticos en
una constitución, la sociedad se compromete a salvaguardar a los individuos
en ciertos aspectos y a proteger a la comunidad política como asociación
democrática, pues estos derechos son las reglas y los procedimientos que no
pueden ser eliminados sin incoherencia ni contradicción: son la condición
de autosujeción de la democracia”.
214
en virtud de su alineamiento y entrega a estos valores
supremos6.
C. Las democracias, en el orden internacional actual,
ven disminuida su capacidad de profundización y
de consolidación debido a que enfrenta una serie de
amenazas a su postulación, por ello las democracias
necesitan dispositivos de autoprotección que se decantan
en las Fuerzas Armadas y tienen en la participación de
la sociedad en los asuntos de seguridad y en el control
democrático de los cuerpos de seguridad su vigencia para
preservar la integridad funcional de una sociedad.
9. “En 1996 las FARC-EP iniciaron una campaña militar sin precedentes
en la historia del conflicto armado. El 15 de abril de 1996 atacaron un
convoy militar en Puerres, departamento de Nariño (31 militares muertos),
el 30 de agosto se tomaron (coparon) la Base Militar de las Delicias en el
departamento del Putumayo (29 militares muertos), el 7 de septiembre
atacaron la Base Militar de La Carpa en el departamento del Guaviare y el
21 de diciembre se tomaron la Base de Comunicaciones del Ejército ubicada
en el Cerro Patascoy en el departamento de Nariño. En 1998 en el combate
en la Quebrada del Billar en el departamento del Caquetá, una fuerza
élite contraguerrilla del Ejercito fue prácticamente aniquilada por esta
guerrilla (63 militares muertos), el 3 de agosto atacaron simultáneamente
las instalaciones de la Policía Nacional en los municipios de Miraflores en
el Guaviare (30 uniformados muertos, 50 heridos y 100 prisioneros), La
Uribe en el Meta y la Base Militar de Pavarandó en la región de Urabá, y
en el mes de noviembre en momentos previos a la concreción de la Zona
de Distensión, las FARC-EP se tomaron la ciudad de Mitú, capital del
departamento del Vaupés. Las FARC llegaron a la mesa de negociaciones
con más de 400 miembros de la Fuerza Pública capturados en combate y
con las bases de un ejército irregular, lo que les permitió imponer su ritmo y
dinámica durante el proceso de diálogo” (TREJOS, 2011, p. 122).
222
Otra línea fundamental ha sido la promoción de la cultura
de los Derechos Humanos y del Derecho Internacional
Humanitario […] finalmente, estamos creando los marcos
legales indispensables para la marcha previsible , regular y
eficiente de las Fuerzas y de la Policía Nacional (PASTRANA,
2005).
224
de pobreza eran del 57.0 % y la indigencia del 20.7 % de la
población.
Según Kalmanovitz (2004), durante el trienio 2000 – 2002,
la economía colombiana se comportó de la siguiente manera:
en el 2000 la economía creció 2,9 %, apenas 1,4 % en 2001, y
1,7 % durante 2002. Lo que produjo que cerca de dos millones
de personas abandonaran el país desde 1998, a la búsqueda de
nuevos horizontes en Estados Unidos y España, principalmente.
Un escenario internacional globalizado, con los Estados Unidos,
como poder hegemónico y militar dominante, instalando una
nueva agenda internacional, centrada en la lucha global contra el
terrorismo. Y una Región Andina, inestable institucionalmente
y cambiante en lo político (VARGAS, 2010).
En este contexto de crisis económica, pérdida de legitimidad
de los partidos políticos y actos terroristas, se ambientó en la
población colombiana el anhelo de un liderazgo fuerte, audaz
y dinámico, que generara un contrapeso real a la sensación
de inseguridad producida por las acciones violentas. El
contundente triunfo electoral de Álvaro Uribe Vélez, materializó
el deseo de los colombianos de restablecer la seguridad y
el orden en el territorio nacional. La entonces Ministra de
Defensa Martha Lucia Ramírez, citada en el informe del PNUD
(2003), definía la Política de Defensa y Seguridad Democrática
(PDSD), como una política Estatal de largo plazo para proteger
a la población. Es por eso que se fijó como objetivo principal,
el fortalecimiento del Estado de Derecho en todo el territorio,
ya que esta es la única forma de garantizar el ejercicio de las
libertades y garantías ciudadanas. En el fortalecimiento de la
autoridad democrática, en el libre ejercicio de la autoridad por
parte de las instituciones y los gobernantes sin temor a ningún
tipo de amenaza, descansa la vigencia del Estado de Derecho,
es por esto que se hace necesario que todos los ciudadanos
participen activamente en los asuntos de interés público y
propendan por que impere la ley en todo el territorio10.
10. El documento de la Política de Defensa y Seguridad Democrática
se funda sobre tres pilares: 1- La protección de los derechos de todos los
225
La primera estrategia seguida por el Estado, fue la de
contener y proteger; teniendo como punto de partida la
protección del libre tránsito vehicular por las principales vías
del país, brindando seguridad a los viajeros a través de caravanas
militares de escolta, llamadas “Vive Colombia, viaja por ella”, y la
puesta en marcha del Plan Meteoro. Al mismo tiempo, se inició
la recuperación del control territorial. Según Pizarro (2004),
al inicio de la administración Uribe, la Policía Nacional se
encontraba ausente de 160 municipios, aproximadamente el 15%
de todos los municipios colombianos. En el segundo semestre
de 2003 solo quedaba un 5% de municipios sin presencia estatal,
y en el año 2004, había presencia permanente de la Policía
Nacional en todas las cabeceras municipales de Colombia
(VARGAS, 2010). Éstas medidas, mejoraron sustancialmente la
percepción de seguridad en la ciudadanía. Debe destacarse que
el cumplimiento de los objetivos estratégicos de la Política de
Seguridad Democrática, implicaba el aumento en el tamaño de
la Fuerza Pública, especialmente las Fuerzas Militares (Gráfico
2).
En el plano internacional, la primera medida de la
administración Uribe, fue ubicar el conflicto armado
colombiano dentro de la “cruzada mundial contra el terrorismo”
liderada por los Estados Unidos, después de los atentados del 11
de septiembre de 2001. En un contexto internacional marcado
por el posicionamiento del terrorismo como la principal
amenaza de la agenda de seguridad mundial, el presidente
Uribe, logró presentar el conflicto armado colombiano como
232
en el territorio nacional. En este trabajo, “presencia estatal”
se debe entender como el cumplimiento permanente de las
obligaciones primarias del Estado, tales como: impartir justicia,
brindar seguridad y garantizar la prestación y acceso a servicios
públicos básicos a todos sus ciudadanos. Si bien esta definición
se presenta como poco elaborada, lo que se busca destacar es
que la presencia del Estado, no solo se limita a la instalación
física de sus instituciones, sino que además, estas instituciones
deben prestar las funciones para las cuales fueron concebidas.
En el caso de las áreas urbanas, la presencia estatal ha sido de
igual forma fragmentada, ya que mientras ha logrado integrar
a sus dinámicas políticas, jurídicas, económicas y sociales a los
centros urbanos, otras zonas periféricas del mismo se encuentran
excluidas y marginadas de sus servicios básicos, posibilitando
la aparición y consolidación de poderes paralelos, que basados
en la fuerza y el uso de la violencia, establecen ordenes sociales
y económicos básicos, que permiten la convivencia. En estas
zonas carentes de Estado, las organizaciones delincuenciales se
convierten en gérmenes de orden y en la práctica, se constituyen
como estados paralelos, ya que al quedar todo cubierto con
el manto de la ilegalidad, el Estado renuncia a ser garante de
las interacciones de los habitantes. Dejando los derechos de
propiedad, los contratos, los intercambios en una especie de
limbo abstracto. Sin ellos no puede haber vida social. Es apenas
natural que un nuevo tipo de orden social o “estado primitivo”
surja en estos contextos.
En el contexto de la PNVCC tiene por objetivo combatir
estos fenómenos con una estrategia integral para “el mejo-
ramiento del servicio policial, haciéndolo armónico a su
misionalidad y naturaleza civil que le es inherente”; y “al facilitar
el acercamiento a la comunidad, para responder de manera
oportuna y efectiva a las verdaderas necesidades de convivencia
que tiene la sociedad”. El PNVCC se encamina a la recuperación
y consolidación de tres componentes estratégicos: el territorio
como espacio geográfico, lo social como fuente de apoyo
humano y lo político como elemento generador de legitimidad.
233
Desde esta perspectiva se ha venido canalizando el impacto de
esa política en la recuperación del poder estatal – legitimidad
– en esas zonas periféricas y marginadas que han estado bajo el
control de actores no estatales y formas delincuenciales.
Conclusión
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239
Reforma no Setor de Segurança e a Integração entre
as Seguranças Humana, Pública e Internacional:
alguns exemplos brasileiros
Introdução
241
segurança está na preocupação com a proteção dos indivíduos;
nesse sentido, observa-se a inclinação coincidente com o objeto
de referência da segurança humana (HÄNGUI, 2004).
Há, na verdade, uma incorporação de atores que já faziam
parte da esfera de segurança/insegurança estatal, mas que eram
desconsiderados, como os Ministérios da Defesa, que coordenam
politicamente a ação dos estamentos armados; além disso, essa
visão anexa também elementos antes desconsiderados, como
o Ministério da Justiça1, que indica a necessária conexão da
força coativa com os aspectos legais, traduzindo o componente
racional-legal do poder político (EDMUNDS, 2003).
Dentro da reforma do setor de segurança e, especificamente,
do espaço marcado pela segurança pública, os debates sobre
as mudanças no ambiente policial aparecem. A esfera policial
tem tido a característica fundante de manter a ordem pública, a
despeito da preservação da vida e do bem-estar do cidadão, por
meio do excesso de repressão violenta, em vez da contenção pela
mínima força necessária, além do pouco uso de alternativas não
violentas preventivas (ROSENBERG, 2006). Mas, conforme
Souza (2012), as polícias têm demonstrado dificuldade de
assimilar a necessidade de transformações profundas em suas
estruturas e apontam as ações violentas como fatos isolados ou
decorrentes da cultura brasileira de se voltar preferencialmente
para a força como solução estatal no controle social,
perpetuando as problemáticas do âmbito de segurança. Esse
quadro repressivo e violento da atividade policial ocorre apesar
de a própria polícia possuir órgão de controle de sua atuação e
do uso da força, como as corregedorias.
Segundo Soares (2006), a reforma policial deve pautar-se
em seis aspectos:
1) reversão da fragmentação verificada na esfera da União
em relação à função das polícias brasileiras (especialmente as
polícias civis e militares), tendo em vista a desconsideração dos
1. No Brasil, o Ministério da Justiça coordena a segurança pública, por meio
de um órgão específico que compõe a estrutura do referido ministério,
denominado de Secretaria Nacional de Segurança Pública – Senasp.
242
aspectos locais e, de certa forma, o impedimento de uma ação
integrada;
2) alteração do marco legal inadequado e restritivo presen-
te na Constituição brasileira em relação às funções policiais,
propondo a “desconstitucionalização das polícias”, ou seja,
possibilitando a adequação das funções policiais de acordo
com as particularidades locais do Brasil, não havendo uma
necessária imposição do papel geral e específico de atuação
policial no nível federal;
3) estímulo à adoção de programas de reforma, voltados
para um modelo de polícia ligado a uma gestão racional,
relacionado à redução da insegurança pública e ao respeito aos
direitos humanos;
4) apoio a iniciativas promissoras e divulgação de boas
práticas;
5) investimento na sensibilização de gestores, legisladores,
opinião pública;
6) valorização do papel ativo dos municípios e guardas civis
na segurança pública.
Nesse quadro reformador, busca-se incentivar eficientes
práticas preventivas da criminalidade, através de diagnósticos
locais, gestão participativa, articulações institucionais e políticas
voltadas para as vítimas (SOARES, 2006). A partir das colocações
de Soares, observa-se que estas propostas de reformulação da
polícia com ênfase na segurança humana coincidem, em parte,
com as ideias da reforma do setor de segurança, pois buscam
abranger não só as forças policiais tradicionais (polícia civil e
militar), como também pretendem tirar o foco da repressão.
É importante também a participação da sociedade civil
nas discussões sobre reforma do setor de segurança para que
ocorra um processo de construção conjunta, promovido pelo
Estado e sociedade de um espaço pacífico e verdadeiramente
democrático, marcado por uma relação dialógica entre
sociedade civil, governo e sistema internacional (SORJ, 2005).
Essa perspectiva justifica-se pelo olhar de segurança humana
243
para o qual estão voltadas as propostas de reforma do setor de
segurança.
Dessa forma, embora a segurança ou a insegurança sejam
providas, em sua maior parte, pelos segmentos estatais, em
virtude da tentativa de manutenção do monopólio da violência
por parte do Estado, os órgãos da sociedade civil organizada,
desde as organizações não governamentais, as associações de
classe, as categorias profissionais, a imprensa, até a comunidade
epistêmica, inserem-se na condição de avaliadores e ques-
tionadores desse sistema de segurança integrado, que reflete a
lógica da reforma do setor de segurança e da legitimidade da
violência por parte do Estado.
Por exemplo, a criação de observatórios de segurança,
integrando analistas e operadores de segurança, pode
proporcionar mais possibilidades analíticas, coletando esta-
tísticas de dados de segurança, de forma mais ampla, não so-
mente relativos a homicídios, mas levando em conta violências
particularizadas (contra a mulher, crianças e adolescentes,
minorias sociais, dentre outras), possibilitando uma gama de
alternativas preventivas de construção de segurança positiva2,
tais como a iluminação de áreas consideradas violentas, a busca
por criar espaços de esporte e lazer em áreas marginalizadas, a
criação de “olhos da rua”, como a criação de estabelecimentos de
comércio e entretenimento em espaços públicos deteriorados
e considerados violentos, vivificando as áreas de passagem e
trânsito.
Outro exemplo de participação da sociedade civil é a
ação de organizações não governamentais, integradas ou não
2. Tratando dos espectros da segurança, observa-se como parte da segurança
negativa o controle e diminuição das ameaças, a ponto de se tornarem
improváveis (BALDWIN, 1997). No geral, isto em segurança pública
corresponde à contenção pela força da violência, quando corretamente
empregada sem excessos. A segurança positiva trata-se da possibilidade
de construção da segurança como, por exemplo, práticas comunitárias que
estabeleçam segurança, substituindo a lógica do medo pela da capacitação
e do empoderamento, considerando múltiplos atores, diferentemente da
segurança negativa, que foca num único ator, o Estado (GJORV, 2012).
244
com órgãos do governo, que cuidam de temáticas específicas.
Servem para a amplificação das análises, particularizando
as necessidades de determinadas minorias ou, quando mais
generalizadas, possibilitando a crítica exógena ao sistema
de segurança governamental e proporcionando a busca de
alternativas preventivas com bom desempenho oriundas de
outros países e culturas.
A mídia pode servir como mais uma alternativa de expor
as mazelas da utilização exagerada da violência, por exemplo,
apesar de muitas vezes ela servir como autenticadora das formas
mais repressivas e agressivas de uso da força militar.
Algumas visões da segurança internacional, por sua vez,
possuem forte convergência para perspectivas mais humanas
nas reconstruções pós-conflito, pós-transição democrática
ou pós-desagregação da União Soviética e uma tendência de
interligação entre preocupações internas e externas aos países
em termos de segurança, coincidentes com a visão da reforma
do setor de segurança (HÄNGUI, 2004). Isto fica mais visível nas
perspectivas de segurança internacional não tradicionais, como
os Estudos Críticos de Segurança, por exemplo. Entretanto,
no Brasil e na América do Sul predominam análises que não
observam com bons olhos essa aproximação entre defesa e
segurança (SOARES; MATHIAS, 2003), caracterizando-as
como uma forma de imposição estadunidense da desvalorização
das forças armadas sul-americanas e sua aplicação nas
“novas ameaças” como o terrorismo, o crime organizado e o
narcotráfico (SAINT-PIERRE, 2011), principalmente porque
essas forças são vistas como ameaças ao cidadão, como durante
a ditadura militar recente.
No entanto, a visão de segurança multidimensional,
partindo da ideia da segurança humana positiva, é considerada
por alguns autores sul-americanos (VILLA, 1999), em
coincidência com analistas de segurança internacional não
estadunidenses, que não necessariamente teriam uma visão de
imposição hegemônica da segurança internacional (GJORV,
2012).
245
Além disso, não só a segurança humana considera o objeto
de referência do indivíduo e o entrelaçamento do interno
com o externo como problemas de segurança internacional;
perspectivas oriundas de visões marxistas e terceiro-mundistas,
tais como a pesquisa de paz, os estudos críticos, pós-coloniais
e feministas de segurança, bem como a Escola de Copenhague,
compartilham desses focos (BUZAN; HANSEN, 2012).
Por outro lado, as perspectivas mais restritivas de
segurança internacional (WALT, 1991), ou mesmo de paz
negativa (BOULDING, 1978), sempre entraram em choque
com as visões mais amplas. Assim, enquanto os tradicionalistas
abordam a possibilidade de perda da capacidade analítica e de
estabelecimento de políticas públicas ao se utilizar dessa visão
mais abrangente, os ampliadores, ou aprofundadores, apontam
a necessidade de um maior foco na busca efetiva da segurança
das pessoas (BOOTH, 2007; BUZAN; HANSEN, 2012) ou de
paz positiva (GALTUNG, 1985).
Percebe-se que, ao tratar de segurança, a reforma do setor
de segurança considera um largo espectro de atores estatais
e revela o papel dos atores não estatais como as organizações
da sociedade civil local, regional ou global, que podem
proporcionar mais segurança social, por meio da supervisão
dos órgãos coatores imediatos, bem como a possibilidade de
entender as questões de segurança pública pelo espectro da
segurança internacional e, mais especificamente, da segurança
humana.
Portanto, sem descuidar dos perigos de se misturar
os conceitos de defesa e de segurança e de assumir visões
“alienígenas” para a constituição das políticas de defesa na-
cional, uma perspectiva multidimensional de segurança pode
favorecer as análises e proporcionar maior foco na manutenção
do bem-estar na segurança pública e na internacional.
246
Teoria da segurança humana e segurança pública
249
Padrões de controle Institucionalizado Institucionalizado/
Não
institucionalizado
Tomada de decisão Formal (político) Formal e Informal
Respostas Diplomática/Militar Científica/
tecnológica/
governança
multilateral/
diplomática/militar
Fonte: MACLEAN apud SILVA, 2003. p. 270 (adaptado).
250
considerados, mas pensar em um arcabouço enorme de ações
proporcionadas pelo olhar amplo da segurança pública humana
(SILVA, 2003).
Com finalidade de delinear a concretude da discussão
apresentada, no próximo tópico tenta-se destacar como o olhar
de segurança humana pode ser uma ferramenta essencial para
nortear o ambiente da segurança pública. Para isso, utiliza-se de
um debate em torno da situação de segurança pública em João
Pessoa, capital do estado da Paraíba.
253
setor policial e governamental (tanto de desenvolvimento social
quanto de segurança pública).
Nesse sentido, em relação à mulher nem base de dados
integrados há para verificar anualmente a violência contra a
mulher e os dados utilizados são apenas do Sistema Único de
Saúde (SUS) quando as mulheres chegam até os hospitais por
causa da violência. Ainda pensando a mulher, verifica-se que
o homicídio também não é pensado voltado para o aspecto de
gênero, quando os dados relevam a necessidade de se pensar
a mulher dentro dos aspectos de segurança pública. Segundo
o Mapa da Violência de 2012 – Homicídio de Mulheres no
Brasil, a Paraíba ocupa o 7º lugar no ranking de violência contra
a mulher, considerando os casos de homicídios femininos,
havendo 6 a cada 100 mil habitantes. Já João Pessoa encontra-se
como a 2ª capital mais violenta do país, com 12,4 homicídios
por 100 mil habitantes e como o 30º município mais violento
do Brasil, demonstrando a necessidade de um olhar mais amplo
para a situação das mulheres no Estado e no município.
Além disso, é relevante focar nos locais de maior incidência
ou risco de violência contra a mulher, por meio de um
mapeamento, a fim de verificar as raízes do problema. Ademais,
Lucena (2011) verifica que as áreas menos favorecidas ou mais
desiguais são as que se observa o maior risco de ocorrência dos
eventos de violência doméstica, apesar da distribuição ampla
do fenômeno na sociedade pessoense.
Diante de todas as abordagens e dados apresentados,
reforça-se a necessidade de maior atenção à situação das
mulheres no município de João Pessoa, com: a criação de
políticas mais específicas e eficazes; maior estruturação dos
aparatos estatais voltados para a causa; integração com as
organizações que trabalham com o tema, ouvindo e aplicando
as reivindicações; desenvolvimento de um banco de dados
integrado para que haja um detalhamento dos casos de violência
doméstica no município, possibilitando atuações mais eficazes,
baseadas nas raízes dos conflitos; maior monitoramento dos
casos de mulheres vítimas de violência doméstica, evitando a
254
revitimização; controle das notificações de violência doméstica
no ambiente de saúde; maiores campanhas para informar as
mulheres como combater a violência doméstica; verificação das
áreas de maior incidência de violência doméstica, observando
as causas desse fenômeno, dentre outras ações fundamentais.
Uma das políticas preventivas a ser adotada pela Prefeitura
seria a prestação da atenção básica e orientação nos principais
pontos de atendimento e passagem das mulheres: os Postos de
Saúde da Família, os Centros de Referência e Assistência Social
e nas escolas públicas. Muitas mulheres agredidas passam por
esses locais; mas, em alguns casos, não são identificadas e nem
encaminhadas.
Ainda com relação à violência contra a mulher, a educação
preventiva dos meninos nas escolas e dos homens que praticaram
ações violentas contra mulheres pode ser vista como uma
possibilidade de ação de segurança preventiva, atuando dentro
da lógica da segurança humana, com visão mais abrangente do
setor de segurança.
Os roubos e furtos também são elementos importantes para
pensar que possíveis reduções desses índices estão ligadas com
mudanças sociais positivas na sociedade, inclusive podendo
impactar numa drástica redução do número de homicídios, já
que, muitas vezes, há mortes ligadas com roubo. Além disso,
esses tipos criminais impactam na sensação de segurança social,
demonstrando a importância da prevenção da criminalidade
em suas mais diversas esferas.
Portanto, a segurança humana funciona como um
instrumento teórico e prático voltado para promover uma
ampliação do olhar da segurança pública, referendando am-
bientes fundamentais para atuação, análise e monitoramento e
demonstrando o quanto a integração social com o ambiente da
segurança pública pode ter impactos positivos para a melhoria
deste setor. Além de tudo isso, vê-se como a prevenção é uma
ferramenta excelente para ser utilizada pelos setores voltados
para a segurança pública atuais.
255
A prevenção está ligada com o ambiente social, mas
também com o próprio setor de segurança, capacitando-o
para ter um panorama da situação desse ambiente para
possibilitar maior atuação (BRASIL, 2005). É com esse foco que
a Guarda Municipal deve atuar, tornando-se um instrumento
da segurança comunitária, integrando permanentemente
regiões definidas (violentas), possuindo certa autonomia para
práticas de prevenção, intermediando as informações entre a
comunidade e o Poder Público, atuando em conflitos de pequena
dimensão, ou seja, os guardas devem atuar como estrategistas
em segurança pública, pautando-se na habilidade enquanto
mediador e no papel de liderança comunitária que devem
conseguir exercer (BRASIL, 2005). Há casos interessantes no
Brasil de guardas municipais que atuam como instrumentos
disseminadores de uma cultura de paz, utilizando-se de meios
artísticos, como o teatro e os fantoches (OLIVEIRA, 2012).
É notório, então, como a segurança humana tem que estar
associada à segurança pública nos dias atuais, não sendo possível
pensar segurança apenas como políticas públicas prontas, que
não levem em consideração o papel e a atuação social, bem
como outros aspectos que impactam diretamente no setor de
segurança pública. Por isso, quanto maior a ideia de reforma do
setor de segurança, pautada essencialmente na integração entre
os mais diversos setores que direta ou indiretamente impactam
o ambiente de segurança, mais desenvolvida será a rede de
proteção social promovida.
263
de uma agenda comum para lidar com oportunidades e desafios
regionais; todavia, na reunião de 2007 do CSN na Venezuela é
que houve a mudança do nome para Unasul.
Assim, com a aprovação do Tratado Constitutivo da
Unasul em 2008 no Brasil, foi efetivamente criado o grupo,
que é composto por Argentina, Bolívia, Brasil, Colômbia,
Chile, Equador, Guiana, Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai
e Venezuela. A Unasul possui dois conselhos setoriais fun-
damentais para se debater defesa e segurança entre os países
membros, que são: o Conselho de Defesa Sul-Americano e
o Conselho Sul-Americano sobre o Problema Mundial das
Drogas (Unasul).
A ênfase do Conselho de Defesa é na segurança tradicional,
com suas estruturas militares; no geral, buscam atividades
ligadas à criação de medidas de confiança mútua, construção
de base industrial militar conjunta, dentre outras medidas, que
visam criar um espaço de segurança regional, ainda dentro da
lógica de segurança tradicional.
Possivelmente o Conselho Sul-Americano sobre o Problema
Mundial das Drogas poderá exercer um bom trabalho se criar
lógicas de apoio conjunto para buscar soluções ligadas às
drogas, assim, poderiam estabelecer estruturas conjuntas de
descriminalização das drogas, maior fomento no apoio dos
dependentes de drogas com o intuito de torná-los funcionais,
dentre outras medidas. Portanto, há muito o que se pensar
em termos de quando a Unasul, com seus conselhos, poderá
proporcionar maior segurança aos cidadãos da comunidade de
nações sul-americanas.
Conclusões
267
Portanto, este estudo problematiza as discussões em
torno da reforma do setor de segurança, das terminologias de
segurança humana, estatal e internacional, instigando estudos
de segurança mais complexos, que envolvam preocupações
conceituais e com temáticas mais abrangentes, escapando das
teorias de soluções de problemas, pensando os pontos que
precisam de mudança nos âmbitos locais, regionais e globais
e incentivando a cooperação; contudo, faz-se mister também
difundir o conceito de segurança humana e tentar buscar cada
vez mais sua efetividade.
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ZEHR, Howard. Justiça Restaurativa. São Paulo: Palas Athena,
2012.
272
Sobre os Autores
Christoph Kohl
Doutor pelo Instituto Max Planck de Antropologia Social,
Halle/Saale (Alemanha). Mestre pela Universidade Johannes
Gutenberg, Mainz (Alemanha), com estudos de antropologia
social, sociologia e ciências políticas. Foi consultor na área de
política de desenvolvimento. Pesquisador da Universidade de
Munique Ludwig-Maximilians em projeto sobre refugiados
retornados em Angola entre 2011 e 2012. Desde 2012 é
pesquisador no Instituto de Pesquisa da Paz em Frankfurt,
desenvolvendo projeto sobre os efeitos culturais da transferência
de normas no âmbito de reforma do setor da segurança.
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Luis Fernando Trejos
Doutor em Estudos Americanos com ênfase em Estudos
Internacionais (Idea/USACH). Professor e pesquisador do
Departamento de Ciência Política e Relações Internacionais da
Universidade do Norte, Barranquilla (Colômbia). Investigador
Associado do Instituto de Altos Estudos de América Latina e
Caribe, Universidade do Norte. Membro do Grupo de Pesquisa
“Agenda Internacional” e coordenador do Mestrado em
Relações Internacionais da Universidade do Norte.
Mark Sedra
Doutor em Ciências Políticas pela Universidade de Londres.
Mestre em História Internacional pela Escola de Ciências
Políticas e Econômicas de Londres. Professor Assistente
Adjunto da Universidade de Waterloo e da Balsillie School of
International Affairs, no Canadá. Diretor Executivo do Centre
for Security Governance, um think tank baseado no Canadá
dedicado ao estudo das transições em segurança em estados
frágeis, falidos e afetados por conflitos.
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Unesp – Campus de Marília/SP. Foi observador da ONU na
United Nations Peace Force (UNPF), na Bósnia Herzegovina,
e na United Nations Transitional Administration for Eastern
Slavonia (Untaes), na Croácia, durante a guerra civil na antiga
Iugoslávia.
Stephanie Blair
Doutora pelo Departamento de Estudos da Guerra do
Kings College, Londres. Foi membro da equipe que estabeleceu
o Centro Internacional de Treinamento para Operações de
Paz Lester B. Pearson do Canadá. Realizou trabalhos sobre
paz, conflito e reforma do setor de segurança junto às Nações
Unidas, OSCE, Otan, governo do Reino Unido e universidades.
Foi Diretora do Centro para Gestão do Setor de Segurança e do
Mestrado em Gestão do Setor de Segurança da Universidade de
Cranfield (Reino Unido). Tem vasta experiência em conflitos
nos Bálcãs, América Central, Oriente Médio, Norte da África
e Ásia.
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