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Reforma Setor Segurança: teoria, prática e crítica

Book · December 2020

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Sergio Aguilar
São Paulo State University
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As Relações Internacionais em contexto de pandemia View project

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SÉRGIO LUIZ CRUZ AGUILAR (ORG.)   REFORMA DO SETOR DE SEGURANÇA: TEORIA, PRÁTICA E CRÍTICA
Reforma do Setor de Segurança:
visão geral e proposta
de planejamento
Sérgio Luiz Cruz Aguilar

Uma Crítica à Reforma


A chamada reforma do setor de segurança é um tema pouco dis- do Setor de Segurança
cutido no Brasil apesar de existir desde os anos 1990, ter sido Stephanie Blair
Sérgio Luiz Cruz Aguilar SÉRGIO LUIZ CRUZ AGUILAR (ORG.)
implementada em diversos países, em diferentes situações e ser
Reforma do Setor de Segurança
Professor do Departamento de So-
ciologia e Antropologia e do Progra-
trabalhada conceitualmente por acadêmicos e praticantes por quase
duas décadas. Os processos de reforma se tornaram peças-chave
REFORMA DO em Países Afetados por Conflitos:
a necessidade de uma abordagem
ma de Pós-Graduação em Ciências
Sociais da Faculdade de Filosofia
na reconstrução de Estados chamados frágeis, falidos ou recém-saí-
dos de conflitos armados, mas também têm sido implementados
SETOR DE de segunda geração
Mark Sedra
e Ciências da Unesp – Campus de
Marília/SP – onde é coordenador do
em países onde ocorre a transição do autoritarismo para governos
democráticos e naqueles em que o setor de segurança não cumpre
SEGURANÇA Os Desafios da Reforma
Grupo de Estudos e Pesquisa sobre do Setor de Segurança
corretamente com seus objetivos de proteção do Estado e de seus TEORIA, PRÁTICA E CRÍTICA
Conflitos Internacionais (GEPCI) e na República da Guiné-Bissau
cidadãos. Em razão da amplitude desse tema, o livro apresenta textos
do Observatório de Conflitos Inter- Christoph Kohl
nacionais (OCI). Autor das obras: de diversos especialistas com o objetivo de permitir aos leitores uma
Gerenciamento de Crises: o terremo- reflexão e um aprofundamento intelectual sobre a reforma do setor Fuerzas Armadas en Colombia:
to no Haiti (Porto de Idéias, 2014), de segurança. evolución, reforma y perspectivas
Segurança e Defesa no Cone Sul: da en el contexto de la globalización
rivalidade da Guerra Fria à coopera- Gabriel Orozco Restrepo
ção atual (Porto de Idéias, 2010) e A Luis Fernando Trejos
Guerra da Iugoslávia: uma década
de crises nos Bálcãs (Usina do Livro, Reforma no Setor de Segurança e
2003). Organizou os livros Brasil em a Integração entre as Seguranças
Missões de Paz (Usina do Livro, 2005) Humana, Pública e Internacional:
e Relações Internacionais: pesquisa, alguns exemplos brasileiros
práticas e perspectivas (Oficina Uni- Aline Chianca Dantas
versitária, 2012). Paulo Roberto Loyola Kuhlmann
SÉRGIO LUIZ CRUZ AGUILAR (ORG.)

REFORMA DO
SETOR DE
SEGURANÇA
TEORIA, PRÁTICA E CRÍTICA

São Paulo, 2014


Reforma do Setor de Segurança: teoria, prática e crítica
Sérgio Luiz Cruz Aguilar (Organizador)

Conselho Editorial
Barbara Heller
Carlota J. M. Cardozo dos Reis Boto
Célia Maria Benedicto Giglio
Daniel Revah
João Cardoso Palma Filho
Luiza Helena da Silva Christov

Editor
Sebastião Haroldo de Freitas Corrêa Porto

Coordenação Editorial
Silvana Pereira de Oliveira

Projeto Gráfico Capa


Otávio Silva Priscila Justino | Pi Laboratório Editorial

Arte dos Logotipos do GEPCI e OCI


Luciano van Winkel

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Reforma do setor de segurança : teoria, prática
e crítica / Sérgio Luiz Cruz Aguilar
(organizador). -- São Paulo : Porto de Idéias, 2014.
Vários autores.
1. Ataque e defesa (Ciência militar)
2. Brasil - Defesa 3. Política militar
4. Relações internacionais 5. Segurança
internacional I. Aguilar, Sérgio Luiz Cruz.
14-13350 CDD-355
Índices para catálogo sistemático:
1. Setor de segurança : Reforma : Ciência militar 355

Todos os direitos reservados à


EDITORA PORTO DE IDÉIAS LTDA.
Rua Perdões, 101 – Aclimação
São Paulo – SP – 01529.030
Fone (11) 3884-3814
portodeideias@portodeideias.com.br
www.portodeideias.com.br
Apresentação

A chamada reforma do setor de segurança (RSS) emergiu


a quase duas décadas na comunidade de desenvolvimento, a
partir do entendimento da importância do setor de segurança
nas questões de desenvolvimento econômico e democratização,
e no campo das relações civis-militares, especialmente em
países recém-saídos de regimes autoritários. A partir da década
de 1990, as “novas gerações de operações de paz” desdobradas
pela Organização das Nações Unidas (ONU) apresentaram,
dentre suas atividades, programas relacionados com o que hoje
é entendido como sendo o setor de segurança.
Atualmente, os processos de reforma se tornaram
peças-chave na reconstrução de Estados chamados frágeis,
falidos ou recém-saídos de conflitos armados, além de terem
sido implementados em países onde ocorre a transição do
autoritarismo para governos democráticos e naqueles em
que o setor de segurança não cumpre corretamente com seus
objetivos de proteção do Estado e de seus cidadãos. Ou seja,
a reforma do setor de segurança desempenha hoje importante
papel tanto nos processos pós-autoritários como na transição
pós-conflito violento.
Mas, apesar de ter sido implementada em diversas situações,
em diversas regiões do globo e ser trabalhada conceitualmente
por acadêmicos e praticantes desde seu início, a reforma do
setor de segurança é um tema pouco discutido no Brasil. Dessa
forma, esse livro pretende colaborar para o conhecimento e a
discussão sobre o assunto.
Em razão da amplitude do tema, o livro buscou apresentar
textos de diversos especialistas que abrangessem três campos:
a teoria construída durante duas décadas de realizações de
reformas, a crítica a alguns aspectos dos diversos processos
já implementados e a prática a partir de estudos de caso. No
último campo, a obra incluiu três situações bastante diferentes:
um estudo sobre a reforma do setor de segurança em um país
africano que viveu um processo violento (Guiné Bissau); a
situação da segurança e das forças armadas na Colômbia em
decorrência da contínua e sistemática violência armada no
país; e a questão da segurança humana, pública e internacional,
sendo que esse último texto trabalha tanto o referencial teórico
da segurança humana e da humanização da segurança como
apresenta algumas considerações sobre a América do Sul e o
Brasil nesse âmbito. O objetivo maior é permitir aos leitores
uma reflexão e um aprofundamento intelectual sobre o tema da
reforma do setor de segurança
O primeiro artigo, de Sérgio Luiz Cruz Aguilar, tem como
título “Reforma do Setor de Segurança: visão geral e proposta
de planejamento”. O texto apresenta os diversos conceitos
de segurança, setor de segurança e de reforma desse setor.
Apresenta, ainda, algumas considerações sobre o contexto,
o ambiente, as características e as dimensões da reforma, os
atores que podem ser envolvidos e as abordagens que podem
ser adotadas para lidar com a questão. Finalizando, sugere
um método para o planejamento de programas e projetos de
reforma.
Stephanie Blair, em seu ensaio “Uma Crítica à Reforma do
Setor de Segurança”, inicia a análise nos princípios estabelecidos
pela reforma do setor de segurança no papel tradicional
da ONU, na implementação de processos de reforma e nas
contribuições mais amplas da prática de reformas. Em seguida,
apresenta uma crítica à reforma em torno de cinco pontos: a
ausência ou fraqueza do Estado, a dificuldade de transformar as
instituições de governos neopatrimoniais, a apropriação local,
as prioridades setoriais versus transformações estratégicas e a
estabilização em curto prazo versus governança em longo prazo.
O texto “Reforma do Setor de Segurança em Países
Afetados por Conflitos: a necessidade de uma abordagem de
segunda geração”, de Mark Sedra, apresenta a ascensão e a
queda da primeira geração da reforma do setor de segurança e o
impacto dos atentados de 11 de setembro de 2001, nos Estados
Unidos, na agenda de reforma. Em seguida, discorre sobre
as escolas de pensamento e faz considerações sobre o futuro
da RSS o qual, para o autor, se resume ao papel do Estado e
à capacidade dos doadores ocidentais de efetivarem mudanças
transformadoras no modelo da reforma e nas suas próprias
práticas desenvolvimentistas.
O quarto artigo, “Os Desafios da Reforma do Setor
de Segurança na República da Guiné-Bissau”, escrito por
Christoph Kohl, analisa a impraticabilidade do conceito de
reforma do setor da segurança na Guiné-Bissau. Apresenta
como razões que corroboram essa afirmação as diferentes
percepções e expectativas dos doadores e beneficiários e a
limitação da participação do governo local, dos membros
do setor da segurança, da sociedade civil e da população em
geral daquele país. O autor parte de um panorama histórico do
setor da segurança guineense para discutir as razões políticas e
estruturais que levaram ao fracasso dos elementos centrais da
reforma.
Gabriel Orozco Restrepo e Luis Fernando Trejos apresentam
o caso específico da Colômbia no texto “Fuerzas Armadas en
Colombia: evolución, reforma y perspectivas en el contexto
de la globalización.” O trabalho se torna mais importante em
razão da possibilidade atual de um acordo de paz, após mais
de cinquenta anos de violência armada. Os autores apresentam
as mudanças no panorama estratégico, a atuação das forças
armadas no conflito e como elas tiveram que se adaptar para
fazer frente às ameaças internas.
Aline Chianca Dantas e Paulo Roberto Loyola Kuhlmann
abordam a “Reforma no Setor de Segurança e a Integração
entre as Seguranças Humana, Pública e Internacional: alguns
exemplos brasileiros”. O trabalho apresenta a relevância da
integração entre três concepções de segurança humana,
pública e internacional e como a reforma do setor de segurança
influencia no processo de humanização da segurança pública e
internacional, buscando demonstrar que, em muitos casos, as
fronteiras entre elas não são tão rígidas e a inter-relação pode
ser positiva.
Esperamos que esta obra contribua para o conhecimento,
aprofundamento e reflexão sobre o tema que se torna cada
vez mais importante para o Brasil na medida em que o país
postula maior participação no processo decisório mundial e,
consequentemente, uma presença mais pró-ativa no cenário de
segurança internacional.

Sérgio Luiz Cruz Aguilar (Organizador)


Sumário

Reforma do Setor de Segurança: visão geral e proposta de


planejamento
Sérgio Luiz Cruz Aguilar 9

Uma Crítica à Reforma do Setor de Segurança


Stephanie Blair 92

Reforma do Setor de Segurança em Países Afetados por


Conflitos: a necessidade de uma abordagem de segunda
geração
Mark Sedra 130

Os Desafios da Reforma do Setor de Segurança na República


da Guiné-Bissau
Christoph Kohl 160

Fuerzas Armadas en Colombia: evolución, reforma y


perspectivas en el contexto de la globalización
Gabriel Orozco Restrepo
Luis Fernando Trejos 199

Reforma no Setor de Segurança e a Integração entre as


Seguranças Humana, Pública e Internacional: alguns
exemplos brasileiros
Aline Chianca Dantas
Paulo Roberto Loyola Kuhlmann 240
Reforma do Setor de Segurança:
visão geral e proposta de planejamento

Sérgio Luiz Cruz Aguilar

Introdução

A década de 1990 foi especialmente importante para a área


da segurança internacional, tanto para os círculos políticos
como para os acadêmicos envolvidos no tratamento do tema.
Isso porque o sistema internacional estava iniciando uma fase
de reestruturação pós-Guerra Fria. Países do antigo bloco
socialista iniciavam seu caminho na direção da implantação de
regimes democráticos com uma economia capitalista. Outros
entraram numa espiral de violência por motivos étnicos,
religiosos, políticos, econômicos, ou uma junção desses fatores,
que em alguns casos como na antiga Iugoslávia, transformou-se
em guerra civil e resultou no esfacelamento do Estado existente.
A “explosão” de conflitos intraestatais levou a Organização
das Nações Unidas (ONU) e várias organizações regionais a
se envolverem na tentativa de resolver, ou ao menos gerenciar,
esses conflitos. No caso da ONU, o enorme envolvimento de
pessoal fornecido pelos seus Estados-membros, o aumento
considerável de recursos financeiros e, principalmente, os erros
cometidos em algumas missões de paz como na Iugoslávia,
Ruanda e Somália, resultaram numa profunda avaliação da
própria Organização que teve como consequência mudanças
conceituais e práticas na maneira de conduzir as operações de
paz.
Em parte do sistema internacional, como na América
Latina, ditaduras civis e militares deram lugar a governos civis
que iniciaram a implantação da democracia. Nesses Estados,
um dos aspectos fundamentais era o estabelecimento do mando

9
civil sobre as forças armadas e uma reestruturação dessas forças
de modo que rapidamente deixassem de ser empregadas em
prol dos regimes para garantir a segurança do Estado e da
população. Assim, cresceram de importância nesses países as
relações civis-militares.
Na mesma época, e relacionada com os conflitos que
se desenrolavam ou com a “privatização” dos conflitos nos
Estados com problemas de governança, surgiram os conceitos
de segurança humana e segurança societal, segundo os quais
a proteção de indivíduos e grupos sociais deveria ser mais
importante que a proteção do Estado, onde a disfuncionalidade
normalmente era a causa principal da insegurança.
O conceito de “segurança humana” e os debates sobre uma
visão mais ampliada da segurança ocorreram, também, com a
emergência de diferentes tipos de ameaças relativas ao declínio
das preocupações militares próprias do período do final da
Guerra Fria. Como consequência, passou-se a pensar em
mudanças da primazia da segurança estatal ou internacional
para a transnacional, subnacional e individual. Foi nesse
contexto que surgiu a Reforma do Setor de Segurança (RSS) e
que, por sua importância, passou a ser extensamente estudada
nos círculos acadêmicos.
Segundo Edmunds (2002), a reforma do setor de segurança
emergiu como um conceito-chave e sua origem vem de duas
áreas: da comunidade de desenvolvimento que aumentou
o conhecimento sobre a importância do papel do setor de
segurança nas questões de desenvolvimento econômico e
democratização; e do campo das relações civis-militares. Nesse
sentido, Hänggi (2004) apontou três abordagens para a reforma
do setor de segurança: como um instrumento para melhorar
a eficiência e a eficácia da assistência ao desenvolvimento;
como ferramenta para facilitar a coordenação prática e
integração conceitual das reformas da segurança interna e
defesa em Estados que haviam saído de períodos autoritários;
e no contexto da reconstrução nos Estados que emergiram de
conflitos violentos intraestatais ou interestatais.
10
Segundo Edmunds (2002), tanto nos processos pós-
autoritários como nas transições pós-conflito violento, a refor-
ma do setor de segurança desempenha hoje importante papel
nas áreas da democratização, boa governança, desenvolvimento
econômico, profissionalização, prevenção de conflitos e inte-
gração com instituições ocidentais.
Dessa forma, o texto se inicia com a apresentação de
conceitos de segurança, setor de segurança e de reforma desse
setor. Apresenta, ainda, algumas considerações sobre o contexto,
o ambiente, as características e as dimensões da reforma,
sobre os atores que podem ser envolvidos e as abordagens que
podem ser adotadas para lidar com a questão. Finalizando, e
entendendo a reforma do setor como processo, apresentamos
uma sugestão de método para o planejamento com ênfase num
estudo da situação que permite a decisão sobre como conduzir
os programas e projetos de reforma.

Os conceitos de segurança e setor de segurança

O conceito de segurança é subjetivo e lida com diferentes


percepções, riscos, probabilidades. Tradicionalmente, implica
numa visão centrada no Estado, onde as forças armadas são os
principais atores responsáveis por sua garantia. Para Lippman
(apud BUZAN, 1991) uma nação é segura na medida em que
não está em perigo de ter que sacrificar valores-chave se quiser
evitar uma guerra e é capaz, em caso de mudança, de mantê-los
pela vitória nessa guerra. Wolfers (apud BUZAN, 1991) admite
que, objetivamente, segurança mede a ausência de ameaças
para a aquisição de valores e, subjetivamente, a ausência do
medo de que esses valores possam ser atacados. Segurança e
securitização são processos intersubjetivos que se constroem
socialmente já que mudam ao longo do tempo.1
1. A Escola de Copenhague definiu três esferas distintas: a privada, a pública
e a de segurança. Assuntos da esfera privada podem ser politizados, ou seja,
passar a esfera política. Assuntos da esfera pública podem ser securitizados,
ou seja, passar a esfera de segurança. Mas os assuntos considerados ameaças
11
A ONU elaborou, em 1986, o conceito de segurança como
sendo uma condição

en la que los Estados o los individuos consideran que están


expuestos en pequeña medida al peligro de un ataque militar,
a las penurias económicas, a la presión política o a la injusticia
social [...] (UN, A/40/553, 1985, p. 11).

No Brasil, a Escola Superior de Guerra (ESG) definiu


segurança como “o sentimento de garantia necessária e
indispensável a uma sociedade e a cada um de seus integrantes
contra ameaças de qualquer natureza” (ESG, 2006, p. 51). É
uma das funções básicas e indelegáveis do Estado.
A segurança é a sensação de se sentir seguro por conta
da ausência de ameaças, é questão substantiva em matéria de
decisão política, e se pode qualificar de global, regional, sub-
regional, nacional ou individual, segundo o marco de alcance
que opera.
Enquanto a segurança é abstrata, um estado, a defesa é um
ato dirigido à determinada ameaça e pressupõe um eventual
emprego de força, ou seja, o uso das Forças Armadas como
elemento essencial (LEONEL, 1996). Compreende atitudes,
medidas e ações do Estado, com ênfase na Expressão Militar,
para a defesa do território, da soberania e dos interesses
nacionais contra ameaças preponderantemente externas (ESG,
2006).
Apropriando-se da ideia de Buzan (1991), admitimos
que as percepções das ameaças são afetas a cada nação e estão
intimamente ligadas à sua localização e à sua capacidade. Sendo
à sobrevivência nacional podem variar quanto ao tema, no tempo e no
espaço. Ou seja, um mesmo assunto pode ser parte da esfera de segurança
num país e não em outro, ou um mesmo assunto pode fazer parte da esfera
de segurança num certo momento e deixar de fazer parte daquela esfera em
outro momento. A securitização não é específica a algumas áreas. Da mesma
maneira que um problema pode ser securitizado, pode ser desecuritizado,
ou seja, repolitizado. Por isso securitização e desecuritização não são
movimentos definitivos (WEAVER, 1995; WAEVER; BUZAN; WILDE,
1998).
12
as características de cada sub-região, em termos de segurança,
diferentes das demais, as percepções de ameaça serão também
diferentes. Esse entendimento leva a se considerar o regional
como nível intermediário de análise entre o Estado e o sistema
internacional.
Mudanças de contexto, novas abordagens, novas ameaças,
conduziram a estudos que apresentaram novas formas de
segurança. Além disso, a nova agenda nesse campo passou a
reconhecer atores não estatais que, em alguns casos, tanto
provêm segurança em partes do Estado como podem ser os
responsáveis por ameaças à segurança.
Em 1980, o Informe Brandt da Comissão Independente para
o Desenvolvimento Internacional da ONU introduziu o termo
“segurança econômica”, referindo-se à ameaça representada pela
falta de desenvolvimento nos países do Sul. Os Estados estariam
seguros ao se perceberem livres de agressões, discriminações ou
segregações de natureza econômica em condições de seguirem
sua busca pelo desenvolvimento e crescimento (BRANDT,
1980).
Em 1982, a Comissão Independente para Assuntos de
Segurança e Desarmamento da ONU (Comissão Palme)
apresentou o conceito de segurança comum definido como um
processo de longo prazo que envolve a tentativa de mudar o
pensamento perpetuado pela corrida armamentista das grandes
potências, principalmente no campo nuclear, com o controle
preventivo de armas e desarmamento. A análise da Comissão
apresentou a ideia da multidimensionalidade da ameaça que
seria preponderantemente militar, mas também relacionada
com o bem-estar econômico, saúde, princípios e ideais dos
povos (PALME, 1982; SNYDER, 1999).
Em 1987, a Comissão Brundtland introduziu o conceito
de segurança do meio ambiente (BRUNDTLAND, 1987). O
conceito de “segurança humana” surgiu em 1994, por meio do
relatório final da Comissão de Segurança Humana do Programa
das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), que
significa
13
proteger as liberdades fundamentais – liberdades que são a
essência da vida. Significa proteger as pessoas de ameaças
e situações críticas (graves) e penetrantes (generalizadas).
Significa usar os processos que se acumulam sobre os pontos
fortes e as aspirações das pessoas. Significa criar sistemas
políticos, sociais, ambientais, econômicos, militares e
culturais que em conjunto dêem às pessoas os elementos
básicos de sobrevivência, subsistência e dignidade (UN, 2003,
p. 4, tradução nossa).

O relatório apresentou como componentes da segurança


humana as seguranças econômica, alimentar, de saúde,
ambiental, pessoal, da comunidade e política.
O termo segurança humana foi, segundo Paris (2001, p. 87,
tradução nossa), o

último de uma longa lista de neologismos – incluindo


segurança comum, segurança global, segurança cooperativa
e segurança compreensiva – que encoraja os acadêmicos e
policymakers a pensar segurança internacional como algo
além da defesa militar dos interesses e do território do Estado.

O conceito ampliado ganhou forma, especialmente, na


produção acadêmica de pesquisadores do Copenhagem Peace
Research Institute (Copri) que apresentou uma renovação
teórica por meio do debate conceitual de segurança. Para
Buzan (1991), as pressões sistêmicas conduzem os Estados
a desenvolver regras e formas de reconhecimento mútuo e a
interdependência em segurança é o coração dessa aproximação.
O aumento da densidade da interação internacional faz com
que as visões limitadas de segurança nacional e estratégia
nacional de segurança sejam inapropriadas e contraprodutivas,
havendo a necessidade de ampliar a noção de segurança. Assim,
os estudos deveriam manter o Estado como unidade principal
de análise, mas deveriam incluir os cinco maiores setores que
afetam a segurança das coletividades humanas: militar, político,
econômico, societal e ambiental, permitindo uma visão mais
ampliada do conceito.

14
A partir do conceito de segurança pode-se definir o
chamado setor de segurança que, num sentido mais restrito,
compreende o aparato estatal de segurança interna e externa
e, num sentido mais amplo, pode englobar diversos atores em
segurança e justiça, estatais e não estatais.
Chuter (2006) sugeriu utilizar literalmente o conceito
de setor de segurança, englobando todas as organizações
responsáveis essencialmente pela provisão de segurança. Dessa
forma, o setor seria composto por

todas as instituições cujo papel principal é a prestação de


segurança interna e externa, em conjunto com os órgãos
responsáveis pela sua administração, emprego e controle.
Na prática, isso engloba os militares, policiais, serviços de
inteligência, forças paramilitares e as agências governamentais
por eles responsáveis (CHUTER, 2006, p. 7, tradução nossa).

A definição de Chuter engloba apenas o aparato estatal


e estritamente os órgãos de segurança. Chalmers (2000, p. 6,
tradução nossa) alargou o conceito, inserindo os sistemas
judicial e prisional, englobando no setor todas as organizações
que têm “autoridade para usar, ordenar ou ameaçar o uso da
força, para proteger o Estado e seus cidadãos, bem como todas
as estruturas civis responsáveis pela sua gestão e supervisão”,
incluindo as forças militares e paramilitares, os serviços de
inteligência, as forças policiais, guardas de fronteira e os
serviços aduaneiros, os sistemas judiciário e penitenciário, e
as estruturas civis responsáveis pela gestão e fiscalização dessa
organizações.
O Centro para o Controle Democrático das Forças Armadas
de Genebra – Geneve Centre for Democractic Control of Armed
Forces (DCAF) ampliou o escopo e abrangeu também setores
da sociedade civil. Listou como partes do setor de segurança:
1) os provedores estatais de segurança e justiça (forças
armadas, polícia, guardas presidenciais, guardas nacionais,
defesa civil, serviços secreto e de inteligência, cortes, Ministério
Público e sistema prisional); 2) os mecanismos e instituições
15
de fiscalização e governança (quadro legal, legislativo e suas
comissões, conselhos judiciários, instituições de direitos
humanos, organismos anticorrupção e ministérios da justiça,
interior e finanças); 3) a sociedade civil (ONGs, associações,
mídia, sindicatos, grupos de vítimas, instituições acadêmicas
e de pesquisa, eleitorado e cidadãos); e 4) os provedores de
segurança e de justiça não estatais (companhias de segurança
privada, grupos armados, grupos de autodefesa, provedores
usuais de segurança e justiça, advogados de defesa, grupos de
apoio a vítimas e organismos de assistência, conscientização e
educação legal) (DCAF, s/d, lesson I, p. 6).
A Global Facilitation Network for Security Sector Reform
(2007) também entendeu que o setor de segurança inclui forças
armadas, polícia, organismos de controle como executivo e
os parlamentos, organizações da sociedade civil, instituições
jurídicas e de aplicação da lei como o judiciário e o sistema
prisional, assim como seguranças privadas.
A ONU conceituou o setor de segurança como um termo
amplo muitas vezes usado para descrever “as estruturas,
instituições e pessoal responsável pela gestão, prestação e
fiscalização de segurança em um país”. Apresentou que é aceito
que o setor inclui “defesa, a aplicação da lei, sistema correcional,
serviços de inteligência e as instituições responsáveis pela
gestão das fronteiras, alfândegas e emergências civis”, além de
elementos do setor judiciário responsáveis pelo julgamento
de casos de conduta criminosa e de abuso do uso da força,
de atores que desempenham um papel na gestão, supervisão,
elaboração e implementação da segurança como “ministérios,
órgãos legislativos e grupos da sociedade civil” e outros atores
não estatais como “autoridades habituais ou informais e serviços
de segurança privada” (UN, A/62/659–S/2008/39, 2008, p. 5-6,
tradução nossa).
A União Europeia (UE) seguiu as Diretrizes da Organização
para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE),
englobando:

16
Principais atores de segurança: forças armadas; polícia;
gendarmerias; paramilitares; serviços de guardas presiden-
ciais, inteligência e de segurança (militares e civis); guardas
costeiras; guardas de fronteira; autoridades aduaneiras;
unidades da reserva ou de segurança local, unidades (forças
de defesa civil, guardas nacionais, milícias).
Órgãos de administração e fiscalização de segurança:
o Executivo; órgãos consultivos de segurança nacional;
Legislativo e suas comissões; ministérios da defesa, do
interior e de relações exteriores; autoridades habituais e
tradicionais; órgãos de gestão financeira (ministério das
finanças, escritórios de orçamento e órgãos de planejamento
e de auditoria financeira); e organizações da sociedade civil
(conselhos de revisão civis e comissões de reclamações
públicas).
Instituições de justiça e de aplicação da lei: instituições
judiciárias; ministérios da justiça; prisões; investigação
criminal e Ministério Público; comissões de direitos humanos
e ombudsmen; sistemas de justiça tradicionais e costumeiros.
Forças de segurança não legais, com os quais os doadores
raramente se envolvem: exércitos de libertação; exércitos
de guerrilha; unidades privadas de guarda-costas; empresas
de segurança privada; milícias de partidos políticos (OECE,
2007, p. 22, tradução nossa).

Os conceitos para reforma do setor de segurança

Reforma do setor de segurança é o termo mais utilizado


pelos praticantes e estudiosos do assunto, mas há outros
empregados por diferentes organizações e instituições.
O Pool de Prevenção de Conflito Global do governo
britânico define reforma do setor de segurança como

um amplo conceito que cobre um vasto espectro de


disciplinas, atores e atividades. Em sua forma simples, a RSS
lida com a segurança pública, legislação, questões estruturais
e de controle, todos assentadas no reconhecimento de normas
e princípios democráticos (GLOBAL..., 2007, p. 2, tradução
nossa).

17
O relatório do Secretário-Geral das Nações Unidas (SGNU)
de 2008 conceituou reforma como um processo que inclui
análise, implementação e revisão, bem como o monitoramento
e a avaliação conduzida por autoridades nacionais. O Conselho
de Segurança (CSNU) observou que as reformas devem se dar
levando em consideração as necessidades e condições do país
onde são implementadas (UN, A/62/659–S/2008/39, 2008).
A Comissão de Assistência ao Desenvolvimento – Deve-
lopment Assistance Committee (DAC) da OCDE utiliza a
expressão “reforma do sistema de segurança”, “a fim de enfatizar o
número e a interconectividade de seus diferentes componentes”
com o objetivo de aumentar a capacidade dos países parceiros
para atender toda a gama de necessidades de segurança dentro
de suas sociedades, de forma consistente com as normas e
princípios democráticos de governança, transparência e Estado
de direito (OECD, 2007, tradução nossa).
O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
(PNUD) desenvolveu uma abordagem própria com foco
especial sobre a governança (SLOVAK REPUBLIC, 2006),
utilizando reforma do setor de segurança e de justiça “para
enfatizar que justiça e segurança são setores intrinsecamente
ligados” (HÄNGGI; SCHERRER, 2007, p. 3, tradução nossa).
Na África é utilizado o termo “transformação do setor de
segurança”. A União Africana (UA) e a Economic Community
of West African States (ECOWAS) adotaram mecanismos e
instrumentos que visam promover a governança democrática
do setor de segurança e começaram a se envolver em
atividades que estão sob o âmbito das reformas do setor de
segurança. A ECOWAS aprovou o Mecanismo para Prevenção,
Gestão e Resolução de Conflitos, Manutenção da Paz e
Segurança (Mechanism for Conflict Prevention, Management
and Resolution, Peacekeeping and Security), em 1999, e seu
Protocolo Suplementar sobre Democracia e Boa Governança
(Supplementary Protocol on Democracy and Good Governance),
em 2001 (ECOWAS, 1999, 2001). A Política Comum de
Segurança e Defesa Africana aprovada na União Africana
18
apresentou como uma de suas metas “prover melhores práticas
e desenvolver capacidades estratégicas e recomendações
políticas para fortalecer os setores de segurança e defesa na
África” e “permitir a formulação de políticas e fortalecer os
setores de segurança e defesa em níveis nacional e continental”
(AFRICAN UNION, 2004, p. 9, tradução nossa).
A União Européia apresenta a reforma como instrumento
para a prevenção de conflitos em estados frágeis, como
atividade-chave em países recém-saídos de conflitos e como
elemento central de uma reforma institucional maior em países
com melhor ambiente de estabilidade. Dependendo da situação
do país, as necessidades conduzirão a diferentes aspectos da
reforma que visa aumentar a capacidade do Estado em lidar com
sua segurança interna e externa. Envolve questões da estrutura
do sistema de segurança, seu gerenciamento, regulação, controle
e recursos e deve ser realizada pelo governo local baseada em
normas democráticas e em princípios de direitos humanos (EU,
12566/4/05, 2005).
Para a OCDE, a reforma é vista como uma ferramenta para
a prevenção de conflitos e a construção da paz e suas Diretrizes,
de 2004, apresentaram as questões principais da implementação
de processos: não tratar a reforma apenas como um processo
técnico, mas altamente político; enxergar a apropriação local
(ownership, em inglês)2 como um ponto de partida para
a reforma; e entender que o contexto é fundamental, pois
as necessidades em um ambiente pós-conflito podem ser
radicalmente diferentes de outros (SLOVAK REPUBLIC, 2006).
O envolvimento das organizações internacionais nos
processos de reforma apresenta também um aspecto cultural. A
Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) demonstra
uma preferência por uma agenda de reformas mais tradicional

2. O termo ownership significa propriedade de alguma coisa. Mas, no


contexto de luta, tensão e conflito social presente nos processos de reforma
do setor de segurança, tem o sentido mais amplo, de direções de política
pública, de opções, escolhas e decisões públicas, avaliação de resultados e
seu significado social. Nesse sentido, foi traduzido como “apropriação”.
19
direcionada para forças armadas e defesa. As atividades de
reforma da Otan ocorreram no âmbito do Programa de Ação
de Parceria para o Desenvolvimento Institucional da Defesa
direcionados aos antigos países comunistas da área euro-
atlântica, e se concentraram na construção de capacidades de
gestão de pessoal e de orçamento no setor da defesa (SLOVAK
REPUBLIC, 2006). A União Europeia tem trabalhado com uma
agenda mais ampla, envolvendo polícia, controle de fronteiras,
refugiados, etc. (HÄNGGI, 2004). Já a Organização para a
Segurança e a Cooperação na Europa (OSCE) realizou atividades
de campo nas áreas de desarmamento, desmobilização e
reintegração (DDR) de antigos combatentes, armas pequenas,
gestão de fronteiras e Estado de direito (SLOVAK REPUBLIC,
2006). Assim, essas organizações implementaram programas
no início dos anos 2000, de acordo com suas preferências.
A ONU e suas agências se envolveram em atividades de
reforma de diversas maneiras, desde a década de 1990. Em El
Salvador e na Guatemala, o Departamento de Assuntos Políticos
incluiu papéis e responsabilidades das forças de segurança nos
acordos de paz. Na Namíbia, a ONU desenvolveu estruturas
preliminares para as forças armadas. Em Angola, Moçambique
e Ruanda os mandatos das operações de paz incluíram apoio à
integração, formação e reforma das forças armadas. No Nepal,
o processo de paz incluiu a integração dos combatentes do
exército maoísta no Exército do Nepal. O PNUD realiza projetos
no campo do judiciário direcionados a proteção de civis, acesso
à justiça, Estado de direito e governança democrática no Haiti,
Kosovo (Sérvia), Timor-Leste, Somália e Sudão. O Escritório
das Nações Unidas sobre Drogas e Crime – United Nations
Office on Drugs and Crime (UNODC) forneceu assistência
técnica para combate ao tráfico de drogas, pessoas e armas de
fogo, por exemplo, na Guiné-Bissau. O Alto Comissariado da
ONU para Direitos Humanos apoiou a reforma da segurança
e o desenvolvimento do Estado de direito em países da África,
Oriente Médio, Ásia, América Latina e Europa Oriental. O
Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher
20
– United Nations Development Fund for Women (Unifem)
trabalha em Ruanda, Kosovo (Sérvia) e Sudão desenvolvendo
capacidade nacional para responder à violência de gênero. No
Timor-Leste, Costa do Marfim, República Democrática do
Congo e na Libéria, a ONU ajudou os governos nas reformas
do setor de segurança (UN, A/62/659–S/2008/39, 2008).
A definição do que é reforma, dentre os vários conceitos
existentes, vai condicionar a perspectiva a ser adotada e
direcionar as ações a serem implementadas. Se os envolvidos
utilizarem o conceito mais simples do setor de segurança,
envolvendo apenas forças armadas e policiais, o escopo dos
programas implementados será um. Se adotarem o conceito
mais abrangente do setor, os programas serão completamente
diferentes. Em diversos trabalhos produzidos sobre o tema,
percebe-se que nas diversas experiências de reforma do setor
de segurança desenvolvidas nas últimas duas décadas um dos
problemas estava relacionado com a abordagem adotada.
Por vezes, utilizou-se o conceito mais simples como base
de todo o planejamento quando a situação exigia a abordagem
mais abrangente. Em outros casos houve a aplicação da
abordagem mais abrangente sem os recursos necessários, ou
sem que os envolvidos conseguissem lidar adequadamente com
as múltiplas facetas dela decorrentes. Edmunds (2002) salientou
que o trabalho com os conceitos e o aprendizado prático em
vários países conduziram à percepção de que a abordagem mais
simples tem limitações. Ou seja, trabalhar apenas com as forças
militares autorizadas pelo Estado para utilizar a força levava
a pensar apenas em forças armadas, paramilitares, policiais e
serviços de inteligência. A ampliação da visão sobre reforma
do setor levou a pensar em todas as organizações e atividades
relacionadas com a provisão de segurança, incluindo grande
número de organizações e instituições.
Pode-se dizer que os vários conceitos apresentam aspectos
comuns, que ensejam o pensamento atual sobre o setor de
segurança como sendo a provisão de segurança do Estado
contra ameaças externas, função específica das forças armadas,
21
e a provisão da segurança dentro do Estado, onde se inserem
vários outras instituições e atores, incluindo os sistemas judi-
ciário e prisional. Ainda, que a reforma deve ocorrer num
quadro democrático, ser possível de continuidade e que as
forças e instituições abrangidas devem ser controladas pelo
governo civil e dotadas de eficiência e eficácia.3

O contexto da reforma do setor de segurança

O termo reforma do setor de segurança apareceu em três


grandes campos de estudos: nas agendas de desenvolvimento
pós-conflitos quando ganhou força a ligação entre segurança,
conflito e economia, ou seja, a segurança como chave para as
questões de desenvolvimento econômico e democratização;
no campo das relações civis-militares, especialmente com o
final da Guerra Fria; e no campo dos estudos de segurança,
em consequência do debate teórico acerca da ampliação do
conceito de segurança e sua ligação com a dignidade humana.
Apesar de essa ligação ter se fortalecido no início dos anos
1990, vale a pena lembrar que o discurso brasileiro nas Nações
Unidas apresentou, desde a década de 1960, uma perspectiva
autenticamente brasileira das relações internacionais, chaman-
do a atenção para os 3 D – Desarmamento, Desenvolvimento e
Descolonização, defendendo que os países em desenvolvimento
deveriam ter papel central na gestão da ordem internacional e
que a ONU deveria realizar progressos reais nesses três temas
fundamentais. Ou seja, chamava a atenção para a relação entre
segurança e desenvolvimento.4

3. Eficiência (efficiency) significa a capacidade de atuar ou funcionar bem,


de fazer mais com os recursos disponíveis. É o jogo entre os melhores
resultados e recursos disponíveis. Eficácia (effectiveness) é o grau em que os
resultados correspondem às necessidades, a harmonia entre objetivos que
foram determinados e os resultados obtidos.
4. Discurso pronunciado pelo embaixador Araújo Castro na AGNU, em 19
de setembro de 1963 (A PALAVRA..., 1995).

22
No período pós-governos autoritários o debate em torno
das relações civis-militares apontavam para o setor de segurança
como uma ameaça que deveria ser removida. Os teóricos do
desenvolvimento viam as despesas com segurança, como um
“dreno de recursos que poderiam ser melhor utilizados em
outro lugar: que as despesas deveriam ser reduzidas ou mesmo
eliminadas” (CHUTER, 2006, p. 6, tradução nossa).
Em alguns países como a Argentina, isso significou
diminuir drasticamente o papel dos militares, reduzir soldos,
desmantelar parte da estrutura das forças armadas, incluindo a
indústria de defesa. Naquele país, a reforma das forças armadas
e a retirada dos militares da política se iniciou lentamente
com o presidente Alfonsín que teve que superar, inclusive,
as rebeliões da Semana Santa, em abril de 1987, de Monte
Caseros, em janeiro de 1988, de Villa Matelli, em dezembro
do mesmo ano, e a de janeiro de 1989 (QUARTELADA...,
1987; CARAPINTADAS..., 1988; A AVENTURA..., 1989).
O presidente Menem expurgou chefes militares, privatizou
o complexo industrial-militar, reduziu os efetivos e vendeu
instalações e áreas militares, incluindo imóveis de adidos
militares em diversos países latino-americanos (DIAMINT,
1992). Desmantelou projetos expressivos como o míssil Condor,
estabeleceu a total subordinação civil das Forças Armadas e
colocou os militares em condições de vida bastante abaixo da
que desfrutavam até então. O governo seguinte de Kirchner
levou aos tribunais os militares envolvidos em crimes contra os
direitos humanos.
Forman (2000, p. 3, tradução nossa) definiu relações
civis militares como aquelas que se referiam “às interações
amplas entre as forças armadas e as intituições e os setores da
sociedade em que estavam inseridas”. Focavam, normalmente,
“na distribuição relativa de poder entre o governo e as forças
armadas”. No geral, o diálogo sobre as relações entre civis e
militares se deu em torno da capacidade dos militares em
assumir o Estado; do peso da influência dos militares nas
decisões do Estado; economia; tecnologia e cultura militar;
23
complexos industrial-militares; militarização; transferência de
funções militares tradicionais para o pessoal civil, incluindo
a terceirização de serviços; recrutamento; as relações entre
militares e os governantes civis; dentre outros. Nesse campo,
os estudos envolveram a interface e a interação entre as
organizações militares e outros sistemas sociais (ROSÉN, 2010;
FORMAN, 2000).
Nos casos de transição pós-regimes autoritários, a reforma
do setor de segurança foi direcionada para as estruturas de
segurança do Estado que diferem de um país para outro. Nesse
âmbito, e qualquer que seja o país, lida com tensões entre as
forças (armadas e policiais) e o governo democraticamente
eleito, bem como com tensões que podem existir dentro das
forças e entre as diferentes instituições de segurança. Isso pode
se dar tanto por rivalidades, históricas ou surgidas durante o
regime autoritário, como em decorrência da tentativa dessas
instituições em manter o status no aparato estatal. Quando há a
presença de questões políticas, religiosas ou étnicas, a reforma é
dotada de maior complexidade.
Dessa forma, observa-se que a reforma deve partir do
conhecimento das diferenças entre forças armadas, policiais,
serviços de inteligência tradicionais e outros agentes, que no
Estado autoritário serviam aos governantes, e forças armadas
que nasceram de exércitos de libertação nacional, por exemplo.
Deve-se entender, ainda, as instituições militares e seu papel
histórico na construção do Estado e a situação dessas forças
em termos de funcionalidade e capacidade de cumprirem seu
papel constitucional. Esses conhecimentos e entendimentos
possibilitam definir os caminhos que o processo de reforma
deve seguir.
As situações são diferentes e a prática indicou que não há
um modelo que possa ser aplicado da mesma forma em qualquer
país. Uma coisa é lidar com forças de segurança disfuncionais
e incapazes por conta de falta de treinamento, equipamento
e recursos. Lidar com forças de segurança tradicionalmente
brutais e corruptas indica uma diferente abordagem. A mesma
24
ideia se aplica a forças profissionais, bem preparadas, mas
altamente politizadas e, por vezes, com efetivos acima do que
o Estado necessita.
Dessa forma, as relações entre civis e militares em cada
situação é trabalhada de maneira diferente. No entanto, o
objetivo final mostrou ser o mesmo, reformar o setor de segu-
rança, estabelecendo o real controle civil e que as instituições
cumpram com seu papel constitucional de oferecer segurança
ao Estado e à população de maneira eficiente e eficaz, incluindo
tanto a defesa contra ameças externas como a segurança pública
dentro dos Estados.
Como observou Germann (2002, p. 13, tradução nossa), as
forças armadas devem ter um papel e um local adequado dentro
de estruturas constitucionais e sociais do Estado. Para isso, há
pré-requisitos e princípios básicos estabelecidos cada vez mais
nas democracias emergentes que incluem a observância da
supervisão parlamentar e os mecanismos políticos e sociais de
controle das forças armadas, cujo sucesso de implementação
depende “de um processo anterior ou paralelo de estruturas
democráticas e de relações civis-militares”.
O autor apresentou que, embora a aplicação detalhada dos
princípios pode ser diferente de país para país, no geral incluem

um quadro constitucional, um parlamento funcionando,


um governo civil com clara delimitação de competências,
um judiciário independente, uma organização militar
estabelecida, uma sociedade civil madura, um público
educado e meios de comunicação independentes e livres
(GERMANN, 2002, p. 13, tradução nossa).

Nesse quadro, o controle democrático das forças armadas


pode ser garantido se elas fizerem parte do Executivo; forem
subordinadas e seguirem a orientação política de um governo
democraticamente legitimado; obedecerem ao Estado de direito;
permanecerem confinadas às suas tarefas constitucionalmente
definidas; se mantiverem politicamente neutras; operarem
exclusivamente com os recursos financeiros provenientes do
25
orçamento do Estado; e forem controladas pelos três poderes e
pela sociedade civil (GERMANN, 2002).
Apesar de diversos processos de reforma do setor de
segurança terem sido estabelecidos na transição de regimes
autoritários para a democracia, talvez tenha sido no âmbito
da resolução de conflitos que se tornaram mais discutidos e
implementados na prática, até por conta da complexidade do
tema. Nesse campo, a reforma passou a ser realizada tanto pelas
Nações Unidas como por uma série de organizações regionais
nas chamadas operações de construção da paz, ou de apoio à
paz como se referem os africanos. Em consequência, surgiram
diferentes definições, abordagens, termos, etc., utilizados tanto
por acadêmicos como pelos “praticantes” de reformas.
A ONU passou a trabalhar conceitualmente as operações
de paz com os documentos “Uma Agenda para a Paz”, de 17
de junho de 1992, e seu “Suplemento” de 3 de janeiro de 1995,
ambos do então secretário-geral Boutros Boutros-Ghali. Em
seguida, vários relatórios trataram dessas operações como
o Relatório Brahimi (2000), Um Mundo mais Seguro: nossa
responsabilidade comum (2004) e Em Maior Liberdade:
desenvolvimento, segurança e direitos humanos para todos
(2005). Com esses documentos, a ONU passou-se a utilizar
cinco categorias de operações de paz: prevenção do conflito,
promoção da paz, manutenção da paz, imposição da paz e
construção da paz.
A prevenção do conflito (preventive diplomacy) implica na
aplicação de medidas estruturais ou diplomáticas de modo a
evitar que as tensões intraestados ou interestados se transfor-
mem em conflitos armados. A promoção da paz (peacemaking)
inclui medidas após o início do conflito que visam levar as partes
à negociação de acordos. A manutenção da paz (peacekeeping)
é a técnica destinada a preservar a paz, ainda que frágil, quando
o conflito foi iniciado e auxiliar na implementação dos acordos
obtidos (cessar-fogo, separação de forças, etc.). A imposição da
paz (peace enforcement) envolve a aplicação, com autorização

26
do CSNU, de medidas coercitivas, incluindo o uso de forças
militares.
A construção da paz (peace-building)5 consiste em ações
executadas “após o conflito que identifiquem e apoiem as
medidas e as estruturas necessárias para manter a paz e permitir
a reconciliação duradoura das partes envolvidas” (AGUILAR,
2005, p. 21). Podem se dar no âmbito ou na sequência de outro
tipo de operação, normalmente de manutenção da paz. Sendo o
objetivo principal o de evitar a recorrência do conflito, as ações
são desenvolvidas por programas e projetos em áreas como:
restauração da habilidade do Estado em prover segurança e
manter a ordem pública, fortalecimento do Estado de direito e
do respeito aos direitos humanos, apoio à emergência de institui-
ções políticas legítimas e a processos participativos, e promoção
da recuperação social e econômica e do desenvolvimento, que
inclui o retorno seguro e o reassentamento de desalojados e
refugiados (AGUILAR, 2012).
O conceito de construção da paz pós-conflito foi
introduzido na ONU pela “Agenda para a Paz” como um passo
importante na sequência da diplomacia preventiva, pacificação,
e manutenção da paz, definindo-a como “ação para identificar e
apoiar as estruturas que tenderão a fortalecer e solidificar a paz,
a fim de evitar o retorno do conflito” (UN, 1992, p. 5).
O Relatório Brahimi (2000) ressaltou que a efetiva proteção
dos civis e a assistência em situações pós-conflito exigem uma
estratégia coordenada que vai além dos aspectos políticos ou
militares de um conflito. A seção que tratou das implicações
para a estratégia de construção da paz chamou a atenção para:
as características dessas operações em trabalharem com par-
ceiros governamentais e não governamentais; a necessidade de
engajamento com as partes locais; as eleições como necessárias
para o fortalecimento das instituições de governança; a polícia
da ONU trabalhando para “reformar, treinar e reestruturar a
polícia local de acordo com padrões internacionais de polícia
5. Em português, o termo também é traduzido como edificação ou
consolidação da paz.
27
democrática e de direitos humanos”; o papel do pessoal de
direitos humanos da Organização para a efetividade das
operações; e o desarmamento, desmobilização e reintegração
como chave para a estabilidade pós-conflito. Alertou, também,
para a necessidade de apoiar os atores nacionais e coordenar as
diversas atividades com a comunidade de doadores (UN, 2000,
p. 7, tradução nossa).
O Relatório do Painel de Alto Nível – Desafios e Mudanças
(2004) reforçou a necessidade da construção de instituições
públicas efetivas por meio da negociação com a sociedade civil,
estabelecendo um quadro consensual para o governo dentro do
Estado de direito e do financiamento para a segurança civil por
meio da reforma da polícia e da justiça (UN, 2004).
A Doutrina Capstone (2008) relacionou a reforma
do setor de segurança como uma das atividades de uma
operação multidimensional, juntamente com Desarmamento,
Desmobilização e Reintegração (DDR), ação contra minas,
proteção e promoção de direitos humanos e assistência eleitoral
(UN, 2008).
Em 2008, o relatório do SGNU sobre o papel da ONU no
apoio a reforma de setor de segurança apresentou que uma
das lições das reformas que já haviam sido realizadas foi que
suas metas são fundamentalmente interligadas com segurança,
desenvolvimento e direitos humanos. O documento definiu
reforma como um processo que deve ser conduzido por
autoridades nacionais. O CSNU observou que as reformas
devem se dar levando em consideração as necessidades e
condições do país onde são implementadas, indo além de
elementos militares tradicionais, envolvendo uma gama muito
maior de instituições e atores nacionais e internacionais (UN,
A/62/659–S/2008/39, 2008).
A Nova Agenda de Parceria (2009) apontou como
fundamental o apoio aos atores nacionais para que os mesmos
possam prover sua própria segurança por meio da reforma do
setor de segurança; que a transição ou a estratégia de retirada
de uma missão de manutenção de paz depende dos países
28
hospedeiros conseguirem prover sua própria segurança e a
ONU deve auxiliá-los a atingir esse objetivo por meio de um
melhor Estado de direito e da assistência à reforma; e que os
componentes do setor de segurança têm importantes papéis
em auxiliar as autoridades locais a construir capacidade para
proteção de civis e em promover a responsabilidade nacional
de proteger a população. O documento afirma que o início
do processo de reforma aparece como prioridade imediata
da construção da paz e só poderia ser conduzida com êxito
mediante parcerias entre países, parceiros especializados e a
ONU (UN, 2009).
Após o relatório do SGNU de 2008 foram identificados
papéis potenciais para a ONU, ou seja, funções distintas
“normativas” e “operacionais”. As normativas incluíram o esta-
belecimento de princípios e normas comuns internacionais,
políticas e diretrizes. As operacionais incluiram: ajuda para
estabelecer um ambiente propício; apoio para as avaliações
de necessidades; planejamento estratégico e coordenação; e
mobilização de recursos especializados. Foram elaboradas
orientações e políticas para melhorar o apoio técnico da ONU
e estabelecidas capacidades especializadas necessárias para
a reforma do setor de segurança tanto no quartel general em
Nova Iorque como nas missões de paz no terreno. Foi criada a
Força-Tarefa de Reforma do Setor de Segurança que preparou
o primeiro volume das Orientações Técnicas Integradas,
lançadas no final de 2012, para apoiar os processos de reforma,
contendo questões práticas e imediatas ao pessoal das Nações
Unidas, além de esforços para estabelecer parcerias com
organizações regionais e sub-regionais e a criação de fóruns
regulares para troca de experiências e lições aprendidas (UN,
A/67/970–S/2013/480, 2013).

O ambiente da reforma do setor de segurança

O ambiente nos Estados envolvidos em conflitos armados é


complexo. Mesmo com acordos de paz, a situação interna nor-
29
malmente apresenta: colapso da estrutura estatal; instituições
políticas ausentes ou muito enfraquecidas; divisão de poder
político (a extensão depende de cada caso); falta de legislação
ou a existente é imprópria; dificuldade de se estabelecer o
controle de facto do território por parte do governo de jure;
ausência de autoridade para aplicação da lei, resultando na
impunidade e/ou em uma série de processos informais locais
(incluindo atores não estatais de justiça); predominância das
forças armadas (podendo haver inúmeros grupos armados não
estatais) com pouco ou nenhum controle civil; superabundância
de munições e armamentos; colapso da infraestrutura básica
(saúde, educação, etc.); prática de crimes contra os direitos
humanos (especialmente contra grupos mais vulneráveis como
mulheres e crianças); marginalização de determinados grupos
(especialmente quando há o componente étnico-religioso
no conflito); sentimentos de insegurança, desconfiança,
discriminação, vitimização e revanche, com suas consequências
para as relações sociais dentro do Estado; colapso da economia;
destruição de propriedades e grande número de desalojados
internos e refugiados, dentre outros.
Nesse ambiente, a reforma do setor de segurança engloba
uma série de esforços que contribui para a paz, estabilidade,
democracia e desenvolvimento com a melhoria da performance
das instituições de segurança e justiça, particularmente durante
transições de situações de conflito ou autoritarismo. A reforma
tem o objetivo de melhorar a capacidade das instituições
militares, policiais, de justiça e correcionais. Ou seja, busca
reconciliar uma sociedade fragmentada com a criação de for-
ças armadas e policiais como instituições neutras, capazes de
prover a segurança da população de maneira eficiente e eficaz
e sob controle de um governo civil e democrático e que, em
decorrência disso, passem a gozar da confiança da sociedade
local (HÄNGGI, 2004; EDMUNDS, 2002; LAWRENCE, 2012).
Há uma relação entre reforma do setor de segurança e
outros fatores importantes de reconstrução e estabilização,
como justiça de transição, desarmamento, desmobilização,
30
repatriação, reintegração e reabilitação de antigos combatentes,
controle de armas pequenas assim como questões de igualdade
de gênero, crianças em conflitos armados e direitos humanos.
O que fazer com combatentes que deixam essa condição em
consequência dos acordos de paz é um problema em qualquer
conflito, o que torna relevante a execução de programas de
Desarmamento, Desmobilização e Reintegração (DDR).
O insucesso dos programas de DDR normalmente resulta
no retorno da violência. Quanto maiores as forças em luta e
quanto mais longo for o conflito, maior será o problema de ex-
combatentes a ser enfrentado. A ação internacional nesse campo
se inicia com o estabelecimento de locais de recolhimento e/ou
destruição de armamentos, munição e equipamentos diversos,
e sua segurança. A ONU e as partes em luta estabelecem um
cronograma e decidem o destino do material a ser entregue.
Em alguns casos são destruídos, como na América Central. Em
outros, o material servível é transferido para as forças armadas
ou policiais do Estado. Nos locais de reunião de ex-combatentes,
a ONU pode trabalhar em coordenação com outras agências no
processo de reintegração que tem o objetivo de desmobilizar e
permitir meios de vida sustentáveis a esse pessoal.
Não há uma fórmula única, pois cada conflito e região
tem suas especificidades. Em Angola, o Protocolo de Lusaka,
de 20 de novembro de 1994, previu três fases distintas e
interdependentes para a desmobilização e reintegração de
ex-combatentes, compreendendo a seleção e incorporação
do pessoal da Unita6 nas novas forças armadas angolanas e a
desmobilização e reintegração dos excedentes na sociedade.
Nesse processo, as ONGs tiveram papel fundamental na fase
de reabilitação. Foram criadas quinze áreas de aquartelamento
onde se realizaram atividades para a incorporação dos
antigos combatentes da Unita às forças armadas angolanas.
Posteriormente, foram criados os Centros de Desmobilização
6. União Nacional para a Independência Total de Angola. Era, na época
da assinatura do Protocolo, o grupo que lutava contra as forças armadas
angolanas.
31
em algumas das antigas áreas de aquartelamento onde foram
implementados programas sociais para ajudar os ex-soldados a
retornarem à vida civil (MARTINS FILHO, 2005).
No Timor-Leste, parte dos integrantes da Frente
Revolucionária de Timor-Leste Independente (Fretilin) foi
incorporada nas Forças de Defesa do Timor-Leste. Na Libéria,
o programa de Desarmamento, Desmobilização, Reabilitação e
Reintegração (DDRR), encerrado em julho de 2009, desarmou
e desmobilizou mais de 101 mil ex-combatentes e, desse
total, mais de 90 mil receberam assistência para reintegração
(STRACHAN, 2009).
A reforma do setor de segurança se dá, então, em contextos
específicos, mas com o objetivo maior de prevenir a ocorrência
ou recorrência de conflitos e engloba, ou deve ser ligada a, num
sentido mais amplo, uma série de programas além daqueles
direcionados especificamente para as forças de segurança
como eleições, DDR, reassentamento de desalojados internos
e refugiados, etc.
Nas situações pós-conflito, normalmente envolve
a necessidade de provimento da segurança de maneira
imediata, uma vez que sua falta pode minar o processo de
paz. Normalmente, os atores externos são responsáveis por
restabelecer a ordem e prover a segurança inicial enquanto a
capacidade das forças internas é gradualmente construída. A
quantidade, tamanho, capacidade e objetivos, dentre outros
fatores, dessas forças influem de maneira decisiva no processo
de paz e, especialmente, na maneira como será conduzida a
reforma.
Dessa forma, o processo de reforma varia de acordo com
o Estado, o tipo de conflito e as tensões existentes, fatores que
vão indicar a necessidade de um maior ou menor envolvimento
de atores externos e a extensão das medidas em curto, médio e
longo prazo.
Anderlini e Conaway (2007, p. 31, tradução nossa)
apresentaram que, em curto prazo, a reforma deve assegurar que:

32
as forças não reagrupem para desestabilizar ou se colocar
como uma ameaça a paz, o suborno e a corrupção sejam
eliminados; o setor (incluindo as estruturas de liderança)
seja completamente transformado para ganhar credibilidade,
legitimidade e confiança da população.

Os mesmos autores indicaram que a longo prazo a reforma


apresenta quatro dimensões:

política, baseado principalmente no princípio do controle civil


sobre os militares e as instituições de segurança; institucional,
referente a transformação física e técnica das entidades de
segurança (isto é, estabelecimento da estrutura de segurança,
efetivo das tropas, equipamento, etc.); econômica, relacionado
com o financiamento e o orçamento das forças; e societal,
relacionado com o papel da sociedade civil no monitoramento
das políticas e programas em segurança (ANDERLINI;
CONAWAY, 2007, p. 32, tradução nossa)

A transformação política indica uma ampla discussão sobre


o papel das forças armadas na sociedade e como estabelecer e
implementar a política de defesa que, em alguns casos, pode
levar a uma reformulação completa da forma e do foco des-
sas forças. A transformação institucional, considerada pelos
autores como o componente mais difícil da reforma, inclui
transformação estrutural, novas políticas de recrutamento
e treinamento, a reforma do sistema judiciário e uma
transformação cultural de forma a incluir no processo os setores
da sociedade anteriormente excluídos. A dimensão societal
inclui atividades de conscientização da população e esforços
de defesa de determinados grupos como mídia, organizações
religiosas, associações profissionais e estudantis, grupos de
proteção de direitos humanos, etc. A dimensão econômica trata
do financiamento, externo e interno, do setor de segurança
(ANDERLINI; CONAWAY, 2007).
Além do Estado receptor da reforma e todas suas instituições
envolvidas, normalmente há a presença de uma multiplicidade
de doadores estrangeiros, públicos (Estados, organizações

33
internacionais e suas agências, instituições financeiras, etc.) ou
privados (ONGs, companhias de consultoria e de segurança,
etc.) que devem se coordenar ou serem coordenados.

Atores e abordagens

A reforma do setor de segurança envolve uma multiplici-


dade de atores nacionais e externos.
No campo dos atores externos podem estar presentes os
“doadores internacionais” como: organizações e instituições
internacionais (ONU, OCDE, UE, Otan); Estados específicos
ou grupos de Estados que estabeleçam cooperação direta com
o Estado receptor; ONGs; instituições acadêmicas; agentes
privados de assessoria, consultoria e segurança privada,
etc. Esses atores, em muitos casos, exercem o papel mais
importante no processo uma vez que são os que planejam e,
muitas vezes, conduzem os processos de reforma e fornecem
os recursos necessários, pelo menos inicialmente. Ou seja,
têm uma presença significante na implantação, coordenação,
monitoramento e avaliação do processo.
As abordagens das organizações intergovernamentais
variam em função da perspectiva de desenvolvimento, segu-
rança e governança que levam para os processos de reforma.
Mas, durante bom tempo, a maioria das organizações focaram
em apenas uma parte do setor de segurança e enfrentaram
desafios comuns como trabalhar com um conceito abrangente e
diretrizes de implementação robustas, a necessidade de garantir
que seus recursos e material humano fossem organizados para
apoiar a natureza transversal dos programas, a necessidade
de uma cooperação eficaz e sinérgica entre os vários atores
que patrocinavam a reforma, e a necessidade de garantir
que as atividades fossem realizadas de forma transparente e
responsável (SLOVAK REPUBLIC, 2006).
A questão central é como esses doadores conduzem o
processo. Vários casos de “fracassos” em reformas realizadas

34
apresentaram como causa principal a maneira como ela foi
concebida, por vezes imposta aos atores locais, sem levar em
conta especificidades, necessidades, desejos locais e/ou sem
a participação de setores locais. Os doadores engajados no
processo podem, também, acabar deslegitimando as estruturas
locais de segurança, o que, se num primeiro momento pode
eliminar uma das causas da violência, em médio e longo prazo
pode incentivar o retorno do conflito. Ainda, os doadores
podem passar uma imagem que o Estado e seu governo estão
sobre constante influência externa, o que prejudica a construção
da boa governança.
Podem estar presentes, ainda, Estados vizinhos com os
quais grupos armados mantêm ligações, ou onde há as mesmas
populações étnicas ou refugiados resultantes do conflito, ou
governos vizinhos que financiam ou apoiam materialmente
determinados grupos, como ocorreu nos casos da Libéria e da
Guiné-Bissau, cujas atitudes são importantes para os processos
de paz e devem ser levadas em consideração (HOLMQVIST,
2005).
O processo de reforma pode contar com a participação
de Organizações Não Governamentais e companhias privadas
o que apresenta pontos positivos e negativos. Por terem
estratégias próprias e não se subordinarem às organizações e
instituições internacionais envolvidas, as ONGs podem ter
mais liberdade de ação e o caráter informal de suas atividades
pode facilitar o contato e o trabalho com atores não estatais
de segurança. Por outro lado, a falta de coordenação com os
demais atores envolvidos pode gerar aspectos negativos como
ações divergentes ou sobrepostas que acabam complicando
mais que ajudando o processo como um todo. Além disso, o
contato com grupos não estatais que possam ter ficado de
fora do processo, ou que sejam tratados pelo governo como
criminosos, pode causar desavenças com o governo e/ou com as
forças de segurança estatal, complicando o processo. Holmqvist
(2005) apresentou o caso em que a UE financiou um projeto de
dois anos do grupo Geneva Call com o Exército de Libertação
35
Nacional (ELN) na Colômbia que, por considerado terrorista
pelo governo colombiano e pelos Estados Unidos, fez com que
as autoridades daquele país se mostrassem relutantes em apoiá-
lo.
Com relação aos atores internos, a abordagem da reforma
indicará quais serão incluídos no processo e de que forma.
Mas há um ponto comum qualquer que seja a abordagem,
sempre os esforços serão concentrados em afetar e/ou alterar
o comportamento dos grupos armados e das instituições
envolvidas e a forma será definida com base no estudo caso a
caso.
No caso das estruturas estatais de segurança, tanto em
situações pós-governo autoritário como pós-conflito armado,
elas se apresentam mais autoritárias que democráticas e sempre
estarão profundamente politizadas. Normalmente, nesses
casos, todos os atores do setor de segurança desempenham
papel-chave na política doméstica, ou por ela são usados. Ou
seja, todo o setor ou parte dele é instrumento-chave do controle
autoritário e serve ao regime por ideologia ou por interesses
particulares (EDMUNDS, 2002).
Nos países em conflito interno, as estruturas estatais
emergem ou são estruturadas e reestruturadas de acordo com
as demandas geradas pelo conflito, sendo os elementos do
setor de segurança, especialmente forças armadas e policiais,
os atores centrais. Dessa forma, no processo de reforma as
estruturas devem ser alteradas, tanto em sua forma, tamanho
e objetivos como também em relação à importância que têm
dentro do aparato do Estado. Como salientou Edmunds (2002),
o processo de reforma afetará várias instituições domésticas,
cada uma com sua cadeia de comando, responsabilidades e
normas burocráticas próprias o que, provavelmente, será visto
como uma ameaça aos interesses particulares de determinados
atores.
No caso de uma abordagem mais abrangente, o processo
de reforma pode incluir outros atores de segurança não estatais
que, numa situação específica, sejam responsáveis de facto por
36
prover segurança em alguma parte do território do Estado onde
se pretende implementar a reforma do setor como forças de
guerrilha, exércitos de libertação, paramilitares que não estejam
sob controle estatal e companhias de segurança privadas.
O Protocolo II às convenções de Genebra, de 1977, definiu
como grupos armados aqueles que

sob a chefia de um comando responsável, exerçam sobre uma


parte do território um controle tal que lhes permita conduzir
operações militares contínuas e organizadas (BRASIL, 1993).

Ou seja, são grupos que têm uma clara estrutura


organizacional e hierarquia que permite o controle dos
comandantes sobre seus subordinados e que exercem suficiente
controle sob parte do território do Estado. Assim, seriam todos os
grupos com essas características que deveriam ser considerados
atores internos no conflito, além das forças estatais.
Petrasak (apud HOLMQVIST, 2005, p. 45-46, tradução
nossa) definiu atores armados não estatais como

grupos armados que operam além do controle do Estado,


incluindo, mas não limitados a: grupos rebeldes de oposição
(grupos com incompatibilidade com o governo relativa ao
controle do governo ou do território, ou parte dele); milícias
locais (baseadas em etnias, clãs, etc.); vigilantes; senhores da
guerra; forças de defesa civil e grupos paramilitares (quando
estão claramente além do controle do Estado); companhias
privadas que provêm serviços de segurança e militares.

Lawrence (2012, p. 14, tradução nossa) apresentou que os


provedores de segurança informais e não estatais seriam todos
os atores que exercem uma ou mais dessas três funções:

1) Resolução de conflitos e disputas: mecanismos para


resolver pacificamente disputas e prevenir a escalada de
conflitos para a violência e a retaliação. Esta função é análoga
às cortes e ao setor de justiça, logo tem que tomar formas
diferentes.

37
2) Manutenção da ordem pública dentro das comunidades:
mecanismos que mantêm padrões aceitáveis e previsíveis de
comportamento dentro de determinadas comunidades. Essa
função geralmente aborda prevenção do crime e é análoga à
polícia.
3) Defender a comunidade de ameaças externas: mecanis-
mos para lidar com tensões ou ataques de outros grupos ou
comunidades, ou prevenir a infiltração de grupos insurgentes
e outros atores armados. Essa função é análoga aos militares.

O autor salienta que os atores e mecanismos específicos


de provisão não estatal de segurança variam de acordo com a
sociedade, mas normalmente incluem milícias, homens fortes
locais, líderes comunitários, grupos de autodefesa e tribunais
ou conselhos tradicionais.
Entre os provedores não estatais pode haver grupos não
necessariamente armados. Nesse sentido, os provedores não
estatais de segurança podem ser entendidos como aqueles que:

(i) desejam e são capazes de usar a violência para cumprir


seus objetivos; (ii) não estão integrados em instituições
formalizadas dos Estados como forças armadas regulares,
guardas presidenciais, polícia e forças especiais; (iii) possuem
certo grau de autonomia em relação à política, operações
militares, recursos e infraestrutura; [...] (iv) são formados por
relações organizacionais e estruturas existentes por períodos
de tempo específicos (SCHENECKENER, 2009, p. 8, tradução
nossa).

Esses grupos podem ser apoiados ou usados por atores


estatais de maneira oficial ou não oficial, da mesma forma em
que pode haver agentes do Estado direta ou indiretamente
envolvidos nas suas atividades por razões ideológicas ou por
interesses particulares como corrupção, ligações familiares ou
por clãs, clientelismo, lucro, etc. (SCHENECKENER, 2009).
Algumas questões complexas se apresentam nesse âmbito.
Como tratar grupos que atacam vilas e causam a morte de civis
invocando a proteção étnica? Como lidar com grupos que,
apesar de serem organizados e possuírem hierarquia militar,
38
não controlam parte do território? Alguns grupos na guerra
civil na antiga Iugoslávia não exerciam controle de territórios,
movimentando-se por ele para realizar ações de acordo com
a necessidade, mas se mostraram importantes nas negociações
de paz e, posteriormente, no processo de desarmamento
desmobilização e reintegração. A definição de quem são os
atores não estatais a serem engajados na reforma do setor de
segurança, em alguns casos, apresenta certa complexidade.
Com a importância dada aos direitos humanos na atuali-
dade, como incorporar grupos com histórico de atrocidades
contra civis como alguns grupos que estiveram presentes na
guerra civil na antiga Iugoslávia, alguns senhores da guerra do
Afeganistão e os paramilitares na Colômbia, dentre outros?
No âmbito das operações de construção da paz, a experiên-
cia mostrou a importância do envolvimento das comunidades
locais. A experiência prática da reforma do setor de segurança
também demonstrou a importância desse envolvimento. Se a
população civil é afetada por um conflito ou pelo autoritarismo
do governo, sofrendo violência física direta (ataques armados,
assassinatos, agressões, sequestros, estupros, mutilações, etc.)
e indireta (deslocamento forçado, escravidão, ocupação e
destruição de propriedade, etc.), nada mais lógico que participe
do processo de paz ou de reconstrução do setor de segurança.
A questão é como fazer isso e em que grau deve se dar essa
participação.
Holmqvist (2005) observou o potencial que há em encaixar
líderes de grupos armados na construção da paz, fazendo
com que se tornem mais sensíveis ao direito internacional
humanitário e os direitos humanos ainda durante a fase de
conflito. Observou, também, as incertezas de como melhor
capitalizar os lideres locais, fazendo os senhores da guerra se
transformarem em senhores da paz, como demonstraram os
casos do Afeganistão, Serra Leoa e do Kosovo.
A questão-chave nesse âmbito seria como as relações
de segurança são moldadas durante e após os conflitos. A
multiplicidade de atores não estatais como os que estiveram
39
presentes nos conflitos de Serra Leoa, Angola e Iraque, ou
os diversos grupos rebeldes como no caso da Colômbia dão
complexidade a qualquer processo de reforma.
Isso porque, como destacou Holmqvist (2005), a relação
entre atores estatais e não estatais é ambígua. Em vários casos a
atuação desses atores se dá com o consentimento do Estado. Em
alguns casos, são os Estados que instalam grupos de proteção
privados para cumprir com responsabilidades que seriam
privativas do Estado. Em outros, governos ineficientes usam
uma lógica da divisão de trabalho e incentivam a competição
entre vários grupos armados para garantir que nenhum deles
seja forte o suficiente para ameaçar o grupo que detém o poder.
É a mesma lógica que as potências europeias empregaram em
várias de suas colônias.
Os chamados Estados “fracos” ou “falidos” como o caso
da Somália, não tendo capacidade de desempenhar suas
tarefas, dividem-nas com grupos não estatais. Para os líderes
desses grupos a situação que se cria é interessante uma vez que
possibilita a manutenção do controle de determinado território
e, na maioria dos casos, o controle da segurança permite a eles
o exercício do poder político nesses locais e o controle dos
recursos. Há, também, grupos sob controle do Estado que,
posteriormente, se tornam autônomos como se observou no
caso da guerra civil no Congo.
Como salientou Holmqvist (2005), apesar de esses grupos
desempenharem funções positivas como prover proteção
física ou meios de subsistência, por vezes criam formas/
estruturas que exploram a população civil. Em qualquer
situação, ao permitirem que atores não estatais cumpram com
responsabilidades próprias do Estado, os governos impactam
negativamente sobre sua própria legitimidade.
Grupos podem surgir de forma espontânea por necessidade,
o que ocorre com frequência nas situações de conflito armado
com a formação de milícias de proteção local, ou em face à
incapacidade do Estado. Nesses casos, a população cria uma
identidade com o grupo. A guerra civil instalada no interior da
40
Iugoslávia durante a Segunda Guerra Mundial fez que inúmeras
milícias locais fossem formadas, o mesmo acontecendo com a
guerra civil da década de 1990.
Holmqvist (2005) citou os casos de Serra Leoa, Libéria e
Guiné, onde o recrutamento forçado de jovens, separando-os
de suas famílias e os alienando da sociedade, conferiram aos
líderes e comandantes o papel de pais. Lembrou, ainda, que
mulheres juntam-se a determinados grupos para garantir sua
própria segurança e integridade física e mental. Ou seja, as
percepções em segurança das pessoas afetadas fazem com que
se juntem a esses tipos de grupos.
Dessa forma, as características e capacidades dos grupos, as
relações sociais com as comunidades dos territórios que atuam,
as relações estabelecidas com o governo, o grau de interação
com o sistema de segurança estatal, dentre outros aspectos,
serão importantes para a decisão de incorporá-los (ou não) nas
negociações de paz, no processo de transição do conflito para o
pós-conflito e sobre o destino que terão no processo de reforma
(eliminados ou incorporados às forças de segurança estatais). A
forma como esses grupos são tratados normalmente indicam
se as estratégias utilizadas permitirão a construção da paz
duradoura ou esses grupos se tornarão o foco de novos conflitos
por não terem tido a devida atenção durante o processo.
Grupos com ambições políticas são diferentes daqueles que
não têm ambições. Grupos que dependem de financiamento
(interno ou de países vizinhos) seriam, a princípio, mais fáceis
de lidar quando há a privação dos recursos financeiros. Para
grupos sobre os quais atores externos exercitam certa influência,
ainda que limitada, esses atores externos teriam que ser ouvidos
durante o processo. Grupos considerados terroristas apresentam
maior dificuldade de inclusão no processo por relutância de
governos e de Estados estrangeiros. Por vezes, por exigência do
governo ou dos doadores internacionais, determinados grupos
são considerados ilegítimos e, mediante critérios estabelecidos,
são deixados de fora do processo ou nele engajados de maneira
excessivamente restrita.
41
Schneckener (2006) apresentou que, do ponto de vista
analítico, quatro critérios trariam as diferenças entre atores
não estatais de segurança: 1) manutenção do status quo versus
orientação por mudança; 2) aspirações territoriais versus não
territoriais; 3) violência física versus violência psicológica; 4)
motivações por ganância versus queixas.
Então, tanto na decisão sobre que ator incorporar quanto no
trabalho com os mesmos durante implementação da reforma,
há a necessidade de conhecer profundamente as motivações
desses atores.
A resolução da questão de como engajar atores não estatais
envolve os doadores internacionais, o Estado receptor e a
sociedade civil local. Para Scheye (2009), se a sociedade civil
local se mostra como o ator mais adequado para projetar,
implementar e monitorar os programas não estatais de
segurança, a comunidade internacional e os Estados devem
apoiá-los. Isso implica em romper um dilema político e
jurídico, pois os governos mantêm soberania de jure dentro
de seu território, embora em parte dele possa não mantê-la de
facto. Dessa maneira, qualquer ação internacional passaria pelo
apoio e coordenação com as autoridades estatais. Mas, segundo
o mesmo autor, por vezes o Estado é relutante ou resistente
em dividir formalmente as responsabilidades com segurança
com outros atores que podem ser vistos como ameaça ou
competidores por recursos e autoridade.
Holmqvist (2005) salientou duas questões importantes no
esforço para “governar” atores armados não estatais. A primeira
diz respeito às relações entre os atores estatais e não estatais, ou
seja, conferir legitimidade ou não aos grupos. A segunda refere-
se a fazer com que o comportamento de determinados grupos
pareça mais legítimo do que realmente é, correndo o perigo de,
com isso, prolongar ou sustentar o conflito. O engajamento de
grupos armados pode ser o primeiro passo para a socialização
do processo de paz, onde a promoção dos padrões democráticos
é direcionada a todos os segmentos da sociedade.

42
Baker e Scheye (2007, p. 512-513, tradução nossa) apon-
taram diferentes níveis pelos quais o Estado pode moldar e
influenciar as agências não estatais de justiça e segurança:
“patrocínio, regulação/criminalização, rede/exclusão, colabo-
ração, incorporação e treinamento”. Mas salientaram que em
Estados fracos é difícil distinguir os sistemas estatais e não
estatais de segurança e justiça.
Dessa forma, de acordo com a abordagem adotada e a
situação a ser tratada, a reforma do setor de segurança engloba
diversos atores, incluindo

todas as instituições estatais que possuem mandato para


assegurar a segurança do Estado e sua população contra atos
de violência e coerção como forças armadas (domésticas e
estrangeiras), a polícia, gendarmeria e forças paramilitares,
serviços secretos e de inteligência, agentes de alfândega e
guardas de fronteira, assim como instituições judiciárias e
penais (HÄNGGI, 2004, p. 2, tradução nossa)

Na abordagem mais abrangente, sob a perspectiva da


governança e entendendo que o Estado é o detentor do
monopólio do poder coercitivo, o processo englobará os
elementos do setor público responsáveis por exercer esse poder,
incluindo as autoridades civis responsáveis pelo gerenciamento
e controle das forças de segurança como o governo e seus
ministérios, o legislativo e suas comissões especializadas, o
poder judiciário, o sistema prisional, comissões de direitos
humanos, etc. (HÄNGGI, 2004). Também nessa abordagem
poderão ser englobados diversos setores da sociedade civil.
Nesse sentido, Lawrence (2012) apresentou que há pelo menos
um grupo de quatro maiores atores envolvidos, cada um com
distintos interesses: comunidade internacional, elites do Estado
hospedeiro, elites locais (especialmente provedores de justiça e
segurança não estatais) e a comunidade local.
Os estudos sobre reforma do setor de segurança indicam que
os envolvidos têm algumas opções em relação às abordagens a

43
serem adotadas para condução do processo. Segundo Lawrence
(2012), a comunidade internacional encara quatro opções de
reforma em situações complexas como: ignorar as estruturas não
estatais e empregar o modelo centrado no Estado; reconhecer
a importância dos atores não estatais e então eliminá-los ou
incorporá-los nas estruturas estatais; reconhecer a importância
de atores não estatais, mas decidir não engajá-los; reconhecer
a importância dos atores não estatais e adotar uma estratégia
não estatal lado a lado com as medidas direcionadas para
instituições estatais.
Segundo o autor, a primeira opção fará com que as ins-
tituições provedoras de segurança e justiça permaneçam
fracas e ineficientes. Na segunda opção, há um duplo custo
em desmantelar a arquitetura existente e construir uma nova
baseada em instituições estatais. A terceira se dá quando se
reconhece que os atores não estatais confundem os objetivos e
ferramentas da assistência internacional. A quarta

pode englobar compromissos com interesses ocidentais,


concepções ortodoxas de ordem política e paz liberal para
acomodar no terreno realidades de modo a desenvolver uma
estratégia boa o suficiente. (LAWRENCE, 2012, p. 6, tradução
nossa).7

A abordagem centrada no Estado normalmente incorpora,


elimina ou ignora os provedores de segurança e justiça não
estatais. Segundo Lawrence (2012), nas sociedades que refutam
o ideal ocidental de soberania, essa abordagem atende a
construção do monopólio estatal da violência e expande a
habilidade do Estado prover a segurança no seu território
cooptando, suplantando e eliminando atores não estatais
engajados nessas atividades.
O autor apresenta dois obstáculos básicos para esse tipo de
abordagem. Primeiro, os recursos necessários para desenvolver
7. A estratégia “boa o suficiente” prega a implementação de um programa
interativo e adaptável que favoreça intervenções de curto e médio prazo de
forma a permitir estratégicas de reforma convencionais e mais abrangentes.
44
e sustentar as instituições estatais que consigam prover segu-
rança e justiça a toda sociedade são, normalmente, maiores
que o orçamento do Estado e que as doações internacionais
permitem. Segundo, a abordagem aspira a construção de
instituições do Estado que estendam a legitimidade e a auto-
ridade aos cidadãos, mas nos casos onde o Estado é a fonte de
insegurança e injustiça as comunidades locais normalmen-
te criam estruturas de autoridade alternativas para proteção
tornando difícil o Estado exercer sua autoridade. Nesses
casos, em curto prazo as autoridades estatais não conseguem
angariar confiança, respeito e apoio, sendo sempre vistas com
desconfiança pela população.
A OCDE (2007, p. 21, tradução nossa) apresentou que o

foco dos atores internacionais deve ser apoiar os países


parceiros para atingir quatro objetivos: 1) estabelecimento
de efetiva governança, fiscalização e responsabilidade efetivas
sobre o sistema de segurança; 2) melhorar o fornecimento dos
serviços de segurança e justiça; 3) desenvolver lideranças e
influências locais no processo de reforma e; 4) sustentabilidade
dos serviços de justiça e segurança.

Chuter (2006) alertou que uma abordagem abrangente


resulta em programas grandes e complexos, transformando
questões típicas de reforma do setor de segurança em questões
mais gerais de “governança”. Partes do governo forçosamente
têm ligação com o setor de segurança mas, por vezes, a presença
de um parlamento corrupto ou de um sistema judiciário
aberto ao abuso não são problemas específicos de segurança e
devem ser tratados como parte de um programa mais amplo
para melhorar o governo. Ou seja, a ampliação demasiada
da abordagem, incluindo setores que não são diretamente de
segurança pode comprometer o programa.
Chuter (2006) salientou, também, a tendência crescente de
incluir programas de reforma em esquemas de reconstrução
pós-conflito, fazendo relação com a necessidade de reduções
das forças de segurança. Normalmente as forças militares e os

45
gastos são reduzidos após um conflito pelo simples fato de que
uma força numerosa não seria mais necessária. Assim, para
ele, a desmobilização não estaria ligada à reforma do setor de
segurança. Por outro lado, muitos conflitos são levados a cabo
por milícias que devem ser desarmadas, normalmente por
força dos acordos de paz. Segundo o autor, o Desarmamento,
Desmobilização e Reintegração (DDR) é útil nos processos de
paz, mas conceitualmente diferente de programas de reforma.
De qualquer forma, apenas sanados esses problemas
seria possível estabelecer programas em bases sustentáveis,
ganhando legitimidade, o que se daria em longo prazo e com a
paciência dos envolvidos, o que nem sempre acontece pois, por
vezes, há a necessidade de mostrar resultados rápidos, levando
à priorização de medidas de curto prazo.
Em situações complexas, a mudança das estruturas do
Estado não é apenas a fraqueza ou a ausência de instituições,
mas a presença de complexos arranjos de governança que
normalmente estão presentes em diversas regiões do país.
Nesses ambientes, o Estado divide autoridade e capacidade
com outras estruturas que possuem também suas autoridades
e, por vezes, detêm mais legitimidade que os próprios governos.
Nesses casos, a abordagem estatal já provou não ser a mais
apropriada para obter uma paz e segurança duradouras.
A abordagem não centrada no Estado se baseia na
promoção da cooperação, coordenação e cogovernança
sustentável entre as instituições estatais e os diversos provedores
não estatais de segurança. Havendo dentro do Estado relações
entre diferentes tipos de provedores de segurança e justiça
que exercem atividades similares de maneira paralela às
autoridades estatais, os programas de reforma tendem a buscar
a centralização da provisão de justiça e segurança exercida pelas
instituições estatais em longo prazo. A ação estatal em direção a
todo o Estado se dá paulatinamente, mas englobando e lidando,
no início, com os atores não estatais.
A análise conceitual e o aprendizado com diversas reformas
implementadas em diferentes Estados sugerem a abordagem
46
não estatal nas situações complexas, pois além possibilitar a
complementaridade e a cogovernança, normalmente facilita a
obtenção de recursos externos necessários para a implementação
dos arranjos nas esferas da segurança e da justiça. Logo, as
questões principais passam a ser como os programas devem
engajar efetivamente os atores não estatais, uma vez que não há
um modelo que possa ser aplicado a qualquer situação, e como
lidar com as normas e regras informais que estas estruturas
criam, aplicam e são seguidas pelas comunidades. A maneira
de lidar com os diversos atores será diferente em cada Estado,
dependendo da importância e do papel que desempenham
na sociedade e o impacto que causam na governança. Nesses
casos, os programas a serem implementados devem considerar
a situação nos níveis local, nacional e regional.
Greene (2003b, p. 7-8, tradução nossa), apresentou
as vantagens de uma perspectiva regional na prestação da
assistência à reforma: como os desafios de segurança e as preo-
cupações são muitas vezes transnacionais ou sub-regionais,
“uma abordagem regional pode aumentar a conscientização e
o engajamento nesses desafios, permitindo o desenvolvimento
de programas de reforma dirigidos às questões transnacionais
transversais”; as sub-regiões e regiões “muitas vezes com-
partilham entendimentos e abordagens semelhantes para
o papel dos diversos ramos do setor da segurança”, bem
como “compartilham semelhantes sensibilidades políticas
ou abordagens para a ajuda externa na reforma do setor de
segurança”; facilita a mobilização de organizações e instituições
regionais no apoio aos programas e reforça a cooperação
regional e a construção da confiança mútua; a cooperação
bilateral ou sub-regional pode aumentar consideravelmente
a eficácia dos programas; a proximidade geográfica facilita
o compartilhamento de experiências, a disseminação do
aprendizado nos processos e coordenação entre doadores e
os países beneficiários; e a análise regional pode ser usada no
desenvolvimento da assistência em países vizinhos.

47
O mesmo autor salientou que há desvantagens na adoção
de abordagens regionais: ela pode incentivar generalizações
regionais que aumentam os riscos de uma análise inadequada
das características nacionais ou setoriais da reforma; os
governos podem se mostrar menos dispostos em aceitar
ajuda por meio de um quadro ou abordagem regional; pode
influenciar na determinação de prioridades com custos para os
programas nacionais específicos; e a estratégia, coordenação e
lições apreendidas podem ser mais bem aprimoradas quando
focadas em um contexto ou agenda específica de segurança.
Ou seja, as relações complexas e por vezes contraditórias
entre atores estatais e não estatais pode indicar que os envolvi-
dos no processo de reforma como os doadores internacionais,
ONU, organizações internacionais e regionais e ONGs devam
observar níveis supra ou subestatais ao estruturar o setor de
segurança e a governança dos Estados, saindo da conduta
tradicional de observar o nível estatal ou internacional.
A quantidade de atores envolvidos, cada um com seus
interesses próprios e por vezes divergentes fazem com que, em
determinados casos, especialmente nas situações pós-conflitos
armados, haja uma dificuldade tremenda em formatar um
processo de reforma do setor de segurança que possa ter sucesso.
Em alguns casos, a melhor opção de abordagem será a que
engloba a questão regional, especialmente quando há Estados
vizinhos envolvidos de alguma forma no conflito. Em outros
casos, deverá ser localizada em regiões do país receptor onde
não há a presença do Estado ou ela é limitada por provedores de
segurança locais. Mas, em qualquer caso, os programas devem
estar englobados num processo mais amplo que envolva todo o
Estado, e planejados de acordo com as necessidade e prioridades
de curto, médio e longo prazos.

Características da reforma do setor de segurança

Dos aspectos comuns dos diversos conceitos verifica-se que


a reforma do setor de segurança engloba as várias instituições
48
e atores responsáveis pelo provimento de segurança no Estado,
que a mesma deve ocorrer num quadro democrático onde
um governo civil controla essas várias instituições e atores,
e que devem ser dotadas de eficiência e responsabilidade
(accountability).8 Ainda, a reforma deve ser encarada como um
processo e os programas devem ser possíveis de continuidade
e serem implementados com base na “apropriação local”
(ownership).
A “apropriação local” exige que haja uma parceria entre as
autoridades formais do Estado receptor com toda a sociedade,
incluindo os provedores informais de justiça e de segurança.
Sua operacionalização reflete o papel principal que o governo
deve ter na alocação de recursos para o processo, com a
condição de que promova a “inclusão”. Ao permitir a inclusão
das comunidades e organizações da sociedade civil no proces-
so, poderá ser estabelecida a confiança entre os cidadãos e
as instituições do Estado. Isso porque essas organizações
representam o povo, podem auxiliar no monitoramento e na
fiscalização dos serviços de segurança e sua atuação aumenta a
conscientização pública.
Isso quer dizer que, apesar de o governo ser o responsável
pela arquitetura e condução do processo, com todos os demais
parceiros se colocando numa condição de colaboradores,
a abordagem é centrada na população e sua participação
na resolução de problemas de segurança do Estado. Dessa
forma, ocorre a construção da capacidade do Estado e de sua
sociedade em lidar com problemas de segurança, e todos os
atores externos devem levar em conta os costumes, valores e a
importância dos atores locais nos programas de reforma. Além
disso, a “apropriação local” diminuirá a resistência de setores
nacionais e incentivará seu comprometimento com o processo.
Mas, por vezes, o Estado se encontra debilitado de tal
forma que as elites locais não têm condições de assumir a
8. A palavra accountability, nesse caso, tem o sentido de responsabilidade
única, além de dotado de autoridade e de imputabilidade pelos atos
praticados.
49
responsabilidade para a condução do processo de reformas. A
importância de assegurar a apropriação local nessas situações
pode ser contraproducente. Nesse caso, a reforma terá que ser
iniciada por atores externos. De qualquer forma, o ator que ficar
responsável por liderar o processo deve levar em consideração
o exposto anteriormente e procurar, em curto espaço de tempo,
dotar o Estado de capacidade para, a partir de um determinado
momento, assumir a responsabilidade pela reforma.
A questão da continuidade significa que não se deve
iniciar projetos que não tenham sustentabilidade. Muitas
vezes, processos de reforma que são financiados externamente
comprometem a sustentabilidade e a apropriação local.
Os programas de reforma são normalmente caros,
especialmente em curto e médio prazo. Edmunds (2002)
observou que em longo prazo a reforma pode resultar em
vantagens econômicas, mas durante a fase de transição a
profissionalização e a redução do setor de segurança aumentam
o impacto no orçamento estatal. Com relação aos recursos
externos, percebe-se uma intenção da sociedade internacional
em financiar ações de reforma nos Estados em conflito ou
recém-saídos de conflitos armados. Com o tempo, entretanto,
há uma tendência da redução dos recursos para esse fim.
Ou seja, para o sucesso da reforma deve haver recursos
necessários, que normalmente são consideráveis e vêm
de doações internacionais, para implementar os diversos
programas, que devem ser realistas o suficiente para permitirem
que a longo prazo possam ter continuidade com base nos
recursos próprios do Estado receptor, quando os recursos
externos diminuírem ou se extinguirem.
Normalmente os recursos disponíveis acabam fazendo
com que a reforma se concentre apenas nas forças de segurança
regulares. Ao excluir os demais atores podem comprometer a
reforma. Lawrence (2012) observou que os custos do processo
dependem da presença e das capacidades da sociedade civil
local e das ONGs em projetar e implementar a estratégia;
da presença e da capacidade dos provedores não estatais de
50
segurança; das políticas e estratégias desenvolvidas vis-à-vis
com o Estado hospedeiro; e do alto grau de mudanças em um
ambiente incerto decorrentes do aprendizado com sucessos e erros.
A eficiência está relacionada com todas as atividades que
permitirão que os elementos do setor de segurança cumpram
suas obrigações legalmente estabelecidas. A responsabilidade
está relacionada com o fato de ser um serviço público e, assim
sendo, deve ser realizado em prol do público. Isso só será possível
se for estabelecido um ambiente em que não haja interferên-
cia política nos elementos do setor, que seus componentes
espelhem uma representação equitativa dos diversos grupos que
compõem o Estado (incluindo a questão de gênero) e que haja
mecanismos de fiscalização legalmente (nos diversos diplomas
legais) ou informalmente (pela sociedade civil) estabelecidos.
A ONU verificou que os países onde o setor de segurança é
eficaz apresentam algumas características comuns, como: a) um
quadro legal e/ou constitucional que prevê a utilização legítima
e responsável das instituições envolvidas, que atuam de acordo
com mecanismos que sancionam o uso da força e definem
seus papéis e responsabilidades, e de acordo normas e padrões
de direitos humanos universalmente aceitos; b) um sistema
institucionalizado de governança e de gestão com mecanismos
de direção e supervisão do setor de segurança, incluindo os
sistemas de gestão financeira e análise, bem como de proteção
dos direitos humanos; c) capacidades, ou seja, estruturas,
pessoal, equipamentos e recursos suficientes; d) mecanismos
de interação entre os agentes que permitem transparência,
coordenação e cooperação entre os diferentes atores; e) a cultura
de serviço, segundo a qual promove-se a unidade, integridade,
disciplina, imparcialidade e respeito aos direitos humanos entre
os agentes de segurança (UN, A/62/659–S/2008/39, 2008).

Dimensões da reforma do setor de segurança

Atualmente o processo de reforma é entendido como


sendo complexo (interrelação de normas, atores e condições),
51
estabelece a interligação entre as instituições de segurança e
justiça do Estado, tem dimensões política e técnica e exige uma
abordagem holística.
A construção de uma paz eficaz requer uma profunda
reforma do setor da segurança de uma sociedade – um processo
que exige a participação ativa de atores militares, econômicos e
políticos.
Os diversos programas e projetos de reforma são sensíveis
uma vez que impactam no monopólio do Estado sobre o uso
da força, sua arquitetura e uma série de valores sociais como
liberdade, segurança e direitos humanos. O processo lida com
estruturas e relações. No caso de pós-conflito armado trata
com perdedores e vencedores e os ressentimentos decorrentes.
Normalmente foca em mudanças de comportamento, atitudes
e práticas e envolve uma inter-relação de normas, objetivos,
atores, condições, etc., onde estão presentes tensões entre
diversos grupos, pré-existentes ou gerados pela reforma, além
de questões objetivas e subjetivas, fatos, juízo de valores e
interesses.
Normalmente afetam relações de poder, renda e privilégios
dentro do Estado. Em consequência, o processo “requer um
alto nível de compreensão política e sensibilidade, habilidades
analíticas e de negociação, tato, diplomacia e muita paciência”
(DCAF, s.d., p. 3, tradução nossa).
Durante sua execução, o processo de reforma tem uma
natureza política dinâmica, pois ocorrem mudanças tanto no
ambiente internacional como nas sociedades envolvidas, e os
esforços e as prioridades se alteram (GERMANN, 2002).
As atividades de reforma têm um componente técnico
relacionado com o treinamento dos diversos elementos, o
provimento de equipamento, material e instalações, além
de incluir a reengenharia do setor, ou seja, sua organização e
administração. Esse trabalho deve ser realizado por especia-
listas internos e externos.
Ao lidar com uma multiplicidade de instituições e atores,
os programas necessitam de especialistas nas mais diversas
52
áreas, como militares, policiais, especialistas em planejamento
estratégico, direitos humanos, tecnologia da informação,
orçamento, dente outros.
A experiência em diversas operações em que a reforma do
setor de segurança foi realizada indicou alguns problemas.
Alguns programas, especialmente os relacionados com
reformas pós períodos autoritários, no bojo das discussões
sobre relações civis-militares e desenvolvimento, foram imple-
mentados por pessoal com pouco conhecimento prático de
como o setor funcionava. Brzoska (apud CHUTER, 2006, p. 6,
tradução nossa) observou que, apesar do poder que possuíam,
apenas “alguns dos empregados por instituições doadoras de
desenvolvimento tinham conhecimento prévio ou experiência
das questões relacionadas com a segurança”. Essa seria a razão
dos estudos de reforma terem privilegiado restrições externas
como “redução, controle, fiscalização, monitoramento,
diminuição das dimensões e fortalecimento das organizações
fora do setor de segurança” (CHUTER, 2006, p. 6, tradução
nossa).
Em alguns casos, a reconstrução do Estado falhou em razão
de ter sido inspirada em modelos fabricados externamente
que não acomodaram os interesses e desejos locais e, em
consequência, não atenderam a reengenharia da sociedade.
Nesses casos, os programas não atentaram para a sensibilidade
política, histórica e contextual dos locais onde estavam sendo
implementados (LAWRENCE, 2012).
Há o entendimento que os programas de reforma
devem levar em consideração as características de seguran-
ça locais e as tradições legais de onde são implementados,
ou seja, devem trabalhar com normas, pessoas, estruturas
existentes, especialmente nas sociedades que não seguem os
padrões ocidentais. Mas, como Lawrence (2012) salientou,
muitos mecanismos de segurança informais permanecem
desconhecidos ou inacessíveis (fisicamente, culturalmente e
linguisticamente) aos ocidentais e os doadores internacionais
(Estados, organizações de desenvolvimento, OI e ONGs) são
53
pouco preparados para lidar com o engajamento não estatal.
A questão técnica nesse caso é fundamental e os programas só
terão sucesso se forem implementados por especialistas tanto
em segurança, de maneira geral, como em mecanismos de
segurança informais do Estado receptor, de maneira particular.
Com o aprendizado acumulado com as primeiras
experiências de reforma do setor de segurança, os envolvidos
passaram a adotar uma abordagem holística que, segundo
Edmunds (2002), se manifestou em dois caminhos. Primeiro
houve o reconhecimento da importância de outras estruturas de
segurança além das tradicionais centradas nas forças armadas.
Segundo, reconhecendo o papel da segurança e dos atores desse
setor num campo mais amplo e complexo de reformas políticas
e econômicas do Estado. Com isso, houve o entendimento que
o processo de reforma não deveria ficar limitado às questões
militares ou ao controle civil da forças armadas.
Hänggi (2004) salientou que a abordagem holística se dá
num duplo sentido. Primeiro, integra reformas parciais (da
defesa, polícia, inteligência e justiça), que geralmente eram
tratadas de forma separada. Segundo, visa colocar o setor de
segurança sob a governança democrática, incluindo a promo-
ção dos direitos humanos, responsabilidade e transparência.
Edmunds (2002) dividiu o processo de reforma em
duas gerações. A primeira diz respeito à criação de novas
instituições, estruturas e cadeias de responsabilidade para
o setor de segurança e seus principais elementos seriam o
estabelecimento do controle civil sobre o setor, a definição
clara de responsabilidades entre os atores relevantes (poderes
executivo e legislativo, burocracia, as formações do setor em
diferentes níveis de governo – federal, estadual, local, etc.) e
o estabelecimento dos princípios e estruturas de supervisão e
transparência. A segunda geração é consolidação das reformas
anteriores, com as instituições operando de maneira eficaz e
eficiente a um custo suportável pelo Estado e pela sociedade.
Essa divisão é uma mera categorização teórica dos diversos

54
elementos do processo e não indica que deve haver essa clara
sequência temporal.
A abordagem holística implica no planejamento de ativi-
dades específicas de maneira interdependente, num quadro
mais abrangente de reforma. Sendo interdependentes, cada
atividade afetará, de alguma maneira, as demais. Ao lidar com
um componente específico, deve-se pensar outros elementos,
cujas ações impactam o primeiro. Pensar em uma força policial
eficaz implica em pensar nos órgãos do governo que garantirão
a eficácia, pois são responsáveis pelo orçamento, meios legais e
fiscalização, e na sociedade civil que é a receptora do “serviço”
e que, se corretamente organizada, vai prover o feedback do
desempenho policial.
A ONU reconheceu a necessidade de uma abordagem
holística como sendo vital para o sucesso das reformas. Também
reconheceu a necessidade de que a abordagem seja integrada e
coordenada (UN, A/62/659–S/2008/39, 2008).

A reforma do setor de segurança como processo

A reforma do setor de segurança é vista atualmente


como um processo que envolve a análise, o planejamento, a
implementação, o monitoramento, a revisão e a avaliação que
vai fornecer o feedback em termos de lições aprendidas para
reformulações que se fizerem necessárias nas atividades.
Como salientou Germann (2002, p. 3), a reforma “é um
esforço complexo, inter-relacionado e cooperativo, integrando
uma variedade de atores e componentes”. A cooperação e a
coordenação é que garantem a execução com base em objetivos
comuns, critérios, condições, normas e níveis de desempenho.
Como processo, necessita de orientação, tempo considerável
de execução e esforço sustentado dos envolvidos. Sempre que
necessário, os programas devem ser revistos e reorientados com
base no monitoramento e no feedback obtido pela avaliação.
A reforma engloba três desafios inter-relacionados:
desenvolvimento de um quadro institucional para provisão de
55
segurança e justiça e desenvolvimento de política nesse setor;
fortalecimento da governança das instituições de segurança e
justiça; e construção de instituições profissionais e capazes de
apoiar o Estado de direito (THOMPSON, 2006). Isso indica
que as atividades podem ser enquadradas em três categorias,
como: atividades de reconstrução do aparato de segurança,
ou seja, aquelas de cunho operacional que darão capacidade
a essas forças; atividades de fortalecimento da gestão civil do
aparato de segurança, ou seja, a dimensão de governança; e
atividades diversas e inter-relacionadas para lidar com o legado
do conflito como DDR, controle de armas, justiça transitória,
proteção de grupos vulneráveis, etc.
O ponto de partida para o processo de reforma pode ser:
a necessidade de reforma em Estados com desenvolvimen-
to relativamente estável, num contexto de transição pós-
autoritarismo (democracias recém estabelecidas), em Estados
ainda não abertos a democracia, ou num contexto de conflito
(pós-conflito) armado. Nesse último, a necessidade de reforma
pode ser abordada nas negociações de um tratado de paz, na
avaliação do próprio país sobre a necessidade de reforma após o
conflito ou em uma operação de paz, por força de seu mandato
(de forma explícita) ou como atividades implícitas ao mandato.
Seja qual for a inicialização do processo, entende-se
atualmente que: a reforma deve ser parte do processo político
que requer uma abordagem de desenvolvimento e inputs
técnicos para ser implementada; deve englobar questões
chamadas transversais como gênero, crianças e controle de
armamento, dentre outras; deve ser baseada na “apropriação
local”; necessita de coerência com o whole-of-government9;
mesmo que discutida a nível político/estratégico, necessita do
trabalho a nível tático para que tenha sucesso; se dá em contextos
diferentes, necessitando de uma análise caso a caso; necessita

9. O termo “whole-of-government” pode ser entendido em português como


governamental global, holístico de governo ou em nível interministerial.
Significa o envolvimento de toda a estrutura governamental no processo de
reforma.
56
de coordenação entre os envolvidos; normalmente, nos Estados
onde se faz necessária, precisa de auxílio externo tanto em
termos de assessoramento como de recursos; e a abordagem
holística indica a necessidade de um planejamento integrado
em duplo sentido, integrando todos os projetos específicos de
reforma entre si (forças armadas, polícia, inteligência, etc.) e
ligando esses projetos a uma preocupação maior de governança.
Com uma avaliação em nível macro dos campos político,
econômico, social, técnico, legal, ambiental e de segurança,
pode-se ter uma compreensão mais ampla do contexto do Estado
ou de uma região em que o processo de reforma será realizado.
Essa avaliação permitirá identificar lacunas e necessidades.
A partir dela, em nível político-estratégico, deve ser
estabelecida uma “Política de Reforma” que englobará
todos os campos necessários. A política deve promover um
contato social mais orgânico, educação cívica, criação de
sensibilização e consciência sobre direitos e responsabilidades
de toda a sociedade em relação à segurança. A política deve
definir o que se pretende com a reforma, qual a forma que ela
deve tomar, ou seja, a definição sobre o tratamento de cada
mecanismo (quais serão criados, reconstruídos, modificados,
reorientados, redesenhados, etc.) e os princípios e ferramentas
requeridos (democracia, estabilização, relações civis-militares,
fortalecimento econômico e cultural, etc.). Decorrente dessa
política deve ser preparada uma “Estratégia de Reforma”.
Por exemplo, um dos campos da Política de Reforma
normalmente estará direcionado para as forças armadas. Nesse
caso, devem ser preparadas uma Política Militar de Defesa, uma
Estratégia Militar de Defesa e uma Doutrina Militar de Defesa,
ou reformuladas as existentes. Esses documentos estabelecerão
objetivos e diretrizes que guiarão as políticas setoriais, ou seja,
as políticas militares (Naval, Terrestre, Aérea, etc.). Dessas
políticas serão estabelecidas as estratégias setoriais. Por exemplo,
da Política Militar do Exército, formula-se a Estratégia Militar
do Exército com os objetivos estratégicos daquela força para
um determinado período.
57
Outro campo da Política de Reforma normalmente é
direcionado às forças policiais. Deve haver, portanto, uma
Política de Segurança Pública, uma Estratégia de Segurança
Pública e uma Doutrina de Segurança Pública.
A partir do diagnóstico (análise), são definidas as ne-
cessidades prioritárias para o processo de transformação. Por
exemplo: no caso da polícia deve-se pensar na transformação
em torno dos sistemas de doutrina, ensino, cultura, preparo e
emprego, gestão e logística. Nesse caso, a transformação deve
ocorrer com a execução de um programa abrangente a ser
desenhado com base nos objetivos da política e que deve incluir
projetos para esses diversos sistemas de forma integrada.
As políticas setoriais serão decorrentes da missão, do
conceito e das indicações levantadas na análise, ou seja, no
diagnóstico de cada instituição e, se possível, em cenários pros-
pectivos para um determinado período. Podem ser preparadas
com a descrição e os fatores críticos para seu sucesso. Os
objetivos estratégicos e as diretrizes deles decorrentes resultarão
em programas e projetos específicos.
Um exemplo. Um objetivo síntese para a polícia pode
ser “Elevar o Nível de Operacionalidade/Adestramento”.
Esse objetivo pode ser descrito/avaliado da seguinte forma:
transformar a polícia numa força eficiente, eficaz, moderna e
apta a cumprir sua missão segundo um processo permanente.
Face às deficiências e vulnerabilidades, a transformação
significativa, ampla e profunda, será demorada, mas deve
preservar os princípios democráticos e de respeito aos direitos
humanos. Para isso, as instituições policiais devem possuir
efetiva capacidade de policiamento em prol do cidadão, de
acordo com a distribuição de recursos feita pelo Estado. As
unidades de polícia apresentam níveis de operacionalidade
que as impedem de cumprir, na sua plenitude, as missões
previstas e não se poderá elevar, em curto prazo, o nível
operacional de todas as suas unidades devido à insuficiência de
recursos. Dessa forma, a polícia deverá ter diferentes níveis de
operacionalidade/adestramento, ampliando progressivamente
58
a quantidade de unidades nos níveis mais elevados, de acordo
com o planejamento estabelecido.
Decorrente dessa descrição/avaliação, um dos objetivos
seria: ampliar, progressivamente e seletivamente, o nível
de operacionalidade/adestramento das unidades policiais,
racionalizando as suas estruturas organizacionais, moder-
nizando e completando seus equipamentos e materiais, com-
pletando seus efetivos e intensificando seus adestramentos.
Para atingir esse objetivo, os fatores críticos de sucesso
poderiam ser descritos como: 1. Existência de um programa
que dimensione a transformação e racionalização da estrutura
e dos efetivos para o período estabelecido; 2. Existência
de um sistema de avaliação da capacidade operacional;
3. Recursos orçamentários e financeiros disponíveis; 4.
Unidades selecionadas e priorizadas para cumprir o período
de adestramento em sua totalidade, de acordo com os padrões
modernos de policiamento cidadão.
Com base nos objetivos levantados no nível político-
estratégico, são preparados os projetos específicos em cada área.
A noção de planejamento integrado indica a necessidade de se
formar uma equipe responsável pela integração de projetos.
Essa equipe seria constituída em um Escritório de Projetos que
pode contribuir para o aperfeiçoamento da gestão da reforma
por meio de ações de supervisão, integração, coordenação,
acompanhamento e controle, tanto do planejamento como
da execução dos projetos, integrando-se às demandas do
planejamento estratégico. O Escritório assessora a autoridade
central e coopera na adequação dos processos essenciais por
meio de análise e formulação de propostas de melhorias.

O estudo de situação para a reforma do setor de


segurança – uma proposta

O Exército Brasileiro utiliza um método de resolução


de problemas que é denominado Estudo de Situação e que

59
está consubstanciado em alguns manuais como o Manual de
Campanha C 101-5 – Estado-Maior e Ordens (BRASIL, 2003).
Utilizando esse método de planejamento, com as adaptações
necessárias, apresentamos uma ideia de planejamento no
campo da reforma do setor de segurança.
Em um determinado momento, decorrente de um mandato
para uma operação de paz, em uma operação de paz já em
andamento, por força de um acordo de paz, por necessidade
de um determinado Estado, etc., surge a necessidade de lidar
com determinada questão no setor de segurança. Apresentado
o problema, será feito o estudo da viabilidade do projeto. É
um estudo genérico que apresenta a ideia geral em termos
de objetivos e fatores que devem ser observados para sua
implementação. É o nascimento do projeto que vai gerar o que
se denomina na área de gerenciamento de “termo de abertura”.
É o input necessário para o início do planejamento.
Kerzner (2010, p. 15) define projeto como um “em-
preendimento com objetivo identificável, que consome re-
cursos e opera sob pressões de prazo, custo e qualidade”. Um
projeto deve apresentar uma sequência clara e lógica de eventos
para atingir um objetivo claro e definido, com tempo, custos,
recursos e qualidade predefinidos (VARGAS, 2005). Assim, um
projeto tem prazo, sendo encerrado quando os objetivos forem
alcançados, quando se concluir que os objetivos não serão ou
não poderão ser atingidos ou quando o mesmo não for mais
necessário (PMI, 2014).
Um objetivo claro e definido indica a presença de requisitos
específicos, ou seja, tarefas a serem cumpridas, metas a serem
atingidas, tempo, custo e recursos. Um projeto é desenhado
para criar algo novo ou melhorar algo que já existente.
O gerenciamento de projetos indica um processo de
planejamento, coordenação, controle das atividades para
cumprir o objetivo, incluindo os prazos e o orçamento. Enten-
dido como processo, o gerenciamento deve ser contínuo e
revisado toda vez que surgirem novas informações, o que
possibilitará a adequação das propostas e decisões elaboradas.
60
Dessa forma, a processo de reforma pode apresentar as fases de
planejamento; execução; monitoramento; avaliação; e revisão e
encerramento.
O planejamento é um processo de tomada de decisão
pelo qual se escolhem as alternativas para as atividades a
serem realizadas, definido o quê, como, onde, quem, para quê
e quando fazer algo, ou seja, ao final do processo estabelece-
se os objetivos e as atividades que devem ser realizadas. A
finalidade do planejamento é determinar como alcançar os
objetivos dentro do tempo previsto, com economia de meios
e melhores resultados. Um planejamento adequado e objetivo
é essencial para a solução de qualquer problema e permite o
exame detalhado e sistemático de todos os fatores que envolvem
um programa ou projeto. O estudo da situação, a decisão e a
elaboração dos planos são partes integrantes do planejamento.
Em seguida vêm as etapas da execução, monitoramento
(supervisão e controle), avaliação e revisão.
Pode-se adotar uma metodologia cartesiana, dividindo o
estudo em partes para maior detalhamento de cada questão. A
fase de planejamento deve ser feita por uma equipe que deve
ser independente o suficiente para realizar a gestão. Ao receber
a missão, essa equipe deve se empenhar na identificação e
estruturação dos problemas, tomada de decisões e preparação
de planos. A realização dessas ações – o processo decisório –
numa sequência lógica e metódica permite a certeza de que
todas as situações possíveis sejam consideradas, que a decisão
se fundamenta em todos os dados e conhecimentos disponíveis
e que foi feito o melhor emprego da assessoria.
O estudo de situação é um processo lógico e continuado
de raciocínio, uma avaliação das necessidades e realidades, que
leva em consideração todas as circunstâncias que possam afetar
uma determinada situação para se chegar a uma decisão ou
a uma proposta que objetive o cumprimento de uma missão.
É um processo de resolução de problemas cuja finalidade é
determinar a melhor maneira de se cumprir uma missão.10
10. Definições adaptadas de BRASIL, EB, 2003.
61
É um processo continuado e deve ser prolongado durante a
execução dos projetos (monitoramento), o que possibilitará sua
adequação às demandas que surgirem durante a implementação
(revisão).
A técnica de resolução de problemas é desenvolvida
com base em etapas que possibilitam a tomada de decisão
através do estabelecimento e análise de alternativas (linhas
de ação) lógicas. O responsável (ou responsáveis) deve ter
conhecimento, experiência e o discernimento para reconhecer
quais os aspectos mais significativos do problema e quais os
fatos irrelevantes que devem ser afastados ou eliminados, e
identificar os fatores que tornem inadequada uma determinada
solução. Nesse sentido, parte-se do princípio que os membros
envolvidos no planejamento e gestão dos programas e projetos,
bem como os responsáveis pela integração dos mesmos,
tenham o conhecimento e a experiência necessária, tanto de
gerenciamento como de segurança.
As etapas dessa técnica são: estudo da missão, reunião de
dados sobre o problema (situação), estruturação do problema
e levantamento de alternativas de solução (confecção de linhas
de ação), análise das soluções possíveis (comparação das linhas
de ação) e seleção da melhor solução (decisão).
O estudo da missão implica na identificação ou definição
do problema. Analisa-se a missão recebida e a sua intenção com
base nos objetivos apresentados pelo nível político-estratégico,
verificando seu objetivo específico, sua finalidade e as ações
que devem ser realizadas (impostas e/ou que já possam ser
deduzidas nesse momento). O estudo permite definir as ações
que devem ser realizadas, qual a sequência dessas ações e quais
as condições para sua execução, por exemplo, a determinação
do tempo, o que permitirá a confecção de um cronograma
inicial, ou seja, a distribuição do esforço a ser empreendido ao
longo de uma linha do tempo. A conclusão dessa fase permite
a apresentação de um texto que será a base para a confecção
dos planos. O responsável pode, se achar necessário, apresentar
uma diretriz de planejamento, explanando a intenção dos
62
programas e projetos e as mudanças pretendidas, as quais
devem ser observadas pela equipe responsável.
Na fase da reunião de dados sobre o problema é feito um
estudo abrangente da situação, levantando os atores de alguma
maneira envolvidos no processo, ou pelo processo, e a maneira
com que cada um deles intervém no mesmo. Implica na coleta
de dados e análise das informações direcionadas ao objetivo
que deve ser cumprido. É uma fase de extrema importância,
pois uma avaliação errada ou incompleta pode resultar no
planejamento incorreto com graves consequências para o
sucesso do processo. Alguns dados são obtidos por comparação
ou de maneira descritiva, outros só podem ser obtidos por uma
pesquisa empírica.
Sendo a abordagem multissetorial, deve-se levantar
dados sobre defesa, inteligência, segurança pública, sistema
judiciário, sistema prisional, sociedade civil, fiscalização civil,
gerenciamento financeiro, companhias de segurança privada11
e companhias militares privadas.12
Como as ligações com outros fatores importantes
de estabilização e reconstrução são importantes, devem
ser levantados dados sobre: a agenda de democratização;
desarmamento, desmobilização, repatriamento, reabilitação e
reintegração (DDRRR) de combatentes, justiça de transição,
controle de armas, direitos humanos, igualdade de gênero
(proteção de mulheres), crianças soldados, minas, dentre
outros.
O estudo de todos os fatores possíveis permitirá em etapas
seguintes o levantamento dos riscos, ou seja, os aspectos que
afetam as possíveis linhas de ação.
O levantamento quantitativo e qualitativo dos diversos
atores como composição e valor, a comparação de poderes
relativos entre esses atores deve ser feito para determinar,
11. Companhias que prestam serviços de segurança privada ou para
governos como avaliação e análise de riscos e segurança pessoal.
12. São as companhias que prestam serviços militares de combate e/ou
treinamento e inteligência militar.
63
em cada fator analisado, os aspectos predominantes suas
possibilidades e deficiências. No estudo, deve-se observar os
indícios que servirão de base para a posterior determinação das
prováveis condutas desses atores, ou seja, determinar os atores
presentes (ou que possam se fazer presentes) e sua influência
no processo de reforma. Na análise das possibilidades dos
atores procura-se verificar as ações que cada um deles é capaz
de realizar e que, se realizadas, influenciam nos programas/
projetos a serem desenhados, as que têm maior probabilidade
de adoção, com base nas atividades importantes recentes e atuais
de cada ator, concluindo-se pela(s) mais provável(is). Quanto
às vulnerabilidades, elas resultam de suas peculiaridades e
deficiências e permitem determinar aquelas que possam ser
exploradas em prol do processo de reforma.
O estudo minucioso de cada ator evitará que os responsáveis
pela reforma sejam surpreendidos com uma ação inesperada
por parte de algum deles que possa comprometer o processo.
A montagem de uma matriz de eventos para acom-
panhamento das ações dos diversos atores e das atividades a
serem realizadas facilita o estudo. A matriz é confeccionada
com base no levantamento das áreas de atuação e atividades
observadas que podem revelar qual a linha de ação adotada por
cada um deles. É interessante salientar que o acompanhamento
da situação, interesses, etc. desses atores durante a execução
da reforma permite aos responsáveis se precaverem contra
possíveis ações que impactem o processo, bem como levantar
dados que permitam, na fase de monitoramento, a correção de
rumos de algumas atividades como parte da revisão.
Uma ideia de tópicos a serem levantados e analisados é
apresentada a seguir. Trata-se de uma compilação do que foi
apresentado nos trabalhos de diversos autores e centros
de estudo e pesquisa, e em documentos de organizações,
já apresentados no texto ou indicados nas referencias
bibliográficas.
O levantamento de dados e a análise se dão em relação
aos ambientes interno e externo. No ambiente interno devem
64
ser observados os campos político, econômico, social e de
segurança.
No campo político, o passo inicial seria levantar os prin-
cipais atores: governo, ministérios, parlamento, comissões
legislativas, sistema judiciário, cortes, partidos políticos. Os
aspectos a serem considerados são: história política nacional;
se há um governo eleito e um parlamento funcionando; classe
política dominante; partidos políticos e sua influência no
Estado; aspectos políticos que contribuem para um ambiente
conflituoso; sistema eleitoral; a divisão político-administrativa;
situação dos governos nacional, provincial, distrital e
municipal; situação dos ministérios e departamentos de mais
alto nível; situação da administração pública (infraestrutura,
burocracia, níveis de corrupção, etc.); nível de governança;
nível de controle do governo sobre o território e a população;
situação do sistema legal; situação do sistema orçamentário;
se há um conselho nacional de defesa e quais seus integrantes;
se há um judiciário independente; estrutura judiciária (infra-
estrutura, cortes de justiça, procedimentos, acesso à justiça);
situação do sistema prisional (instalações, procedimentos,
quantidade de presos); como se dá o controle e fiscalização do
governo e do parlamento sobre as instituições de segurança
e sob que mecanismos legais; qual a relação governo/classe
política-sociedade; qual a percepção da população em relação
a classe política; capacidades e integridade desses atores em
cumprir suas missões; qual o nível de capacidade do governo
em assumir o processo de reforma (apropriação local); e outros
que possam ser considerados relevantes.
No campo econômico devem ser observados: o nível
de desenvolvimento econômico; recursos econômicos; in-
fraestrutura (transporte, educação, energia, refinarias e
produção de combustível, água potável, sistema sanitário, saúde,
instituições financeiras, comércio, alimentação e abastecimento,
etc.) e seu impacto na sociedade; capacidades econômicas;
grupos que exercem controle de recursos econômicos, como,
onde e sua relação com o setor de segurança; situação do
65
orçamento e déficit orçamentário; impacto dos gastos do setor
de segurança na economia; oportunidades econômicas, a falta
delas e seu impacto social; nível de desemprego, especialmente
entre jovens; e impacto do processo de reforma na economia
local.
No campo social, os dados que devem ser levantados são:
estrutura da sociedade, incluindo enclaves étnicos, tribais,
políticos, religiosos, criminosos e outros; as disparidades/
discriminações na sociedade (étnicas, religiosas, raciais, de
gênero, etc.) e de normas e seu impacto no setor de segurança;
questões culturais importantes para o setor de segurança;
línguas e dialetos falados pela população; presença de
refugiados e deslocados e áreas onde se encontram; organiza-
ções religiosas, político-partidárias, patrióticas, comunitárias,
governamentais internacionais, não governamentais; sindicatos
de classe; estruturas sociais (grupos, redes, instituições,
influência que exercem, normas sociais, identidade);
instrumentos existentes de controle da sociedade (formais e
informais); indicadores de desenvolvimento; a existência de
disputas por terra ou por recursos e os grupos envolvidos;
acesso da população aos serviços públicos essenciais (educação,
saúde, segurança, energia, etc.); descontentamentos; cultura/
participação política; eventos que conduziram ao conflito;
existência de força externa no país; a disponibilidade de armas
para a população em geral; as relações civis-militares; situação
dos direitos humanos, se há violações, quem pratica, se há
mecanismos para monitorar, relatar, responder às violações,
o que fazer com os perpetradores e medidas para prevenir as
violações; existência de grupos marginalizados e como inseri-
los no processo de reforma; capacidade do setor de segurança
em lidar com o tema direitos humanos e como as atividades
de reforma podem lidar com a questão; situação da saúde
(ex. cólera), de doenças (ex. HIV/Aids) e suas consequências;
questões demográficas e climáticas e seu impacto (ex.
deslocamentos internos da população); situação educacional
(taxa de analfabetismo, etc.) e seu impacto social; situação da
66
mídia e da comunicação em massa, incluindo a infraestrutura
de comunicações e a importância do setor para a sociedade.
Nos processos de reforma, o campo da segurança ganha
maior importância. O levantamento de dados e a análise devem
partir da definição dos diversos atores estatais e não estatais de
segurança.
Inicialmente, deve-se fazer um levantamento geral sobre:
o ambiente interno de segurança; as deficiências do setor;
a situação do controle de fronteiras; migrações internas ou
interestatais, forçadas ou não, como se dão e suas causas; a
situação do crime organizado (terrorismo, tráfico de drogas,
pirataria, lavagem de dinheiro, contrabando, etc.); a presença
de mercenários, quem os financia e como atuam; taxas de
criminalidade; dentre outras. O segundo passo é identificar os
atores estatais de segurança: forças armadas, polícia (militar
e civil), gendarmerias, paramilitares, guardas presidenciais,
agentes de inteligência, guarda costeira, guardas de fronteira,
autoridades alfandegárias, unidades de segurança local e
unidades de reserva e de defesa civil.
Em seguida, para cada ator levantar: qual o seu papel
histórico; qual o seu papel dentro da sociedade; efetivo;
composição; dispositivo; situação logística; moral; grau
de instrução e de adestramento; infraestrutura (quartéis,
academias, delegacias); deficiências e vulnerabilidades; grau
de eficiência em prover segurança; se opera sob controle
(subordinado ao governo) ou com autonomia; qual o nível de
utilização desses atores externamente e/ou internamente no
Estado, em que condições isso ocorre e como se dá o balanço
entre segurança interna e externa; se opera de acordo com um
marco constitucional e seguindo política, estratégia, doutrina
e normas estabelecidas; como é acionado durantes as crises/
guerras; se opera mediante alianças (com outros grupos no in-
terior do Estado); se tem ligação com outros Estados (influência
e/ou financiamento de grupos ou de Estados) e a profundidade
dessa ligação; se opera apenas com o orçamento do Estado ou
possui outras fontes; quem aprova o orçamento; como se dá a
67
aquisição de armamento e equipamento; custo de cada ator para
o orçamento nacional; se há transparência na utilização dos
recursos; se possui cadeia de comando que permite o controle
dos comandantes sobre seus subordinados; grau de disciplina;
como é o sistema de recrutamento e de desmobilização; se é
inclusivo ou exclui determinados grupos de seus efetivos; como
é o processo de avanço na carreira (promoções); como se dá
o processo decisório; qual a capacidade (competência técnica)
e integridade (qualidade da governança) de cada um para
cumprir suas missões; o grau de politização (se houver) ou se
é politicamente neutro; qual o status que detém na estrutura
do Estado; quais seus interesses e suas necessidades; e qual a
percepção da sociedade sobre cada um deles.
No final, o estudo deve permitir a identificação clara de
quem provê segurança para quem, onde e como, qual o grau de
capacidade e de integridade dos atores e como estas dimensões
se interelacionam. Deve permitir, também, a identificação
dos interesses e necessidades de cada ator e das possibilidades
positivas e negativas de cada um deles atuar/influenciar nos
programas de reforma.
O terceiro passo é identificar os atores não estatais de
segurança: forças de guerrilha, insurgentes, paramilitares,
exército de libertação nacional, grupos rebeldes, vigilantes,
senhores da guerra, forças de defesa civil, companhias
privadas, unidades de segurança pessoal, milícias, autoridades
costumeiras e/ou tradicionais.
Para cada ator levantar: efetivo; composição; dispositivo;
situação logística; moral; grau de instrução e de adestramento;
deficiências e vulnerabilidades; se opera sob controle de
alguma autoridade estatal ou com autonomia; qual o grau de
envolvimento desses atores internamente no Estado; se opera
de maneira nacional ou local; se opera mediante alianças (com
outros grupos no interior do Estado); se tem ligação com
outros Estados (influência e/ou financiamento, de grupos ou
de Estados vizinhos) e a profundidade dessa ligação; quais suas
fontes de financiamento; como se dá a aquisição de armamento
68
e equipamento; se possui cadeia de comando que permite o
controle dos comandantes sobre seus subordinados; grau de
disciplina; como se dá o processo decisório; qual o seu papel
dentro da sociedade; qual a capacidade de cumprir suas missões
a que se propõe; o grau de politização (se houver); qual o status
dentro do Estado; quais seus interesses e necessidades; e qual a
percepção da sociedade (nacional/local) sobre cada um deles.
No final, o estudo deve permitir identificar: o claro papel
do setor de segurança no conflito; como cada ator contribui
para as causas do conflito; o nível de privatização do setor de
segurança; que grupo provê segurança para quem, onde e como;
quais os interesses e necessidades de cada ator; a capacidade de
cada um deles em cumprir com seus objetivos; se a provisão
de segurança é competitiva ou conflitiva e que estratégia de
reforma permite promover coordenação e delinear esferas de
influência; a percepção de diversos setores da sociedade sobre
cada um desses atores de segurança; a possível competição entre
a reforma e os interesses particulares e demandas desses grupos
e como lidar com isso; as possibilidades positivas e negativas
de cada um deles atuar/influenciar o programa de reformas;
a necessidade de um programa de DDR; como cada um deles
pode ser afetado pelo processo da reforma; a capacidade de
cada um em auxiliar ou minar o processo; e como esses grupos
podem ser motivados a participar da reforma.
No caso do ambiente externo, deve-se partir da avaliação
da dimensão regional do conflito: qual a dinâmica regional; se
há cooperação, influência, financiamento de Estados ou grupos
vizinhos com o governo e com os diversos atores estatais e não
estatais de segurança e qual o nível dessa relação; a influência
das fronteiras no conflito (atividades ilegais, crime organizado,
tráfico, refugiados, etc.) e as medidas necessárias em relação a
essa região; nível de participação regional no conflito; interesses
desses atores regionais; capacidade dos vizinhos em auxiliar ou
minar o processo de reformas; as ameaças (quais são, de onde
vem, quem faz o quê, como, onde, quando e para quem) e como
o setor de segurança lida com elas.
69
Em seguida, identificar os possíveis parceiros (inter-
nacionais, regionais, nacionais e locais), suas capacidades, qual
o tipo de envolvimento (em desenvolvimento, segurança ou
governança), qual o foco de cada um deles (global, regional,
sub-regional, local), os instrumentos que cada um utiliza
(atividades de campo, estabelecimento de normas, assistência
técnica, construção de capacidades), seus interesses e o grau de
influência no processo.
Os dados devem permitir o estudo dos diversos atores de
modo a poder identificar os potenciais interessados, determinar
seus interesses em relação a um programa de reforma da
segurança e da justiça, a capacidade e influência de cada um
deles, e se essa influência é positiva ou negativa para o processo,
programa ou projeto.
Há várias ferramentas que foram desenvolvidas e têm sido
utilizadas para o levantamento da situação (avaliações), como
o ISSAT Operational Guidance Notes (DCAF, ISSAT, 2014),
o Swedish SSR Assessment Framework (SWEDISH, 2008), o
UNDP Capacity Assessment (UNDP, 2007), o DCAF Gender and
SSR Toolkit (BASTICK; VALASEK, 2008) e o UNODC Criminal
Justice Assessment Toolkit (UNODC, 2006).
Na fase da estruturação do problema e levantamento de
alternativas para sua solução são considerados os aspectos
que possam afetar o desenvolvimento das ações, levantadas
todas as alternativas possíveis para atingir o objetivo proposto
e elaborada uma linha de ação possível de ser executada para
cada alternativa levantada, que deve responder as perguntas
o quê, quando, onde e como. Como nessa fase são estudados
os aspectos que afetam as possíveis linhas de ação que vão
sendo levantadas e as possíveis atitudes dos atores envolvidos,
o trabalho permite selecionar dados para a confecção do plano
de riscos que será realizada em etapas seguintes. A elaboração
das linhas de ações leva em consideração uma série de variáveis
que normalmente vão sendo levantadas e as atividades que
devem ser realizadas pelos diversos elementos envolvidos na
reforma de acordo com as possibilidades de cada um deles.
70
O levantamento de alternativas deve levar em consideração,
também, a adequação dos objetivos propostos aos desejos
dos envolvidos no processo (o desejo nacional e a expectativa
internacional) e o nível de aceitabilidade das atividades. Como
a reforma deve estabelecer links com outros importantes fatores
de estabilização e reconstrução como DDR, justiça de transição,
controle de armas, direitos humanos, igualdade de gênero,
crianças, etc., esses aspectos devem ser levados em consideração
na elaboração das linhas de ação. Também se deve observar os
mecanismos/padrões que devem ser seguidos como no campo
da proteção dos direitos humanos.
Na fase de análise das soluções possíveis, as alternativas
construídas no tópico anterior devem ser confrontadas com
as possibilidades de reação dos diversos atores (positivas ou
negativas) em relação a fatores que a impactam, procurando
visualizar a execução e os resultados prováveis. Durante
esse jogo, opção versus impactos (riscos) versus reação dos
atores, pode-se introduzir aperfeiçoamentos na linha de ação,
completar e/ou alterar os itens (o quê, quando, onde, como),
levantar vantagens e desvantagens (os pontos fortes e fracos)
de cada uma delas. O trabalho nessa fase também permite o
levantamento de dados para a sincronização das atividades,
especialmente com os chamados temas transversais, e sobre
os riscos a sua execução e que serão utilizados em etapas
posteriores. Da análise sobre a situação de cada ator relevante
devem-se utilizar os dados que indiquem a ação mais provável
que pode ser colocada em prática por cada um deles. No final
dessa fase, a equipe seleciona as linhas de ação possíveis de
serem executadas e que apresentam mais vantagens em relação
aos riscos.
Em seguida, selecionadas as linhas de ação possíveis
de serem implementadas (as que apresentam menos
riscos), a equipe realiza a comparação entre essas linhas,
julgando a importância de cada uma delas em termos de
vantagens e desvantagens, quantitativas e qualitativas, e de
fatores preponderantes, o que permite identificar aquela que
71
proporciona maior possibilidade de sucesso. Essa comparação
permite, também, levantar dados para a sincronização das
ações (tanto em relação ao tempo das atividades previstas para
um determinado projeto quanto aos pontos de integração com
outros projetos). No final dessa fase, as linhas de ação que se
mostrarem inviáveis são descartadas.
A melhor linha de ação é, normalmente, aquela que tem as
mais vantagens e menos desvantagens. Algumas das vantagens
e desvantagens observadas podem ser tão insignificantes que
são ignoradas. Então, deve-se determinar a importância de cada
uma delas para o cumprimento do objetivo do projeto antes de
aplicá-las em cada linha de ação.
Nesse trabalho, pode-se levantar todas as vantagens e
desvantagens e depois compará-las como também determinar
preponderância de um ou mais fatores sobre os outros
(selecionar os fatores mais importantes) e aplicá-los a cada linha
de ação. Ao final desse procedimento, os responsáveis ficam em
condições de decidir qual a melhor linha de ação a ser adotada,
usando também sua habilidade, experiência e capacidade de
julgamento e de lidar com as tensões que surgem no processo
decisório entre objetividade e subjetividade.
Finalmente, chega-se à fase da decisão, ou seja, da seleção da
melhor solução (ou melhores soluções). A alternativa escolhida
no tópico anterior define claramente os objetivos, metas, alvos,
quem engajar e como (as atividades a serem realizadas para
realmente afetar a situação de maneira particular). Assim, a
alternativa é transcrita, indicando o quê, quando, onde, como,
para quê e quem será responsável por fazer. É a definição do
escopo e dos requisitos do projeto.
A operacionalização da decisão envolve a execução de
atividades de acordo com as prioridades estabelecidas, os
princípios orientadores, metas e objetivos relacionados. A im-
plementação é realizada de acordo com prazos determinados,
tem consequências financeiras e sociais e, por isso, deve ter
sua eficácia avaliada de forma sistemática e com base numa
metodologia.
72
Assim, são definidas: as prioridades; as atividades a serem
executadas; a sequência delas, confeccionando um cronograma;
as comunicações necessárias; os custos do projeto (orçamento);
as aquisições necessárias; as necessidades de recursos humanos
(funções, responsabilidades, habilidades, etc.); as medidas de
controle e coordenação da execução (monitoramento); e os
indicadores de qualidade que devem ser atingidos (a serem
observados durante a avaliação). Com esses dados, o passo
seguinte é a confecção dos planos. Como a situação não é
estática, mas dinâmica, o planejamento deve ser continuado.
Tomada a decisão, a equipe responsável inicia a confecção
dos planos. Um plano de gestão disciplina o planejamento, a
organização e os recursos para atingir um objetivo. Na confecção
do Plano de Gerenciamento do Projeto é definido seu escopo
(missão), o escopo do produto (execução/implementação)
e apresentados os aspectos que prioritariamente devem ser
considerados para o planejamento (diretriz de planejamento).
São definidas e sequenciadas as atividades, estimando a duração
e os custos de cada uma delas e desenvolvido o cronograma do
projeto.
A missão (escopo) apresenta o enunciado claro do que deve
ser realizado, contém os aspectos principais que nortearão as
ações dos envolvidos, incluindo o contexto e as ações a serem
realizadas, além de outros dados necessários à sua compreensão.
A execução/implementação é uma exposição do plano tá-
tico (as ações no terreno) e deve ser expressa com detalhes
suficientes para assegurar uma completa compreensão e ações
apropriadas pelos responsáveis. Apresenta uma descrição geral
das atividades dos envolvidos nas ações práticas no terreno e
pode ser dividida em fases, itens e subitens descrevendo cada
atividade, devendo, sempre que possível, enumerar os critérios
(indicadores mensuráveis) e os níveis de performance que devem
ser atingidos (a serem utilizados nas fases de monitoramento
e avaliação). A diretriz de planejamento expedirá a intenção
inicial, orientando os trabalhos da equipe do projeto nas fases

73
seguintes e os planejamentos dos demais envolvidos para a
execução no terreno.
São preparados, então, os diversos planos. Para isso
é estabelecida a estrutura analítica do projeto (EAP)13,
desenvolvido o cronograma, preparado o orçamento e as
aquisições, planejada a qualidade do projeto e desenvolvido o
plano de recursos humanos. O Plano de Comunicações deve
permitir o estabelecimento da comunicação entre as diversas
partes envolvidas, atentando para o detalhe que ela normalmente
conecta vários ambientes culturais e organizacionais, diferentes
níveis de conhecimento e diversas perspectivas e interesses.
O planejamento de custos e de recursos humanos deve
apresentar as necessidades para execução das diversas tarefas
e a disponibilidade de recursos para realizá-las, tanto nacionais
(para permitir uma reforma que seja sustentável no tempo
e no espaço) quanto dos internacionais, e como devem ser
aplicados. Ainda, como se dará a coordenação e o controle
desses recursos e se o governo tem capacidade de gerenciá-
los com responsabilidade e transparência. O Plano de Custos
e Aquisições deve incluir mecanismos para garantir que os
gastos com segurança estão de acordo com os padrões de gastos
públicos, que sejam suportáveis pelo orçamento do Estado e se
dêem de maneira transparente e de acordo com as prioridades
estabelecidas.
Para o Plano de Gerenciamento de Riscos são identificados
os riscos (a maior parte deles já levantados no estudo da
situação), é realizada a análise desses riscos de forma qualitativa
(identificados nos objetivos do projeto) e quantitativa, e
planejadas as respostas a eles (gerenciamento dos riscos). Na
análise é feita uma priorização dos riscos que podem ter impacto
potencial e substancial nas demandas concorrentes do projeto.
No planejamento do gerenciamento dos riscos são desenvolvidas
e selecionadas ações e opções, oportunas e adequadas, para
responder a cada risco, incluindo a identificação e designação
13. A EAP apresenta as ações específicas, ou seja, as atividades a serem
realizadas.
74
dos responsáveis por implementar cada uma delas. Deve-se
observar, também, o impacto da reforma sobre as relações no
interior do Estado (se vai causar tensões, que tipo, como essas
tensões podem impactar o processo e como diminuí-las).
No caso de projetos que necessitam ser integrados, os
responsáveis podem trabalhar na matriz de sincronização,
que teve sua confecção iniciada no estudo da situação,
apresentando as atividades de cada projeto que dependem de
outras atividades e sua sincronização em termos de prazos para
conclusão. A matriz é empregada no arranjo das atividades de
todos os sistemas operacionais no tempo e no espaço, com a
finalidade de obter o máximo de eficácia em cada uma delas.
Será importante, também, para a visualização dos links com
outros projetos da reforma, especialmente os transversais, e no
auxílio ao monitoramento das atividades implementadas.
Os planos devem permitir a execução/implementação dos
programas e projetos de acordo com as prioridades, princípios,
metas e objetivos estabelecidos. A implementação deve ocorrer
em diferentes níveis em relação ao Estado, aos serviços não
estatais e à sociedade em geral, levando em consideração a
multiplicidade de interessados, o que permite direcionar os
recursos às diversas instituições receptoras em múltiplos pontos
em que os serviços de segurança ocorrem no dia a dia.
A presença de inúmeros atores locais e externos e o
sentido multidisciplinar e em diferentes níveis da reforma,
exige a coordenação entre os envolvidos, ou seja, as iniciativas
necessárias para que trabalhem em conjunto e de forma
organizada. A coordenação e integração entre as diversas partes
envolvidas tem um papel fundamental para a maior eficácia dos
programas/projetos, ajuda no seu melhor conhecimento e uso
dos recursos e integra as chamadas “questões transversais” como
gênero e direitos humanos, dentre outras, em todo o processo.
As equipes responsáveis pela coordenação do processo,
programas e/ou projetos devem ser dotadas de poder para
decidir, ser ligadas à autoridade central do processo (governo
nacional ou organização) e com capacidade para reunir e
75
compartilhar informações entre os diversos componentes da
reforma (indivíduos, órgãos, organizações ou instituições).
A coordenação é normalmente ligada às abordagens sis-
têmicas e interministeriais (ou também chamada global de
governo). A primeira diz respeito à interação entre as diversas
organizações internacionais com diferentes culturas, estruturas
e procedimentos institucionais e a segunda à interação entre
os diversos elementos da estrutura estatal como ministérios e
departamentos.
Os obstáculos à coordenação podem incluir: a natureza
política e interministerial da segurança, podendo haver
concorrência entre os ministérios e departamentos; as
diferenças na abordagem, culturas institucionais, opiniões e
procedimentos administrativos entre as diferentes instituições
governamentais; a multiplicidade de atores com agendas,
mandatos e recursos financeiros conflitantes; capacidade li-
mitada para coordenar as atividades no campo; vantagens
da ausência de coordenação para alguns atores; apropriação
nacional limitada no processo; diferenças culturais; tensão
entre os braços político e operacional dos doadores; falta de
estratégia coerente dos doadores; prioridades dos doadores
se sobrepondo as prioridades nacionais; multiplicidade de
mecanismos de coordenação, aumentando a burocracia, dentre
outros.
Durante a execução deve haver o monitoramento em razão
do dinamismo da situação, normalmente presente. Deve-se
verificar se as atividades estão sendo realizadas de maneira
correta, os objetivos serão possíveis de serem atingidos no
tempo previsto, se os receptores estão recebendo bem os
programas e projetos e se os mesmos se esforçam em cumpri-
los, que problemas surgiram e como fazer frente a eles, o que
precisa ser alterado e como.
O monitoramento vai indicar a necessidade, ou não, de uma
revisão do processo, ou seja, se deve haver uma intervenção para
correção de rumos, uma mudança radical de algum projeto que

76
não esteja sendo implementado corretamente ou a manutenção
das atividades de acordo com o planejado.
Os programas e projetos devem ser avaliados para que
haja a retroalimentação do processo. A avaliação indica
“medição”, ou seja, a utilização de critérios mensuráveis,
mas também de critérios subjetivos. Mas, medir “sucesso”
ou “fracasso” é problemático. Pode haver tecnicamente uma
reforma “bem-sucedida” das instituições a curto prazo, mas
para definir o “sucesso” num quadro amplo de democratização
e desenvolvimento é necessário um tempo maior de avaliação.
Sob o ponto de vista holístico, a “medição” só seria possível
com um tempo considerável e numa visão mais abrangente.
Qualquer avaliação em curto prazo e setorizada só seria viável
para reformas particulares, específicas. Por exemplo, pode-se
avaliar a evolução de um exército em termos de treinamento,
equipamentos e armamentos, analisando a construção de
centros, a criação de cursos, a compra de material, mas isso
não quer dizer que a reforma do setor de segurança como um
todo foi um sucesso. Dependendo de onde se dá, esses fatores
podem se constituir em um novo foco de insegurança. Polícia
com delegacias, viaturas, equipamentos e armamento novos,
por si só, não indicam que a mesma esteja cumprindo seu papel
de garantidora da segurança da população. E assim por diante.
Mas deve haver avaliação com o uso de mecanismos
para medir a eficácia que inclui metas e objetivos claramente
identificados e indicadores de desempenho.
Germann (2002) sugeriu três métodos de avaliação do
desempenho: a abordagem do quadro genérico baseado em um
“tipo ideal” contra o qual o desempenho pode ser medido (por
comparação de normas e padrões alcançados – ex. controle
democrático das forças armadas pode incluir fatores como
transparência no orçamento de defesa, supervisão parlamen-
tar eficaz da política de defesa e envolvimento da sociedade
civil em defesa); a abordagem coletiva/regional medindo o
desempenho contra agendas institucionais internacionais com
metas e indicadores específicos que devem ser alcançados,
77
por exemplo, utilizando critérios adotados pelo Euro-Atlantic
Partnership Council (EAPC) (NATO, 2014) e pelo OSCE Code
of Conduct (OSCE, 1994); e a abordagem processo/facilitação
que se concentra em critérios empíricos específicos em vez
de normativos, que atuam como elementos facilitadores
para a reforma (por exemplo, medindo “transparência” ou
“fiscalização” ao invés de “democracia”).
Para Edmunds (2002), a abordagem baseada no tipo ideal
pode funcionar bem para considerar a evolução geral da refor-
ma, mas apresenta problemas para fornecer avaliações de
elementos específicos do processo de reforma, pois a maior parte
dos critérios não são absolutos ficando abertos à interpretação
subjetiva. Além disso, por vezes esse tipo ideal vem de sistemas
diferentes e sua imposição em países com diferentes tradições,
circunstâncias políticas, estruturas, etc. pode ser problemático
e contraproducente. O segundo método fornece critérios
específicos para o processo mas pode estimular o trabalho de
cumprir os critérios em vez de perseguir uma reforma holística.
O terceiro método fornece um mecanismo útil para medir o
progresso em algumas áreas, mas pode resultar na perda do
foco do processo mais amplo da reforma.
De qualquer forma, a análise de cada caso é que determinará
qual desses métodos, ou qual a combinação de seus elementos,
se adapta melhor a determinada situação.

Conclusões

A reforma do setor de segurança surgiu de uma mudança


na maneira de pensar segurança a partir do momento em que
se alterou o antigo entendimento da agenda centrada no Estado
para uma nova visão de que a sociedade havia se tornado objeto
relevante nesse campo. Essa mudança indicou a necessidade de
se pensar em reformas para adequar os Estados e todos seus
agentes de segurança para essa nova concepção. Logicamente o
Estado, como o legítimo detentor do uso coercitivo da força e

78
o principal responsável pela manutenção da segurança de seus
cidadãos, ainda permanece como o elemento central na agenda.
A partir da década de 1990, a reforma do setor de segurança
passou a ser implementada em diversos Estados, especialmente
em contextos de transição pós-autoritarismo (democracias
recém estabelecidas), em Estados ainda não abertos à
democracia, num contexto de conflito (pós-conflito) armado
e nos chamados Estados “fracos” ou “falidos”. Organizações
internacionais e não governamentais, Estados, instituições,
empresas privadas, de cunho local, regional ou global, se
envolveram nos mais diversos processos e em diferentes
contextos. A reforma do setor de segurança se dá, então, em
contextos específicos e com o objetivo maior de prevenir a
ocorrência ou recorrência de conflitos.
Estudos acadêmicos passaram a ser realizados sobre o
tema, além do aprendizado dos que se envolveram nessas
atividades de maneira prática, os quais deram forma ao atual
entendimento sobre a reforma do setor de segurança.
A atual concepção de reforma parte da precondição do
Estado com um governo civil eleito democraticamente que
controla o setor de segurança. Logicamente, esses elementos-
chave são carregados de valores ocidentais e da democracia
liberal. Mas é com base nesses valores que os principais
“doadores” internacionais têm implementado processos de
reforma.
O objetivo da reforma do setor de segurança é ajudar a
garantir que as pessoas fiquem mais seguras por meio da ação
eficaz e responsável das instituições de segurança que operam
sob o controle civil dentro de um quadro de Estado de direito
e de observância dos direitos humanos. O objetivo maior é
melhorar: a performance de provedores de segurança, dando-
lhes capacidade para cumprirem suas missões; o gerenciamento
das finanças e o Estado em geral pelos governos; e a capacidade
dos corpos independentes monitorarem e fiscalizarem os
provedores de segurança de acordo com normas democráticas.
Os principais elementos da reforma são: eficiência e eficácia (o
79
que engloba treinamento, equipamento, infraestrutura, etc.);
princípios e procedimentos para a operação das instituições do
setor de segurança, particularmente transparência e inclusão
(de grupos, comunidades e organizações da sociedade civil);
e responsabilidade em relação às comunidades. Com isso,
estabelece-se a confiança entre os cidadãos e as instituições do
Estado favorecendo a boa governança.
Os receptores da reforma são os elementos do setor
de segurança dos Estados. A maior parte das organizações
envolvidas em processos de reforma incluem hoje no setor
as instituições de segurança como forças armadas, polícia,
gendarmerias, serviços de inteligência, guardas costeiras e de
fronteira, etc., os órgãos de administração e fiscalização da
segurança, as instituições de justiça e de aplicação da lei e as
forças de segurança não estatais como exércitos de libertação e
de guerrilha, milícias, forças de segurança locais, etc.
Como são os Estados e as sociedades que definem e
gerenciam sua segurança de acordo com contextos particulares,
história, cultura e necessidades, apesar dela ser centrada em
valores-chaves, não existe um modelo único para a reforma
do setor de segurança. Tanto o ponto de partida como a
trajetória do processo diferem substancialmente de um país
para outro por conta das condições históricas específicas, nível
de desenvolvimento econômico, natureza do sistema político e
do ambiente de segurança. Então, princípios, diretrizes, valores,
etc. devem ser adaptados para cada país e contexto específico.
A viabilidade da reforma depende do ambiente político
e precisa ser ligada a reformas mais amplas no Estado que
criam as bases para os processos de transformação. Inclui os
diálogos nacionais, os esforços de reconciliação e iniciativas
de justiça transitória, dentre outros. Assim, em qualquer
situação, a reforma implica em mudanças profundas no Estado
e na sociedade. Logo, tem uma dimensão política e social
uma vez que altera as dinâmicas existentes, podendo ser,
consequentemente, controversa e contar com reação negativa
de determinados grupos. Nesse mesmo sentido, a reforma não
80
é um mero processo técnico ou de adaptação das estruturas
existentes, mas de alterações mais profundas nos sistemas do
Estado.
Atualmente há o consenso que a reforma tem que ser tratada
como um processo que se mostrou dinâmico no qual os Estados
têm que ser capazes de adaptar seus setores de segurança para
cumprir efetivamente suas demandas.
É multidisciplinar, engloba ou deve ser ligada a, num
sentido mais amplo, uma série de questões além daquelas
direcionadas especificamente para as forças de segurança
como eleições, reassentamento de desalojados internos e
refugiados, respeito e a proteção dos direitos humanos, grupos
de risco, o desarmamento, desmobilização e reintegração de ex-
combatentes, o controle de armas, gênero, gestão das finanças
públicas no setor, etc. A natureza transversal dos programas
exige a reunião de peritos com habilidades diferentes de várias
instituições e departamentos, bem como a aplicação de novos
tipos de experiência gerencial.
Sempre que possível, a reforma deve ser conduzida
pelas autoridades nacionais, ter um sentido de envolver todo
o governo (interministerial) com compartimentação das
responsabilidades. Os processos devem ser integrados nos
diferentes niveis do governo e pelas diferentes instituições
envolvidas e, se necessário, chegar até comunidades e
indivíduos. No processo, os parceiros (doadores), nacionais e
internacionais, desempenham o papel de apoiar e colaborar
com os envolvidos. Os principais atores externos que nas
últimas décadas têm desempenhado papel central na concepção
e realização de programas abordam a reforma de diferentes
maneiras, em desenvolvimento (Banco Mundial), na segurança
propriamente dita (Otan) ou pela perspectiva da governança
democrática (Conselho da Europa). Eles podem ter um foco
global (ONU, PNUD, Banco Mundial), regional (UA) ou sub-
regional (ECOWAS). Suas atividades podem se concentrar no
terreno, no campo da construção de capacidades, na prestação
de assistência técnica ou apenas fornecendo recursos (doações).
81
A multiplicidade de atores, na maior parte das vezes com
diferenças culturais, organizacionais, estruturais, de orçamentos
e de recursos humanos, e pouco acostumados a trabalhar
juntos, impõe a elaboração de mecanismos para coordenação
entre os envolvidos, em diversos níveis. Impõe, também, o
estabelecimento de links com as estruturas e quadros existentes
nas diversas organizações que participam do processo de modo
a permitir a integração entre os atores. A multiplicidade de
atores também leva a necessidade de se estabelecer mecanismos
de comunicação eficazes.
Atualmente há o consenso que a reforma deve ser abordada
de maneira holística por: reconhecer outras estruturas de
segurança além das tradicionais e seu papel num campo mais
amplo e complexo de reformas do Estado; permitir capturar a
extensão das demandas de segurança; criar melhores condições
para a implementação de ações de acordo com uma política
de segurança coerente e consistente; e combinar segurança,
governança e democracia, dentre outros aspectos. O sentido
holístico indica que deve haver a integração de reformas
parciais (defesa, polícia, inteligência, justiça, etc.), que deixam
de ser tratadas separadamente, bem como a integração com
outras questões a elas relacionadas como governança, direitos
humanos, responsabilidade, transparência, etc.
Vários acontecimentos, como no Timor-Leste, em 2006,
demonstraram que a reforma deve ser abordada de forma
sistemática. A prática ensinou, também, que qualquer atividade
deve definir claramente o papel dos envolvidos, que os modelos
criados não podem ser artificiais, ignorando as realidades no
terreno e as necessidades reais dos países beneficiários, e que
o processo deve ser realista, desenhado de acordo com as
possibilidades e recursos, e sustentável no tempo e no espaço.
A estratégia a ser adotada deve partir do conceito, se será
abrangente cobrindo todos os domínios políticos relevantes,
ou se haverá uma série de atividades específicas. Decidida pela
abordagem abrangente, a análise do setor em um determinado
ambiente deve permitir a definição das prioridades e o
82
planejamento de uma faixa mais estreita de atividades que
serão necessárias. Nesse sentido, a estrategia deve balancear os
programas centrados no Estado com os de abordagem não estatal,
devendo serem coordenados. Os parceiros internacionais e o
Estado receptor devem trabalhar para aumentar a habilidade de
lidar com as necessidades em segurança de maneira consistente.
Por vezes, isso implica em adotar iniciativas setoriais que
tenham um impacto transformador, incluidas no processo mais
amplo que aborda a governança e toda a estrutura do setor.
No planejamento, a fase da avaliação (estudo da situação)
ganha importância fundamental pois uma análise errada da
situação do Estado e dos atores a engajar, suas possibilidades,
interesses e vulnerabilidades, pode resultar no desenho de
programas e projetos fadados ao fracasso. Como processo, qual-
quer reforma, em qualquer país e em qualquer situação, deve
ser realizada dentro de um círculo que inclui o planejamento,
a execução, o monitoramento, a revisão e a avaliação que
reatroalimentará o processo.
Finalmente, é interessante lembrar que, num primeiro
momento, a reforma do setor de segurança leva a pensar em
conflitos armados, Estados fracos e transição pós-regimes
autorirários. Leva a pensar, ainda, nos Estados e organizações
que têm um histórico de envolvimento com o tema. No entanto,
a ampliação do conceito de segurança, as modificações na
maneira como a ONU conduz as operações de paz, o maior
envolvimento de organizações e de Estados em processos de
reforma, faz com que outros países se envolvam, direta ou
indiretamente com o tema, como membro de organizações
internacionais, mas também reorganizando seu próprio setor
de segurança para atender às demandas que surgem com o
conceito ampliado de segurança. Nesse sentido, os países
que compõem forças de paz da ONU devem reorganizar
seus sistemas militares para cumprir as novas demandas das
operações, por exemplo, se preparar para realizar atividades de
reforma durante essas missões.

83
Ou seja, reforma do setor de segurança tem sido trabalhada
com mais intensidade, tem envolvido uma quantidade maior
de Estados, organizações e instituições e é tema relevante na
agenda de segurança internacional na atualidade, o que reforça
a necessidade de se estudar e entender o tema e de aprender com
erros e acertos ocorridos nas diversas experiências já realizadas.

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91
Uma Crítica à Reforma do Setor de Segurança1

Stephanie Blair

Introdução

O texto se inicia com uma breve análise dos princípios que


foram estabelecidos para a reforma do setor de segurança (RSS).
Em seguida, discorre sobre o papel tradicional da Organização
das Nações Unidas (ONU) tanto na implementação como
em relação às contribuições mais amplas de suas práticas
nos processos de reforma. No final, a conclusão apresenta
uma crítica a cada um dos princípios da reforma do setor de
segurança.

Os princípios da reforma do setor de segurança

Como os princípios da reforma do setor de segurança da


Comissão de Assistência ao Desenvovimento – Development
Assistance Commitee (DAC) da Organização para a Cooperação
e Desenvolvimento Econômico (OCDE) se tornaram influentes,
é válido discorrer sobre eles. Esses princípios incluem a
necessidade da reforma ser centrada nas pessoas, apropriada
localmente, e ser baseada em normas democráticas, em
princípios de direitos humanos e no Estado de Direito (OECD,
2007). A RSS deve ser vista como um quadro para a estruturação
do pensamento a respeito de como se deve lidar com os diversos
desafios de segurança, que devem ser abordados por meio de
uma política de segurança e de desenvolvimento mais integrada
e com maior envolvimento civil e fiscalização.
1. Tradução do original em inglês realizada por Isadora Rusche e Sérgio Luiz
Cruz Aguilar.
92
A DAC também afirma que a RSS deveria ser fundamen-
tada em atividades com estratégias multissetoriais, baseadas
em uma ampla análise da aplicabilidade das necessidades de
segurança e de justiça. A RSS deveria ser desenvolvida por meio
da aderência aos princípios da transparência e da prestação de
contas pelos responsáveis pelo setor de segurança. Finalmente,
a RSS deveria ser implementada através de processos claros,
que visassem a aumentar a capacidade institucional e humana
necessária para que uma política de segurança possa funcionar
de maneira eficaz. Os princípios da reforma do setor de
segurança têm sido aplicados desde 2004 e, desde então, têm
provocado um impacto significativo.
Desde 1998, o principal desafio para a RSS tem sido a
implementação de ideias derivadas do Norte nos demais
ambientes, uma dificuldade encontrada há décadas pela
comunidade de desenvolvimento.

O papel da ONU na reforma do setor de segurança

As Nações Unidas têm tido historicamente um papel forte


no campo da reforma do setor de segurança, explicitamente
reconhecido ou não. A ONU tem se envolvido em ações de
desmobilização, desarmamento e reintegração (DDR) em
reformas do setor de justiça e em tentativas de criar uma
abordagem mais coerente para a RSS. A DDR é uma área da
reforma do setor de segurança onde a ONU desempenhou
um papel pioneiro e central. As atividades de DDR ganharam
muito destaque, especialmente no campo do desenvolvimento
internacional, por meio de seu uso em missões de manutenção
da paz no início do pós Guerra Fria em países como a Namíbia
(DZINESA, 2006), Camboja e Moçambique (MUGGAH, 2005).
Desde o seu início, os programas de DDR em países como
Serra Leoa, Afeganistão, Libéria e Iraque (com menos sucesso)
(MOWLE, 2009) vieram a constituir um elemento importante
nos esforços atuais da reforma do setor de segurança.

93
No entanto, historicamente tem sido muito mais fácil
desarmar e desmobilizar combatentes que reintegrá-los
efetivamente à sociedade e isso tem levado a problemas
persistentes (DZINESA, 2006). O processo de DDR mantém
uma importância significativa na preparação do caminho para
a formação de novos exércitos, como ocorreu na Namíbia,
Serra Leoa, África do Sul e outros lugares. Ao mesmo tempo,
o Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (PNUD)
tornou-se amplamente envolvido em reformas do setor da
justiça.
Provavelmente as primeiras recomendações de reforma do
setor de segurança identificadas na Organização das Nações
Unidas foram para o Mali, em 1994 e 1995. Funcionários da
ONU sugeriram um programa de “segurança em primeiro
lugar” que incluía a construção de forças policiais e outras
instituições, com o objetivo de impedir os fluxos de armas de
pequeno porte (CHANAA, 2002, p. 28-30).
Os esforços de reforma do setor de segurança na ONU
se beneficiaram inicialmente de uma medida para aumentar
a coordenação da Organização no terreno, por conta do
conceito de “missão integrada”. A partir daí, duas grandes
iniciativas políticas foram introduzidas para instaurar uma
maior coerência nos esforços de reforma do setor de segurança
empreendidos pela ONU. A primeira foi a criação do Escritório
de Estado de Direito e Instituições de Segurança – Office of
Rule of Law and Security Institutions (OROLSI). A segunda foi
o desenvolvimento da política da ONU para a reforma do setor
de segurança.
A RSS, como um todo, tornou-se parte do desenvolvimento
explícito das missões integradas da ONU. Desde o início da
década de 1990, as missões de paz da ONU tornaram-se cada
vez mais multidimensionais com tarefas que incluem

reformas na polícia e na defesa, reestruturação, treinamento


e apoio; assistência na restauração e reforma dos sistemas
judicial e prisional; apoio para a restauração da autoridade e

94
das capacidades administrativas do Estado em níveis central
e local; boa governança; apoio à sociedade civil; e assistência
aos processos constitucionais (HÄNGGI; SCHERRER, 2008,
p. 3).

Todas estas funções são realizadas sob o comando do


chefe da missão, o Representante Especial do Secretário-Geral
(RESG). As agências de desenvolvimento da ONU que lidam
com os refugiados, direitos das crianças, ajuda alimentar,
preocupações com as mulheres, e assim por diante, têm realizado
atividades em paralelo com as forças de paz da ONU em vários
países, que muitas vezes são mal coordenadas. Algumas delas
acabam sendo incluídas no domínio da reforma do setor de
segurança. Como um passo inicial, a sede da ONU em Nova
Iorque colocou as variadas agências de desenvolvimento da
Organização em cada país sob a autoridade de um Coordenador
Residente, quase que invariavelmente o chefe do PNUD. O
próximo passo em países que contavam com uma missão de
paz e uma presença de desenvolvimento, foi unificar a estrutura
de comando, o que ocorreu com a designação do Coordenador
Residente como Adjunto do RESG, com responsabilidade sobre
os aspectos humanitários e de desenvolvimento da missão da
ONU (HÄNGGI; SCHERRER, 2008).
Esta maior coordenação das funções dentro da ONU
lançou as bases para uma atividade de campo mais eficaz, mas
a reforma do setor de segurança como conceito permaneceu
sob contestação no âmbito do sistema das Nações Unidas. Além
disso, a ONU não tinha a capacidade de reforma do setor de
segurança nem qualquer abordagem comum. Rees expressou
essa preocupação em 2006, dizendo que

as ferramentas distintas e independentes das forças de paz e


dos agentes do desenvolvimento têm se mostrado geralmente
insuficientes para a tarefa de RSS (REES, 2006, p. 23).

A sede da ONU tentou fornecer maiores orientações com


a criação do novo Escritório de Estado de Direito e Instituições

95
de Segurança, em 2007, que passou a orientar de forma mais
integrada o grande número de iniciativas de policiamento e de
justiça que as Nações Unidas colocaram em andamento.
A segunda iniciativa foi a produção de um relatório do
Secretário-Geral sobre a reforma do setor de segurança,
incorporando a política de reforma na ONU. Em fevereiro
de 2007, uma declaração do Conselho de Segurança solicitou
um relatório sobre a abordagem da ONU para a RSS, sendo o
relatório entregue em janeiro de 2008. Observando o extenso
trabalho já em curso pelos Estados-membros sobre a RSS
e a grande variedade de atividades de reforma em curso no
âmbito da ONU, o relatório defendeu uma série de medidas
que incluíram o desenvolvimento de políticas e diretrizes da
Organização sobre RSS, melhorando a capacidade nesse âmbito,
tanto em Nova York quanto das missões de campo, construindo
relações de parceria para proporcionar um apoio eficaz,
expertise e recursos adequados para os processos nacionais de
reforma do setor de segurança, bem como o estabelecimento
de uma unidade na ONU para cumprir essas prioridades (UN,
2008). Como resultado, foi criada uma unidade de reforma do
setor de segurança dentro do OROLSI e inicada uma série de
iniciativas de coordenação.
No entanto, Hänggi e Scherrer apresentaram um
argumento forte para melhorar ainda mais a capacidade da
ONU no campo da RSS, com uma abordagem holística do
assunto, refletindo os princípios de reforma, a fim de permitir
uma aplicação mais coesa de esforços no terreno, de forma a
implementar processos de reforma do começo ao fim do ciclo
de conflito (HÄNGGI; SCHERRER, 2008). Mas os autores não
se mostraram otimistas. As preocupações de curto prazo em
relação às estratégias de saída das missões e as necessidades de
reconstrução e desenvolvimento a longo prazo implicam em
diferentes tarefas por parte da reforma do setor de segurança,
o que tem criado uma tensão permanente que pode prejudicar
gravemente o desenvolvimento de um programa comum de
RSS das Nações Unidas. Os autores dizem que
96
a superação desse viés e o estabelecimento de uma visão
comum para a RSS pós-conflito que englobe plenamente a
dimensão de governança pode se revelar difícil (HÄNGGI;
SCHERRER, 2008, p. 24).

Rees acrescenta ser necessária uma mistura de


ferramentas de manutenção de paz e de desenvolvimento
para melhor implementar as reformas conduzidas pela ONU.
Salienta, também, a necessidade de desenvolver habilidades
como a criação de instituições de administração pública,
processos participativos de tomada de decisões e de gestão e
desenvolvimento legislativo e de políticas, não encontradas
frequentemente na comunidade das operações de paz (REES,
2006).

Contribuições mais amplas para a reforma do setor


de segurança

O aumento da aceitação da abordagem de reforma do setor


de segurança entre os militares do mundo desenvolvido tem
sido assinalado pela adoção do conceito pelo Exército dos EUA
e em uma nota conjunta de doutrina britânica. No outono de
2008, o Exército dos EUA lançou um manual de campanha
atualizado sobre as operações de estabilização, incorporando
um capítulo inteiro sobre a RSS, que refletiu a abordagem da
DAC em relação ao assunto (BALL, 2009).
O Reino Unido já tinha incorporado formulações do
Departamento para o Desenvolvimento Internacional –
Department for International Development (DFID) do governo
britânico sobre RSS em uma Nota Conjunta Doutrinária sobre
a Contribuição Militar para a Reforma do Setor de Segurança,
publicada em 2007. Com relação à remodelação dos exércitos
especificamente, o Reino Unido divulgou uma nota em 2007
sobre o Desenvolvimento de Exércitos Nativos, e os EUA um
manual sobre a assistência para forças de segurança em meados
de 2009, abrangendo essencialmente o mesmo assunto.

97
Desde a sua criação, os pensadores da reforma têm se
preocupado com o abismo entre a política de RSS e a sua
prática, referida por Chanaa (apud SEDRA, 2009, p. 1) como
o “abismo conceitual-contextual”. Analistas, incluindo Alice
Hills (apud CHANAA, 2002), têm se perguntado se a RSS é
falha porque se baseia em uma compreensão limitada do setor
de segurança em muitas partes do mundo. Uma boa análise
empírica a respeito de como os setores de segurança realmente
funcionam no mundo em desenvolvimento tem sido muitas
vezes substituída pela ênfase em normas democratizantes
(BALL; HENDRICKSON, 2005), embora existam algumas
exceções mais antigas como os estudos de Luckham, Cox e
Baynham sobre a África (LUCKHAM, 1994), e outros que têm
sido realizados na Ásia e na América Latina.
Várias preocupações também têm sido expressas repe-
tidamente sobre a impraticabilidade da implementação de
programas de RSS por conta da natureza externa das normas
de reforma originadas no Norte e aplicadas em muitas partes
do mundo em desenvolvimento. Por exemplo, a ideia de
dividir as arenas públicas e privadas, no âmbito dos Estados
africanos neopatrimonais (HILLS, 2000). Se implementadas
em ministérios do governo ou em bases remotas das forças de
segurança, as normas de RSS vindas do Norte provavelmente
manterão pouco contato com lealdades provinciais de longa
data.
Um segmento do debate sobre RSS de particular impor-
tância para a reconstrução de exércitos é o equilíbrio entre
melhorias na eficácia e o reforço da responsabilidade das forças
de segurança, como mencionado anteriormente. A “guerra ao
terror” tem aumentado a necessidade aparente de forças de segu-
rança eficazes e essa ênfase na eficácia, ao invés de ocorrer na
responsabilidade (prestação de contas) dos agentes, tem raízes
profundas no ethos dos programas de assistência à segurança
do período da Guerra Fria. Muitos dos esforços da assistência à
segurança dos Estados Unidos eram eventualmente em relação
ao treinamento, equipamento e apoio a forças armadas que
98
operavam subordinadas a governos autoritários. Este debate
sobre “reforma versus reforma do setor de segurança” espelha as
dificuldades encontradas durante as operações de paz da ONU,
como discutido, bem como as dificuldades no Afeganistão e em
outros lugares que atraíram o rótulo do “deslize em direção a
conveniência”. Como apresentaremos mais adiante, isso levanta
a questão dos esforços de reconstrução de exércitos, que
muitas vezes são praticamente desprovidos de componentes
significativos de melhoria da governança, ainda poderem ser
considerados como reforma do setor de segurança.
O fim do confronto militar da Guerra Fria entre os blocos
ocidental e oriental tornou possível uma reavaliação global da
provisão de segurança. Na Europa, a União Europeia (UE) e a
Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) passaram a
considerar a adesão de novos países. No mundo, a Organização
das Nações Unidas se envolveu em uma infinidade de atividades
relacionadas à segurança. A comunidade de desenvolvimento,
incluindo as instituições financeiras internacionais, passou a
se interessar cada vez mais em reorientar seus esforços para as
causas mais profundas dos conflitos como forma de resolvê-los.
Ao mesmo tempo, surgiu uma “onda de democratização”,
oferecendo uma nova esperança para os teóricos das relações
civis-militares. Interesses e oportunidades comuns convergiram
para a produção da reforma do setor da segurança em uma
nova agenda política que apresentava uma ampla extensão,
com dimensões políticas, institucionais, econômicas e sociais.
O amplo espaço da reforma do setor de segurança permitiu
que prioridades diferentes coexistissem, e ajudou a popularizar
o conceito. Ainda, a ideia de Chanaa de “divisão conceitual-
contextual”, formulada após cinco anos do amalgamento
do conceito, identificou um obstáculo significativo para a
agenda política. Desde que Chanaa identificou este problema,
a introspecção sobre possíveis falhas das reformas do setor de
segurança tem andado de mãos dadas, quase paradoxalmente,
com um grande aumento do uso desse conceito. Assim, o
conceito de RSS continua sendo extremamente valioso e muito
utilizado.
99
Cinco críticas à reforma do setor de segurança

Uma crítica profunda a toda a construção da reforma do


setor de segurança tem desenvolvido pelo menos cinco grandes
facetas: (i) a insuficiência de recursos para a grande tarefa que
uma reforma profunda e abrangente do setor de segurança
implica; (ii) a dificuldade inerente de aplicar uma abordagem
democratizante em Estados que são, quase invariavelmente,
neopatrimoniais; (iii) apropriação local insuficiente; (iv) a
assistência às forças de segurança pode ser mais focada em
transferências de equipamentos e habilidades (programas de
“treinamento e equipamento”’) ao invés de melhoria da go-
vernança e; (v) no geral, as estratégias de segurança nacional,
ferramenta chave para desenvolver uma abordagem abrangen-
te, estão sendo negligenciadas em favor de transformações
institucionais. Finalmente, há também uma preocupação, em
menor magnitude, de que as lições da disciplina de gestão
não estão sendo aplicadas em contextos de reforma onde elas
podem ter um valor significativo.

Ausência séria/fraqueza do Estado

Scheye e Andersen notam que, em Estados frágeis, o


Estado é um provedor minoritário de serviços, incluindo
a segurança pública, segurança e a justiça (ANDERSEN;
MOLLER; STEPPUTAT, 2007; SCHEYE, 2010). Uma tentativa
de reforma nessas áreas é muito mais difícil do que nos Estados
do antigo Pacto de Varsóvia e nos países em desenvolvimento
mais benignos onde o conceito foi inicialmente introduzido.
O ambiente é significativamente mais adverso. Na África pós-
colonial, o monopólio da violência, um atributo-chave do estado
weberiano, era “incompleto e muitas vezes, por propósitos
práticos, deixados nas mãos de chefes, líderes comunitários,
entre outros” (ANDERSEN; MOLLER; STEPPUTAT, 2007, p. 9).

100
Na realidade, exércitos coexistem ao lado de outras
instituições estatais fracas em meio a uma rede de provedores
de segurança dominadas pelo setor informal. O grande
contingente de fornecedores de segurança que não faz parte
da polícia inclui grupos comunitários de combate ao crime,
polícia religiosa, milícias étnicas/clãs, milícias de partidos
políticos, forças de defesa civil, tais como a Força de Defesa
Civil que desempenhou um papel significativo em Serra
Leoa, grupos de segurança comerciais formais e informais,
guardas civis aprovadas pelo Estado, estruturas locais do
governo, polícia, tribunais costumeiros e comitês de justiça
restaurativa (BACKER, 2007). No Afeganistão, por exemplo,
estimativas oficiais de 2006 indicam que 90% dos afegãos
contavam com o direito consuetudinário, devido à falta de
confiança nas instituições formais de justiça (SENIER, 2006
apud ANDERSEN; MOLLER; STEPPUTAT, 2007; SCHEYE,
2010). Paralelamente a estes outros provedores de segurança,
os exércitos do mundo em desenvolvimento desempenham um
papel muito menor do que os do Norte poderiam inicialmente
imaginar (corroborando essa visão ver SCHEYE, 2010).
Os exércitos são um componente institucional no âmbito
das ferramentas que o Estado tem para fornecer segurança ao
desenvolvimento. Mas, em relação ao setor estatal como um
todo, é apenas provedor minoritário.
Desse modo, parece que existia, e ainda existe, uma
disjunção entre o potencial imaginado do poder do exército
estatal, atribuído pela maioria de conceituadores de reforma do
setor de segurança do Norte, e o real potencial dos exércitos
nestes Estados. A RSS, em grande medida, é um projeto do
Norte, elaborado de acordo com os valores do Norte, como
abordado por Nathan (2004). Como Ball destacou em 2005, a
“apropriação do conceito de reforma do setor de segurança e
da agenda política pelos países em desenvolvimento é muito
baixa” (BALL; HENDRICKSON, 2005, p. 28). Conceitos
do Norte parecem ter induzido a percepção de que pode ser
possível um nível relativo de igualdade de poder entre exércitos
101
de Estados desenvolvidos e em desenvolvimento. Assim, parece
que a segurança que os exércitos pós-conflito podem ser
capazes de fornecer para os cidadãos tem sido frequentemente
subestimada.
Uma extensa informalização das instituições do Estado e
a diluição das fronteiras tornam mais difícil a melhoria das
instituições estatais. Stepputat, Andersen e Moller (2007, p.
8) dizem que a “distinção entre Estado e não Estado [...] não
necessariamente corresponde às relações empíricas concretas
que são reveladas através de um exame mais minucioso”. Não
é difícil encontrar exemplos. Boas diz que no caso do Congo
Oriental, o Estado e o acesso privilegiado a recursos via Estado
continuam sendo importantes, mas

essa integração é construída através de relações flexíveis e


constantes de patrocínio, levando ao estabelecimento do que
talvez seja melhor descrito como nexo competitivo militar-
comercial (ROITMAN, 2004 apud BOAS, 2010, p. 447).

Em Darfur, a grande maioria dos membros das milícias


árabes pertencem a organizações formais de segurança do
governo, como a Força de Defesa Popular (People’s Defence
Force) e a Guarda de Inteligência de Fronteiras (Board
Intelligence Guard) (UN, 2009). As complicações induzidas
por essas ligações em Estados pós-conflituosos incentivam o
trabalho para um bom conhecimento empírico das ligações
pessoais específicas, em regiões específicas, ao invés das
nítidas fronteiras estabelecidas pelo Norte para as arquiteturas
organizacionais.
Mesmo onde o Estado tem uma presença significativa, o
projeto de reforma do setor de segurança atualmente previsto
requer geralmente muito mais recursos de desenvolvimento
institucional do que é disponibilizado. Baker e Scheye (2007)
disseram que os recursos disponíveis foram incapazes de
permitir as reformas propostas. Eles observam que tanto a qua-
lidade quanto a quantidade de recursos humanos tendem a ser

102
insuficientes em Estados frágeis, que suas finanças estão super-
comprometidas e são dependentes de determinados fluxos de
receitas menores e que “recursos físicos, constitucionais, legais
e administrativos são propensos a faltar”, citando o exemplo
da polícia de Serra Leoa, que apesar de um pesado apoio de
doadores, permanece fraca (BACKER; SCHEYE, 2007, p. 509).
A questão financeira das forças de segurança tem sido um
ponto fraco tanto para as forças armadas africanas durante a
era pós-colonial, como Le Roux destaca a seguir, mas também,
como os pensadores da E-Conferência sobre o Futuro da RSS,
realizada em maio de 2009, observaram, para maiores esforços
em relação à recente reforma da defesa. O problema tem raízes
históricas. Transições coloniais deixaram muitos Estados em
desenvolvimento com réplicas dos ministérios de defesa do
Norte, mas sem suas habilidades. Esses ministérios foram
muitas vezes seduzidos pela promessa de equipamentos de alta
tecnologia que eram caros de comprar e difíceis de manter. Os
processos de aquisição também foram muitas vezes vulneráveis
à corrupção. A má gestão financeira fez com que outras quantias
desaparecessem, por incompetência ou má-fé. Desta maneira,
na década de 1990, a base da competência da fiscalização da
defesa do mundo em desenvolvimento era fraca.
Desde 1990, os processos de revitalização do setor da
segurança têm sido, quase sempre, muito caros – espelhando,
em certa medida, os estabelecimentos militares em países
coloniais na época da independência (BRZOSKA, 2009). O
Afeganistão é um dos piores exemplos desse processo, onde
expansões adicionais do tamanho do exército continuam a ser
implementadas, apesar do processo já ser insustentável. Os gastos
com o setor de segurança do Afeganistão chegaram a 494% nas
receitas domésticas no ano fiscal de 2004-2005 (ANDERSEN;
MOLLER; STEPPUTAT, 2007, p. 172). Os gastos insustentáveis
têm continuado desde então. Analistas do setor de segurança
do Afeganistão têm sérias dúvidas sobre o futuro da tentativa
de reconstrução do exército, devido aos gastos insustentáveis e
ausência de qualidade do pessoal (GIUSTOZZI, 2009). Gastos
103
militares insustentáveis também ocorreram em Serra Leoa,
como mencionado anteriormente, e na Libéria2.
Países como o Iraque e o Afeganistão podem ser capazes
de preservar exércitos insustentáveis e caros devido ao
apoio contínuo dos ricos doadores ocidentais que estão
estrategicamente envolvidos, mas para outros países como Serra
Leoa ou a República Democrática do Congo, a severa escassez
finaceira coloca em risco todo o projeto de reconstrução dos
exércitos. Muitas vezes, os doadores estrangeiros encontram os
recursos necessários, inicialmente com a expectativa implícita
de uma transição para o financiamento total local . Mas isso
pode ser muito difícil, pois cria um problema inerente de
sustentabilidade. Como um gerente de programa do DFID
disse a respeito da frota de veículos da polícia de Serra Leoa,
“a única coisa pior do que não ter qualquer capacidade é ter
capacidade temporária e, em seguida, esta ser levada embora”
(ALBRETCHT; JACKSON, 2009, p. 132). Scheye e McLean
(2007), em suas recomendações sobre justiça e prestação de
serviços de segurança em Estados frágeis e devastados pela
guerra, o foco na sustentabilidade fiscal é urgente. Em termos de
reconstrução dos exércitos, quanto menor for o planejamento
projetado para o exército, melhores poderão ser os resultados
a longo prazo.
Existem abordagens técnicas que podem aliviar o pro-
blema, como por exemplo, o custo de todo o ciclo de vida de um
sistema de armas e a utilização de “abordagens impulsionadas
pelas necessidades, mas restringidas pelos custos”. Unidades
de eficiência também podem melhorar a situação (LeROUX,
2009). No entanto, estas soluções permanecem inadequadas.
De maneira simplificada, a reconstrução do exército feita
para um padrão de modelo do mundo desenvolvido está
além do alcance financeiro da maioria dos países pobres
do mundo em desenvolvimento. As alternativas podem ser
encontradas na restrição deliberada do uso de tecnologia
2. A partir de entrevista concedida à autora em Monrovia – Libéria – entre
abril e maio de 2009.
104
moderna, uma reversão para sistemas como cavalos, arquivos
em cartões, corredores humanos e secretários. Essas práticas,
deve-se admitir, eram perfeitamente adequadas para lançar e
sustentar as Guerras Napoleônicas e a Primeira e a Segunda
Guerras Mundiais. Deveria ser possível, em última instância,
e de maneira limitada, que um exército de baixa tecnologia
pudesse ser modernizado se recursos adicionais se tornassem
disponíveis.
Projetos ambiciosos podem ser insustentáveis, mas po-
dem haver outras opções. A análise de Reno em relação às redes
informais na Libéria pode ajudar a traçar uma resposta, pelo
menos para os programas planejados em todo o país como,
por exemplo, das forças policiais. Reno (2008) examinou a
natureza das redes informais político-criminosas da Libéria,
que incorporam pessoas violentas que tenham cometido
crimes de guerra. O autor argumenta que tais redes devem ser
“capturadas”, pelo menos inicialmente, a fim de permitir que o
governo reconstrua uma forma de governar de maneira mais
eficaz.3
Ao misturar soluções formais e informais Reno abre
caminho para uma triagem de soluções em potencial para
governos que enfrentam recursos limitados. Aplicada à
reconstrução dos exércitos, essa “triagem” pode abranger tanto
uma abordagem regional como de capacidade delimitadora.4
Em países como a República Democrática do Congo ou o
Afeganistão, grupos armados remanescentes não reconstruídos
podem, em algumas áreas, deliberadamente ser deixados de
lado para que os escassos recursos sejam focados onde há mais
chances de sucesso. Em outros países, onde o governo pode
exercer o controle sobre a totalidade do espaço reclamado, pode
ser mais apropriada uma capacidade limitada que um limitador
regional. Um acúmulo mais cauteloso de forças, com ênfase
3. Ver também conclusões de Reno em ANDERSEN; MOLLER; STEPPUTAT,
2007.
4. Para solução tipo “triagem”, ver KILCULLEN, 2009.

105
significativa na logística, pode muito bem aumentar as chances
de uma força mais sustentável em longo prazo.
As organizações de segurança do Estado, incluindo os
exércitos, são importantes atores de segurança em contextos de
pós-conflito. No entanto, preconceitos intrínsecos aos do Norte
podem fazê-los superestimar a extensão do poder que pode
ser alcançado pelo Estado. Organizações de segurança estatais
coexistem dentro de uma rede de provisão de segurança não
estatal, podendo ser amplamente informalizadas e enfrentar
graves limitações de recursos. É claro que o tamanho absoluto
dos recursos necessários para completar a reforma do setor de
segurança é enorme e a capacidade de absorver a ajuda dos
doadores em um ambiente pós-conflito pode ser limitada. O
alto perfil e as necessidades urgentes desses Estados também
fragmentam os recursos disponibilizados pelos doadores e
afastam a estabilização de uma situação futura melhor e mais
benigna, em países em desenvolvimento. Também não é certo
se, sob a dupla pressão de esgotamento dos combustíveis fósseis
e das mudanças climáticas5, os principais países doadores
continuarão, a médio e longo prazo, a fornecer recursos para
a reforma do setor de segurança para Estados que não sejam
aqueles considerados estrategicamente vitais.

Dificuldade de transformar as instituições de governos


neopatrimoniais

A reforma do setor de segurança é um conceito fundado em


normas democráticas que tentam replicar as características dos
Estados modernos racionais-legais. Não há nenhum modelo
claro de como isso pode ser replicado no desenvolvimento
de Estados neopatrimoniais. Hills (2000, p. 52-56) diz que
“os ideais democráticos de responsabilidade e imparcialidade
têm pouca relevância quando o impacto do Estado moderno
foi sentido” mas “as normas sociais não fazem distinção

5. Ver, por exemplo, VINCE, 2009.


106
entre a esfera pública e privada”. Estes tipos de redes políticas
neopatrimoniais são uma parte de “todos os Estados com
desenvolvimento atrasado, particularmente aqueles com
baixos níveis de desenvolvimento” (Di JOHN, 2008, p. 31).
Isso inclui praticamente todos os Estados onde a reforma está
sendo implantada, e todos os estudos de casos apontados neste
texto. A RSS compartilha aqui uma fraqueza com a teoria do
desenvolvimento na medida em que inerentemente tenta
incutir esses conceitos em Estados culturalmente diferentes,
que não compartilham características racionais-legais. A RSS
se concentra em mudar as estruturas de segurança dos Estados,
mas depende de que uma transformação mais fundamental
já esteja ocorrendo. Para que a reforma do setor de segurança
seja plenamente possível, o neopatrimonialismo moderno deve
ter sido substituído pela separação total das arenas públicas e
privadas do Estado moderno racional-legal.
Egnell e Halden adicionaram, em 2009, mais uma camada
a essa crítica, quando descobriram que os projetos de RSS
enfrentaram grandes dificuldades de alcançar o sucesso nos
Estados que não têm uma estrutura estatal, política e societal
vestfaliana. Lembrando que na Europa essas características
evoluíram sucessivamente, os autores observam a grande
dificuldade de tentar forçar uma evolução anti-histórica,
tentando criá-los simultaneamente. Os autores citam, apro-
vativamente, os argumentos de Amitai Etzioni sobre haver
uma generalizada superestima dos “poderes transformadores,
até mesmo dos países e organizações mais poderosas quando
se trata de mudança e reengenharia de regimes de outros
países” (ETZIONI, 2007 apud EGNELL; HALDEN, 2009, p.
48). Desse modo, eles argumentam que “deveriam determinar
cuidadosamente qual nível de ambição seria realista para cada
projeto específico de acordo com as circunstâncias locais”
(EGNELL; HALDEN, 2009, p. 27). Law também adverte o
excesso de expectativa:

107
não é realista supor que [intervenções] podem, em
aproximadamente metade de uma geração, construir
estruturas que garantam a responsabilização do setor de
segurança, onde elas não existiam, ou existiam em pequeno
número, anteriormente ao conflito (LAW, 2006, p. 16).

A reforma do setor de segurança parece estar mal equipada


para mudar as estruturas menos centrais de segurança de um
Estado onde as suas estruturas centrais não refletem valores
racionais-legais. Aqueles que tentam implementar a RSS onde
a transição racional-legal não ocorreu totalmente vão estar
sempre tentando mudar a natureza fundamental do Estado
de maneira distorcida e ilegítima. Se um Estado deve mudar,
a evolução deve se concentrar em primeiro lugar sobre sua
natureza fundamental, e depois nos principais atributos como
as suas medidas de segurança. O “monopólio da violência”
significa que as medidas de segurança são intrínsecas à natureza
do Estado. Mas alterá-las, com a finalidade de alterar o Estado,
é menos eficaz do que tentar mudar o Estado em primeiro
lugar pois, na sequência, as alterações no campo da segurança
podem se desenrolar sem a necessecidade de um esforço extra,
qualquer que seja o caso. As mudanças de segurança deveriam,
de maneira ideal, acompanhar as discussões nacionais e se
basear em normas e valores nacionais – sejam elas escritas ou
não.
Se a situação fosse vista em termos puristas, a abordagem
ideal seria a de deter as tentativas de intervenções de RSS
até que ocorra uma completa transição racional-legal. Isto,
obviamente, não é possível por duas razões. Em primeiro lugar,
a transição entre o neopatrimonialismo e o completo aparelho
repressivo do Estado burocrático racional-legal não é clara.
Partes da estrutura do Estado podem estar operando em linhas
racional-legal, enquanto outros permanecem trabalhando
em uma lógica neopatrimonial. Os esforços de RSS teriam
que esperar eternamente. Há alguma lógica numa pausa,
mas pouca lógica em dar a tarefa por completo, pois isso iria
contra a ética subjacente dos esforços de ajuda da maioria dos
108
governos do mundo desenvolvido. Em segundo lugar, a inércia
burocrática da “indústria” de reforma do setor de segurança,
que liga os departamentos governamentais, as forças de
segurança do mundo desenvolvido, universidades, institutos de
pesquisa política, consultores e empreiteiros privados, já está
em movimento, e os esforços do SSR, apesar de malfadados,
continuarão. No entanto, aqueles que consideram tais esforços
devem primeiro considerar quão provável eles serão capazes
de implementar toda a força de uma reforma do setor de
segurança democratizante, ou se apenas se limitarão a realizar
uma reforma simples dentro da estrutura do Estado que não
corresponde aos valores democráticos fundamentais da RSS.
Esta “limitação de reforma”, ao invés de uma ampla reforma
do setor resultou em um “deslize em direção à conveniência”
(SEDRA, 2006 apud HÄNGGI; HEINER; SCHERRER, 2008,
p. 496). Esta formulação descreve os programas que visam
aumentar a responsabilidade democrática do setor de segurança
mas que foram substituídos por uma ênfase singular em
treinamento e equipamento das forças de segurança. Como essa
questão está intimamente ligada com o erguimento de exércitos
eficientes e responsáveis, ela é trabalhada separadamente a
seguir.
A dificuldade da transição do Estado neopatrimonial para
o racional-legal, sem dúvida alguma, não tem recebido atenção
suficiente no discurso de RSS. Essa falta de atenção acaba sendo
completa e resulta em que se assuma que os profissionais já
estão trabalhando dentro de uma estrutura racional-legal,
embora possam estar operando de maneira autoritária ou não
democrática. A partir dessa perspectiva, o que é frequentemente
referido como desafios da corrupção não passa de um reflexo
do funcionamento normal de uma sociedade neopatrimonial.
Egnell e Halden argumentam que pode não haver Estados
nem sociedades civis – no sentido vestfaliano da palavra – com
os quais se envolver. Ao invés disso, a governança consiste
em “teias complexas de redes informais”, que podem mudar
constantemente (como no caso de Serra Leoa) ou serem
109
estabelecidas, de modo formal e forte (como no caso das
estruturas baseadas em tribos ou em clãs da Ásia Central).
Também são relevantes para a questão de operar nas
sociedades neopatrimoniais os conflitos entre normas inter-
nacionais de direitos humanos e valores locais. Scheyee e
Andersen têm escrito de maneira convincente a respeito do
problema (ANDERSEN; MOLLER; STEPPUTAT, 2007).
Por exemplo, as forças de segurança de um Estado em
desenvolvimento podem impor violência a detentos sob sua
custódia, a fim de garantir informações. A adesão a padrões
internacionais de direitos humanos e de normas democráticas
fazem parte dos princípios de RSS, introduzidos anteriormente.
Mas onde os padrões de direitos humanos entram em conflito
com as práticas locais, doadores e demais envolvidos do Norte
são confrontados com escolhas complicadas. Parte da resposta
requer lembrar que os direitos humanos podem não ser tão
aplicáveis em diferentes culturas quanto parecem (ANDERSEN;
MOLLER; STEPPUTAT, 2007). A Declaração dos Direitos do
Homem de 1948 foi uma construção essencialmente do Norte,
assim como os pensamentos do Norte dominaram muitos dos
instrumentos legais que se seguiram.
Scheye (2010) e Andersen sugerem que uma contex-
tualização das normas de direitos humanos pode fornecer parte
do caminho a seguir: “[...] a escolha entre diferentes valores, pelo
menos em curto e médio prazo, inibe a tentativa de promover
todos de uma só vez” (ANDERSEN; MOLLER; STEPPUTAT,
2007, p. 241). Para se ajustar a cada situação específica, seria
melhor se os planejadores de programas de reconstrução de
exércitos identificassem de maneira clara quais os padrões de
RSS são mais importantes para cada programa. Provavelmente,
haverá a necessidade de serem feitos balanços entre recursos
desejáveis e possíveis para que se garanta a sustentabilidade,
pelo menos em médio prazo.
Todos esses analistas defendem um processo mais variável
determinado localmente, o que é muito distante da visão
original do Norte sobre reforma do setor de segurança. Em seu
110
extremo, a força desses argumentos sugere que os processos de
reconstrução de exércitos podem não ser possíveis como um
todo. Como as avaliações e programas de RSS irão continuar,
qualquer que seja o real valor da assistência, há a necessidade
de se fazer uma considerável reflexão sobre a natureza futura de
tais programas.
É quase certo que essa reavaliação produza programas
mais sustentáveis de reforma do setor de segurança. No
entanto, enquanto essa revisão está em andamento, programas
promovidos pelo atual ethos de RSS vão continuar. Todas
as evidências sugerem que tais programas necessitam de
esforço constante por um longo período para serem eficazes.
Dessa forma, parece que ou os grandes recursos devem ser
abandonados pelos doadores com a finalidade de um esforço
de várias décadas – esforço esse constantemente vulnerável a
possíveis diminuições em favor de outras questões, estrangeiras
ou nacionais – ou as expectativas devem ser reduzidas. Desde o
fim da Guerra Fria, os únicos grandes esforços têm sido realiza-
dos no Afeganistão, Iraque e em Serra Leoa, Estados percebidos
como de importância estratégica para grandes potências. O
envolvimento em cada um desses três casos, ou foi reduzido
ou está projetado para ser reduzido. Devido aos enormes
esforços investidos e aos resultados diversos alcançados, parece
que o lançamento desses tipos de esforços será menos comum
no futuro. Assim sendo, em geral, as expectativas devem ser
reduzidas. A direção mais realista para os esforços de RSS
provavelmente inclui mais atenção nos agentes de segurança
não estatais, no mínimo em igual prioridade.

Apropriação local

A apropriação local é a ideia de que uma reforma do setor


de segurança não se sustentará se não for formatada e dirigida
por atores locais, sendo um dos princípios-chave da atual visão
de RSS. Laurie Nathan escreveu o primeiro estudo a respeito
do conceito em 2007 e enfatizou conclusões de pesquisadores
111
anteriores, que diziam que “a apropriação local é mais um
dispositivo de retórica do que um guia para os funcionários
dos doadores envolvidos em reformas do setor de segurança”
(SCHEYE; PEAKE, 2007, p. 1). O autor recomendou que fosse
dada uma força maior na questão da apropriação local por meio
de uma maior ênfase no processo em detrimento do conteúdo
da RSS. Também recomendou que a RSS fosse projetada de
maneira a promover a apropriação nacional, através de um
processo planejado cuidadosamente, incluindo todos os atores
envolvidos, desde os tomadores de decisão até as diferentes
partes externas interessadas no processo. Recomendou, ainda,
uma série de iniciativas de como os doadores poderiam
iniciar a reforma do setor em pequena escala, mas de maneira
sustentável (NATHAN, 2007, p. 50).
Desde a publicação do trabalho de Nathan, o conceito
de apropriação local está sob críticas. Os críticos dizem que
as “questões importantes permanecem a respeito do que
realmente implica a apropriação local, e a quem estamos nos
referindo exatamente quando falamos de habitantes locais”
(DONAIS, 2008, p. 4). Existe atualmente uma clara tensão
entre as normas democratizantes universalistas e as exigências
da reforma do setor de segurança que são geralmente aceitas
para a apropriação local. Se um projeto é implantado de acordo
com as normas democráticas, pode enfrentar dificuldades
para conseguir apoiadores em governos locais que possam ser
ameaçados por essas normas (EGNELL; HALDEN, 2009). Por
outro lado, se for muito “apropriado localmente”, pode não ser
reconhecido como uma reforma do setor de segurança, mas
apenas como uma fase diferente na evolução de um setor de
segurança autoritário.
A pergunta feita diretamente por Martin e Wilson, e não
respondida de maneira adequada no discurso atual da reforma
do setor de segurança seria “que locais?” (DONAIS, 2008, p.
9). Donais (2008) afirma que essa pergunta muitas vezes não é
tratada adequadamente. Porém, na medida em que for, diz ele,
há pelo menos três níveis de apropriação local que são discutidos
112
ao longo de um continuum minimalista-maximalista, desde as
elites nacionais do setor político/de segurança, até uma ampla
participação da sociedade civil. Para Martin e Wilson, os “locais
que importam são, na verdade, todos os cidadãos do país em
questão” (DONAIS, 2008, p. 9). Um exame mais detalhado da
maioria dos programas de reconstrução de exércitos indica
que apenas as elites estão envolvidas, com a grande massa da
população apenas se envolvendo como um todo como potencial
fornecedora de soldados recrutas para os exércitos.
Como estão concebidos atualmente, os programas de
reconstrução de exércitos estão entre os projetos com menor
apropriação local dentre as reformas do setor de segurança em
andamento. Isso se aplica especialmente aos esforços dos EUA
no Afeganistão, Iraque e Libéria onde, ao contrário de tradições
anteriores, um modelo de força voluntária de alta qualidade
foi proposto e depois imposto como solução. O Exército dos
Estados Unidos parece incapaz ou sem vontade de orientar
e reconstruir exércitos que não correspondem à sua imagem
(DONAIS, 2008, p. 9).
Essa imposição das formas atuais provenientes do Norte,
acima de rivalidades existentes, tem levado a vários pontos
de desentendimento, potenciais ou reais, em muitos exércitos
submetidos a uma vasta remodelação ou reconstrução. Como
Decalo (apud LUCKHAM, 1994, p. 15) observou, muitos
exércitos africanos “enxergam [...] uma série de queixas
corporativas, étnicas e pessoais” que fazem com que os exércitos
como os do Zimbabwe, Moçambique e Libéria sejam pontos de
partida pobres para remodelação. Giustozzi (2008, p. 221-222)
lança este debate no caso afegão como sendo uma “apropriação
sombra” quando o Ministério da Defesa reivindicou aos Estados
Unidos uma medida limitada de controle sobre o processo de
construção do novo Exército Nacional Afegão. As delimitações
xiitas/sunitas/curdos no Iraque refletem as mesmas fraquezas.
Martin e Wilson (apud DONAIS, 2008, p. 86-87)
introduziram a noção de um processo mais apropriado
localmente da “Evolução do Setor de Segurança (ESS)” a fim de
113
substituir as falhas que eles perceberam nas reformas. Segundo
eles, o ESS significaria que o objetivo era influenciar a evolução
do setor de segurança, ao invés de projetar e construir uma versão
“melhor”. Praticantes e doadores focariam no fortalecimento da
capacidade da sociedade civil em indicar as suas necessidades e
pontos de vista e, por outro lado, seria fortalecida a capacidade
e os incentivos para que o setor de segurança pudesse detectar
e responder a essas necessidades. Esta abordagem significaria
abrir mão de qualquer estratégia predefinida em favor de uma
arquitetura de segurança singularmente evoluída e estruturada
de maneira sem precedentes. Os programas formais de
reconstrução de exércitos podem se tornar muito mais raros
sob esse modelo.
Refletindo sobre o significado e a relevância da questão
da apropriação local no atual debate de reforma do setor de
segurança, Donnais (2008, p. 5) diz que “não está claro que
[esses problemas] podem ser resolvidos, pelo menos em nível
macro”. A amplitude e variação dos compromissos de RSS são
simplesmente muito abrangentes para se obter uma resposta
para o enigma. Se não houver uma resposta, terá que haver
várias e, como sugere Donnais, elas estão potencialmente
na diferenciação entre os níveis médio e micro. Como estão
sendo desenvolvidas respostas a essa crítica, elas podem não
deixar a RSS em uma forma reconhecível, com suas normas
vigentes intactas. Os trabalhos de Scheye (2010) a respeito do
desenvolvimento do setor da segurança, nos quais sugere uma
abordagem realista e desagregada para a RSS, incorporam
algumas ideias sobre como seguir em frente. A reconstrução
atual de exércitos pós-conflito parece muito vulnerável a essas
críticas, e provavelmente deve ser amplamente reavaliada. Os
futuros programas de reconstrução dos exércitos precisam
ser formulados de maneira a valorizar quem realmente presta
serviços de segurança e defesa às comunidades, e qual o papel
apropriado para os exércitos, tendo em vista os recursos
limitados do Estado.

114
Prioridades setoriais versus transformações es-
tratégicas

A exequibilidade das reformas significativas do


setor de segurança é ameaçada por críticas em razão dos
enormes recursos e compromissos que são necessários, uma
compreensão insuficiente de como transformar as instituições
governamentais e as contradições envolvidas na apropriação
local, em oposição à democratização e às normas universalistas.
No entanto, existem também outros pontos fracos na disciplina.
Uma avaliação mais próxima dessas três questões aponta para
melhorias que contribuem tanto para a eficácia da reforma
quanto para a reconstrução dos exércitos dentro dela.
Primeiro, o grande valor de uma avaliação da estratégia
de segurança nacional. Se uma avaliação abrangente de
segurança é feita antes do início da separação de programas
departamentais, esses programas serão muito mais sensíveis às
outras iniciativas e a um ambiente governamental mais amplo.
Em segundo lugar, a RSS sofre significativamente com a longa
herança de programas lançados que só visam melhorar os
padrões de treinamento e, às vezes, apenas treinar pessoal para
utilizar os equipamentos fornecidos. Se a RSS quer ser bem-
sucedida, as práticas de gestão devem ser firmemente fixadas
no local e as forças de segurança precisam prestar contas de
seus serviços. Em terceiro lugar, a aplicação de princípios de
gestão para a RSS, uma prática hoje conhecida como “gestão
do setor da segurança”, promete melhorias significativas na
eficácia, em harmonia com sua promessa evidente no que diz
respeito à gestão das forças armadas nacionais6.
Antes de desenvolver a análise de segurança nacional versus
as iniciativas potencialmente prematuras de transformar o setor
de defesa, é útil rever o seu lugar no quadro de reforma do setor
de segurança. Com efeito, o ápice da máquina de segurança
nacional de um país tem duas principais funções: a tarefa

6. Ver, por exemplo, MATTHEWS; MADDISON, 2002.


115
pública de desenvolver e manter o controle civil democrático, e
o que a OCDE chama de “fortalecimento do processo de revisão
das ameaças à segurança e desenvolvimento da capacidade de
responder a elas” (OECD, 2007, p. 124) – a implementação
de uma política holística de segurança nacional integrada. A
criação e manutenção de uma política de segurança nacional
eficaz que coordene os esforços não só das forças militares,
mas de todas as instituições de segurança é fundamental7.
Para cobrir a multiplicidade de subcampos da RSS é necessária
uma abordagem holística e abrangente, bem planejada no
nível operacional ou superior a fim de integrar os esforços
coerentemente (GLENN, 2008; UK, 2007). Ao examinar as
forças terrestres, é fundamental reconhecer que os exércitos
não irão funcionar de maneira eficaz isoladamente e, assim
sendo, precisam ser consideradas as ligações apropriadas para
as forças policiais, os ministérios da defesa e outras instituições
civis envolvidas.
Rocky Williams (2006) descreve os principais elementos
da política nacional necessários para institucionalizar o quadro
acordado dentro do qual as forças de defesa e os exércitos
deveriam operar. Em primeiro lugar, precisam ser explicados
os princípios constitucionais fundamentais sobre os quais se
dá a gestão das forças armadas. Em segundo lugar, precisam
ser estabelecidas as responsabilidades que o governo tem
para com as Forças Armadas, incluindo o fornecimento de
recursos adequados e uma liderança política clara. Em terceiro
lugar, deve ser fornecido um quadro político claro para as
forças armadas, geralmente sob a forma de um Livro Branco
ou documento similar (que, idealmente, seja decorrente de
uma estratégia de segurança nacional). Para além do quadro
estabelecido por Williams, torna-se claro que os exércitos não
devem se restringir a funções puramente militares. Na África,
o Exército de Botswana está focado, em grande medida, na
proteção dos recursos naturais (HENK, 2006), e as FARDC

7. Ver, por exemplo, FITZ-GERALD, 2009.


116
congolesas mantêm brigadas de desenvolvimento em Katanga8.
No entanto, essas atividades precisam ser acordadas e definidas
por meio de um processo político institucionalizado, para evitar
a mau uso do dinheiro público.
Porém, a ampla compreensão do valor de um processo
planejado integrado da política de segurança nacional no
contexto da RSS foi desenvolvida relativamente tarde. Talvez o
primeiro sinal importante de que se engajar em um processo
de planejamento de segurança nacional ajudaria a RSS e
provavelmente evitaria trabalho em dobro foram os resultados
da Análise da Defesa de Uganda, iniciada em fevereiro de 2002.
Lá, o planejamento para a reforma militar foi concentrado
exclusivamente na defesa, mas teve que ser ampliado, após a
descoberta de que apenas três dos indicadores de ameaça de
um total de 134 poderiam ser abordados pelas forças armadas
(HUTCHFUL; FAYEMI, 2005). O conceito teve tempo para
fazer o seu caminho até a literatura da RSS em geral. Tanto o
trabalho da OCDE de 2004 a respeito da Reforma do Setor da
Segurança e Governança, como o levantamento de Hänggi, em
2004, em relação à reforma do setor da segurança e reconstrução
como parte de um trabalho mais amplo do Centro para a
Segurança, Desenvolvimento e Estado de Direito – Centre for
Security, Development and the Rule of Law – DCAF, de Genebra,
não fizeram qualquer menção ao assunto (HÄNGGI, 2004).
A ideia de priorizar um processo de revisão de segurança
nacional, em oposição a uma abordagem em subsetores espe-
cíficos de segurança, não ganhou uma adesão generalizada9.
Por exemplo, o processo de desenvolvimento da estratégia de
segurança nacional liberiana começou no final de 2006 e foi
concluído em janeiro de 2008, bem depois de ter sido colocada
em andamento a reconstrução das forças armadas inspirada

8. Segundo correspondência por e-mail com expert internacional em


reforma do setor de segurança, Kinshasa, dezembro de 2008.
9. Para uma discussão mais completa de como os processos de revisão da
segurança nacional podem trabalhar, ver International Working Group on
National Security, 2009.
117
nas norte-americanas (JAYE, 2009). No entanto, recentemente,
o valor de abordar preocupações globais de segurança política
antes de implementar uma profunda mudança institucional faz
com que elas sejam mais largamente realizadas. A primeira vez
que o conceito foi implementado foi quando a Revisão do Setor
de Segurança Interna do Kosovo foi iniciada em 2006. A Revisão
começou bem antes do próximo passo evolutivo em direção
à força de segurança da província, o Corpo de Proteção do
Kosovo, que precisava ser implementado. A Equipe Consultiva
Internacional do Setor de Segurança passou a incorporar o
conceito em seu trabalho, incluindo a Guiné-Bissau10, e esforços
foram sendo feitos para começar um processo de formulação de
política de segurança nacional no Nepal, antes que se iniciasse
o processo institucional de integração da guerrilha maoísta nas
forças do governo (SEMINAR..., 2009)
Enquanto não for firmemente incorporada na progra-
mação de reforma do setor de segurança, como é comumente
entendida, a priorização do desenvolvimento de uma estratégia
formal de segurança nacional antes de ocorrer a reconstrução
institucional pode aliviar as dificuldades causadas pelas três
principais questões levantadas. Em primeiro lugar, requer
muito menos recursos do que os programas de reconstrução
das principais forças – provavelmente apenas os serviços de, no
máximo, três a quatro facilitadores externos. Em segundo lugar,
se agregado com pouco envolvimento externo refletirá melhor
a real situação interna do país, seja ele neopatrimonial ou mais
plenamente racional-burocrático. Na medida em que dados
e análises forem incluídas, ou não incluídas, ou manipuladas
para maximizar o apoio de doadores externos ou para apoiar
certos resultados, haverá uma consequência inevitável do nível
geral de transparência vigente no país.
10. Notadamente com a sessão de construção da capacidade realizada na
sede da ONU em Nova Iorque, nos dias 29 e 30 de junho de 2009, por
solicitação da Unidade de Reforma do Setor de Segurança. Disponível em:
http://www.dcaf.ch/issat/activities/completed_activities.htm. Acesso em: 28
nov. 2009.

118
Embora haja uma série de vantagens potenciais na
formulação de quadros legais nacionais, há também uma
série de dificuldades de implementação. Scheye observa que
esses quadros: podem levar de três a cinco anos para serem
elaborados; têm demonstrado pouco efeito na melhoria da
justiça e da segurança, pelo menos, na melhor das hipóteses,
por uma década ou mais; raramente são capazes de serem
implementados e; por vezes, estão entre as primeiras vítimas
da transição democrática do poder para a oposição, como foi o
caso do Timor-Leste. Ao analisar os esforços de reforma do setor
de segurança em 2010, Scheye sugeriu que um dos principais
valores das estratégias nacionais era, na verdade, as habilidades
adquiridas pelos atores locais no processo de elaboração. A
aquisição dessas habilidades ajuda o desenvolvimento do
capital humano.

Estabilização em curto prazo versus governança em


longo prazo

Há uma longa história de programas que se concentram na


transferência de equipamentos e habilidades para as forças de
segurança por estrangeiros, sem preocupações com a questão
da governança. Assessores estrangeiros foram enviados para o
Chile, por exemplo, a partir de 1810, e para o Egito a partir de
1815, e muitos conselheiros serviram de maneira menos formal
anteriormente (STOKER, 2007). Durante a Guerra Fria, os
programas dos EUA baseados em treinamento e equipamento
envolveram a ajuda a exilados cubanos que executaram a
operação na Baía dos Porcos, assim como a muitas forças
armadas da América Latina e outros lugares.
No entanto, durante a Guerra Fria, a ênfase era em ganhar
amigos estrangeiros e não a construção de forças de segurança
que espelhavam os valores próprios da nação11. Onde isso foi
11. Conversa com o coronel Thomas Dempsey, da reserva do Exército dos
EUA, 29 out. 2009. Um bom exemplo geral é o Cable 72TEHRAN1164,

119
tentado, as experiências da Guerra Fria, no Congo/Zaire e no
Vietnã (e, possivelmente, na Nigéria12, Libéria e Afeganistão)
provaram que muitas vezes era difícil construir mecanismos de
gestão confiáveis para forças armadas nativas. Após o fim da
Guerra Fria, o foco dos EUA foi deslocado para a promoção
dos valores democráticos, e isso foi bem adaptado pelas teorias
de desenvolvimento que se tornaram a reforma do setor de
segurança. No entanto, os mesmos assuntos continuam a ser
problemas. Hills (2000, p. 59-60) relata a mesma falha no que
diz respeito à polícia britânica após o fim da Guerra Fria:

o apoio (britânico) de muitos anos para forças como as


da Nigéria e do Zimbábue falhou em promover tanto a
responsabilidade como boas práticas de gestão, de acordo
com as interpretações ocidentais de liberalização ou
profissionalismo.

Uma série de fatores convergentes tem, contudo, feito com


que a promoção de boas práticas de governança e de gestão seja,
muitas vezes, subordinada às preocupações com treinamento e
equipamento das forças de segurança. A “guerra ao terror” dos
EUA aumentou a pressão para construir rapidamente forças de
segurança numerosas, devido ao imperativo da estabilização
de desdobrar o máximo de pessoal possível. Apesar de não
estar diretamente envolvido na criação de forças de segurança,
o desejo de uma inteligência acionável a partir da captura de
terroristas levou ao engano de garantias jurídicas dos países
ocidentais e, supostamente, à tortura13. Uma abordagem mais
inteligente poderia ter levado mais tempo, mas produzido
“Acceleration of F-4Es for Iran” (Unclassified), 25 Feb. 1972. Disponível em:
cablegate.wikileaks.org. Acesso em: 1 dez. 2010.
12. Ver LUCKHAM, 1971.
13. O número de suspeitos de terrorismo capturados e alegadamente
torturados em vários países ocidentais causaram muito constrangimento
para os governos. Por exemplo, ver “Claws out over Afghan terrorist
allegations” em UPI.com. Disponível em: http://www.upi.com/Top_News/
International/2009/11/20/Claws-out-over-Afghan-torture-allegations/UPI-
22091258728369/. Acesso em: 16 fev. 2010.
120
melhores resultados (bem como evitado a má publicidade).
Ganhar o auxílio de aliados em todo o mundo para ajudar a
evitar as restrições legais não reforçou o perfil das normas da
RSS.
Assim como estes fatores induzidos da “guerra ao
terror”, a dificuldade intrínseca encontrada nas missões da
ONU para alterar o Estado também contribuiu. Mark Sedra
cunhou o termo acima mencionado de “deslize em direção à
conveniência”, para descrever programas que visam aumentar
a responsabilidade democrática do setor de segurança, mas
em vez disso “têm sido substituídos por um foco singular em
treinar e equipar as forças de segurança inexperientes do país”.
Vários analistas têm relatado o problema, incluindo Ball (2009),
Rees (2006) (os maiores sucessos ocorreram na organização de
forças de segurança, enquanto que as maiores falhas ocorreram
no estabelecimento de supervisão e gestão civil), Sedra (2008),
Law (2006), Hutchful e Fayemi (2005) e Hills entre eles.
Um dos fatores mais importantes na criação deste “deslize
para conveniência” tem sido o imperativo de estabilização
de curto prazo, especialmente desde que a “guerra ao terror”
começou, para treinar e implementar rapidamente o maior
número possível de agentes das forças de segurança. Este
parece ter sido um fator significativo no Afeganistão, Iraque
e na República Democrática do Congo, países onde houve
a mínima atenção para uma agenda de reconstrução dos
exércitos que refletisse as normas centrais da reforma do
setor de segurança (BALL, 2009, p. 6). Surpreendentemente,
a necessidade de implantar rapidamente forças militares não
parece ter apressado a formação em outros lugares. A transição
de responsabilidade para uma força local revitalizada não foi
expressamente prevista nem realizada na Bósnia-Herzegovina
ou no Kosovo. No Timor-Leste, a ONU levou um tempo
excessivo para decidir como lidar com as Falintil, acampadas
em Aileu, e entre setembro de 1999 e fevereiro de 2001 a maior
parte dos guerrilheiros que eram reverenciados permaneceu lá
em precárias condições (HOOD, 2006).
121
Esta questão da “capacidade operacional versus reforma
abrangente do setor de segurança” nos leva a questionar
se a maior parte dos programas de reforma dos exércitos
em andamento pode ser considerada verdadeiramente
democratizante. Os programas destinados simplesmente ao ar-
mamento e treinamento de militares e policiais parecem minar
os princípios fundamentais da RSS (HÄNGGI, 2008, p. 24). A
questão está entrelaçada com as dificuldades dos programas
de reconstrução de exércitos em criar uma apropriação local
completa. A apropriação local é geralmente interpretada
como incluindo o consentimento ativo das elites políticas
nacionais. No entanto, enquanto essas elites podem operar
em um sistema que tem algumas características democráticas,
em muitos casos, o que permite o controle democrático
pleno e influência externa do parlamento e da sociedade civil
sobre tais programas é anátema. Assim, os programas que
melhoram ou criam exércitos eficazes são bem-vindos. Mas o
mesmo não ocorre com os aspectos de governança que fariam
com que os programas fossem mais abrangentes e, portanto,
sustentáveis. Incluir aspectos de governança muitas vezes pode
desencadear um descontentamento local e uma oposição e,
consequentemente, uma luta entre os doadores e as elites locais.
A incorporação bem-sucedida de componentes de gover-
nança em programas de reabilitação ou de reconstrução dos
exércitos é a marca fundamental para saber se um programa
realmente pode ser considerado de reforma do setor de
segurança. Com base na análise dos programas de reconstrução
dos exércitos, parece que componentes significativos de
governança foram tentados em quatro situações – Bósnia-
Herzegovina, Kosovo, África do Sul e Serra Leoa. A governança
não foi, ao que parece, um componente importante para muitos
programas de reconstrução de exércitos devido à ausência de
percepção sobre essa necessidade (nas operações anteriores no
Zimbabwe, Namíbia e Moçambique), a demora da ONU e sua
relutância em tomar decisões (Timor-Leste), e aos imperativos
de estabilização de curto prazo já mencionados. Pode ser
122
muito difícil conseguir uma reforma do setor de segurança
efetivamente significativa e sustentável nesses programas em
razão da estabilização de curto prazo superar as questões de
governança e os três principais obstáculos postos anteriormente.
Essa situação reflete e levanta questões sobre falhas profundas
no conceito de reforma como um todo.

Conclusão

Em resumo, as principais questões enfrentadas pela


reforma do setor da segurança incluem o papel de provedores
de segurança não estatais, o desafio de um sistema estatal
neopatrimonial em vez de racional-burocrático, a apropriação
local inadequada e falta de componentes de governança no
âmbito dos programas. Como mencionado anteriormente,
esses fatores, dentre outros, parecem levar a reconstrução
dos exércitos em duas direções diferentes, programas de
“treinamento e equipamento” e atividades de evolução gradual
das forças de segurança. No entanto, para coincidir com os
múltiplos desafios, existe também ampla orientação disponível,
a partir de uma variedade de fontes.

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129
Reforma do Setor de Segurança em Países
Afetados por Conflitos: a necessidade de
uma abordagem da segunda geração1

Mark Sedra

Introdução

Uma declaração da presidência do Conselho de Segurança


das Nações Unidas, em julho de 2005, se referiu à reforma do
setor de segurança (RSS) como “um elemento essencial de
qualquer processo de estabilização em ambientes pós-conflitos”
(UN, 2005). Três anos depois, o Secretário-Geral das Nações
Unidas (SGNU) Ban Ki-moon foi mais além, consolidando a
reforma como o centro da arquitetura política internacional
de segurança e desenvolvimento, referindo-se a ela como
uma “obrigação compartilhada, especialmente nos países que
se recuperam de conflito [...] mais do que um objetivo” para
a Organização das Nações Unidas (ONU) e seus Estados-
membros (KI-MOON, 2008).
Menos de uma década após o conceito ser articulado pela
primeira vez em um discurso proferido pela Secretária de
Estado para o Desenvolvimento Internacional do Reino Unido,
Clare Short, em 1999, a reforma do setor de segurança foi
estabelecida como um pilar central das doutrinas de construção
da paz (peace-building) e construção do Estado (state-building).
A RSS veio para representar o ponto de convergência entre
os campos do desenvolvimento, segurança e da governança –
uma manifestação do nexo segurança-desenvolvimento que
caracterizou as políticas de construção da paz e construção do
Estado na última década.
1. Tradução do original em inglês realizada por Marcelli Kulike e Sérgio Luiz
Cruz Aguilar.

130
No início de 2014, entretanto, em nítido contraste com
a rápida ascensão do conceito na política internacional, a
reforma do setor de segurança apresentava escassos registros
de realização. Na verdade, em ambientes que foram afetados
por conflitos, o alvo mais célebre da assistência a RSS, seria
difícil identificar um único caso irrestrito de sucesso que
pudesse estimular e informar sobre sua implementação. Isso
exemplifica o principal problema que a reforma do setor de
segurança sempre enfrentou – sua divisão conceitual-contextual
(CHANAA, 2002).
O rápido desenvolvimento e popularização do conceito da
RSS desde 1999 tenderam a não criar nem consolidar uma paz,
segurança ou desenvolvimento sustentáveis em países afetados
por conflitos. Como Jane Chanaa argumentou no início de
2002,

enquanto os conceitos da RSS podem soar impressionantes, e


normalmente formam a base dos objetivos declarados pelos
doadores [...], o debate da RSS geralmente parece subestimar
alguns dos problemas-chave envolvidos na tradução dos
princípios para a realidade (CHANAA, 2002, p. 31).

Até mesmo uma análise superficial de uma gama de casos


de implementação de reformas do setor de segurança em países
afetados por conflitos, demonstra que ela, como política e
modelo operacional, está mal equipada e é fundamentalmente
descabida para atingir seus objetivos.
Na realidade, nesses tipos de ambiente, a agenda de RSS
é tratada mais como um menu de princípios e de reformas
estratégicas que os doadores e os locais conseguem selecionar,
e igualmente rejeitar, de acordo com seus interesses imediatos,
do que um programa de mudanças integrado e holístico
conforme estabelecido em documentos formativos como
o Manual de Reforma do Sistema de Segurança do Comitê
de Assistência ao Desenvolvimento da Organização para a
Cooperação Econômica e o Desenvolvimento (OECD DAC,
em inglês) (OECD DAC, 2007). Por contraste, o modelo de RSS
131
tem ressoado nos países que estão em processo de transição
do autoritarismo, da fragilidade ou da pobreza. Em grande
medida, a RSS é mais adequada para esses tipos de ambiente,
especialmente países como África do Sul, Indonésia e os antigos
Estados do Pacto de Varsóvia (ÁFRICA, 2008; EDMUNDS, 2003;
MUNA, 2008), que proporcionaram condições mais estáveis
para a reforma, como níveis elevados de segurança, capacidade
institucional e humana significativa, consenso político local e
algumas formas tradicionais de governança liberal. Em outras
palavras, necessita-se de um Estado liberal para implementar a
RSS. Como Susan L. Woodward nota, implementar um modelo
de RSS em meio à

condições de fundamental transformação sistêmica e


profunda insegurança humana e estatal, requer um quadro
conceitual bem distinto daquele que normalmente sustenta
as políticas de ajuda setoriais dos doadores (WOODWARD,
2003, p. 279).

Os discursos críticos que cercam o modelo RSS têm crescido


gradualmente nos últimos anos impulsionados, em parte, por
amplos debates que envolvem o futuro da construção da paz
liberal na sequência das intervenções do Afeganistão e do
Iraque. O campo da reforma do setor de segurança amadureceu
em relação às mudanças políticas e práticas (DUFFIELD, 2007;
RICHMOND; FRANKS, 2009). O que não está claro é se
veremos uma mudança profunda ou simplesmente um ajuste
de médio curso. De fato, escolas de pensamento sobre o futuro
da RSS começaram a se aglutinar, diferenciadas em parte pelo
grau de variação considerado necessário e possível.
Este trabalho procurará descrever essas novas escolas de
pensamento e o que elas significam para o surgimento de uma
próxima geração de políticas e programas de reforma. O texto
começará com um resumo do que ocorreu de errado com a
reforma ortodoxa do setor de segurança na última década e
porque a maioria dos policy-makers, profissionais e analistas

132
passaram a ver como inevitável a ocorrência de alguma
mudança nesse setor.

Ascensão e queda da primeira geração da RSS

Em seu discurso em 1999, pelo qual cunhou o termo


reforma no setor de segurança, Clare Short explicou que

um dos principais obstáculos ao progresso no desen-


volvimento e na redução da pobreza [...] é a existência de
um setor de segurança inchado, secreto, repressivo, não
democrático e pobremente estruturado em muitos países em
desenvolvimento (SHORT, 1999).

Seguindo seu discurso, a noção “que a segurança


autossustentável depende da criação de um setor de segurança
legítimo, democraticamente responsável e efetivamente local”
tornou-se, nas palavras de Bellamy (2003, p. 101), “um novo
paradigma de ajuda”. Enquanto a reforma do setor de segurança
foi firmemente fixada no “centro da moderna agenda de
desenvolvimento” (DFID, 2000, p. 26), Short (1999) também
alertou, um tanto profeticamente, que o modelo não era uma
“panaceia” e que sua operacionalização não seria “fácil ou
direta”.
O Departamento para o Desenvolvimento Internacional
(DFID, em inglês), de Short, iria desempenhar uma função
instrumental, conduzindo o início do desenvolvimento do
modelo de reforma do setor de segurança e apoiando o trabalho
do Comitê de Assistência ao Desenvolvimento da Organização
para a Cooperação Econômica e o Desenvolvimento, cujo
Manual da Reforma do Sistema de Segurança continua a ser a
principal referência textual nesse campo (OECD DAC, 2007).
O manual foi um guia que procurou preencher “a lacuna
entre a política e a prática” que já era reconhecida como um
problema na área então emergente (OECD DAC, 2007, p. 21).

133
Estabeleceu os princípios fundamentais da RSS que a distinguem
das formas convencionais de assistência à segurança: a reforma
deveria ter orientação focada nas pessoas, ser comprometida
com valores democráticos, focada na governança e com uma
abordagem holística. Embora altamente ambicioso em suas
formulações liberais, o manual, repetindo o discurso de Short,
de 1999, avisou:

a comunidade de desenvolvimento internacional superes-


timou consistentemente sua habilidade de construir capa-
cidade na ausência de um comprometimento nacional e de
uma razoável boa governança (OECD DAC, 2007, p. 86).

De fato, o modelo seria duramente pressionado para atingir


seus objetivos em contextos difíceis como Estados frágeis, falidos
ou afetados por conflitos, onde inexistem essas condições.
Embora o modelo de RSS usado pela assistência à seguran-
ça venha sendo efetivamente integrado na política internacional
de segurança e de desenvolvimento na última década, só
obteve sucesso operacional em alguns casos isolados onde as
condições eram altamente propícias para a reforma. Como
Egnell e Haldén (2009, p. 29) explicam, programas de reforma
somente tenderam a ser

bem-sucedidos em países onde, além de existirem estruturas


soberanas como as do tipo ‘vestefaliana’, havia também uma
sociedade civil, mesmo que em formas rudimentares, e uma
clara noção de política comum que era compartilhada pela
maioria da elite e pelos detentores de poder.

Na maioria dos casos contemporâneos de Estados afetados


por conflitos, os quais, na melhor das hipóteses, podem ser
chamados de “quase Estados” (JACKSON, 1993).
Assim, por gozarem de soberania jurídica, mas não
possuírem a habilidade dos Estados modernos de fornecer
os bens públicos, a reforma do setor de segurança provou ser
inviável. Isso se aplica a países como Afeganistão, República

134
Democrática do Congo ou Somália, onde os programas de
reforma do setor de segurança estão sendo aplicados, mas onde
algumas ou todas as pré-condições para a mesma não existiam.
A nova concepção de reforma do setor de segurança deu
uma estrutura liberal à tradicional assistência bilateral de
segurança e ampliou seu escopo (WULF, 2000). Isso decretou
que a assistência à segurança prestada pelo doador deveria
ser sensível em relação à forma como o setor de segurança do
Estado beneficiário era dirigido e como tratava sua população –
fatores que eram irrelevantes durante a Guerra Fria. O conceito
também ampliou os limites do setor tradicional de segurança,
reconhecendo que a justiça, as instituições do governo e outros
atores eram fundamentais para o funcionamento das instituições
de segurança. Uma ampla gama de atividades de governança,
justiça e de assistência à segurança foram trazidas para o teto
conceitual da reforma, com a expectativa que elas poderiam ser
um avanço por conta da forma conjunta e sincronizada que os
países as incorporariam.
Desde sua criação na década de 1990, o conceito da
RSS evoluiu em três diferentes fases. Na sua primeira fase,
do final dos anos 1990 ao início da década de 2000, houve
o desenvolvimento do modelo conceitual – que pode ser
chamado de primeira geração do modelo de reforma do setor
de segurança – uma consequência da emergência da agenda
da paz liberal e suas várias ramificações como o paradigma
da segurança humana. A segunda fase, entre 2002 e 2010,
viu a rápida institucionalização do modelo nas políticas de
segurança e de desenvolvimento das organizações bilaterais e
multilaterais e a primeira onda de implementação. A terceira
fase, de 2010 até os dias de hoje, foi caracterizada pela destilação
das lições aprendidas com o início da onda de implementação
e pela emergência de críticas autorreflexivas sobre os impac-
tos marginais que a implementação produziu. Como Paul
Jackson argumentou, ao invés de um avanço em programas
de reformas holísticos, centrados nas pessoas, dedicados às
questões governança, responsabilidade democrática e direitos
135
humanos, a primeira onda dos programas de RSS em situações
de conflito habitualmente compreendeu “um grupo bastante
misto de políticas e iniciativas ad hoc” englobando “atividades
tradicionais de segurança e de desenvolvimento [...] renomeadas
e rotuladas como reforma do setor de segurança” (JACKSON,
2011, p. 1811-1812).
Desde o surgimento do modelo de RSS, “reformadores”
tendem a ver a reforma como um processo mecânico e
burocrático a ser implementado por técnicos e especialistas
como soldados, policiais e peritos judiciais. Suposições e
abordagens de “engenharia social tecnocrática”, dizem Egnell e
Haldén (2009, p. 46), “são inerentes à maior parte da literatura,
declarações políticas, manuais e estratégias de reforma do setor
de segurança”. Hendrickson (2009, p. 13) afirma que o modelo
de reforma aparentemente ignora a realidade de que o processo
“é inerentemente político” e envolve o delicado reequilíbrio
de poder através de um vasto processo holístico que engaja
diferentes níveis de governo e da sociedade. Para seu crédito,
Egnell e Haldén afirmam que “a literatura sobre reforma do
setor de segurança é, até certo ponto, ciente dos muitos desafios
e contradições na política e na implementação das reformas”,
mas elas são apresentadas tipicamente em termos estratégicos
ou tecnocráticos; “melhorando estratégias, aumentando
compromissos políticos e de financiamento” ou “desenvolvendo
um melhor conhecimento técnico sobre o grupo de pessoas
envolvido na reforma” (EGNELL; HALDÉN, 2009, p. 47).
As visões limitadas pelas quais cada doador percebeu
e propagou a reforma do setor de segurança lançaram
sérias dúvidas sobre até que ponto os programas de reforma
patrocinados externamente podem ser apropriados e
conduzidos pelos interessados locais. Afinal, como mostra
Hendrickson (2009, p. 17), muitas vezes fala-se em reforma
“como algo que é ‘feito’ para os países parceiros ao invés de ser
uma agenda na qual os países do Norte e Sul devem se engajar
igualmente como parceiros”.

136
Uma pesquisa do OECD DAC de 2005 sobre 110 países
em desenvolvimento revelou que o conceito da RSS “ainda
não é familiar para a maioria dos funcionários do governo e
membros das forças de segurança [...] e o principal ímpeto para
a RSS tende a ser de natureza externa”, situação que continuou
se mostrando verdadeira em 2014 (OECD DAC, 2005, p. 56).
Apesar dos doadores de reforma do setor de segurança
terem elevado a apropriação local a um nível absoluto, ela
continua a ser vista por atores locais, em muitos contextos de
reformas, como uma imposição alienígena, com a demanda de
implementação vindo dos doadores ao invés dos beneficiários.
Nas palavras de Bruce Baker e Eric Scheye, “uma aproximação
da RSS centrada no Estado costuma falhar ao considerar as
reais necessidades, desejos e demandas das populações locais”
(BAKER; SCHEYE, 2007, p. 505). A lógica de padronização
da RSS contribui para intervenções técnicas, apolíticas e não
contextuais, que limitam sua habilidade de criar raízes em
sociedades não ocidentais que não possuem tradições liberais
e estadistas.
A realidade desconfortável para muitos reformadores do
setor de segurança é que os países beneficiários frequentemente
não querem o que eles estão “vendendo”. Em um trabalho para a
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE), Nicole Ball e Luc van de Goor apresentaram que
consultas com os governos beneficiários em uma série de países
submetidos a projetos de reforma com apoio internacional,
surpreendentemente revelaram que

apesar da retórica [...] os governos na Guiné-Bissau, Nepal e


Timor-Leste claramente não estão interessados na ‘reforma
do setor de segurança’, tanto como uma ferramenta analítica
como um conceito operacional (BALL; van de GOOR, 2011,
p. 24).

O mesmo poderia ser dito sobre vários outros governos


beneficiários que foram tratados como atores passivos nesses
experimentos internacionais de engenharia social. Eles podem
137
apoiar o conceito como resposta ao incentivo e coerção dos
doadores, porém têm pouco interesse em investir capitais
políticos e recursos humanos escassos na sua implementação.
As experiências de implementação de RSS na última década
demonstraram que a aplicação do modelo ortodoxo de reforma
precisava de uma mudança política e prática radical por parte
dos doadores. Entre as principais necessidades específicas
estavam: maior coordenação intergovernamental, modalidades
de financiamentos mais flexíveis, novos protocolos para o
engajamento significativo das partes interessadas locais e uma
maior tolerância na assunção de riscos nos imprevisíveis e
fluidos cenários de países afetados por conflitos.
Damian Lilly, Robin Luckham e Michael von Tangen
Page reconheceram adequadamente em 2001, logo depois da
introdução do conceito de RSS, que ela

implica, em alguns aspectos, muito mais em mudanças nas


práticas dos doadores em termos de melhoria de coerência
e coordenação, do que o que ocorre nos países que recebem
ajuda (LILLY; LUCKHAM; PAGE, 2001, p. 1).

A maioria dos doadores ainda tem que estabelecer


uma arquitetura interna, coesão intergovernamental e uma
mentalidade operacional flexível necessária para melhorar o
modelo de reforma do setor de segurança (HENDRICKSON;
KARKOSZKA, 2005, p. 32).
Em muitos aspectos há a existência de práticas dos
doadores e modalidades de prestação de assistência nas áreas de
construção da paz e do Estado que não são compatíveis com a
agenda da RSS. Ciclos curtos de programação, uma abordagem
“projetada” gradativamente para reformar, incompreensão
crônica dos contextos locais e uma tendência de privilegiar o
apoio às ONGs internacionais em detrimento de parcerias com
governos e membros da sociedade civil local – características
comuns dos doadores que prestam auxílio a países afetados por
conflitos – minaram o avanço de programas efetivos de reforma
do setor de segurança (HENDRICKSON; KARKOSZKA, 2005, p. 34).
138
O impacto do 11 de setembro na agenda da reforma
do setor de segurança

O ataque terrorista de 11 de setembro nos Estados Unidos


gerou uma mudança no pensamento sobre segurança com
significativas implicações para a implementação do modelo
de RSS. A maioria dos países ocidentais colocou o terrorismo
no topo de suas matrizes de ameaças e isso os levou a olhar a
assistência bilateral para o setor de segurança através de uma
“visão” de contraterrorismo. De um modo geral, a RSS passou
a ser vista como uma importante ferramenta, ou arma, para
garantir a segurança do núcleo ocidental contra as ameaças
eminentes da periferia global. Como a Estratégia Nacional de
Defesa Norte-Americana declarou em 2008

nós trabalharemos com e por meio de Estados com ideais


semelhantes aos nossos para ajudar a diminuir as áreas não
governadas no mundo e assim, negar santuários aos extremistas
e a outros grupos hostis. Ajudando os outros a policiarem a
si próprios e suas regiões, iremos lidar coletivamente com as
ameaças ao amplo sistema internacional (US DEPARTMENT
OF DEFENSE, 2008).

Os Estados frágeis, falidos e afetados por conflitos


passaram a ser vistos como uma ameaça existencial ao sistema
internacional liberal e a reforma do setor de segurança passou
a ser tratada com uma ferramenta de contenção – como uma
maneira de manter a caixa de Pandora fechada. Como Mark
Duffield explica,

a ameaça de um Sul excluído, que fomenta a instabilidade


internacional através do conflito, atividades criminosas e
terrorismo, é agora parte de um novo quadro de segurança.
Dentro desse quadro, o subdesenvolvimento se tornou
perigoso (DUFFIELD, 2001, p. 2).

As exigências da “guerra global ao terror”, mais do que o


objetivo de progredir nas necessidades da segurança humana
139
das populações locais, têm ditado a forma de muitos programas
de RSS na era pós-11 de setembro. Isso se traduziu no aumento
de programas de RSS com ênfase na eficácia operacional das
forças de segurança acima da necessidade de promover um bom
governo. Em outras palavras, o caráter holístico do processo
tem sido deixado de lado, ficando apenas o aspecto “duro” da
segurança.
Como nota Nicholas Wadell, em países considerados
geoestrategicamente importantes como Afeganistão e Iraque,
onde os programas de RSS vem sendo empreendidos, os
doadores têm se inclinado a

abrandar a promoção de boa governança [...] e se tornaram


mais tolerantes com as medidas politicamente repressivas,
percebidas para reduzir as ameaças à segurança internacional
(WADELL, 2006, p. 548).

Tal aproximação contradiz a premissa fundamental


subjacente da reforma do setor de segurança, ou seja, que um
setor de justiça e segurança mal governado pode “ser uma
das principais causas de insegurança” nos países afetados por
conflitos e podem perpetuar ciclos “de violência, conflitos e
criminalidade” (UNDP, 2003, p. 5-6).
Um estudo sobre a ajuda dos Estados Unidos ao setor de
segurança apresentou que a maioria dos aliados dos norte-
americanos em sua “guerra ao terror” recebeu 90 por cento de
toda a ajuda militar e policial enviada para 47 Estados frágeis
entre 2000 e 2004 (ISACSON; BALL, 2006, p. 414). Como aponta
Ball (2007, p. 6), “muito dessa ajuda se assemelha a assistência
que Washington enviou para países em desenvolvimento
aliados no ápice da Guerra Fria”. Isto significa que, ao contrário
do princípio da RSS, a ênfase da assistência norte-americana se
dá em objetivos convencionais de treinamento e equipamento
com pouca preocupação com as questões de governança. De
fato, países em desenvolvimento que se tornaram novas frentes
na “guerra ao terror” como Paquistão, Iêmen e Afeganistão,

140
receberam dos países ocidentais um grande fluxo de assistência
à segurança após o 11 de setembro para permitir o aumento de
suas capacidades de segurança interna e de inteligência (BALL;
HENDRICKSON, 2006; COOKMAN et al., 2011; SERAFINO,
2012).
As preocupações com os assuntos de governança
democrática e direitos humanos têm sido previsivelmente
silenciadas nessas renovadas parcerias estratégicas. Dentre esses
países parceiros, muitos foram transformados de trapaceiros
ou parceiros estratégicos isolados, no dia 10 de setembro, em
parceiros indispensáveis no dia 12 de setembro, e exploraram a
crescente ambivalência dos doadores ocidentais em relação aos
princípios democráticos da prestação dos serviços de segurança
para reviver as práticas autoritárias e não democráticas que são
nocivas à ortodoxia da reforma do setor de segurança.
Eboe Hutchful e J. Kayode Fayemi observam que

os esforços para ganhar o apoio dos países desenvolvidos na


‘guerra ao terror’ têm tido, no caso da África, maior impacto
na maneira como a ‘segurança’ é concebida e como a reforma
do setor de segurança é abordada, como por exemplo,
minimizando as questões de governança, alterando a ênfase
da segurança ‘soft’ (ou ‘humana’) para a segurança tradicional
(ou ‘hard’), revivendo as parcerias com regimes ditatoriais
da Guerra Fria, suprimindo oposições locais e minando
legítimas lutas de grupos locais por direitos, cunhando-os
como ‘terroristas’ (HUTCHFUL; FAYEMI, 2005).

Essa tendência promovida pelos EUA de enquadrar toda


assistência de segurança por meio de uma “visão” antiterrorismo
ganhou um novo impulso em maio de 2014 quando o Presidente
Obama, em um discurso na Academia Militar de West Point,
solicitou ao Congresso americano autorização para a criação de
um novo Fundo de Parcerias contraterrorismo de até 5 bilhões
de dólares. O fundo permitiria aos Estados Unidos, em suas
palavras, “treinar, capacitar e facilitar os países parceiros nas
linhas de frente” da guerra global ao terror (RFE/RL, 2014).

141
O anúncio veio alguns dias depois das revelações do New
York Times de que as Forças de Operações Especiais norte-
americanas estavam treinando unidades antiterroristas de elite
em quatro países do Norte e do Oeste da África, com o objetivo
de ser a vanguarda contra a crescente presença da Al-Qaeda
naquele continente (SCHMITT, 2014).
Entre os países alvos do programa de assistência estão: Líbia,
Nigéria, Mauritânia e Mali. Em menos de um ano de programa,
os riscos associados da abordagem treinamento de pessoal e
equipamento foram demonstrados quando um acampamento
norte-americano na Líbia, que estava sendo usado para treinar
forças líbias especializadas no combate ao terrorismo, foi
invadido por militantes que, subsequentemente, “roubaram
centenas de armas automáticas fornecidas pelos americanos,
óculos de visão noturna, veículos e outros equipamentos”
(SCHMITT, 2014). O programa foi suspenso com o retorno dos
instrutores aos EUA. Esses movimentos mostraram que a visão
apoiada em alto grau no contraterrorismo e suas operações
concomitantes focadas em treinamento e equipamento foram
colocadas no centro da assistência norte-americana à segurança.
Talvez ironicamente, um mês antes do discurso do Presidente
Obama em West Point, Samantha Power, a embaixadora norte-
americana nas Nações Unidas, saudou a primeira resolução
do Conselho de Segurança da ONU com um posicionamento
sobre a reforma do setor de segurança (RES. 2151) indicando
que:

Muitas vezes, as abordagens de reforma do setor de segurança


estão limitadas à formação de base ou ao estabelecimento
de unidades individuais de segurança e falham em criar
instituições de segurança que possam efetivamente manejar
as forças nacionais e que sejam responsáveis em relação às
complexas necessidades das sociedades [...] é imperativo
que a reforma no setor de segurança não inclua somente o
treinamento em táticas militares, mas também as respostas
às ameaças à população civil e a proteção contra a violência
sexual em conflitos (POWER, 2014).

142
Os EUA, mais do que qualquer outro país doador, ainda
têm que abraçar a visão de assistência à segurança e à justiça
da reforma do setor de segurança. Muitas vezes os norte-
americanos elogiam os princípios do modelo, mas, ao mesmo
tempo, avançam militarmente, aplicam políticas duras de
segurança, exemplificadas pelo lançamento de um fundo aberto
contra terrorismo no qual parece faltar qualquer preocupação
com as questões de governança e de segurança humana.

As escolas (de pensamento) sobre o futuro da reforma


do setor de segurança

Os desafios e os contratempos vividos pelos doadores na


aplicação da reforma do setor de segurança impulsionaram a
emergência de algumas críticas ao modelo. O discurso crítico
anterior, inicialmente, se manifestou na forma de um debate
sobre a nomenclatura da RSS. Muitos que atuavam no campo
pressionaram a favor de mudanças na terminologia, alterando,
por exemplo, o termo reforma para transformação no setor de
segurança a fim de destacar a imensa escala do conceito e para
lançar uma bagagem normativa aparente associada à palavra
“reforma”.
A OCDE substituiu a designação “setor de segurança”
para “sistema de segurança”, com a finalidade de enfatizar a
natureza holística, sistêmica e interconectada do processo.
Mais recentemente, doadores como o Departamento para o
Desenvolvimento Internacional – Department for International
Development (DFID), do governo britânico, têm dispensado o
termo reforma do setor de segurança por completo, adotando
o termo mais genérico de “reforma de segurança e justiça” para
tais iniciativas. Isso também tem relação com a preocupação
de especialistas em Estado de direito sobre as iniciativas que
tratam de justiça sob o guarda-chuva da segurança. Esses
debates podem parecer pouco mais do que uma distração em
relação aos sérios e práticos problemas da implementação de

143
reformas. No entanto, eles vão além da semântica, pois refletem
uma crescente inquietação sobre o rumo do conceito, seu
crescente escopo e sua lacuna conceitual-contextual.
Esse desconforto palpável em relação ao impacto e ao rumo
da reforma do setor de segurança tem impulsionado algumas
escolas (de pensamento) amplas e ainda em evolução sobre
o futuro do modelo. Três delas podem ser definidas como:
“escola monopólio”, “escola bom o suficiente” e “escola híbrida”
(SEDRA, 2013). O tema-chave ou variável que une e divide as
escolas são suas posições sobre o papel do Estado.
A escola monopólio, talvez a dominante entre as três
existentes na comunidade política, adota uma abordagem
tecnocrata centrada no Estado que prioriza a instalação de
estruturas com orientação ocidental (ANDERSEN, 2011).
Defensores dessa escola sustentam que instituições mais
robustas são a chave para avançar na estabilização e na
construção da paz em países em transição, assegurando
uma capacidade estatal mais densa e profunda de garantir o
monopólio do uso da força. As razões para as falhas do modelo
de RSS, segundo esta escola, foram insuficiência dos recursos
por parte dos doadores, de coordenação, de capital político
e de tempo. Assim, afirmam que a maior aplicação desses
ingredientes seria a cura para o modelo “doente” da reforma do
setor de segurança.
A escola “bom o suficiente” também vê como o ponto
final do processo de reforma o Estado. Não necessariamente
um Estado idealizado no modelo ocidental, com o completo
monopólio do uso da força, mas sim um Estado mediador “bom
o suficiente”, que atenda aos critérios mínimos de existência do
estado weberiano. A escola evita o planejamento estratégico
de longo prazo, optando pela implementação de um programa
interativo e adaptável que favoreça intervenções de curto e
médio prazo como forma de criar condições para estratégias de
reforma convencionais e mais abrangentes, semelhante ao que
alguns estudiosos como Muggah e Colletta (2009) chamaram
de medidas provisórias de estabilização. Assim, é passível de se
144
envolver com estruturas de segurança e de justiça não estatais e
alternativas, mas como uma medida temporária ou transitória
com a finalidade de ganhar tempo para que condições
políticas e de segurança se formem, se alinhem e amadurecem,
permitindo soluções mais convencionais e estatizantes. Seria
uma aproximação ad hoc e pragmática que procura combinar
o reconhecimento de realidades imediatas no terreno com
aspirações liberais de longo prazo para concretizar pelo menos
algumas das prescrições ambiciosas do modelo ortodoxo da
reforma do setor de segurança.
A escola híbrida é a mais radical e transformadora das três
e argumenta que o Estado weberiano de orientação liberal está
deslocado da maioria dos ambientes afetados por conflitos.
Ela está enraizada em um debate mais amplo sobre hibridismo
no campo da construção da paz que avançou por conta de
autores como Roger Mac Ginty e Oliver Richmond. Como
explica Mac Ginty (2008, p. 140), uma aproximação híbrida
para a construção da paz implica em um maior compromisso
com as realidades políticas locais e o reconhecimento de que o
projeto da paz liberal tende a minimizar “o espaço vago para
aproximações tradicionais e locais para o estabelecimento
da paz” (peace-making). De acordo com Oliver Richmond, o
hibridismo oferece

a possibilidade de colocar de volta o contrato social no coração


dos Estados pós-conflitos, ou de permitir a emergência de
uma nova política pós-liberal que é mais ‘autêntica’, ressonante
e representativa localmente (RICHMOND, 2009, p. 326).

Isso reflete, como aponta Greener (2011, p. 357), a realidade


de que “as atividades geralmente associadas com a ‘construção
da paz’ são sem sentido em si mesmas e sem conexão com um
contexto político mais amplo”.
Por caracteristicamente ignorar um conjunto difuso de
autoridades não estatais e informais no terreno, as intervenções
de RSS perdem a oportunidade de promover segurança,

145
estabilidade e paz sustentáveis. O problema com as intervenções
de RSS para a escola híbrida não é a insuficiência dos recursos
fornecidos pelos doadores, mas o foco rígido no Estado e na
perspectiva apolítica, que tende a ignorar as dinâmicas locais
de poder. Para ser um sucesso, a reforma do setor de segurança
deve ser menos normativa, menos focada no Estado e mais
sintonizada com as realidades locais. A escola híbrida prevê
arranjos de cogovernança entre autoridades estatais e não
estatais não como uma medida temporária, mas como uma
característica permanente. Isso significa, como estabelece
Richmond (2009, p. 325), “envolvimento com o cotidiano além
dos parâmetros artificiais do Estado liberal”.
O futuro do modelo da reforma do setor de segurança
em ambientes afetados por conflitos, aos olhos de analistas
como Baker e Scheye, será determinado pela habilidade dos
reformadores de se envolver mais habitualmente nas estruturas
de justiça e de segurança não estatais e nos contextos locais. Isso
porque, como reconheceu o DFID no início do debate sobre
a RSS, “cada país define segurança com base em sua própria
história, seus contextos internos e externos e seus objetivos
nacionais” (DFID, 2000, p. 47).
Baker e Scheye (2005, p. 504) não exigem que a reforma
e todas as formas de assistência à segurança baseadas no
Estado sejam deixadas de lado, mas preferem o envolvimento
simultâneo de “outras camadas de provisão de segurança e
justiça: comercial, comunitária e informal”. Essa noção de
maior engajamento com o local, informal e tradicional, criando
formas híbridas de assistência à segurança e à justiça, está sendo
sancionada cada vez mais pelos círculos políticos internacionais.
O relatório de 2011 do Banco Mundial sobre desenvolvimento
admite que “uma mistura de abordagens estatal e não estatal,
de baixo para cima e de cima para baixo, sustenta melhor
as transformações institucionais de longo prazo” em países
afetados por conflitos (WORLD BANK, 2011, p. 271). O Banco
reconhece que

146
é necessária uma maneira diferente de fazer as coisas [...] para
se afastar das atuais práticas simples de ajustes e avançar em
direção a um novo conjunto de ferramentas fundamentais que
liguem desenvolvimento à segurança (WORLD BANK,
2011, p. 271).

Entretanto, os incentivos dos Estados doadores


tradicionalmente influenciaram contra tais mudanças,
consideradas arriscadas e potencialmente nocivas aos seus
interesses. A aceitação de um novo incentivo e de riscos
calculados pelos doadores ocidentais pode ser uma pré-
condição para a viabilidade da abordagem híbrida.
Alguém poderia acrescentar uma quarta escola de
pensamento que exige o retorno à assistência de segurança
convencional baseada em treinamento e equipamento, exem-
plificada pelos recentes movimentos dos Estados Unidos para
aprimorar as capacidades estrangeiras contraterrorismo. Tal
ajuda que ignora princípios fundamentais da reforma do setor
de segurança relacionados com a boa governança, direitos
humanos e controle civil democrático, é tecnicamente simples
de operacionalizar e mais fácil de controlar e mensurar. Ela não
requer longas intervenções e pode ser diretamente combinada
com os interesses estratégicos dos interventores. Na verdade,
o entusiasmo para derrubar completamente o conceito da
RSS e mudar para as transações bilaterais de segurança da
época da Guerra Fria está crescendo, principalmente nos
estabelecimentos militares.

O movimento para a segunda geração

Esse último pensamento não parece ser uma opção para


a reforma do setor de segurança. Pressões para mudanças
paradigmáticas na RSS e o projeto de paz liberal provavelmente
irão aumentar na próxima década devido a quatro fatores. Pri-
meiro, o crescente legado obscuro e cauteloso das intervenções
no Afeganistão e Iraque, onde os programas de reforma foram

147
enquadrados como elementos centrais na transição da guerra
para a paz, irá lançar uma extensa sombra sobre o modelo da
reforma do setor de segurança e o amplo projeto da paz liberal.
A situação nos dois países em 2014 era altamente precária e
volátil, com altos níveis de reincidência da violência em curso.
Os Estados Unidos, por exemplo, já demonstraram relutância
em se comprometer com missões de construção do Estado
em larga escala, como demonstraram as crises na Líbia, Síria
e Mali, entre 2012 e 2014. Os norte-americanos optaram
por uma assistência menos ambiciosa e complicada baseada
em treinamento e equipamento, dissociada do processo de
governança e democratização e diretamente combinada com os
seus interesses estratégicos.
Esse emergente declínio da ambição no avanço dos
processos de mudança dos setores de segurança nos países
afetados por conflitos não é limitado aos Estados Unidos, mas
está se tornando cada vez mais uma característica comum de
muitos países doadores ocidentais. Se as condições continuarem
se agravando no Afeganistão e no Iraque – esse último viu suas
forças de segurança desmoronar diante da violência insurgente
em julho de 2014 – nos próximos anos, a crescente reticência
para apoiar intervenções de construção da paz e construção
do Estado só aumentará. O impulso para encorajar e fortalecer
regimes pró-ocidentais estáveis não irá desaparecer, porém, os
poderes ocidentais provavelmente estarão menos inclinados a
atingir esse objetivo através de projetos de construção da paz e
do Estado.
Segundo, as novas realidades econômicas do ocidente que
se seguiram à desaceleração econômica de 2008 irão limitar a
capacidade e ambição dos países ocidentais em transformarem
as sociedades da periferia do sistema. Os orçamentos de
ajuda ocidentais estão diminuindo e os governos ocidentais,
conscientes dos custos, estão convocando suas agências de
desenvolvimento para encontrar “eficiência” e valorizar mais os
recursos disponíveis. As imensas reservas externas necessárias
para programas abrangentes e holísticos de reforma não
148
estarão disponíveis e as pressões internas no ocidente para que
os Estados se retirem de compromissos custosos no exterior
provavelmente aumentarão.
Terceiro, a mudança do clima geopolítico e a crescente
assertividade dos poderes globais emergentes como China,
Índia e Brasil podem fornecer um contrapeso para o projeto
de paz liberal. Em suas declarações sobre reforma do setor
de segurança, esses Estados apoiaram estratégias menos
prescritivas normativamente, enfatizando que os princípios de
soberania devem ser rigorosamente mantidos na assistência
externa para a RSS. O embaixador chinês na ONU, Liu Jieyi,
enfatizou isso em seu discurso para o Conselho de Segurança,
durante um debate aberto sobre a Resolução 2151, encorajando
os Estados-membros a se lembrarem de que “a segurança
nacional está dentro do campo da soberania nacional” e que

a ONU e a comunidade internacional, ao oferecerem apoio


aos esforços da reforma do setor de segurança em países que
emergem de conflitos, devem sempre respeitar o princípio da
apropriação nacional (XINHUA, 2014).

A China e outros doadores emergentes para a reforma do


setor de segurança têm demonstrado uma grande disposição
de se engajarem em políticas e realidades de poder locais na
provisão de suas assistências para segurança. Isso não significa
necessariamente que esses doadores emergentes facilitarão mais
as abordagens híbridas. Para eles, assim como para os países
ocidentais, há uma tendência de basear as intervenções mais
em seus interesses geoestratégicos do que nas necessidades de
segurança humana das populações locais. De fato, alguns desses
poderes emergentes têm apresentado claramente seus interesses
em apoiar incontáveis estruturas estatais frequentemente
fortes em contextos de transição. Contudo, suas crescentes
assertividades colocarão uma grande pressão na paz liberal e,
provavelmente, encorajarão esforços para catalisar mudanças
no modelo da RSS.

149
Por último, a globalização deu aos grupos não estatais e
da sociedade civil da periferia global uma nova voz e poder
para requerer e afirmar seu papel nos processos de transição.
Utilizando as modernas tecnologias de comunicação, esses
grupos podem alcançar diretamente os Estados doadores e
suas populações, bem como mobilizar seus próprios eleitores
domésticos. A maior assertividade e capacidade desses grupos,
mesmo em ambientes onde o capital social foi diminuído
devido ao conflito armado, pode gerar novas pressões para a
hibridização.
Analistas da reforma do setor de segurança, profissionais
e decisores políticos apresentam cada vez mais a necessidade
de mudar para uma segunda geração do modelo de RSS,
pois somente isso pode preencher a lacuna conceitual-
contextual (SEDRA, 2010). É semelhante à “paz pós-liberal” de
Richmond, que procura criar uma ligação mais forte entre o
modelo ortodoxo de RSS e as normas, estruturas e modos de
comportamentos locais. Há uma crescente crença que a RSS,
em sua forma atual, é muito utópica, tecnocrática, estatocêntrica
e dirigida demais pelos doadores para ser bem-sucedida. Os
princípios liberais do processo sempre foram mais aspirações
do que realidades nos países afetados por conflitos e raramente
têm sido alcançados na prática.
A reforma do setor de segurança surgiu, em grande parte,
fora da comunidade de desenvolvimento e, como afirma o
DAC OCDE (OECD, 2010, p. 5), é amplamente aceita “como o
componente central da assistência ao desenvolvimento” e “uma
ferramenta importante para as agências de desenvolvimento
em seus esforços para prevenir conflitos e construir a paz”.
Como Clare Short (1999) afirmou em seu pioneiro discurso
de 1999, segurança é “um pré-requisito essencial para o
desenvolvimento sustentável e a redução de pobreza” e, por
extensão, a RSS foi necessária para fortalecer a “contribuição
para o desenvolvimento” mundial. Essa desenvolvimentalização
da assistência à segurança pós-Guerra Fria foi congelada após o
11 de setembro (SCHNABEL; FARR, 2012).
150
Um processo reverso de ressecuritização aconteceria nos
anos que se seguiram, colocando o modelo da RSS em um
terreno incerto. A securitização da reforma privou o processo
de grande parte de seu significado original, excluindo-o do seu
foco na governança e na segurança humana. Heather Marquette
e Danielle Beswick observam que

muitas vezes, onde escolhas precisam ser feitas por doadores


sobre os programas e as atividades nas quais devem priorizar
seu apoio, o treinamento e o equipamento dos militares são
considerados como mais importantes e mais viáveis em curto
prazo do que o desenvolvimento de mecanismos de supervisão
e de responsabilidade civil para integrar esse ‘serviço’ em um
contrato social entre o Estado e a sociedade (MARQUETTE;
BESWICK, 2011, p. 1710).

Como resultado, os atores do desenvolvimento que criaram


a RSS têm se retirado gradualmente do cenário de segurança,
apesar de suas precipitadas convicções que a segurança era uma
pré-condição para o desenvolvimento sustentável, cedendo-o
de volta para os agentes convencionais da segurança “dura”
que dirigiram a máquina de treinamento-equipamento da
Guerra Fria. Essa tendência, afirma Waddell (2006, p. 532), foi
enraizada numa “preocupação em desenvolver círculos em que
a redução da pobreza é minada pela conscrição de políticas de
desenvolvimento para servir à ‘guerra ao terror’”. As agências de
desenvolvimento se colocaram na defensiva como se tivessem
que proteger as metas de desenvolvimento do engajamento
dos novos atores e das ameaças à segurança. Essa tendência,
se continuar, provavelmente acelerará a decadência do núcleo
liberal do modelo e permitirá a emergência de um novo conceito
de segunda geração da reforma do setor de segurança.

Conclusão

A reforma do setor de segurança é um conceito em transi-


ção, se não em crise. Suas altas ambições, que alguns chamam

151
de irrealistas, raramente foram traduzidas em mudanças
positivas no terreno dos países afetados por conflitos. O fraco
desempenho do modelo fez com que muitos analistas, como
Paul Jackson (2011, p. 1805), levantassem “questões sobre o
quão longe a RSS realmente pode chegar no mundo real”. Apesar
de mais de uma década de experiência em estudos de caso e

não obstante um considerável entusiasmo para essas


atividades há uma fina evidência [...] de resultados efetivos nos
campos da reforma do setor de segurança durante (ou após)
a transição da guerra para a paz (COLLETTA; MUGGAH,
2009, p. 446).

De acordo com Andersen (2011, p. 14), o modelo é


baseado em uma premissa cada vez mais contestada que as
normas liberais e a soberania weberiana são “universalmente
alcançáveis” ou mesmo “desejáveis” durante a transição em
países afetados por conflitos. De fato, Adedeji Ebo (2007, p. 28)
explica que um dos dilemas que a RSS enfrenta é

a contínua prevalência de quadros políticos baseados no


Estado de Vestefália, dentro de um contexto operacional onde
o Estado está sob um crescente desafio dos atores não estatais,
como milícias armadas, companhias militares e de segurança
privadas, grupos vigilantes e corporações multinacionais.

Alguns proponentes da RSS argumentaram que um dos


principais problemas que aflige o conceito de reforma é que
ele tem sido incompreendido e mal empregado nos ambientes
afetados por conflitos. Mark Downes (2014) afirma que a RSS
nunca teve a intenção de ser tratada como uma “disciplina” a
parte, mas sim como um amplo conjunto de princípios que
pretende guiar e integrar reformas de segurança e justiça.
Enquanto essa interpretação se contradiz com muitos dos
documentos centrais que definiram a reforma do setor de
segurança, até mesmo a materialização dessa versão do modelo
falhou, com suas normas centrais regularmente ignoradas,

152
evitadas ou invertidas pelos doadores e beneficiários da ajuda,
nos Estados frágeis, falidos ou afetados por conflitos, seja na
aplicação como um programa de política integrada, seja como
um conjunto de princípios orientadores não vinculativos.
Dessa forma, o futuro da reforma do setor de segurança
se resume a duas questões fundamentais: o papel do Estado
e a capacidade dos doadores ocidentais de efetivar mudanças
transformativas no modelo da RSS e nas suas próprias práticas
desenvolvimentistas. O Estado é o único ator capaz de fornecer
estabilidade, segurança e boa governança, ou os arranjos
híbridos podem, envolvendo normas alternativas e estruturas
de governança não estatais, promover melhor a paz e a
segurança para as populações locais? Essa é uma questão aberta
e controversa. Como escreve Paul Jackson (2011, p. 1818),

críticos da abordagem da paz liberal e, por implicação, da


abordagem ortodoxa da RSS, admitem que o que é realmente
necessário é um rebalanceamento entre a regulação externa
e a voz interna que poderia levar a um Estado eficaz que seja
localmente responsável.

Enquanto alguns defensores dos doadores de reforma


apelaram por pequenas mudanças no processo de
implementação da RSS, como planejamentos estratégicos
melhores e mais flexíveis e programas com cronogramas mais
longos e mais sintonizados com a abordagem política, o que é
mais necessário é uma mudança fundamental no modo como
os reformadores do setor de segurança compreendem e se
aproximam dos Estados frágeis, falidos ou que foram afetados
por conflitos.
Em seu artigo, Short (2010, p. 14) lamentou que a RSS se
tornou “mais um simples empreendimento da moda do que
parte de uma parceria de longo prazo para ajudar a construir
Estados em desenvolvimento”. Previsivelmente, abordagens de
reforma tipo-padrão provaram ser mal adaptadas para catalisar
mudanças nas sociedades afetadas por conflitos. Na verdade, a
forma dos processos aplicados em lugares como Afeganistão,
153
Iraque, Líbia e República Democrática do Congo, está deci-
didamente alienada das altas ambições liberais apresentadas em
documentos como o manual da OCDE (OECD DAC, 2007).
A natureza confusa e complicada desses ambientes tem
se mostrado em desacordo com a paz liberal pura idealizada,
exemplificada no modelo ortodoxo da reforma do setor de
segurança. Esses cenários difíceis demonstram intensamente
que uma mudança liberal transformadora não pode ser
simplesmente implantada sem complicações, mas deve ser
negociada cuidadosamente e meticulosamente e ser adaptada
aos interesses e condições locais. O modelo da reforma do setor
de segurança parece estar se aproximando de um precipício – ou
será reformado e adaptado às difíceis condições das sociedades
afetadas por conflitos, conciliando os interesses dos doadores
com as necessidades e realidades locais, ou será despachado
para a lixeira da política internacional.

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159
Os Desafios da Reforma do Setor de Segurança
na República da Guiné-Bissau

Christoph Kohl

Introdução

As reformas do setor de segurança são comumente


consideradas como um pré-requisito para criar, em países pós-
conflitos, estruturas judiciárias, policiais e militares eficazes e
democráticas, e também para promover estabilidade política
e desenvolvimento econômico e social. Reformas do setor da
segurança são processos políticos bastante ambiciosos, devido
à abordagem holística. No entanto, muitas vezes a realidade fica
aquém das expectativas, como no caso da Guiné-Bissau.
Esse país do Oeste africano se caracteriza não só por
problemas econômicos e desequilíbrios sociais, mas também
pela instabilidade política, associada aos problemas no setor
de segurança. A reforma desse setor, portanto, apareceu como
uma solução para a crise em curso no país. Entretanto, as
expectativas não foram cumpridas. De fato, Guiné-Bissau é
hoje considerada como um exemplo-modelo para o fracasso
de implementação das reformas do setor da segurança. Logo, o
pequeno país se presta à investigação das causas desse fracasso,
à análise das discrepâncias entre a exigência oficialmente
anunciada de uma reforma holística do setor da segurança, por
um lado, e as dificuldades e desafios na aplicação prática do
conceito, por outro.
Os problemas da Guiné-Bissau são realmente imensos. Nos
últimos anos, o país apareceu negativamente nas manchetes.
A principal razão foram intervenções militares na política,
inúmeros golpes de Estado, o mais recente em abril de 2012,

160
e sua transformação num país-chave para o tráfico de drogas.
Esses acontecimentos resultaram na designação da Guiné-
Bissau como um dos países “falidos” (MESSNER, 2013). Apesar
das críticas sobre tais atributos (BETHKE, 2012; LUCKHAM;
KIRK, 2013), há evidências de que o pobre desempenho da
Guiné-Bissau no último Índice de Desenvolvimento Humano
(MALIK, 2013) indica os problemas fundamentais do país.
Após a guerra civil de 1998-99, conhecido por “conflito
militar”, a comunidade internacional já tinha identificado o se-
tor de segurança guineense como responsável pela instabilidade
política, injustiça e falta de desenvolvimento social e econômico.
A esperança da comunidade internacional era de que a reforma
do setor de segurança contribuiria para a estabilidade do país
e a promoção de um desenvolvimento pacífico. A reforma,
esperavam os proponentes deste conceito, garantiria um Estado
de direito eficiente e forças de segurança responsáveis perante o
governo. A criação de estruturas de segurança democráticas, em
consequência, permitiria um clima propício para o aumento do
investimento privado e a diminuição da corrupção, resultando
no aumento do emprego, no crescimento econômico e no
progresso social. Os interesses dos doadores seriam também
satisfeitos pela reforma, incluindo a eliminação do tráfico
de drogas, a estabilização política da região e a limitação da
imigração ilegal da Guiné-Bissau para Europa.1
Desde 2005, portanto, vários atores internacionais e
supranacionais tentaram implementar uma reforma do setor
da segurança, trabalhando em conjunto com representantes
do governo e do setor da segurança guineense, contudo,
com sucesso limitado até agora. Os atores apontaram como
responsáveis pelas falhas, principalmente, resistências dentro
do exército e da política em relação às tentativas de reforma,
mas também a falta de capacidade no seio das autoridades
guineenses e uma falta de coordenação entre os diferentes
doadores. O fracasso dessas missões não só levaram à frustração
e desilusão nas fileiras daqueles que tentaram implementar os
1. Ver, por exemplo, OECD, 2007.
161
projetos, mas também, reforçou a imagem negativa da Guiné-
Bissau perante a comunidade internacional. Nesse contexto,
surge a pergunta sobre as razões para o fracasso das tentativas
reformadoras.
Na análise que segue, defendemos que é impraticável a
atual aplicação do conceito de reforma do setor de segurança na
Guiné-Bissau, devido à existência de percepções e expectativas
diferentes sobre a reforma entre os doadores e os beneficiários.
Além disso, os doadores compreendem e consideram apenas
de maneira rudimentar as preocupações e ressalvas locais. As
possibilidades de participação do governo local, dos membros
do setor da segurança, da sociedade civil e da população
em geral, continuam limitadas. Se levarmos em conta as
perspectivas locais, elas só ocorrem de maneira pontual. Logo,
esse requisito essencial para um sucesso das reformas não é
levado em consideração.
As principais razões para o fracasso são: 1) percepções
e expectativas contraditórias dos doadores, por um lado,
e das autoridades guineenses por outro lado; 2) a falta de
coordenação, integração, flexibilidade e continuidade das
diferentes abordagens reformadoras; 3) restrições processuais
estruturais do lado dos doadores que favorecem projetos
inflexíveis e de curto prazo; 4) a falta de recursos financeiros;
5) a falta de integração da sociedade e dos representantes
do setor de segurança guineense no processo; e 6) a falta de
comunicação.
Uma expressão do fracasso é a discrepância entre as
expectativas e a aplicação prática das reformas. Os contrastes
entre o suposto sucesso da reforma e a apresentação eufemística
e estereotipada em relatórios e documentos oficiais, por um
lado, e a visão de civis e representantes do governo e do setor de
segurança, por outro, são, por vezes, acentuados.
Como veremos a seguir, a revindicação por abordagens de
longo prazo e holísticas que levem em consideração os interesses
locais e uma melhor coordenação dos esforços reformadores

162
são, de fato, regularmente reafirmados.2 Os atores internacionais
na Guiné-Bissau invocam também, o princípio da apropriação
local (ou local ownership, em inglês). Muitas vezes, afirmações
nesse sentido podem ser consideradas letras mortas. Como
mostraremos, essa discrepância pode ser atribuída, em parte,
ao fundo biográfico dos especialistas internacionais que, muitas
vezes, são meros profissionais técnicos ou, pior, especialistas de
desenvolvimento. Além disso, são muitas vezes prisioneiros de
estruturas predeterminadas (curta duração de projetos, afluxo
restrito de verbas, responsáveis e responsabilidades que se
alternam, etc.) que exigem resultados mensuráveis rápidos.
Em muitos casos, os especialistas são limitados em
competências linguísticas e conhecimentos do terreno, o que
limita o entendimento de problemas complexos, situações de
conflito e a percepção e interpretação dos horizontes locais.
Em contraste, os funcionários relevantes da Guiné-Bissau não
são supostamente e/ou realmente educados o suficiente para
entender os esforços complexos de planejar e implementar uma
reforma. Outros fatores que se apresentam como obstáculos lo-
cais para um processo de reforma são: expectativas demasiadas
dos doadores; um mero foco de afluxos financeiros externos; e
“eminências pardas” na política, nas forças de segurança e na
burocracia estatal que se sentem ameaçadas pelo processo.
A sessão seguinte começa com um breve panorama
histórico do setor da segurança guineense, que se estende desde
a independência até o fim da guerra civil em 1999. Na sequência,
segue-se uma visão geral dos esforços passados e atuais de
reforma do setor de segurança. Nesse ponto, apresentaremos
as linhas de desenvolvimento e os problemas resultantes, junto
com soluções possíveis nas áreas da polícia, do exército e do
judiciário. Portanto, explicaremos o ponto de partida para a
reforma do setor de segurança, seguido por uma descrição dos
atores principais, até agora, e os seus projetos e iniciativas de
reforma. Essa parte incluirá uma análise crítica do conceito de
reforma do setor de segurança e da sua aplicação.
2. Conforme, recentemente, UNITED NATIONS, A/67/970–S/2013/480, 2013.
163
Finalmente, discutiremos na última sessão as razões
políticas e estruturais que levaram ao fracasso de elementos
centrais de reforma. Exploraremos as discrepâncias entre a
reclamação oficial e a prática da implementação do conceito
de “apropriação local” que desempenha um papel central no
discurso da reforma do setor da segurança. Contrastaremos
diferentes pontos de vista sobre os esforços de reforma, de
especialistas internacionais, membros do setor de segurança,
bem como da população civil.
O relatório é baseado em literatura primária, secundária
e especialmente em uma pesquisa de campo de oito semanas,
realizada pelo autor na Guiné-Bissau em fevereiro e março
de 2013. Os dados etnográficos consistem em entrevistas,
conversas informais e observações e mantivemos o anonimato
para proteger os interlocutores.

O setor de segurança guineense: uma visão global

A Guiné-Bissau se tornou independente de Portugal depois


de uma sangrenta guerra de libertação que ocorreu entre 1973
e 1974 (RUDEBECK, 1974; DHADA, 1993). A luta pela inde-
pendência foi liderada pelo movimento de esquerda Partido
Africano para a Independência da Guiné[-Bissau] e Cabo Verde
(PAIGC), que a partir de 1974, estabeleceu um Estado autoritário
e unipartidário, até a introdução do multipartidarismo no início
dos anos noventa. As forças armadas do país foram formadas a
partir das Forças Armadas Revolucionárias do Povo, que havia
sido fundada como exército rebelde em 1964. Os combatentes
tinham recebido, muitas vezes, um curto treinamento militar,
e normalmente não possuíam uma formação escolar anterior.
Depois da guerra muitos deles passaram a ocupar postos fora
do Exército, no serviço público e especialmente na polícia.
Os membros da etnia balanta, uma das maiores do país,
tiveram sempre uma representação desproporcional no exér-
cito. Isto devido a razões geográficas uma vez que a guerra
concentrou-se, inicialmente, em partes do país majoritariamente
164
habitadas pelos balantas. De acordo com a sua autopercepção, os
balanta também se consideram socialmente e economicamente
desfavorecidos, uma vez que costumam se estabelecer em
áreas rurais mais remotas. Isso foi também um dos fatores que
resultou em sua participação na guerra de independência.3 Já
em meados dos anos oitenta, o número elevado de balantas nas
forças de segurança foi motivo de disputas políticas.
Pouco tempo após a independência já houve expurgos e
execuções de chefes (localmente conhecidos como régulos), ex-
soldados do exército colonial e opositores do regime no poder,
nas quais, aparentemente, membros das forças de segurança
também se envolveram. Desde o início, as estruturas políticas
e militares foram amalgamadas. Várias vezes ex-comandantes
militares assumiram mais tarde um cargo político. Um dos co-
mandantes mais proeminentes na luta pela independência foi
João Bernardo “Nino” Vieira, (co-)responsável pelo primeiro
golpe bem-sucedido em 1980. Vieira tornou-se o primeiro
chefe do Estado autoritário e governou o país até 1999. Vieira e
seus afiliados iniciaram dessa forma um modelo para os golpes
e tentativas de golpes subsequentes em que representantes
do Exército colaboraram em parte com alguns políticos.
Repetidamente ocorreram eliminações físicas de inimigos,
percebidos ou reais, bem como violações graves dos direitos
humanos e desrespeito das leis (HANDEM, 2008).
Embora as estruturas centrais, processos e conceitos
relacionados ao setor de segurança fossem tomados da antiga po-
tência colonial (como a polícia judiciária, por exemplo), muitos
policias e oficiais do exército foram treinados em vários países
socialistas amigos (União Soviética ou Rússia respectivamente,
Cuba, Checoslováquia, República Democrática Alemã, etc.) nos
anos após a independência. Em meados da década de noventa,
a França ajudou a construir a Polícia de Intervenção Rápida
e no novo milênio foi adicionada a cooperação bilateral com
Angola, Brasil e Portugal. Em uma perspectiva histórica, estes
3. Conforme HANDEM, 2008, p. 153-154 e SEMEDO, 2011, p. 109-110. Ver
também TEMUDO, 2008.
165
fatos apontam para diferentes níveis de ensino e conteúdo. No
setor da justiça, Portugal auxiliou na criação da Faculdade de
Direito de Bissau, a capital do país, no início dos anos noventa.
O compromisso francês e português na Guiné-Bissau, naquela
altura, deve ser visto no contexto de interesses geopolíticos
conflituantes dos dois países europeus na região oeste-africana.
As autoridades guineenses organizaram nos anos oitenta e no
início dos anos noventa pelo menos dois ciclos de reformas
para que veteranos da guerra de independência que eram pouco
qualificados e/ou estavam em excesso se aposentassem.
Embora a abertura política levasse a eleições multipartidá-
rias em 1994, a guerra civil que eclodiu poucos anos depois
marcou o início de um período de instabilidade política que
continua até hoje. O “conflito militar” começou em junho de
1998 e durou até maio de 1999. Uma junta confrontou-se com
presidente Vieira, acusado de corrupção, contrabando de armas
leves e de compromissos com os países vizinhos como Senegal
e Guiné-Conacri, acusação essa partilhada por grande parte da
população.
A junta atraiu muitos veteranos da guerra de independên-
cia, bem como jovens lutadores. A guerra civil lançou as bases
para uma crescente instabilidade política, culminando no golpe
de Estado de abril de 2012 (INTERNATIONAL CRISIS GROUP,
2012; KOHL, 2013). Esse golpe teve como consequência a
suspensão dos programas de reforma do setor de segurança
da União Europeia (UE), Comunidade dos Países de Língua
Portuguesa (CPLP), dos Estados Unidos, do Brasil e do Fundo
das Nações Unidas para a Consolidação da Paz.
Em resumo, pode-se afirmar que a heterogeneidade da
formação e sua continuidade, bem como o baixo nível de
profissionalização, caracteriza o setor de segurança guineense
desde 1974. Os acontecimentos revelaram fundamentalmente
que a violência e o autoritarismo sempre foram marcas do setor
de segurança da Guiné, defeitos que repetidamente levaram à
resolução de conflitos de forma violenta desde a independência
do país.
166
A reforma do setor de segurança em Guiné-Bissau

As condições iniciais

Qual foi o ponto de partida para uma reforma do setor de


segurança após a guerra civil?
Em consequência da guerra civil muitos indivíduos mal
treinados entraram no exército e na polícia, reduzindo ainda
mais a capacidade dessas instituições. Com a guerra o corpo do
exército saiu de controle. Por conta do recrutamento, o número
de soldados dobrou, indo de cerca de 5 mil, em 1997, para cerca
de 11 mil (HERBERT, 2003; HANDEM, 2008). Um censo do
exército realizado recentemente confirmou que o número de
soldados é desproporcional ao de oficiais. Os observadores
assumiram que são principalmente jovens soldados socialmente
desfavorecidos, sem educação, muitos dos quais da etnia
Balanta, os que aspiram por reconhecimento, poder e dinheiro
dos canais ilegais no exército. Golpes, falta de disciplina e feudos
privados caracterizam, portanto, o funcionamento interno das
forças armadas, enquanto alguns líderes oficiais e seus afiliados
(REITANO; SHAW, 2013) são presumivelmente envolvidos no
tráfico de drogas e de armas desde aproximadamente o ano de
2005.
Desde o fim do conflito militar oficiais controlam também
a administração portuária de Bissau para poder importar bens,
ignorando a administração aduaneira. Ao mesmo tempo, os
soldados continuam sendo mal remunerados, os quartéis e as
condições de vida são precárias e a formação é inadequada.
Da mesma forma, a polícia, muitas vezes composta por ex-
soldados, é subfinanciada e os salários são baixos (HANDEM,
2008).
Muitos policiais são considerados não qualificados. Suborno
e competências sobrepostas ou pouco claras das inúmeras
unidades policiais são outros problemas que se apresentam. O
sistema judicial é caracterizado por ser deficitário e de acesso
difícil. Os tribunais no interior muitas vezes não funcionam
167
ou são muito lentos. Os advogados e a assistência ou assessoria
jurídica são mínimas, as despesas processuais desanimam a
– na sua maioria pobre – população. A intimidação de juízes
e advogados, o favoritismo, a falta de juízes e procuradores e
o colapso quase total da infraestrutura judiciária em partes
do interior são problemas comuns (LIGA GUINEENSE
DOS DIREITOS HUMANOS, 2013). Aos olhos de muitos
cidadãos, o setor judiciário é, em parte, e justamente, corrupto
e ineficiente. Portanto, a resolução de conflitos por líderes ditos
“tradicionais” ou religiosos é, muitas vezes, vista como melhor
alternativa. Como as vítimas de crime também se interessam
por uma rápida resolução dos problemas, a polícia muitas vezes
pratica uma “jurisdição no local”, violando os limites do seu
mandato legal.

Apresentação dos atores principais

O “carrossel reformador”4 começou a mudar imediatamente


após a guerra civil. Até aquele momento, as atividades no setor
de segurança não operaram sob a denominação de “reforma
do setor de segurança”. Da mesma forma, conceitos-chave
como “construção da paz” e “desmobilização, desarmamento e
reintegração” (DDR) só apareceram na Guiné-Bissau a partir
de 1999.
Desde o seu surgimento nos anos noventa, o conceito de
reforma do setor de segurança tornou-se popular dentro da
comunidade de doadores. Definições normativas influentes para
este termo técnico foram apresentadas pela Organização das
Nações Unidas (ONU) e pela Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE) (OECD, 2007; UNITED
NATIONS, GENERAL ASSEMBLY- SECURITY COUNCIL,
2008).
Assim, a reforma do setor de segurança visa não só às
estruturas, instituições e ao pessoal das forças armadas e da
4. Para uma visão geral de policy na Guiné-Bissau, consulte SECURITY
COUNCIL REPORT, 2013. p. 17-22.
168
polícia, mas refere-se também à justiça, alfândega, sistema
prisional, guardas de fronteira, serviços de inteligência e seus
órgãos de supervisão regulatória, ministérios relevantes e ao
poder legislativo. Além disso, tais reformas podem abranger
atores não estatais como guerrilhas, empresas privadas de
segurança, sociedade civil e sistemas de justiça “tradicional”.
Isso por si só sublinha a natureza complexa de tal reforma.
Na Guiné-Bissau, o foco foi claramente a polícia e o exército.
O setor da justiça guineense só foi levado mais ao centro dos
programas nos últimos anos. A reforma do setor de segurança
deve servir para a boa governança, a segurança sustentável, o
princípio do Estado de direito e a responsabilidade de gestão
local, mas também para o desenvolvimento socioeconômico
(OECD, 2005; OECD, 2007).
Efetivamente, o conceito tornou-se um playground para
os membros das forças armadas do “Norte Global”. Como
confirmaram militares da Europa, de forma individual e não
institucional, as instituições militares são forçadas a buscar fontes
financeiras em áreas de atividades alternativas, uma vez que os
orçamentos de defesa diminuíram nos últimos anos. Como
um oficial de alta patente explicou no decorrer de um curso de
reforma do setor de segurança, há “uma crescente demanda por
pessoal (qualificado)”. Com isso, cria-se um verdadeiro mercado
com o oferecimento de cursos de formação e capacitação. No
mesmo sentido, há uma tendência em “comercializar” tudo
que for possível como sendo “reforma do setor de segurança”
(SEDRA, 2010, p. 113-114), a fim de explorar novas fontes de
financiamento. Vice-versa, alguns projetos e programas que
estão localizados no setor de segurança não operam sob a
denominação de “reforma” porque são alimentados por outros
orçamentos (como cooperações no setor da justiça), ou não são
considerados como parte de uma reforma do setor da segurança
no sentido estrito (como programas DDR ou aqueles que visam
somente ao fornecimento de equipamento policial e militar).
Este confuso “carrossel reformador” que é caracterizado
por diversos interesses e muitos projetos sucessivos e adjacentes
169
é encontrado na Guiné-Bissau. Um programa de DDR lançado
pelo Banco Mundial com o fim do conflito militar na Guiné-
Bissau não foi bem-sucedido porque o presidente KumbaYalá
(2000-2003), que reinava erraticamente, mal utilizou os fundos
disponibilizados (HERBERT, 2003).
Depois de três tentativas fracassadas de iniciar os programas
de DDR, a reforma do setor de segurança propriamente dita
foi iniciada no país em 2005. O conceito de reforma do setor
de segurança sofreu uma redução por ser direcionado quase
exclusivamente para o exército e a polícia (HUTTON, 2010).
Em 2006, teve lugar uma conferência internacional de
doadores realizada em Genebra que dispôs, entre outros,
sobre uma estratégia nacional para a reforma das forças
armadas guineenses (REPUBLIC OF GUINEA-BISSAU,
2006), resultando, em setembro de 2007, em um “Plano de
Ação da Reforma do Setor de Segurança para a Reestruturação
e Modernização do Setor de Segurança e Defesa”
(PEACEBUILDING COMMISSION, 2008). No entanto, o
plano foi criticado porque a noção de “reforma do setor de
segurança” foi usada apenas para garantir o apoio internacional
(HUTTON, 2010).
A partir daí, surgiram em cena vários atores que foram, em
parte, se substituindo numa rápida sequência e que tentaram
colocar focos diferentes nos programas. Estas atividades são, por
vezes, confusas, ocorrem sobreposições e as relações entre os
doadores são, por vezes, de concorrência e mesmo de antipatia
mútua, o que torna a coordenação entre eles mais difícil, se não
impossível. Os problemas e as falhas acabam sendo escondidas
nos relatórios burocráticos, tendenciosos e estereotipados
(HUTTON, 2010).
Apresentaremos algumas considerações sobre os principais
atores, passados e presentes, na Guiné-Bissau.5

5. Ver a visão geral não completa em ISSAT, s/d.


170
Nações Unidas

Como em outros locais, a ONU não é um ator homogêneo


da reforma do setor de segurança na Guiné-Bissau, mas se
caracteriza por seus múltiplos programas, agências e escritórios
que trabalham neste campo e que são descritos a seguir.
A liderança na área da reforma do setor da segurança
é alegada pelo Gabinete Integrado das Nações Unidas para
a Consolidação da Paz na Guiné-Bissau (UNIOGBIS),
estabelecido em 1999 como Gabinete das Nações Unidas de
Apoio à Paz na Guiné-Bissau (UNOGBIS).6 O UNIOGBIS
organiza atualmente cursos de formação de curta duração no
âmbito da reforma do setor de segurança e, em conjunto com a
EU e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
(PNUD), contribuiu na revisão da legislação do país. O
UNIOGBIS tornou-se muito forte na área da reforma da polícia
guienense (MAINZINGER, 2011).
O PNUD lançou um novo programa em junho de 2009
chamado Programa de Fortalecimento do Estado de Direito e
Segurança (Fortes) que promove a descentralização do poder
judiciário, a melhoria do acesso à justiça e também abrange
a formação de funcionários judiciais, bem como programas
de tutoria (PNUD, 2011). O programa inclui, desde 2011,
o estabelecimento de Centros de Acesso à Justiça (CAJ) em
diferentes partes do país. Nos CAJ operam advogados formados,
fluentes nas línguas locais que dão conselhos aos solicitantes
em assuntos jurídicos. Ao mesmo tempo procuram sensibilizar
mulheres, idosos e as chamadas autoridades “tradicionais” para
o cumprimento da lei e dos direitos humanos. A criação de um
Centro Nacional de Formação Judiciária (Cenfoj) é também
um dos projetos do PNUD que realizou um levantamento e a
codificação do direito consuetudinário de diferentes etnias e
estudos sobre o acesso à justiça (PNUD, 2011).
O Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime
(UNODC), ajudou as autoridades guineenses na criação de
6. Sobre as atuais áreas de atuação ver UN, SECURITY COUNCIL, 2013.
171
uma unidade de investigação de crime transnacional e financiou
uma nova sede da Interpol na capital Bissau. Sob os auspícios do
UNODC, o Brasil construiu e dirige um centro de treinamento
policial, cujas atividades foram suspensas após o golpe de 2012.
Brasil e Portugal formam também oficiais de justiça na área
da investigação criminal em seus países (BARROS; GOMES;
CORREIA, 2013). Além disso, o UNODC treinou guardas
penitenciários e apoiou a construção de unidades prisionais.

União Europeia

Em junho de 2008 foi lançado no âmbito da Política de


Defesa e de Segurança Comum da UE a Missão da União
Europeia para a Reforma do Setor de Segurança (EU-SSR).
Esta missão foi baseada também em trabalhos preparatórios
da ONU, em cuja iniciativa o Reino Unido tinha enviado, em
2005, uma equipe de consultoria do desenvolvimento do setor
de segurança. A avaliação dessa equipe resultou na criação da
Estratégia Nacional de Segurança (ENS), em 2006. Parece que
no decorrer destas sondagens também foram entrevistados
policiais e soldados do exército sobre as estruturas e as condições
existentes, bem como suas expectativas de futuro.
A ENS com estratégias para a redução da pobreza e inves-
timentos, foi apresentado a potenciais doadores em uma mesa-
redonda realizada em Genebra em novembro de 2006. Em maio
e outubro de 2007 a UE realizou sua própria pesquisa em Guiné-
Bissau. Essas preparações resultaram no início do programa de
reforma do setor de segurança em janeiro de 2008, oficialmente
a título de iniciativa do governo guineense (FIOTT, 2008;
OBSERVATOIRE DE L’AFRIQUE, 2008; PEACEBUILDING
COMMISSION, 2008; BAHNSON, 2013; SOUSA, 2013).
Um acordo entre Guiné-Bissau e a UE foi assinado em
junho de 2008 (EUROPEAN UNION, 2008). A missão,
descrita como bastante ambiciosa, focou na reforma das forças
armadas e da polícia. Visou, entre outros, à revisão do quadro
legal, o planejamento da reorganização e reestruturação das
172
forças armadas e policiais e a formação das forças de segurança,
incluindo o fornecimento de equipamento e de infraestrutura
(FIOTT, 2008; OBSERVATOIRE DE L’AFRIQUE, 2008;
PEACEBUILDING COMMISSION, 2008; SOUSA, 2013).
O setor da justiça foi, de longe, o menor componente da
EU-SSR e devia, de acordo com o plano original, incluir a
revisão e formulação de leis e a reabilitação da infraestrutura
judicial. Uma razão para isso é que a UE tinha um programa
separado, denominado Programa de Apoio aos Órgãos de
Soberania e Estado de Direito da Guiné-Bissau (PAOSED),
cujos funcionários não queriam considerá-lo como parte
da reforma do setor da segurança. A cooperação entre os
instrumentos do Conselho da UE (reforma das forças armadas
na ativa) e a Comissão Europeia (domínios restantes) decorreu
sem problemas na Guiné-Bissau (BAHNSON, 2013).
A EU-SSR foi encerrada prematuramente em setembro
de 2010. O gatilho para o encerramento foi a queda do chefe
do Estado-Maior-Geral das Forças Armadas, um apoiador das
reformas, em abril de 2010. O chefe atual é considerado versátil,
manipulável e acusado de ter laços estreitos com o tráfico de
drogas.
Círculos bem informados relataram que a EU-SSR foi vista
pelas Nações Unidas como uma concorrente de seus próprios
esforços, o que prejudicou o relacionamento entre ambos na
Guiné-Bissau. Além disso, o UNIOGBIS e a UE discordaram
sobre a (re-)estruturação da polícia. O conflito surgiu por conta
da idéia de criação de uma guarda nacional (ver SOUSA, 2013).
A missão foi, conforme pessoal entrevistado, decidida com
muita pressa por iniciativa de Portugal, Espanha e França ao
mesmo tempo em que a UE esperava que a reforma do setor de
segurança fortalecesse o país na luta contra o tráfico de drogas
e a imigração ilegal (GYA; FIOTT; VAINIO, 2008), problemas
que afetam principalmente os países do Sul da Europa.

173
A Missang

Após o encerramento da EU-SSR, a Comunidade


Econômica do Oeste Africano (Cedeao) adaptou, em agosto
de 2010, o Roteiro para a Reforma do Setor na Guiné-Bissau.
Angola assumiu o principal encargo financeiro e, junto
com a CPLP, passou a trabalhar para a reforma do setor de
segurança (OMOREGIE, 2010; GALITO, 2011). No quadro
de uma colaboração inicial entre a Cedeao e a CPLP, Angola,
como estado-membro da Comunidade, enviou a Missão
Militar Angolana na Guiné-Bissau (Missang). Além de muitas
reabilitações de prédios policiais e militares, Angola formou
policiais da Guiné-Bissau na sua capital, Luanda, o que continua
sendo executado. Alguns dos formados serviriam mais tarde
como instrutores em Bissau.
A questão é se Angola seria competente para realizar uma
reforma do setor de segurança, sendo um país que, apesar
dos recursos financeiros, é alvo de acusações de violações de
direitos humanos e de possuir estruturas autocráticas. Embora
os representantes angolanos da Missang fossem amplamente
populares entre a população da capital guineense, surgiram
dúvidas em círculos da oposição política e dos militares sobre as
verdadeiras intenções da missão angolana. Partes da oposição,
que mantêm contatos estreitos com militares de altas patentes,
acusaram a Missang de querer tomar posse dos recursos
naturais do país, em nome de Angola. Foi grave a acusação da
oposição. Segundo ela, Angola estaria equipando a Missang
para usar todos seus meios para, naquela altura, manter no
poder o governo democraticamente legitimado e pró-angolano,
violando assim as regras democráticas. As críticas da oposição a
Angola intensificaram na virada de 2011 para 2012.
A Cedeao também se afastou da Missang, o que mais
uma vez destaca o carácter político das reformas do setor de
segurança. No fundo, alguns Estados-membros da Cedeao
sentiram-se desafiados pelas alegadas ambições econômicas
(petróleo, bauxite, madeira) e geopolíticas (como contra-poder
174
do Senegal e da Nigéria) de Angola na região. Após ameaças da
liderança do exército da Guiné-Bissau, a missão teve que ser
encerrada pouco antes do golpe de 2012. Até junho de 2012, a
Missang foi substituída por uma força da Cedeao. 7 Como
no caso da EU-SSR numerosos projetos permaneceram
inacabados devido ao encerramento prematuro da missão.

Comunidade Econômica do Oeste Africano (Cedeao)

Em meados de 2012, a Cedeao enviou missão de paz


denominada Missão da Cedeao na Guiné-Bissau (Ecomib)
e começou, na virada de 2012 para 2013, mais uma avaliação
das necessidades para uma reforma do exército guineense. Isso
ocorreu no contexto do chamado “Programa de Reforma do
Setor da Defesa e da Segurança” (ECOWAS, 2013). Segundo
fontes oficiais, um dos objetivos era lançar e financiar um
fundo de pensões para antigos combatentes, que já vinha
sendo discutido há muitos anos. O estabelecimento desse
fundo de pensões tinha falhado nos anos anteriores devido a
disputas no seio da comunidade internacional sobre questões
de financiamento. No entanto, os anúncios não foram seguidos
por qualquer ação, o que poderia ser atribuído também à
situação financeira apertada da Cedeao e seus membros. Os
habitantes da capital ficaram surpreendidos porque a Ecomib
foi oficialmente estabelecida em Bissau para estabilizar o país,
mas até agora não mostrou presença em qualquer incidente no
qual políticos ou militares estiveram envolvidos.
Do ponto de vista de grande parte da população, são
principalmente as forças armadas guineenses e políticos co-
operando com militares que causam problemas de segurança.
Apenas pequena parte da população guienense seria a causadora
de insegurança, como entrevistados afirmaram repetidamente.
Semelhante a Angola, a Cedeao atua com discrição, não fazendo
públicos os seus planejamentos, conceitos e ações, em termos
7. Conforme KOHL, 2013.

175
de medidas concretas para a anunciada reforma do setor de
segurança.

Análise das tentativas reformadoras

Como foi esclarecido nessa abordagem, as tentativas


de implementar as várias reformas do setor de segurança
ocorreram em uma situação política complexa. Tanto os par-
ceiros nacionais como internacionais têm diferentes políticas
e prioridades (OMOREGIE, 2010), aparentemente perseguem
interesses parcialmente opostos e têm “agendas ocultas” que
variam de preocupações geopolíticas, ciúmes e competição a
simples lutas por poder.
Acima de tudo, é profunda a desconfiança entre a Cedeao
e os outros doadores. A capacidade da Cedeao para realizar
uma reforma do setor de segurança é posta em dúvida por
especialistas de outras organizações internacionais que
trabalham em Bissau. Segundo eles, os representantes da
Cedeao não são familiarizados com o conceito de reforma.
Ao contrário, a Cedeao critica as medidas anteriores da ONU
e da UE como sendo “impositivas”. Isto não só mostra, mais
uma vez, a politização do complexo processo de reforma do
setor de segurança, mas também as trincheiras que se abriram
imediatamente após o golpe de 2012 entre a Cedeao e o
governo de transição, por um lado, e as Nações Unidas, União
Africana (UA), UE e a CPLP por outro. Esse conflito entre os
dois campos deve-se ao fato de que a Cedeao é considerada
pela comunidade internacional, bem como por grande parte
da população guineense, como defensora do golpe de estado
de abril de 2012 e do daí resultante, não democraticamente
legitimado, “governo de transição”. Este governo no poder não foi
reconhecido pela ONU, UA, UE ou pela CPLP. O representante
do UNIOGBIS, nomeado no início de 2013, o ex-Presidente
de Timor-Leste, José Ramos-Horta, é acusado por alguns
observadores de ser próximo demais da Cedeao, o que pode ser
relacionado também aos seus assessores que são oriundos de
176
países daquela Comunidade. A mútua atribuição de culpa pelo
fracasso de várias tentativas de reforma num terreno tão difícil
como a Guiné-Bissau pode ser ouvida em todos os lugares
da capital. Cada um dos atores envolvidos na reforma surge
com a sua própria “teoria” e “receita” de como fazê-la melhor.
Oficialmente, por razões óbvias, poucos atores admitem os
problemas, mas atrás de portas fechadas, eles são bem tratados.
Por exemplo, representantes de organizações internacionais
alegaram oficialmente problemas de coordenação, apontando
para os órgãos de coordenação interagências existentes da
reforma do setor de segurança (FIOTT, 2008; OMOREGIE,
2010).
Representantes do lado guineense reclamam dos doadores,
em conversa privada, em razão dos processos prolongados e
pelo fato de, muitas vezes, terem sido deixados de lado sobre
como proceder. Isso aponta para problemas de coordenação e
déficits de participação. Parece que a coordenação dos esforços
de reforma entre a Cedeao, por um lado, e a ONU, UA e UE, por
outro, não aconteceu devido ao golpe e às tensas relações re-
sultantes. Mas já durante a EU-SSR a coordenação entre os doa-
dores era pobre, como pessoas bem informadas logo notaram
(GOMES, 2009; SOUSA, 2013). Nominalmente controlada por
um comitê gestor, a cooperação na época era insuficiente. A
coordenação foi ainda mais complicada por haver instituições
complexas concorrentes dentro da UE (HELLY, 2006) e do
sistema das Nações Unidas (SHERRIFF, 2008). Na verdade, o
meio de reforma do setor de segurança no âmbito da ONU é
caracterizado por uma crescente diferenciação: sempre novos
corpos e unidades organizacionais são ativados na área da
reforma do setor de segurança ou até mesmo criados, resultando
num aumento da complexidade institucional. Fundado em
2007, o “Grupo Operacional da Reforma do Setor de Segurança”
tem como objetivo a coordenação do trabalho de um total de 14
agências da ONU (UN, A/67/970–S/2013/480, 2013). O futuro
mostrará se essa tentativa das Nações Unidas para conciliar os

177
interesses e os esforços das unidades que trabalham na área da
reforma do setor de segurança é uma opção viável.
Uma melhor coordenação e cooperação torna-se
complicada não só do ponto de vista sincrônico, mas também
por uma perspectiva diacrônica, uma vez que atores e
programas mudaram repetidamente na Guiné-Bissau. A falta
de abrangência faz-se sentir também em um nível prático. Por
exemplo, alguns policiais foram formados em Angola conforme
os currículos locais, outros em Bissau com base em currículos
brasileiros. Já nos anos oitenta policiais guineenses foram
treinados em outros países como a República Democrática
Alemã e a República Federal da Alemanha, enquanto a França
construiu uma Polícia de Intervenção Rápida. Devido ao fato
de que o trabalho policial é geralmente pouco padronizado
(MAINZINGER, 2011), é de se recear que os policiais formados
conforme diferentes currículos tenham habilidades bastante
diferentes.
Na sessão seguinte exploraremos as diferenças entre as
aspirações oficiais da reforma do setor de segurança na Guiné-
Bissau e a sua aplicação prática sob o ponto de vista guineense.

O problema de “apropriação local”

A fissura entre aspirações e realidade

Um dos requisitos fundamentais para a implementação


da reforma do setor da segurança é “a apropriação local” (local
ownership, em inglês). Embora a definição desse conceito
técnico indique que o mesmo implica em “mais do que mera
participação” (OECD, 2007, p. 64, tradução nossa) isso ainda
é pendente. A maioria dos autores concorda que a reforma do
setor de segurança deve partir dos atores locais, como Nathan
(2007) e a OCDE por meio da “Declaração de Paris sobre a
Eficácia da Ajuda”, de 2005, e a “Agenda de Ação de Acra”, de
2008. Concordam, também, que a abordagem centrada no ser

178
humano contribui para uma melhor fundamentação e aceitação
de tais reformas (OOSTERVELD; GARLAND, 2012).
Mas, como foi implementado o conceito de “apropriação
local” no âmbito da reforma do setor de segurança em Guiné-
Bissau? Observadores externos logo criticaram, certamente
de maneira exagerada, que no caso da EU-SSR se tratava, na
realidade, de uma intervenção militar imposta pelo exterior
(TELATIN, 2009) para transformar a Guiné-Bissau numa
espécie de protetorado da UE (MARISCHKA, 2008). Como
fator crucial que contribuiu para o fracasso da EU-SSR8, foi
identificado a quase completa ausência de “apropriação local”
(HUTTON, 2010). A partir de uma perspectiva eurocêntrica,
a UE acreditou que a sua definição da reforma era congruente
com a dos guineenses (GYA; THOMSEN, 2009). Assim, a
EU-SSR, bem como outras iniciativas de construção da paz
no país, encontrou-se realmente “na posse” da comunidade
internacional (ROQUE, 2009, p. 2; SOUSA, 2013, p. 88). Os
críticos apontaram que inclusive o documento da estratégia
guineense correspondeu primariamente aos requisitos,
princípios e abordagens da comunidade internacional. A
complexidade das reformas do setor de segurança tinha sido
subestimada. Da mesma forma, os atores internacionais não
eram suficientemente familiarizados com a realidade no
terreno e, evidentemente, não anteciparam o grau de resistência
de grupos dentro das forças de segurança e da política. Grupos
esses que temiam, com razão, a perda de poder e seus privilégios
no decorrer do processo de reforma (GOMES, 2009).
Qual foi a atitude da UE a essa crítica? A UE apresentou
ter considerado o princípio da “apropriação local” de acordo
com suas especificações. Um funcionário da UE se referiu ao
documento da estratégia para a reforma do setor da segurança
de 2006, adotada em 2008 pelo parlamento guineense. Diferente
da fase de planejamento da reforma, no entanto, a UE não levou
mais em conta o conceito de “apropriação local” durante o ciclo
da EU-SSR. O representante da UE frisou que tinham, de fato,
8. Ver também BLOCHING, 2010.
179
a estratégia adotada na época, elaborada segundo os princípios
da participação local. Mas a Estratégia Nacional de Segurança
foi adotada no final de 2006 e a missão da UE começou em
2008 e parece-nos que os membros do exército e da polícia
tiveram pouco ou nenhum envolvimento no processo de
reforma e no fluxo de informações sobre as medidas concretas
da reforma, o que pode não apenas indicar a responsabilidade
da UE, mas também das chefias locais guineenses. Em qualquer
caso, a evidência sugere uma falta de comunicação e troca de
informações.9
Muitos guineenses que trabalham na polícia e no exército
manifestaram ao autor falta de compreensão por não terem
sido informados sobre procedimentos e os passos no âmbito da
EU-SSR. Ex-colaboradores da EU-SSR também confirmam que
muitos guineenses que eram formalmente envolvidos na reforma
do setor de segurança não conseguiram compreender o alcance
do processo apresentado. Para a maioria dos representantes
do setor de segurança e do governo, obviamente, não estavam
claras as consequências da assinatura do documento da
Estratégia, caso tenham tido qualquer conhecimento deste
documento.10 Por isso, não é de estranhar que o documento
estratégico adotado em 2006, ao qual o funcionário da UE se
referiu, nunca tenha sido atualizado ao longo dos anos e não
tenha sido ajustado, em colaboração com as autoridades e a
população civil, às condições e necessidades atuais.
Os guineenses em geral sabiam muito pouco sobre a reforma
do setor de segurança. Policiais e militares, especialmente, rela-
cionaram a reforma, em primeiro lugar, com a aposentadoria
de colegas idosos e em excesso. Isso não foi surpreendente,
uma vez que “reforma” em português, em contraste com o
inglês que é a língua preponderante na ONU e na UE, assim
como na área da reforma do setor de segurança, pode significar
tanto “reforma” no real sentido como “aposentadoria” (GYA;
THOMSEN, 2009, p. 3).
9. Ver também SOUSA, 2013.
10. Ver também BAHNSON, 2013 e SOUSA, 2013.
180
Na Guiné-Bissau, há muitos anos se fala em iniciar um
“diálogo nacional”. Com esse objetivo, o PNUD organizou em
2011 um fórum e conferências regionais com habitantes locais.
Ao contrário de outros grandes projetos na área da reforma
do setor de segurança, o PNUD tentou centrar o processo
na população civil. Tais conferências foram organizadas com
a ajuda de “brigadas de paz” em todos os setores guineenses
(semelhantes às regiões brasileiras). Essas brigadas eram
compostas principalmente por jovens ativos em organizações
comunitárias em nível das aldeias e não expressivamente em
organizações não governamentais distantes. Deveriam aumen-
tar a sensibilização da população sobre a reforma do setor de
segurança e motivá-la a dar ideias e recomendações relativas a
essa reforma. Como conclusão desse processo deveria ter sido
organizada uma conferência nacional o que, no entanto, não se
concretizou porque o programa foi interrompido com a morte
do presidente guineense e o golpe de estado no início de 2012.
O ambicioso projeto poderia ter transmitido um sinal
importante com o envolvimento da população civil no processo
de reforma. Contudo, aparentemente não obteve frutos. Não
foram anunciados resultados, nem os guineenses tomaram
nota dos resultados dessas conferências. O PNUD se manteve
bastante reservado quanto a elas, o que foi surpreendente porque
em outros casos na Guiné-Bissau, normalmente documentou
solidamente seus esforços. Isto inclui, por exemplo, um
estudo relativo ao acesso ao sistema judicial que se baseou,
principalmente, em pesquisa de campo no país (GUERREIRO,
2011).
De forma semelhante, ocorreu o programa de reforma
do setor de justiça. Em outubro de 2010, o PNUD organizou
grupos de trabalho e um fórum final em Bissau a fim de alcançar
um “consenso participativo” da justiça, da sociedade civil e da
comunidade internacional em termos de prioridades no setor
de justiça (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2011a). Os resultados
da avaliação das necessidades foram compilados por um
consultor externo e como consequências deste processo foram
181
confeccionados um “Plano Estratégico” e uma “Estratégia
Nacional” (2010-2015) para o setor de justiça, aprovadas em
janeiro de 2011 pelo governo guienense (MINISTÉRIO DE
JUSTIÇA, 2011a, 2011b). Interlocutores entrevistados que
trabalham em posições médias no judiciário já há alguns anos
expressaram que não tinham ouvido falar deste fórum. Não
obstante, apesar dos esforços do PNUD, em geral há a impressão
de que, de forma semelhante à UE, a “apropriação local” é
tratada como input no início de um projeto. O círculo de pessoas
que são envolvidas em tais processos ditos “participativos”,
ou informados sobre eles, é limitado, provavelmente também
devido à insuficiência de meios e de estratégias de comunicação.
Quais são os argumentos contra a iniciativa que implica
em uma consideração mais aprofundada de oportunidades
locais para a participação na reforma do setor de segurança,
abstraindo de restrições financeiras e de tempo? Um
especialista internacional entrevistado disse, por exemplo,
que as organizações não governamentais que adotam uma
estratégia de base em seus projetos, visando aos membros das
forças armadas, corriam o perigo de serem manipuladas por
eles. As declarações de um funcionário das Nações Unidas
que trabalhava há vários anos no campo da reforma do setor
de segurança em Bissau tenderam para uma direção similar.
Em uma conversa confidencial, apresentou o que poderia ser
chamado de “participação excessiva” usando o exemplo de
uma delegacia de polícia modelo que foi estabelecida pelo
UNIOGBIS em um bairro desfavorecido (MAINZINGER,
2011, p. 77). Numa primeira tentativa, foi desviado dinheiro
por agências governamentais e empreiteiros locais, de modo
que a construção só pode ser implementada em uma segunda
tentativa. No entanto, até o momento da nossa conversa, a estação
não estava conetada à rede eléctrica, o que é responsabilidade
das autoridades locais. Da mesma forma pronunciou-se
outro alto funcionário de uma organização internacional,
apresentando o exemplo do Timor-Leste, onde a ONU havia
assumido temporariamente a responsabilidade policial, e que
182
poderia servir de modelo para Guiné-Bissau. Seria concebível
um mecanismo análogo para o país com a ONU assumindo a
gestão por um período determinado.
Repetidas vezes colaboradores de organizações inter-
nacionais, originalmente destacados por idealismo e entu-
siasmo, mostraram-se frustrados porque seus objetivos de criar
estruturas policiais e militares seguindo o exemplo europeu
não puderam ser alcançados, devido a “intransigência” local,
bloqueios, negligência e falta de interesse, capacidade e de
apoio. A “apropriação local” seria, portanto, sob esse ponto
de vista, mais um obstáculo do que uma oportunidade. Ora,
a participação pode ser interpretada como prejudicial para
o planejamento e a implementação de uma reforma do setor
de segurança, quando se coloca em causa a habilidade e a
independência dos especialistas internacionais e quando se
abrem portas para manipulações. Além disso, o problema da
falta de capacidade local não deve ser descartado. No entanto,
deve ser tentada, principalmente, a substituição de processos
de reformas pré-fabricadas por intensivos processos de diálogo
(que merecem este nome) e trabalho de base.
A habilidade estrangeira na área do setor de segurança
deve ser completada por um acompanhamento de estudos
sociais, culturais e pedagógicos dos programas de reforma. Um
aspecto crucial da apropriação local e do desenvolvimento de
capacidade local é basicamente a extensão na qual são postas em
consideração perspectivas e expectativas locais em estratégias
de reforma do setor de segurança.

A falta de integração de projetos


e especialistas internacionais

A sucessão rápida e os termos curtos de projetos de reforma


do setor de segurança implicam, não só na Guiné-Bissau,
a falta de continuidade pessoal e profissional. Especialistas
internacionais são contratados por curto prazo, por isso há
pouco tempo para se familiarizarem com a reforma e os
183
desenvolvimentos, abordagens e problemas relacionados.
Além disso, o contato com a população local é muitas vezes
superficial. O conhecimento da cultura do país existe apenas
em menor grau e domina, em muitos casos, um conhecimento
profissional rígido e estereotipado (DONAIS, 2009; WILÉN;
CHAPAUX, 2011) que pode levar a equívocos e deficiências
nos projetos.11
Necessidades socioeconômicas das forças de segurança
estão aparentemente subestimadas, sendo o fundo de pensão
dos antigos combatentes um exemplo. Por muitos anos,
a comunidade internacional discutia as modalidades e o
financiamento de um fundo de pensões para os militares a
serem reformados e os veteranos. De fato, muitos membros
do setor de segurança querem se aposentar. No entanto, eles
não podem fazer isso agora, já que o governo praticamente não
tem reservas para pagar as pensões. Esse processo demorado
frustrou muitas das pessoas afetadas e minou ainda mais a
credibilidade dos doadores.
Os curtos ciclos dos projetos e seu financiamento
criam, também, problemas de integração (NATHAN, 2007;
OOSTERVELD; GARLAND, 2012). Isso foi particularmente
claro quando conversamos com um funcionário do Cenfoj,
financiado pelo PNUD. O plano é que o Cenfoj encontre outros
financiadores devido ao fato de que o governo guineense
não poderá cobrir as despesas assim que o financiamento
do PNUD terminar. O baixo nível de escolaridade é outro
fator que influencia na realização da reforma do setor de
segurança. Como o nível de escolaridade local é muito baixo e
os projetos são caracterizados por pressão de tempo, é possível
que os funcionários guineenses se sintam sobrecarregados e,
consequentemente, isolem-se. Os processos de participação que
são organizados de uma maneira exclusiva e seletiva poderiam
contribuir para a desmotivação e a retirada de funcionários
públicos. Muitas vezes, mesmo os mais qualificados não são bem
11. Ver também SOUSA, 2013.

184
familiarizados a trabalhar de maneira autônoma, devido a uma
aprendizagem escolar a base de métodos cognitivos repetitivos
que são amplamente disseminados. Os salários baixos ou não
pagos no setor público também resultam em pouco incentivo.
Além disso, o comportamento paternalista por parte
de altos funcionários e ministros desempenha um papel a
se considerador, quando procuram enfatizar a sua suposta
superioridade como “big men” frente aos especialistas
estrangeiros, colocando-se em cena como patronos de redes
clientelistas. Uma das consequências disso é que os processos
administrativos seguem uma lógica diferente do “Norte Global”.
Conhecendo a urgência ou a importância das preocupações, os
funcionários às vezes tentam relegar os solicitantes a um papel
de clientes e suplicantes. Assim, os processos são dificultados e
desacelerados.
Existem acusações mútuas. Por um lado, militares
competentes manifestaram a sua insatisfação com a cooperação
com a comunidade internacional por causa de sua política de
informação inadequada, tempos de espera excessivos e postura
arrogante. Por outro lado, os especialistas internacionais
queixam-se que a cooperação é geralmente difícil, os políticos
e os funcionários públicos são frequentemente muito lentos,
hesitantes e sobrecarregados, causando frustração e desilusão
por parte dos doadores. Então, muitas vezes os consultores
ocidentais tiveram de preencher essas lacunas, como quando
se tratou da elaboração de projetos de lei, uma vez que os
deputados são, em grande parte, analfabetos ou de baixa
escolaridade. A percepção das deficiências governamentais e
administrativas pode ser em parte atribuída, também, a uma
falta de compreensão dos especialistas idealistas sobre as
dependências e os interesses locais, e as constelações de poder
e de patrocínio.
Em resumo, constata-se que a incorporação insuficiente de
projetos e o baixo nível de conhecimento da cultura local por
especialistas internacionais podem afetar a implementação de
reformas no setor de segurança, como ilustra o caso da Guiné-
185
Bissau. Com certeza, as estruturas existentes e os contextos
socioculturais no setor de segurança e da burocracia dos
países em causa contribuem também, significativamente, para
complicações com a reforma.

A “transferência” unilateral de conceitos e ideias

Outro fator nas relações entre doadores e receptores


está intimamente ligado a concepções pessoais de mundo e
leitmotivs do pessoal internacional na área de reforma do setor
de segurança. Apesar de afirmações de “apropriação local”, os
representantes de organizações internacionais seguem muitas
vezes, de forma explícita ou implícita, uma teoria cognitivista e
de modernização.
O que significa isso? A teoria da modernização assume
que o desenvolvimento de países progride de forma linear e
que o “Norte Global” é o ideal (GARDNER; LEWIS, 1996).
O cognitivismo sustenta que o conhecimento é transmitido
por simples transferências do “remetente” a um “receptor”. A
complexidade dos processos de aprendizagem e os benefícios
de masterização independente de conhecimento permanecem
ocultos.
E como são expressas essas ideias no terreno? Represen-
tantes de organizações internacionais com quem conversamos
estavam convencidos de que a Guiné-Bissau precisa de
estruturas “modernas” e que o hemisfério norte dá o modelo
a ser copiado. Ou seja, as estruturas do “Norte Global” são
consideradas como modelo. Essa convicção encontra expressão
concreta na legislação. Os representantes da comunidade
internacional admitiram francamente que especialistas em
direito português simplesmente copiaram peças da legislação
portuguesa relativas ao setor policial e militar para transformá-
las em leis guineenses. Um modelo de transferência grave foi
a reestruturação das diversas unidades policiais iniciada por
iniciativa da EU com base na Estratégia Nacional de Segurança.
Entrevistados afirmaram que a criação da Guarda Nacional
186
partiu de consultores portugueses (MONTEIRO; MORGADO,
2009) e espanhóis, dado ao fato de que estes países do Sul da
Europa possuem tradicionalmente tais forças protomilitares
com funções policiais. O “modelo de importação” da Guarda
Nacional efetivamente politizou o cenário. Parte dos militares
do exército viram a Guarda Nacional como um contrapoder
que ameaçava os privilégios e o papel da instituição. Em
consequência do golpe a Guarda Nacional foi, como o resto da
polícia, colocada sob o controle das forças armadas ou do chefe
do Estado-Maior-Geral das Forças Armadas, respectivamente.
Angola, como um representante do “Sul Global”, com sua
abordagem de reforma do setor de segurança não conseguiu
fazer melhor, também politizou o processo e, assim, desafiou o
exército. Um olhar crítico indica que não se deve ter a intenção
de conter a influência das forças armadas, mas o procedimento
pouco prudente da Missang deixou a impressão de querer
impor suas próprias normas e prioridades.
O já mencionado mal-entendido relativo à transferência da
noção de “reforma” foi também outro aspecto problemático para
a evolução da reforma do setor de segurança. Muitos oficiais
idosos, particularmente os antigos combatentes que voltaram
ao exército depois da guerra de 1998-99, se lembraram das
aposentadorias “selvagens” da década de 1980 quando soldados
foram mandados para casa sem rendimentos. Muitos ficaram,
portanto, muito indignados. Este mal-entendido sobre a noção
de “reforma” reforçou, obviamente, sua rejeição e resistência a
ela, mesmo que o então chefe do Estado-Maior-Geral das Forças
Armadas tenha, finalmente, anunciado o apoio à reforma.
Não obstante a retórica oficial diferente, muitos projetos de
reforma do setor de segurança e seus funcionários permanecem
numa lógica que visa a uma transferência unilateral de normas
e ideias do Norte para o Sul. No entanto, numa reforma que é
mal adaptada às necessidades e exigências locais, o sucesso é
limitado.
Em geral, mostramos que no caso da reforma do setor
de segurança guineense são absorvidos seletivamente os
187
princípios de participação para fazer jus a exigências formais de
apropriação local. O envolvimento deficiente de representantes
do governo, da administração local e da sociedade é, na
realidade, justificado pelos doadores como falta de capacidade,
susceptibilidade à corrupção ou em razão da curta duração de
projetos. A EU-SSR era muito inflexível e não deixou espaço
para adoção ou alteração da estratégia apresentada.
As abordagens e os conteúdos de projetos implementados
são, muitas vezes, baseados em princípios oriundos do
“Norte Global”. Assim, são ligados por um lado à percepções,
interpretações e horizontes díspares de expectativa na Guiné-
Bissau e, por outro, também, a uma falta de coordenação e de
comunicação entre os doadores internacionais. Esses, muitas
vezes, aplicam na prática uma lógica de modernização para
implementar abordagens reformadoras poucas adaptadas às
condições locais.

Conclusão

As discussões anteriores mostraram uma ampla gama


de dificuldades e deficiências em projetos de reforma do
setor de segurança existentes na Guiné-Bissau. Parece grave
o tamanho e a variedade dos atores envolvidos, diacrônica e
sincronicamente, complementados por uma comunicação e
coordenação pouco eficientes, tanto entre si como dentro das
instituições singulares. Ciclos curtos de projetos, o fato de tentar
resolver demais em muito pouco tempo, a falta de flexibilidade,
abrangência, multidisciplinaridade e promessas hesitantes de
contribuições financeiras também afetam negativamente as
tentativas reformadoras. A participação, embora repetidamente
solicitada, foi mal implementada e civis e membros do setor
de segurança foram pouco envolvidos. Em geral, prevalece a
impressão de que em vez de uma verdadeira autodeterminação,
ou seja, o princípio segundo o qual os atores guineenses podem
decidir por si próprios quando e como realizar uma reforma
do setor de segurança, foi assegurado, na realidade, e em
188
demasiadas vezes, apenas uma participação local mínima sob
a forma de consultas pontuais. Portanto, diferentes percepções
e expectativas da Guiné-Bissau e da comunidade internacional
não puderam ser esclarecidas.
De fato, a ideia de “apropriação local” foi criticada em
outros países.12 Muitas vezes o termo é apenas um “serviço de
bordo”, uma vez que em muitos casos não fica claro quem é essa
gente “local”. Os moradores não são uma massa homogênea
que têm uma opinião coerente. Portanto, mais recentemente
passou-se a falar de apropriação “nacional” ou “governamental”.
Especialistas, muitas vezes, negam a capacidade básica e
profissional dos funcionários do governo em participar nas
reformas, já que os doadores sabem, de qualquer maneira,
como uma reforma é melhor planejada e implementada.
Em cursos internacionais sobre a reforma do setor de
segurança é enfatizado como sendo central o conceito de
“apropriação local” mas, ao mesmo tempo, ele é considerado
apenas parcialmente. Na verdade, o conceito parece servir
para esconder relações assimétricas de poder entre o “Norte
Global“ e os países do Sul. Finalmente, a noção muitas vezes
substitui o conceito de “autodeterminação” porque os governos
do Sul não têm escolha sobre o que eles podem “apropriar”. Em
outras palavras, a apropriação local pode ser interpretada como
um código para a condicionalidade que serve para garantir a
obediência dos atores nos países do Sul (RICHMOND, 2012, p.
358-360, 372).
Os maus resultados das, até agora, reformas do setor de
segurança, podem ser também atribuídos a uma politização
parcial do processo. Mal-entendidos, restrições profissionais
biográficas e a falta de entendimento cultural dos atores
internacionais contribuem para isso. Assim, uma “reforma do
setor de segurança digna” (OMOREGIE, 2010), como exigiu o
então Chefe do Estado-Maior-Geral das Forças Armadas, não
12. Ver, entre outros, REICH, 2006; NATHAN, 2007; DONAIS, 2009;
MOBEKK, 2010; WILÉN; CHAPAUX, 2011; KEANE; DOWNES, 2012;
OOSTERVELD; GARLAND, 2012; RICHMOND, 2012.
189
pode ser alcançada. Vice-versa, a falta de capacidade e exigên-
cias excessivas, dado a complexidade e diversidade do assunto,
o desvio de fundos, sentimentos de exclusão e sobrecarga de
processos, o medo da mudança e de consequências imprevisíveis,
atitudes paternalistas e redes de clientelismo do lado guineense
foram prejudiciais para o processo reformador.13
Abordagens alternativas poderiam começar com um amplo
debate público e uma melhor integração das diversas perspectivas
locais para, com a participação de especialistas com diferentes
habilidades, desenvolver estratégias flexíveis para uma reforma.
Além disso, os funcionários afetados no setor da segurança
precisam de um benefício tangível das reformas. Em contraste
com uma partilha de conhecimento meramente teórico através
de cursos, os interessados devem encontrar inovações na
prática, conhecido como “conhecimento na prática” (HILLS,
2012, p. 742 e 754, tradução nossa). As motivações dos medos
e resistências da política e das fileiras do setor de segurança
devem ser abordadas de forma aberta, os planos devem ser
explicados e realizados passo a passo para eliminar o receio que
há sobre mudanças e processos desconhecidos (VERMAAK,
2012). No entanto, existem obstáculos que dificilmente podem
ser resolvidos em curto prazo. Grave é o fato de que até agora
as tentativas de reforma contribuíram para o aquecimento e a
desestabilização da situação política em Guiné-Bissau. Com
as, até agora, ações e falhas, a desconfiança de membros da
política, da polícia e do exército e, portanto, as suas atitudes
críticas sobre as tentativas reformadoras cresceram ainda mais.
Mas como pode ser alcançada uma melhor coordenação
se importantes atores internacionais perseguem, por vezes,
interesses (geoestratégicos) contraditórios? Constrangimentos
estruturais do lado dos doadores apresentam-se como um
fator importante que traz pouca esperança para uma mudança
da abordagem da reforma do setor de segurança em grandes
organizações como as Nações Unidas e a União Europeia.
Parece pouco provável que haja mudanças nos curtos ciclos
13. Ver também MAINZINGER, 2011.
190
de projeto e no planejamento rígido de projetos com recursos
escassos que várias vezes devem ser negociadas.
No entanto, mais fundamentalmente, pode-se questionar se
um ajuste às necessidades locais e às perspectivas atuais, o que
significaria um reforço de participação ou autodeterminação
local, teria atingido efetivamente melhor resultado. Em muitas
áreas da vida social deve “arranjar-se” em Guiné-Bissau, o que
inclui normas estatais que são negociáveis, até certo grau, na
prática social local. Assim, não é de estranhar que policiais e
soldados entrevistados pelo autor deram mais ênfase a fatores
econômicos que aos fatores estruturais-organizacionais.
Correspondentemente, os projetos de reforma deveriam consi-
derar muito mais os temores e as necessidades socioeconômicas
dos afetados pela reforma para garantir o apoio deles.
Além disso, seria um pré-requisito o levantamento do
nível de educação e de formação para, em longo prazo, criar
condições adequadas para a implementação das reformas.
Mesmo oficiais guineenses de alta patente têm, muitas vezes,
apenas uma educação rudimentar, quando têm. Membros
do setor da segurança são, portanto, parcial ou totalmente
incapazes de se envolver na arena reformadora. Isto não
significa pôr em causa as suas capacidades de compreensão e
não justifica subestimar, ignorar ou excluí-los. No entanto, eles
são facilmente manipuláveis.
Ao contrário do que se passa atualmente, deve-se planejar
uma reforma do setor de segurança em prazo mais longo e mais
flexível em um país marcado pela instabilidade política e um
baixo nível de educação como a Guiné-Bissau, onde atores de
segurança perseguem, muitas vezes, fortes interesses pessoais.
É necessário incluir perspectivas e interesses locais, reduzir
temores de mudanças com empatia e mostrar benefícios
tangíveis aos grupos afetados do setor de segurança.
Surge, finalmente, a questão sobre até que ponto o governo
e a administração guineense podem servir como corretivo das
deficiências, contanto que fosse permitida a eles a elaboração
autônoma de uma estratégia de reforma. Se ignorarmos os
191
problemas de capacidade e as configurações paternalistas dos
responsáveis políticos perante os doadores e a sociedade civil, os
resultados de investigações sociológicas e socioantropológicas
suscitariam dúvidas. A literatura relevante descreveu e
analisou décadas atrás a fixação de grupos estratégicos
(como burocracias ministeriais) em fontes de rendimento da
cooperação para o desenvolvimento acessíveis com relativa
facilidade (EVERS; SCHIEL, 1988).
Uma retórica de reforma em relação aos doadores serve
para atrair financiamentos (HILLS, 2012). Considerações
econômicas desempenham assim um papel que não deve ser
subestimado. Especialmente em um país como a Guiné-Bissau,
que é dependente de fundos oriundos da cooperação financeira
e de desenvolvimento desde a independência, motivo de “extro-
versão” de importância fundamental. Extroversão designa
uma estratégia das sociedades africanas que transformam
dependência em recurso e com a mobilização de recursos
externos é assegurada não só uma dependência contínua mas
também um fluxo financeiro constante (BAYART, 2012).

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198
Fuerzas Armadas en Colombia: evolución, reforma
y perspectivas en el contexto de la globalización

Gabriel Orozco Restrepo


Luis Fernando Trejos

Introducción: Las Fuerzas Armadas en el contexto


de Globalización

Varios autores resaltan los efectos que sobre las Fuerzas


Armadas (policía, ejército, marina, fuerza aérea o sectores
integrados que colaboran en acciones conjuntas) ha
tenido la finalización de la Guerra Fría, junto con la mayor
interdependencia y el aumento de riesgos globales en la
redefinición de sus funciones para el aporte a la seguridad
(HENS; SANAHUJA, 1995; LYNN-JONES, 1991). Esta nueva
realidad ha configurado un escenario que las Fuerzas Armadas
de los Estados han tenido que atender y adaptarse para su
vigencia y funcionamiento en el siglo XXI.
En la medida en que la Guerra Fría determinó un orden
desde una estructura internacional bipolar y de ideologías
contrapuestas que luchaban para mantener su rango de poder,
las Fuerzas Armadas buscaban otorgar a cada unidad del sistema
un grado de seguridad y una sustentación de sus principios de
ordenamiento interno. Sin embargo, en el momento en el que
se quiebra la bipolaridad la operatividad de las mismas, no
podía sustentarse en el mismo plano ontológico y por ello el
nuevo orden internacional a partir de una cartografía variable
ha obligado a las Fuerzas Armadas (FF.AA.) a un proceso de
reconfiguración.

199
En la medida en que el nuevo orden global1 ha llevado a
cambios en los métodos para resolver las tensiones del sistema,
las teorías predominantes durante la Guerra Fría que basaban
sus análisis en la relevancia del poder militar o económico,
y le otorgaban a la geopolítica y a la racionalidad estratégica
la superioridad en el rango de decisiones, han tenido que
replantearse. Muchos de los análisis producidos durante ese
período tenían como punto de partida el dilema de la seguridad
y la creciente expansión de las armas de destrucción masiva
como componente esencial de la dinámica del sistema. El
argumento central consistió en utilizar las armas de destrucción
masiva como herramientas de política exterior sin incurrir en
una confrontación convencional directa, y las Fuerzas Armadas
eran un medio por el cual se podía disuadir al enemigo de
entrar en esa confrontación. Las Fuerzas Armadas servían,
junto con su poder bélico, como elementos disuasorios a los
grandes poderes para evitar intervenciones o acometidas con
acciones ofensivas de tal forma que amenazaran el equilibrio
1. La mejor forma de identificar este orden es de manera negativa, es
decir, estamos en el contexto de la no polaridad. Según Haas (2008, p. 72)
“el mundo no polar de la actualidad no sólo es resultado del surgimiento
de otros Estados y organizaciones o de las fallas y disparates de la política
estadounidense; también es una consecuencia inevitable de la globalización.
La globalización ha aumentado el volumen, la velocidad y la importancia de
los flujos transfronterizos de prácticamente cualquier cosa, desde drogas,
correos electrónicos, gases invernadero, bienes manufacturados y personas,
hasta señales de radio y televisión, virus (virtuales y reales) y armas”.
Otros autores señalan que hay un sistema con una serie de actores y con
los cuales las Fuerzas Militares han de interactuar. Hay una lógica de los
estados, asumida en términos tradicionales como autonomía territorial y
preservación del interés nacional. Por otro lado, hay una lógica de lo global,
desprovista de fronteras nacionales, e impulsada por la economía planetaria
y la expansión de las tecnologías de comunicación. Finalmente, está la lógica
de las fuerzas transnacionales, la cual se refiere a todos los agentes que tienen
representación planetaria y que pueden movilizar voluntades e identidades.
Si bien la distinción de estas tres lógicas es analítica, pues en sentido estricto
todos estos factores se entrecruzan y relacionan en el sistema de relaciones,
sirve para comprender el nuevo orden mundial en el que se desenvuelven las
Fuerzas Armadas (BARBÉ, 1995, p. 122).
200
del poder dentro del sistema internacional (MERSHAIMER,
2012). Sin embargo, esto se ha transformado, pues ya las
Fuerzas Armadas no pueden ser utilizadas como elementos
disuasorios exclusivamente o como factores de amenaza hacia
otros estados, en la medida en que hay un sistema altamente
maleable y sensible a la incorporación de nuevos problemas
(PEÑAS, 1997).
Las Fuerzas Armadas en este contexto se tienen que
enfrentar a la emergencia de actores y al declive de otros que
se traduce en un nuevo reparto del poder. Es decir, el fin de la
Guerra Fría ha traído consigo una redefinición del poder dentro
del sistema por cuanto no se constriñe únicamente al Estado, ni
tampoco a las superpotencias. El mundo se ha fragmentado en
esferas dispersas de poder, no quedando restringido su uso ni
a los Estados, ni a los dos grandes bloques de la bipolaridad.
Lo que aparece es, más bien, un sistema altamente heterogéneo,
que no responde a un único patrón homogeneizador, pues hay
más bien una diáspora de modelos e ideologías que se aferran
a sus cuotas de poder. Lo heterogéneo son todos los Estados,
movimientos, actitudes y procesos que no se ajustan a las
normas del modelo capitalista y democrático occidental, ya
sean estados que no respetan las normas internacionales, como
Iran, o el terrorismo internacional o el narcotráfico, o estados
que no respeten los derechos humanos –Myanmar, China,
etcétera – dictaduras, o movimientos de contestación religiosa
o cultural, etc.
Estos nuevos poderes o fuerzas a las que se enfrentan las
Fuerzas Armadas van a ser muy difíciles de controlar para
los intereses de seguridad que tienen los Estados, pues por su
capacidad de ejercer presión o de movilizar voluntades obligan
a nuevas estrategias, nuevas formas de actuación; en la medida
en que el orden sigue siendo anárquico, seguirán existiendo
guerras, habrá luchas de poder, y se dará una degradación
(NAÍM, 2013) en donde las Fuerzas Armadas se enfrentan al
desafío de legitimar su acción frente a contextos inciertos y una

201
población que demanda mayor transparencia basada en los
principios que buscan defender.
En este sentido más que renunciar a la posibilidad de
una seguridad efectiva y acorde con objetivos nacionales que
busquen garantizar la capacidad del estado para enfrentar
amenazas en el ámbito interno, las Fuerzas Armadas han
pasado justamente del ámbito de seguridad nacional a la
seguridad global, en otras palabras, se ha promovido el ascenso
de la fase de una doctrina de seguridad nacional de vigilancia
a una seguridad global de control, en donde se responda a un
esquema de valores universales que depositan en las Fuerzas de
seguridad su garantía de cumplimiento.2
También los cuerpos de inteligencia han buscado adaptarse
a este contexto, pues las revelaciones hechas por Wikileaks con
Julian Assange a la cabeza, junto con las filtraciones de la NSA
(National Security Agency) perpetradas por Eduard Snowden,
muestran que la búsqueda por la seguridad no es una cuestión
que se restringe al ámbito exclusivamente nacional o militar y
que es necesario en esta búsqueda de la seguridad globalizada
emprender todos los métodos de inteligencia disponibles para
prevenir y atacar de posibles amenazas a los estados que ven
que estas pueden suceder más allá de sus territorios y al final
afectar sus intereses vitales (STEINMETZ, 2012, p. 18). Los
avances tecnológicos, la revolución en asuntos militares con
la entrada de nuevas tecnologías, dispositivos cada vez más
sofisticados para expandir el poder de control en el ámbito

2. En este esfuerzo se pueden ubicar la doctrina del Realismo Preventivo y su


búsqueda de una seguridad globalizada, pues después de los hechos del once
de septiembre de 2001 impulsaron una gran estrategia global de control de
la mente y los cuerpos de los individuos, organizaciones y estados a nivel
mundial con una militarización de su política exterior. Las Fuerzas Armadas
se reconfiguraron en la búsqueda de una seguridad globalizada; en palabras
de Palomares: “La prioridad que suponen las cuestiones de seguridad
vinculadas con algunos de los puntos de la «agenda negativa» califica la
etapa actual de la globalización en la búsqueda de una seguridad absoluta
internacional en profunda conexión con la política exterior estadounidense
para este siglo XXI” (PALOMARES, 2004, p. 39).
202
mundial, ha llevado a afirmar el papel de las agencias de
inteligencia, aumentando sus presupuestos y recursos cada vez
más proporcionados al nivel de incertidumbre que ha generado
esta anarquía (KAPLAN, 2014).
Ahora bien, en esta búsqueda de una seguridad globalizada
las Fuerzas Armadas también se están enfrentando a una nueva
tendencia en cuanto a conflictos armados se refiere, ya que, al
año 2000, la revista Journal Research reseñaba que de los treinta
y tres conflictos armados referenciados en el mundo, todos,
salvo dos (Eritrea-Etiopia e India-Pakistán), eran intra-estatales.
Estos conflictos han enfocado el esfuerzo de las FF.AA., porque
representan el 80% de los conflictos a nivel mundial y sus
víctimas. Algo a resaltar en estos conflictos post-Guerra Fría
es que, según Wallesteen y Sollemberg (2001), en la mayoría de
los casos han terminado con exitosos procesos de negociación
que desembocan en la paz, y no por el triunfo militar de una las
partes. Entre 1989 y 2000 hubo veintidós conflictos resueltos
de manera negociada, mientras que entre 1945 y 1989 se
presentaron veintidós victorias de una de las partes enfrentadas,
treinta y cuatro ceses al fuego y treinta y tres conflictos que se
mantuvieron más allá de 1989. Otro rasgo a destacar es que,
tras el fin de los socialismos reales, los conflictos con raíces
ideológicas fuertes han venido diluyéndose, dando paso a
conflictos edificados sobre bases raciales, étnicas (identidades
primarias), religiosas y económicas.
Al analizar los conflictos armados más cruentos
desarrollados entre 1989 y el 2000, Pizarro (2002) los bautiza
como “conflictos crónicos”, puesto que, después de revisar, a
finales del año 2000, veinticuatro conflictos armados, descubre
que diecisiete de ellos son previos a 1989. Según Fearon y Laitin
(2003), los conflictos crónicos son los que más dificultades
presentan para su resolución, ya que en ellos se hacen
presentes altos niveles de odio y desconfianza, así como por la
naturalización y socialización de la violencia, la que termina
instituyéndose como un medio configurador y reconfigurador
de relaciones sociales, políticas y económicas.
203
Dentro de los análisis realizados sobre los conflictos
armados ocurridos a partir de la Guerra Fría, hay una línea
de investigación que ha planteado el debate sobre las variables
sociales, políticas y económicas presentes en las acciones
armadas. Esta corriente teórica, conocida como “economía
del conflicto”, dirige sus argumentos en contra de las teorías
que consideran que factores como la pobreza, la injusticia
y la desigualdad social de las clases menos favorecidas son
determinantes en el nacimiento, desarrollo y legitimación
político-militar de la insurgencia. Para los investigadores
de las economías de los conflictos armados, la clave de la
organización y permanencia temporal de los insurgentes radica
en su capacidad de acceso a recursos económicos (CAMACHO,
2002).
Desde esta óptica, las Fuerzas Armadas han buscado
proteger los sistemas de infraestructura, los recursos vitales
para las poblaciones y blindar a sectores estratégicos de la
economía de posibles objetivos militares por parte de fuerzas de
oposición armada, puesto que la motivación ideológica de los
conflictos armados es irrelevante, ya que lo único importante
es la capacidad de financiamiento de la organización rebelde.
De este modo, sin desconocer las causas sociales y políticas que
originan los conflictos, lo determinante para el sostenimiento
temporal de las acciones armadas radica en la capacidad de los
insurgentes para acceder a recursos económicos (COLLIER,
2002). Paul Collier (2001), al analizar las tendencias presentes
en una serie de guerras observadas durante el periodo 1965-
99, plantea dos conclusiones: la primera, que las causas de
emergencia de conflictos armados se relacionan directamente
con unas cuantas condiciones económicas, tales como la
alta dependencia de exportaciones de materias primas y
rentas nacionales escasas; la segunda, que fracturas étnicas y
territoriales, el descontento social, la ausencia de democracia
y la desigualdad social (causas objetivas), no han producido
efectos sustanciales sobre las causas de emergencia de los
conflictos. En su hipótesis central sostiene que “esto se debe a
204
que las guerras civiles se producen donde hay organizaciones
rebeldes financieramente viables”.
Dentro de esta línea de investigación, Mary Kaldor
(2001), Michael Hardt y Antonio Negri (2004) establecen un
marco analítico para el estudio de lo que ellos denominan
una nueva forma de violencia organizada, que aparece en la
década de los ochenta, especialmente en Europa del Este y
África. Estas “nuevas guerras globales permanentes” o “guerras
degenerativas” se desarrollan en contextos de debilidad estatal,
entre otras cosas por la pérdida del monopolio legítimo de la
violencia. Esta situación se presenta por la integración militar
global, por la privatización de la violencia relacionada con el
crimen transnacional y el paramilitarismo, y por la creciente
disminución de la legitimidad política del Estado en contextos
de corrupción institucional, crisis fiscales y económicas.
Para estos autores, las “nuevas guerras” presentan cuatro
características distintivas. La primera se refiere a la renuncia
a los tradicionales marcos nacionales e internacionales como
medio obligado para establecer su delimitación espacial, ya
que, al determinar su “localidad”, deben incluirse sus cientos
de repercusiones transnacionales, lo que dificulta la clásica
distinción entre conflictos internos y externos. La segunda,
que se desprende de la primera, es la contextualización de las
“nuevas guerras” dentro de la globalización, entendiendo esta
como el aumento sostenido de las interconexiones políticas,
económicas, culturales y militares a escala global. La tercera es
que, al dificultarse la centralización de las acciones armadas, los
combatientes buscan la captura de territorios y el control político
de la población por medio del terror. La cuarta característica de
estas guerras es que son racionalistas, en el sentido de que los
actores armados aplican el pensamiento racional a sus objetivos
políticos, por lo cual no tienen en consideración restricciones
de tipo normativo. De ahí que acciones militares rechazadas
ampliamente por la comunidad internacional, tales como la
destrucción de infraestructura y monumentos o ataques contra

205
la población civil, sean las modalidades operativas usadas por
las partes enfrentadas. Es por esto que

los esfuerzos financieros de las nuevas guerras están asociados


con el aumento de la prelación local, por lo que las batallas
son escasas y la guerra es dirigida principalmente contra
los civiles. El nuevo tipo de guerra es, en gran medida, una
condición social predatoria (KALDOR, 2001, p. 15-16).

Las Fuerzas Armadas se enfrentan a este contexto de


desvanecimiento de la autoridad, degradación de la violencia
y crisis económica; la globalización está marcada por altos
grados de desterritorialización, interconexión y velocidad
intensificada que ha llevado nuevos riesgos mundiales como
producto de una modernidad inacabada que no logra la
realización de su proyecto fundacional y se expone a un mayor
grado de incertidumbre consecuencia de los riesgos que ella
misma ha generado. En este sentido se enfrentan a amenazas
que son hoy por hoy inconmensurables, deslocalizadas y
descentralizadas propias del sistema global actual (BECK, 2008;
CORTÉS; PIEDRAHITA RAMÍREZ, 2011). Es por ello que los
instrumentos de las FF.AA. han tenido que ir evolucionando,
pues las amenazas son menos identificables y tienen un carácter
difuso. Así pues desde el fin de la guerra fría y con los atentados
del 11 de septiembre se ha consolidado la idea de que los
factores de inestabilidad y los mayores problemas a los que se
iban a enfrentar las Fuerzas Armadas iban a estar asociados
no con la gran rivalidad entre bloques o poderes enfrentados,
sino con bolsas de miseria o en esos vacíos de gobernabilidad
mundial en donde aun no se habían establecido los patrones
democráticos liberales. Según Collier (2009, p. 22) estas bolsas
de miseria ausentes de la gobernabilidad global son:

[…] un problema importante, y no solo para esos mil millones


de personas que viven y mueren en condiciones propias de la
Edad Media, sino también para nosotros. El mundo del siglo
XXI, este mundo de bienestar material, viajes internacionales

206
e interdependencia económica, será cada vez más vulnerable
ante estas grandes bolsas de caos económico y social. Y el
problema es importante ahora mismo, pues, a medida que
los países del club de la miseria se vayan descolgando de una
economía mundial cada vez más compleja, la integración les
resultará cada vez más difícil.

En el mismo sentido Fukuyama (2004, p. 11) asevera que

[…] la capacidad de fortalecer o crear, partiendo desde


la base, instituciones y competencias estatales hasta ahora
ausentes ha pasado a ocupar un lugar prioritario en la agenda
global y probablemente se haya convertido en un requisito
imprescindible para garantizar la seguridad en importante
partes del mundo.

El gran problema por tanto iba a estar en la ausencia de


gobernabilidad y es aquí en donde el aumento de los conflictos
intraestatales, la debilidad estatal y el fomento de factores
de inestabilidad en ausencia de una autoridad constituida e
identificada con los derechos humanos se cristalizó como la
mayor amenaza para los cuerpos de seguridad. La gravedad de
la amenaza se evalúa de esta manera en función de la capacidad
de esta de traspasar fronteras, poner en grave riesgo el sistema de
gobernabilidad mundial y el irrespeto de los derechos humanos
como fuente de actuación para las FF.AA.

Nuevos marcos de acción para las Fuerzas Armadas

Podríamos afirmar que en el contexto de la globalización


se ha establecido una forma de gobernabilidad global3 que está
3. Al respecto Amaya Querejazu (2011, p. 45) señala que: “Es necesario hacer
una aproximación más precisa y recordar que son precisamente los Estados
los que apoyan e incentivan el proceso de globalización, porque para muchos
de ellos la globalización permitirá alcanzar lo que hasta el momento no ha
existido: una gobernanza global desproporcionadamente influenciada por
el mundo de Occidente y por instituciones internacionales como la OTAN,
el Consejo de Seguridad de Naciones Unidas, el G8, el Fondo Monetario
Internacional, la Organización Mundial del Comercio, por citar algunas. ‘Si
207
asociada al sistema de normas, preceptos, costumbre y princi-
pios que ejercen un poder a nivel internacional, promoviendo
unas pautas de conducta acorde a una serie de consensos
establecidos, que reposan y son vigilados en instituciones
internacionales o en Estados e inclusive organizaciones de la
sociedad civil con impacto mundial y en estas cumplen un
papel fundamental las Fuerzas Armadas como instrumentos
efectivos para gestionar crisis, socorrer en contextos de crisis
humanitarias o asegurar ese sistema de gobernabilidad global.
Este tipo de gobernabilidad se ha podido consolidar
como una especie de Imperio4 en el ámbito internacional
gracias en gran medida al fin de la historia, en donde ya no
hay una alternativa u oposición ideológica a los principios que
las instituciones internacionales promueven. Esto hace que
las políticas de los políticamente poderosos cambia, la Globalización puede
ser revertida.’ Esto de alguna manera demuestra que la misma globalización
es la búsqueda de una forma de gobierno que es directamente promovida
por los poderosos. Un gobierno sin soberanía y contra la soberanía, basada
en el multilateralismo”.
4. El concepto de Imperio de Hardt y Negri concuerda con esta idea de
gobernabilidad global, pues para ellos el Imperio es el desvanecimiento
de una forma tradicional de ejercer la autoridad estatal y que tuvo su
momento culmen con los imperialismos europeos de principios del siglo
XX; por el contrario el Orden Internacional actual está marcado por una
transformación jurídica que domina y determina los marcos normativos
de los Estados soberanos: “La transición que hoy observamos, desde la ley
internacional tradicional, que fue definida por contratos y tratados, hacia
la definición y constitución de un nuevo poder mundial supranacional,
soberano (y así hacia una noción imperial del derecho), aunque incompleta,
nos da un marco en el cual leer los procesos sociales totalizantes del
Imperio. En efecto, la transformación jurídica funciona como un síntoma
de las modificaciones de la constitución material biopolítica de nuestras
sociedades. Estos cambios se refieren no sólo a la ley internacional y las
relaciones internacionales, sino también a las relaciones internas de poder de
cada país. Estudiando y criticando las nuevas formas de la ley internacional
y supranacional, entonces, estaremos siendo simultáneamente empujados
hacia el núcleo de la teoría política del Imperio, donde el problema de la
soberanía supranacional, su fuente de legitimación y su ejercicio pondrá en
foco problemas políticos, culturales y, finalmente, ontológicos” (HARDT;
NEGRI, 1996, p. 15).
208
su implementación o cumplimiento no recaiga en un agente
específico o en un ámbito legal particular, cuanto en una
forma de legitimar una acción que los defienda y promueva
en cualquier tiempo y espacio. Desde esta perspectiva las
fuerzas de seguridad de los Estados, las organizaciones
intergubernamentales o inclusive de agentes privados cumplen
una especie de rol de policía global que no se constriñe a un
Estado territorial, que funciona en tiempo real en cualquier
parte del mundo y que no tiene un límite de espacio específico.
Esta es justamente la forma como podemos ubicar la nueva
acción de las fuerzas de seguridad y que contiene un proceso
de gobernabilidad implícita. Las características de la sociedad
internacional han impulsado una gobernabilidad descentrada,
desterritorializada y de estructuras de mando flexibles que
no corresponde a la idea tradicional de gobierno (HARDT;
NEGRI, 2000). Dadas las características que tiene este sistema
de gobernabilidad que se rige bajo estas pautas de conducta,
valdría la pena identificar el rol de las Fuerzas Armadas como
dispositivos que tienen los agentes internacionales para su
vigencia. En este sentido se articulan desde una serie de marcos
que distintas agencias han establecido como principios para su
actuación.
Uno de estos marcos se centra en la categoría de la
responsabilidad de proteger que ha asumido Naciones Unidas
y representa el esfuerzo más importante en el esquema de
gobernabilidad global para la implementación de unos
principios universales como eje de actuación de los actores
internacionales. “La responsabilidad de proteger, o RdP
como se la conoce, representa uno de los avances normativos
más importantes en el campo de los derechos humanos”
(SERRANO, 2009). Los cinco criterios para un accionar
legítimo del consejo de seguridad alinean valores universales,
principios humanitarios y la acción de las Fuerzas Armadas.
No sólo el propósito correcto como inicio de toda sanción
o dispositivo de seguridad, sino también el balance de las
consecuencias o la proporcionalidad de los medios representan
209
unos criterios claros y contundentes para que la organización se
arregle conforme a su mandato constitutivo de mantener la paz
y la seguridad mundial y también puedan emplear las Fuerzas
Armadas para la responsabilidad de proteger impulsando la
estabilidad internacional. Con estos elementos de la categoría
de responsabilidad de proteger se constata que la preocupación
por la seguridad humana basada en los valores universales que
las Fuerzas Armadas salvaguardan es un hecho, no un discurso.
El compromiso de la Organización de las Naciones Unidas
con la responsabilidad de proteger y la participación de una serie
de ONGs, e instituciones multilaterales refuerzan el esquema
de gobernabilidad global que traspasa el marco o límite de
jurisdicción del ámbito territorial del estado, por lo que hoy ya
no son un hecho aislado, sino un principio de regulación con
capacidad para afrontar las amenazas (ARREDONDO, 2012).
El papel de las organizaciones regionales en este esquema de
gobernabilidad es fundamental dado que la capacidad operativa
de las Naciones Unidas no le permite atender todos los casos
que requieren una acción inmediata e inminente, por lo que
conmina a esas organizaciones y con ello se generan sistemas de
complementariedad en donde las Fuerzas Armadas se integran.
Hoy por hoy es impensable que la responsabilidad de proteger
represente una herramienta útil para la defensa y el sector
seguridad sin el papel de la Liga Árabe, la Organización para
la Seguridad y la Cooperación Económica, la Organización del
Tratado del Atlántico Norte, la ASEAN o inclusive UNASUR.
Todas buscan un equilibrio complementario en el esquema de
gobernabilidad.
Las Naciones Unidas a través de categorías como estas,
buscan concretar su objetivo principal de librar a la humanidad
de guerras y construir zonas de seguridad orientando con esto
también el trabajo de las fuerzas de seguridad. En algunos
informes se plantean las exigencias y forma de operatividad para
ellas, como por ejemplo el Programa de las Naciones Unidas
para el Desarrollo (PNUD, 2003), que señala la importancia
de tener una visión sistémica de la seguridad, la cual recoja una
210
serie de elementos capaces de afrontar las amenazas estipuladas
en la comunidad política, y que además ayude al reforzamiento
del sistema democrático y a la preservación y promoción de los
derechos humanos.

Recogiendo una serie de experiencias internacionales y


haciendo análisis comparados de campañas contrainsurgentes
adelantados en países tan distintos como Malasia, Kenya,
Italia, Filipinas e Irlanda del Norte, han hecho evidente la
validez de un enfoque integral o sistémico. Cada uno de los
componentes del sistema de seguridad (Justicia penal, Fuerzas
Armadas, Policía, cuerpos de seguridad) –y su articulación
cuidadosa– resultaron ser fundamentales para el triunfo de
aquellas estrategias. En todos los casos de éxito fue la política
la que condujo el proceso e integró el sistema; en todos los
casos, lo militar actuó con sujeción a lo político y en todos los
casos, el triunfo dependió de que el Estado ganara la confianza
de la población (PNUD, 2003, p. 156).

Así pues, la relevancia de asumir una estrategia de seguridad


que no se articule únicamente en las prioridades militares y
en los rangos estratégicos que establece la seguridad nacional
hace indispensable pensar en factores que vayan más allá del
marco militar; por ello, es necesario implicar a la población,
pues la seguridad, para Naciones Unidas, es una política de
preservación del interés nacional que no se refiere solamente a
las fuerzas de seguridad del estado.
Para no perder esa confianza ganada por el gobierno
en su intento por implicar a la población se hace necesario
un control democrático del sistema de seguridad para que
no opere alejado de los objetivos trazados en la política de
seguridad. En el Programa de las Naciones Unidas para el
Desarrollo se reflexiona sobre este factor y se enuncian todos
los componentes necesarios para una gestión adecuada del
sector defensa acorde a los intereses de la sociedad estatuidos
en la política. Los principios de una gestión democrática del
sector de la seguridad buscan que:

211
Los representantes deben ser quienes tengan la última
palabra en los asuntos de seguridad de importancia clave. Las
organizaciones de seguridad deben actuar de conformidad
con el derecho internacional y el derecho constitucional y
respetar los Derechos Humanos. La información relativa a
la planificación de la seguridad y los recursos conexos debe
estar disponible para todos, tanto dentro del gobierno como
a nivel del público. La gestión la seguridad debe encararse
con un criterio amplio y disciplinado. Esto significa que las
fuerzas de seguridad deben regirse por los mismos principios
de gestión del sector público, que se aplican a otros sectores
del gobierno, con algunos ajustes menores a fin de contemplar
la accesibilidad de confidencialidad propia de la seguridad
nacional. Las relaciones entre civiles y militares deben hacerse
en una escala de jerarquía de autoridad bien articulada entre
las autoridades civiles y las fuerzas de defensa, en los derechos
y los deberes recíprocos de las autoridades civiles y las fuerzas
de defensa, y en una relación con la sociedad civil basada en
la transparencia y el respeto de los Derechos Humanos. Las
autoridades civiles deben tener la capacidad de ejercer control
político de las operaciones y financiación de las fuerzas
de seguridad. La sociedad civil debe tener los medios y la
capacidad de vigilar a las fuerzas de seguridad y contribuir
de manera constructiva al debate político sobre la política
de seguridad. El personal de seguridad debe ser entrenado
para cumplir sus funciones de manera profesional, y debería
reflejar el carácter heterogéneo de sus sociedades, incluyendo
a las mujeres y a las minorías. Las autoridades encargadas
de formular las políticas deben asignar una alta prioridad al
fomento de un clima de paz regional y subregional (PNUD,
2002, p. 90).

El gráfico 1 nos representará cómo debe ser la gestión


del sector seguridad para que haya un control democrático
sobre su accionar, así como una mayor eficiencia en sus
operaciones de contención de las amenazas. En este gráfico se
ponen todos los sectores de la sociedad que tienen un ámbito
de representatividad en el sistema democrático. Su función
fundamental consiste en dirigir su atención hacia la actividad
del sistema de seguridad y disponer todos los medios para
que haya una mayor claridad y transparencia sobre el accionar

212
de este sector. La importancia de este gráfico se debe a que
explica con precisión el orden de los factores dentro del sistema
democrático, el cual debe imponer un esquema de control de lo
civil hacia lo militar, pues en últimas, según la definición que
hemos dado de la seguridad, todo el sistema debe ir enfocado
hacia la protección del ciudadano y del régimen democrático.

Gráfico 1

Fuente: Programa de las Naciones Unidas para el Desarrollo (2002).

Además en este cuadro se representa con claridad cómo la


seguridad ya no se restringe al ámbito únicamente nacional, en
el sentido de la seguridad nacional de Guerra Fría, sino que va
más allá al vincular a la población y a todos aquellos sectores
de la sociedad que necesiten implicarse para la salvaguarda de
la identidad frente a fuerzas de amenaza hostil a su integridad
funcional. Por ello, el gráfico muestra muy bien lo que debe
representar el nuevo modelo de la seguridad. Lo que ha llevado
a estos marcos de la seguridad en el siglo XXI es sentar las bases
para construir un manejo de las fuerzas de seguridad dentro de
los principios y valores democráticos, puesto que los esquemas
de actuación durante la Guerra Fría eran limitados y no pueden
dar una respuesta satisfactoria a las exigencias del actual orden

213
internacional, caracterizado por el ascenso de la democracia y
los derechos humanos como normas de comportamiento. Ahora
bien, vale la pena caracterizar aun más este marco de actuación
dentro de lo que se podría denominar como el modelo de una
cultura democrática de la seguridad, una forma en la cual las
Fuerzas Armadas se adecuan en este nuevo contexto. Esta idea
podría estar basada en una serie de principios.
A. Los sistemas políticos democráticos operan con
mecanismos de representatividad que les llevan a buscar
consensos para mediar los distintos intereses de la
sociedad. Por tanto, un factor clave de operatividad para
las Fuerzas Armadas es el interés nacional basado en el
consenso racional que se tiene que efectuar para que se
preserven valores universales que el sistema democrático
contiene y beneficie a todos los ciudadanos5.
B. En el moderno escenario internacional las democracias
son el sistema de gobierno que permiten una mayor
profundización y arraigo en los principios básicos de
los derechos humanos, lo cual hace a la democracia una
condición indispensable de realización de la libertad
humana basada en la justicia, por ello el accionar de las
fuerzas de seguridad solo queda legitimado y sustentado
5. Según David Held (1997, p. 242), este rasgo caracteriza la legitimidad
del sistema democrático y permite consolidar los principios básicos
de los derechos fundamentales de los ciudadanos de una comunidad
política. Por ello dice que: “El derecho público democrático establece las
condiciones de posibilidad de la democracia –la gama de facultades que
una sociedad democrática debe garantizar a sus miembros.– Es, por lo
tanto, el <<macro>> o metamarco que puede circunscribir y delimitar de
forma legítima la interacción política, económica y social. Especifica las
condiciones necesarias de una comunidad política para que sean libres e
iguales en el proceso de autodeterminación. Proporciona, por lo tanto, los
criterios con que juzgar si un sistema político o un conjunto de disposiciones
es o no democrático. Al inscribir un conjunto de derechos democráticos en
una constitución, la sociedad se compromete a salvaguardar a los individuos
en ciertos aspectos y a proteger a la comunidad política como asociación
democrática, pues estos derechos son las reglas y los procedimientos que no
pueden ser eliminados sin incoherencia ni contradicción: son la condición
de autosujeción de la democracia”.
214
en virtud de su alineamiento y entrega a estos valores
supremos6.
C. Las democracias, en el orden internacional actual,
ven disminuida su capacidad de profundización y
de consolidación debido a que enfrenta una serie de
amenazas a su postulación, por ello las democracias
necesitan dispositivos de autoprotección que se decantan
en las Fuerzas Armadas y tienen en la participación de
la sociedad en los asuntos de seguridad y en el control
democrático de los cuerpos de seguridad su vigencia para
preservar la integridad funcional de una sociedad.

Así pues un rasgo fundamental de la gestión democrática


de las Fuerzas Armadas es la noción de consenso y de interés
nacional que los Estados asumen como el eje articulador de
su política tanto interna como externa. Lo característico del
sistema democrático consistiría en impulsar estos factores a
través de una cultura política que promueva una resolución
pacífica de los conflictos. En la medida en que se expanda esa
cultura los mecanismos de mediación calarán más hondo en
la sociedad haciendo que se extienda la seguridad por todo el
sistema democrático. Esto no quiere decir que las democracias
no tengan conflictos entre ellas o dentro de sus propios siste-
mas de gobierno, lo que significa es que por las características
inmanentes de la democracia aquellos se resuelven de una
manera pacífica7. Aquí nos interesa la comprensión de esa
6. En palabras de John Rawls (1979, p. 20) la democracia se basa en la
concepción de la justicia como equidad, lo que le permite una profundización
en los derechos humanos y en la pacificación del sistema internacional. De
esta manera según Rawls: “La justicia es la primera virtud de las instituciones
sociales, como la verdad lo es de los sistemas de pensamiento. Una teoría,
por muy atractiva y esclarecedora que sea, tiene que ser rechazada o revisada
si no es verdadera; de igual modo, no importa que las leyes e instituciones
estén ordenadas y sean eficaces: si son injustas han de ser reformadas o
abolidas. Cada persona posee una inviolabilidad fundada en la justicia que
incluso el bienestar de la sociedad como un todo no puede atropellar”.
7. Los rasgos propios de estos sistemas de gobierno, su cultura política
es lo que hace a muchos analistas defender la tesis de la paz democrática
215
cultura política que contiene el sistema democrático, pues es
gracias a ella que se puede definir una política de seguridad y
es la que crea el marco de prioridades para la actuación de las
Fuerzas Armadas.
El factor que permite preservar el interés nacional y que
conserva la identidad de las sociedades se posa en la idea de
un proceso de consenso entre todas las fuerzas legítimamente
reconocidas dentro del estado democrático. La acción comu-
nicativa que los estamentos de poder deben desarrollar implica
un trabajo de mediación sobre aquello que la comunidad política
define como lo adecuado para la consolidación de su ser, esto es,
de su identidad. Para este trabajo de consenso se hace necesario,
entonces, determinar estrategias comunes que impulsen la
conservación de los principios estatuidos como lo esencial de la
comunidad política. En este proceso de mediación la sociedad
estipula un tipo de intereses concretos, como el acceso a los
recursos, la consolidación de su seguridad personal, exigiendo
a los cuerpos de seguridad del Estado y otras entidades que
preserve esos intereses. El margen de acción de las FF.AA. se
definirá según la concepción y la prioridad de los intereses que
lo sustente. No obstante, los resultados del consenso deben
partir de la primacía de los derechos y libertades civiles sobre
otras libertades y derechos y sobre los principios de igualdad y
diferencia.
Así pues, dentro del Derecho democrático se han
consolidado una serie de principios que son producto del
consenso de las comunidades políticas y que han reconocido
como connaturales al sistema democrático. Estos principios
son fácilmente reconocibles en tratados internacionales o
en declaraciones conjuntas de estados que buscan hallar
mecanismos reguladores en sus acciones, tanto internas como

como un sistema de seguridad óptimo o adecuado a las exigencias de la


actual dinámica internacional. La expansión de la democracia creará de
esta manera una cultura política común, una forma pacífica de resolver los
conflictos, lo que procurará un sistema de relaciones estables y predecibles
(RAYMOND; COHEN, 1994).
216
externas. El mayor consenso internacional que evidencia las
bases y principios del derecho democrático se representa en
la Declaración Universal de los Derechos Humanos, en donde
se busca un acuerdo común sobre la concepción que tiene el
hombre de su sí mismo, esto es, un ser poseedor de dignidad y
de libertad.
La teoría del consenso racional entroncada en el liberalismo
político muestra que esos principios son esenciales a la identidad
de la comunidad política, y que por ello se deben poner todas
las medidas dispositivas para impulsar su preservación y
mantenimiento. De esta manera se muestra, gracias a la teoría
del consenso racional, uno de los principios de definición del
interés nacional: los derechos humanos como marco referente de
las políticas de seguridad y espectro de actuación de las Fuerzas
Armadas. Considerar que los derechos humanos constituyen
uno de los gendarmes de aquello que una comunidad política
define como su interés nacional implica que se ha estatuido
un proceso de mediación consensual y que solo es posible
dentro del sistema de derecho que permite estos mecanismos,
por ello los actores racionales de ese consenso impulsan todas
las medidas dispositivas para la preservación del sistema de
derecho que protege y promueve esos derechos fundamentales.
De lo anterior se extrae que las Fuerzas Armadas en contextos
de una cultura democrática de la seguridad se basan y se
fundamentan en la consolidación del consenso racional en
el sistema democrático, y que su función principal consiste
en proteger al individuo y a la democracia de las amenazas
que atentan contra sus derechos básicos. Ahora bien, para
corroborar estas hipótesis entraremos a analizar el contexto
colombiano, el cual nos ayudará a contrastar los mecanismos y
reforma de las Fuerzas Armadas en un caso de estudio.

Las Fuerzas Armadas colombianas

El caso colombiano y particularmente la evolución de las


Fuerzas Armadas es idóneo para evaluar su proceso de reforma
217
o adaptación de una política de seguridad que haga frente
a las amenazas al sistema democrático y a la violación de los
derechos humanos, pues Colombia se está mostrando en el
contexto actual como un caso de estudio exitoso de exportación
de factores determinantes para la estabilización de situaciones
de conflicto y guerra interna en un estado colapsado a uno
que ha logrado adaptarse a las nuevas amenazas y riesgos de
la globalización. Por ello vamos a mirar en el análisis del caso
colombiano la definición del interés nacional, esto es, buscar el
proceso por el cual se ha estatuido el consenso social, a partir
de la voluntad social de librarse de las amenazas para concretar
su integridad funcional en donde las Fuerzas Armadas se han
puesto como garantes.

De la Guerra Fría a las nuevas amenazas

La actuación de las Fuerzas Armadas en el período de


la Guerra Fría se inscribe en una estrecha relación de de-
pendencia o sometimiento voluntario en términos políticos y
económicos de Colombia a los Estados Unidos, en el marco de
la doctrina “Respice Polúm” (mirar hacia la estrella del norte),
mirar hacia los Estados Unidos, porque: “El norte de nuestra
política exterior debe estar allá, en esa poderosa nación, que
más que ninguna otra ejerce atracción respecto de los pueblos
de América” (TOKATLIAN, 2000, p. 36). Los antecedentes de
esta tendencia se pueden encontrar desde 1929, año en el que
Colombia y Estados Unidos, iniciaron contactos como parte de
la planificación de la defensa del canal de Panamá.
Posteriormente en 1948 Colombia autorizó misiones de
entrenamiento del ejército y la aviación de los Estados Unidos,
en el marco del programa hemisférico de defensa. En febrero
de 1949 se firmaba en Bogotá el Pacto de Asistencia y Asesoría
Militar con los Estados Unidos para la provisión de equipo
militar al Ejército y la Fuerza Aérea colombiana (TIRADO
MEJÍA, 1989a). Esta relación se mantendría y profundizaría en
los años siguientes, llegando a convertirse el réspice polum, en
218
los inicios de la guerra fría, en: “una visión ideológica del papel
de Colombia en el mundo. Un férreo anticomunismo y una
identificación sin matices con Estados Unidos” (TOKATLIAN,
2000, p. 37).
Como telón de fondo se organizaba el sistema interameri-
cano, que se inicia con la Conferencia Interamericana celebrada
en Chapultepec en marzo de 1945, en la que se habían sentado
las bases de la unidad militar panamericana bajo tutela de los
Estados Unidos. En 1947, se materializaba en Río de Janeiro,
el Tratado Interamericano de Asistencia Recíproca (TIAR). La
IX Conferencia Panamericana, celebrada en abril de 1948 en
Bogotá, había sido convocada para crear la Organización de
Estados Americanos (OEA), institucionalizando regionalmente
el panamericanismo liderado por los Estados Unidos.
En este contexto, el gobierno de Laureano Gómez,
compromete la participación de militares colombianos en la
Guerra de Corea. Esta participación se inicia en 1950 cuando
el presidente Laureano Gómez, ofreció enviar a costas coreanas
la fragata Almirante Padilla, con fines de patrullaje. El 1 de
noviembre zarpó desde Cartagena. Dos semanas después,
Eduardo Zuleta Ángel, embajador de Colombia en Estados
Unidos, ofreció los servicios de un Batallón de infantería de
mil hombres y ochenta y tres oficiales. El Batallón Colombia
prestó sus servicios de combate desde mayo de 1951 hasta julio
de 1953 (TIRADO MEJÍA, 1989b).
Para Tirado (1989a) el envío de tropas a Corea, pasó a ser un
factor importante de negociación para el gobierno colombiano,
especialmente para la adquisición de armas. El entonces,
Ministro de Guerra de Colombia, utilizaba como argumento
central para que Estados Unidos le vendiera armas a Colombia,
el gran esfuerzo y sacrificio que los militares colombianos
estaban haciendo en Corea. El haber participado en la guerra
de Corea marca un hito en la historia de las Fuerzas Militares
colombianas, ya que no sólo se foguearon en un conflicto
internacional, sino que asumieron el marco ideológico del
enfrentamiento real de los dos sistemas imperantes, que luego
219
fueron materializados en Colombia por medio de la Doctrina
de la Seguridad Nacional y la utilización reiterada de conceptos
como el de “enemigo interno”.8
En el plano internacional, la posición colombiana frente
a los Estados Unidos durante la Dictadura del General Rojas
Pinilla, quedo clara el 13 de junio de 1954, cuando el embajador
colombiano en Washington, Eduardo Zuleta Ángel, en
entrevista transmitida por la radiodifusora la “Voz de América”,
manifestó lo siguiente:

La posición internacional de Colombia es de una claridad


resplandeciente. Colombia es un país esencialmente
anticomunista, fundamentalmente amigo de los Estados
Unidos […] Entre Moscú y Washington, Colombia escogió a
Washington y obra con lógica. Dada la situación internacional
actual, no se puede ser neutral en la guerra fría; o se es
comunista, o se es declaradamente anticomunista y si se es
anticomunista, debe lucharse contra el comunismo en todos
los campos, como lo ha hecho Colombia, que ha luchado
contra el comunismo en Corea (RODRÍGUEZ, 2006, p. 42).

En la misma línea, el Brigadier General Gustavo Berrío,


quien ejercía como Ministro de Guerra, afirmaba ante la opinión
pública nacional, que: “El comunismo extranjero o nacional debe
saber que en las Fuerzas Armadas tienen a su más poderoso y
tenaz enemigo” (RODRÍGUEZ, 2006, p. 44). A nivel doméstico,
hay que destacar lo referido al manejo autónomo (ajeno al
control civil) que de la seguridad y el orden público, hicieran las
8. “La Doctrina de la Seguridad Nacional, fue el sostén ideológico de las
dictaduras militares en América Latina durante las décadas de 1960 y 1970,
y fue ideada por el gobierno de Estados Unidos como forma de ejercer
un contrapeso político en la región en el marco de la Guerra Fría. Las
sucesivas administraciones estadounidenses temieron que la influencia de
la revolución cubana de 1959 significara una expansión del comunismo en
América Latina, y que el continente girara hacia la órbita soviética. En ese
sentido, esta doctrina predicaba que la proliferación de la ideología socialista
en los países latinoamericanos constituía una amenaza para la seguridad
nacional de estas naciones, para lo cual creía necesario una ofensiva política
y militar” (ARENAS, 1987, p. 72).
220
Fuerzas Armadas colombianas, desde que el Presidente Alberto
Lleras Camargo, en mayo de 1958, formulara su doctrina, en el
famoso discurso que pronunciara frente a los Oficiales de las
Fuerzas Armadas destacados en Bogotá. En algunos apartes de
dicho discurso, manifiesta textualmente:

Yo no quiero que las Fuerzas Armadas decidan como se debe


gobernar la nación, en vez de lo que decida el pueblo, pero no
quiero, en manera alguna que los políticos decidan cómo se
deben manejar las Fuerzas Armadas, en su función técnica, en
su disciplina, en sus reglamentos, en su personal (VALENCIA,
1992, p. 344-345).

Lo que el presidente Lleras buscaba era mantener a los


militares neutrales frente a los partidos tradicionales y evitar
la repetición de un Golpe de Estado. De esta manera, desde
1958 hasta 1990, la Doctrina Lleras, fue el único lineamiento o
estrategia política para conducir el esfuerzo militar del Estado
frente al comunismo con la Doctrina de la Seguridad Nacional
y marcado por la influencia de los Estados Unidos sobre las
Fuerzas Armadas y el Estado colombiano, que se convirtió
en la directriz política que orientó el comportamiento militar
durante 4 décadas. Cabe destacar que solo en agosto de 1991
se nombró el primer Ministro de Defensa Civil, Rafael Pardo
Rueda, después de que en 38 años (1953-1991) fue ocupado
por 17 Generales. En este contexto, la Seguridad Nacional se
entendió bajo una amenaza permanente por parte de fuerzas
nacionales e internacionales ligadas al comunismo.
Una vez terminada la guerra fría, el narcotráfico sustituyó
al comunismo internacional como la principal amenaza a
la seguridad de los Estados Unidos y el hemisferio, lo que
implicó una mayor participación de las Fuerzas Armadas
en su combate. En el caso colombiano, en el que todos los
actores armados sostienen directa o indirectamente vínculos
con el narcotráfico, los límites entre la guerra antinarcóticos
y la lucha contrainsurgente son cada vez más porosas y
confusas (CASTAÑO et all, 2008). Con el escalamiento del
221
conflicto armado9 y el agravamiento de la crisis humanitaria,
la administración de Andrés Pastrana (1998-2002), tomó la
decisión de iniciar diálogos de paz con las FARC en diciembre
de 1998. En paralelo con los diálogos de paz, el gobierno
colombiano adelantó un proceso de modernización de las
Fuerzas Armadas colombianas. Esta reforma se dirigió hacia
dos áreas específicas, la primera enfocada al fortalecimiento de
la capacidad disuasiva del Estado en el marco del proceso de paz
y la segunda aunque pareciera contradictoria a estar preparado
para un eventual escalamiento de la confrontación en caso de
fracasar dicho proceso (VARGAS, 2010). La reestructuración
de las Fuerzas Armadas se orientó hacia cuatro líneas de acción:

En primer lugar se ha buscado incrementar al máximo posible


la movilidad y flexibilidad de las formaciones militares,
así como su habilidad para reaccionar con rapidez frente
a las acciones de los atacantes y su destreza para combatir
en medio de la noche. En segundo […] hemos adelantado
una intensa labor para profesionalizar el ejército mediante
la significativa incorporación de soldados profesionales.

9. “En 1996 las FARC-EP iniciaron una campaña militar sin precedentes
en la historia del conflicto armado. El 15 de abril de 1996 atacaron un
convoy militar en Puerres, departamento de Nariño (31 militares muertos),
el 30 de agosto se tomaron (coparon) la Base Militar de las Delicias en el
departamento del Putumayo (29 militares muertos), el 7 de septiembre
atacaron la Base Militar de La Carpa en el departamento del Guaviare y el
21 de diciembre se tomaron la Base de Comunicaciones del Ejército ubicada
en el Cerro Patascoy en el departamento de Nariño. En 1998 en el combate
en la Quebrada del Billar en el departamento del Caquetá, una fuerza
élite contraguerrilla del Ejercito fue prácticamente aniquilada por esta
guerrilla (63 militares muertos), el 3 de agosto atacaron simultáneamente
las instalaciones de la Policía Nacional en los municipios de Miraflores en
el Guaviare (30 uniformados muertos, 50 heridos y 100 prisioneros), La
Uribe en el Meta y la Base Militar de Pavarandó en la región de Urabá, y
en el mes de noviembre en momentos previos a la concreción de la Zona
de Distensión, las FARC-EP se tomaron la ciudad de Mitú, capital del
departamento del Vaupés. Las FARC llegaron a la mesa de negociaciones
con más de 400 miembros de la Fuerza Pública capturados en combate y
con las bases de un ejército irregular, lo que les permitió imponer su ritmo y
dinámica durante el proceso de diálogo” (TREJOS, 2011, p. 122).
222
Otra línea fundamental ha sido la promoción de la cultura
de los Derechos Humanos y del Derecho Internacional
Humanitario […] finalmente, estamos creando los marcos
legales indispensables para la marcha previsible , regular y
eficiente de las Fuerzas y de la Policía Nacional (PASTRANA,
2005).

En este sentido, Marks (2005), señala que la reforma


se enfocó primordialmente en el Ejército Nacional, ya
que prácticamente tocó a toda la institución, centrándose
especialmente en la revitalización del sistema de educación
militar, utilizando la experiencia adquirida durante las
modificaciones operacionales y organizacionales e imple-
mentando un adecuado liderazgo dentro los suboficiales con
el fin de mejorar el accionar de las unidades operativas. En
paralelo, se profundizó la instrucción en Derechos Humanos,
operaciones especiales conjuntas y guerra de información.
Con este marco, el Plan Colombia pasó a ser el escenario
en el que se materializaría el objetivo de reestructurar y
modernizar a las Fuerzas Armadas y la Policía Nacional, con
el fin de recuperar el Estado de derecho y brindar seguridad en
toda la geografía colombiana, siempre dentro del respeto a los
Derechos Humanos y el Derecho Internacional Humanitario.
El Plan Colombia, tenía tres componentes estratégicos: 1- La
erradicación forzosa por medio de la fumigación aérea; 2- La
reingeniería de las Fuerzas Armadas, especialmente de los
sectores vinculados al combate del narcotráfico; 3- La política
social, entendida como una política de desarrollo institucional
en espacios locales (VARGAS, 2010).
Dentro de todo el equipamiento militar adquirido (Aviones,
helicópteros, lanchas, modernización de bases y batallones),
debe destacarse la activación de la Fuerza de Despliegue Rápido
(FUDRA), cuyo objetivo es hacer frente a la insurgencia en los
lugares más apartados y reforzar las operaciones estratégicas.
En cuanto al pie de fuerza, se pasó 82 mil soldados en 1998 a 132
mil en agosto de 2002, lo que produjo una nueva configuración
de la tropa ya que de 22 mil pasó a 55 mil soldados profesionales.
223
Borrero (2001), destaca que al crear el Batallón Antinarcóticos
se consolida el compromiso del Ejército en la lucha contra el
narcotráfico, pero se debe resaltar la actualización y desarrollo
tecnológico en dos áreas centrales: el aumento de la capacidad de
transporte helico-portado y el mejoramiento de las capacidades
de combate nocturno.

Las Fuerzas Armadas y la securitización – vía mili-


tarización – de la agenda política colombiana (2002-
2010)

Las Fuerzas Armadas en el marco del primer gobierno


presidencial de Álvaro Uribe Vélez (2002-2006) pasaron a tener
un papel protagónico con lo que se denominó la Política de
Defensa y Seguridad Democrática, la cual estuvo marcado por
las siguientes variables socio-políticas de su administración:
En primer lugar la terminación por parte de la administración
Pastrana, de las conversaciones de paz que adelantaban el
gobierno nacional y la guerrilla de las FARC-EP. El fin de las
conversaciones fue seguido por la adopción por parte de la
guerrilla, de una táctica de guerra de desgaste, materializada en
acciones de sabotaje económico y terrorismo, lo que generó el
rechazo generalizado de la opinión pública contra la insurgencia
armada, pero al mismo tiempo, instaló dudas sobre el impacto
real del Plan Colombia en la lucha contrainsurgente. En segundo
lugar el desgaste de los partidos políticos tradicionales, lo que se
tradujo en la pérdida de legitimidad de organismos de elección
popular como el Congreso Nacional, y una honda desconfianza
en los partidos políticos y sus representantes, de ahí, que Álvaro
Uribe, sea el único candidato disidente, que ha logrado derrotar
al candidato oficial del Partido Liberal, además de ser el primer
político en la historia de Colombia, que obtiene con solidez el
triunfo presidencial en la primera vuelta. En tercer lugar una
difícil situación socio-económica, que según el Departamento
de Planeación Nacional (2005), en el año 2002, las estimaciones

224
de pobreza eran del 57.0 % y la indigencia del 20.7 % de la
población.
Según Kalmanovitz (2004), durante el trienio 2000 – 2002,
la economía colombiana se comportó de la siguiente manera:
en el 2000 la economía creció 2,9 %, apenas 1,4 % en 2001, y
1,7 % durante 2002. Lo que produjo que cerca de dos millones
de personas abandonaran el país desde 1998, a la búsqueda de
nuevos horizontes en Estados Unidos y España, principalmente.
Un escenario internacional globalizado, con los Estados Unidos,
como poder hegemónico y militar dominante, instalando una
nueva agenda internacional, centrada en la lucha global contra el
terrorismo. Y una Región Andina, inestable institucionalmente
y cambiante en lo político (VARGAS, 2010).
En este contexto de crisis económica, pérdida de legitimidad
de los partidos políticos y actos terroristas, se ambientó en la
población colombiana el anhelo de un liderazgo fuerte, audaz
y dinámico, que generara un contrapeso real a la sensación
de inseguridad producida por las acciones violentas. El
contundente triunfo electoral de Álvaro Uribe Vélez, materializó
el deseo de los colombianos de restablecer la seguridad y
el orden en el territorio nacional. La entonces Ministra de
Defensa Martha Lucia Ramírez, citada en el informe del PNUD
(2003), definía la Política de Defensa y Seguridad Democrática
(PDSD), como una política Estatal de largo plazo para proteger
a la población. Es por eso que se fijó como objetivo principal,
el fortalecimiento del Estado de Derecho en todo el territorio,
ya que esta es la única forma de garantizar el ejercicio de las
libertades y garantías ciudadanas. En el fortalecimiento de la
autoridad democrática, en el libre ejercicio de la autoridad por
parte de las instituciones y los gobernantes sin temor a ningún
tipo de amenaza, descansa la vigencia del Estado de Derecho,
es por esto que se hace necesario que todos los ciudadanos
participen activamente en los asuntos de interés público y
propendan por que impere la ley en todo el territorio10.
10. El documento de la Política de Defensa y Seguridad Democrática
se funda sobre tres pilares: 1- La protección de los derechos de todos los
225
La primera estrategia seguida por el Estado, fue la de
contener y proteger; teniendo como punto de partida la
protección del libre tránsito vehicular por las principales vías
del país, brindando seguridad a los viajeros a través de caravanas
militares de escolta, llamadas “Vive Colombia, viaja por ella”, y la
puesta en marcha del Plan Meteoro. Al mismo tiempo, se inició
la recuperación del control territorial. Según Pizarro (2004),
al inicio de la administración Uribe, la Policía Nacional se
encontraba ausente de 160 municipios, aproximadamente el 15%
de todos los municipios colombianos. En el segundo semestre
de 2003 solo quedaba un 5% de municipios sin presencia estatal,
y en el año 2004, había presencia permanente de la Policía
Nacional en todas las cabeceras municipales de Colombia
(VARGAS, 2010). Éstas medidas, mejoraron sustancialmente la
percepción de seguridad en la ciudadanía. Debe destacarse que
el cumplimiento de los objetivos estratégicos de la Política de
Seguridad Democrática, implicaba el aumento en el tamaño de
la Fuerza Pública, especialmente las Fuerzas Militares (Gráfico
2).
En el plano internacional, la primera medida de la
administración Uribe, fue ubicar el conflicto armado
colombiano dentro de la “cruzada mundial contra el terrorismo”
liderada por los Estados Unidos, después de los atentados del 11
de septiembre de 2001. En un contexto internacional marcado
por el posicionamiento del terrorismo como la principal
amenaza de la agenda de seguridad mundial, el presidente
Uribe, logró presentar el conflicto armado colombiano como

ciudadanos, 2- La protección de los valores, la pluralidad y las instituciones


democráticas, 3- La solidaridad y la cooperación de toda la ciudadanía en
defensa de los valores democráticos. También identifica como amenazas a
la seguridad ciudadana y la democracia: - El terrorismo, - El negocio de
las drogas ilícitas, - Las finanzas ilícitas, - El tráfico de armas, municiones
y explosivos, - El secuestro y la extorsión, - El homicidio. Y define como
sus objetivos estratégicos: 1- Consolidación del control Estatal del territorio,
2- Protección de la población, 3- Eliminación del negocio de las drogas, 4-
Mantenimiento de una capacidad disuasiva, 4- Eficiencia, transparencia y
rendición de cuentas.
226
una amenaza no sólo para la región, ya que al ser las FARC-
EP, el ELN y las AUC, consideradas organizaciones terroristas
por el Departamento de Estado norteamericano y además al
estar involucradas con el tráfico de narcóticos, el alcance de sus
acciones armadas adquiría dimensiones globales.
En este caso, puede apreciarse con claridad la relación
presente entre la política interna (PDSD) y la política externa
del presidente Uribe. Relación, que por la longevidad y
degradación del conflicto armado colombiano, adquiere
relevancia. En este sentido, según Tokatlian (1999), todo Estado,
en cuyo territorio se desarrolla una guerra dirige parte de su
diplomacia a la búsqueda de apoyo externo para la resolución
de su guerra interna. En el caso colombiano, la diplomacia de
la administración Uribe buscó legitimar internacionalmente
la utilización por parte del Estado colombiano de un mayor
uso de la fuerza, tendiente a la derrota política y militar de la
insurgencia y el narcotráfico. De esta manera, el tema de la
seguridad, se convirtió en el eje sobre el cual gravitó la política
exterior del presidente Uribe.
En este marco, la seguridad además de ser la base sobre
la cual se edificó su gobierno, pasó a ser la piedra angular del
proceso de la toma de decisiones de su administración, es
decir, se securitizó la misma (JIMÉNEZ, 2004). La adscripción
del conflicto armado colombiano en la lucha mundial contra
el terrorismo y su alianza incondicional con los Estados
Unidos, resultó exitosa, ya que Colombia, mantuvo y consolidó
la ayuda militar de los Estados Unidos, a través del Plan
Colombia, manteniendo de esta manera la sostenibilidad del
componente militar de la Seguridad Democrática. Fue así
como el Plan Colombia, pasó de ser un plan antinarcóticos en
su planeación, a un plan terrorista, en su denominación y a un
plan contrainsurgente, en su ejecución, es decir, el esfuerzo
de la administración Uribe se dirigió a incrementar la ayuda
económica de los Estados Unidos, para mejorar la capacidad
disuasiva de las FF.AA. y ponerlas en actitud ofensiva frente a
la insurgencia.
227
Gráfico 2. Crecimiento de la Fuerza Pública
en miles de Uniformados, 2002-2008

Fuente: DNP. Plan Nacional de Desarrollo “Estado Comunitario:


Desarrollo para todos”, balance de resultados 2008.

Una vez fortalecida la Fuerza Pública, se da inicio a la


estrategia contrainsurgente por medio del “Plan Patriota”, plan
que en la práctica se presentó como el componente militar
de una amplia estrategia estatal (OSPINA, 2005). Con la
Operación Libertad, se dio inicio al Plan Patriota, este plan,
que complementó el Plan Colombia (antinarcóticos), se dirigió
específicamente contra las FARC, es por eso que se concentró
en el sur-oriente de Colombia, precisamente donde esa
organización guerrillera tiene su retaguardia estratégica. Con
la operación Libertad, el Ejército logró destruir su dispositivo
militar en el Departamento de Cundinamarca, y fracturar
el centro de su despliegue estratégico, además se realizaron
las primeras capturas estratégicas a mandos activos de esta
organización guerrillera.
En lo militar, se aumentó sustancialmente el tamaño de las
Fuerzas Armadas, profundización de la profesionalización de
la tropa, creación de nuevas Brigadas Móviles, Batallones de
Alta Montaña, el Programa de Soldados Campesinos, estímulos
económicos y jurídicos a la deserción de guerrilleros, se crearon
228
de redes de informantes. Se pasó a la ofensiva sostenida en gran
parte del territorio nacional y se penetraron áreas de retaguardia
estratégica de las FARC. En esta nueva actitud de combate de
la Fuerza Pública, jugó un papel importante la guerra aérea
desarrollada por la Fuerza Aérea Colombiana a través de los
“aviones fantasma AC-47, los helicópteros Black Hawk UH-
60 Arpía, el potencial de helitransporte de la flota UH-60 de
versión utilitaria, UH-1 NHuey II y MI- 17 […] gracias a un
progreso en la inteligencia electrónica” (PIZARRO, 2004, p.
316).
Al respecto, el máximo comandante de las FARC Manuel
Marulanda, en un comunicado enviado a sus tropas, citado
por Moreno, realiza el siguiente diagnóstico sobre los cambios
operacionales que se estaban produciendo al interior de las
fuerzas enemigas:

[…] presencia de una flota de helicópteros en brigadas,


divisiones y hasta en batallones apoyados por aviones
bombarderos, para hacer desembarcos diurnos y nocturnos,
son parte del nuevo elemento introducido a la estrategia de
combate contra la guerrilla, produciendo resultados negativos
en nuestras filas […] Los hostigamientos y ataques seguirán
normalmente lo que no se puede es prolongarlos demasiado
tiempo y mucho menos si el terreno no es favorable por la
carencia de mimetismo (MORENO, 2006, p. 635).

Pero el mayor golpe propinado por la Fuerza Pública a las


FARC durante el inicio del período estudiado, fue la destrucción
de su dispositivo militar en el departamento de Cundinamarca.
Con la Operación Libertad, que marcó el inicio del Plan
Patriota11 (contrainsurgente), este plan que complementa el
Plan Colombia (antinarcóticos), se dirigió específicamente
contra las FARC, es por eso que se concentró en el sur-oriente
11. Se inició en abril de 2004 y estaba previsto para ocho meses, pero dados
sus insuficientes resultados iniciales se extendió hasta 2006. El foco de acción
se centró en el suroriente del país, con 18.875 hombres de la Fuerza de Tarea
Omega. En los primeros días de 2007 se lanzó el Plan Consolidación, que se
extendió hasta 2010.
229
de Colombia, precisamente donde esa organización guerrillera
tiene su retaguardia estratégica.
Con la operación Libertad, el Ejército Nacional logró
fracturar el centro de su despliegue estratégico, el cual había sido
trazado en su Séptima Conferencia, celebrada en 1982. En esta
definieron: “el centro nodal de su estrategia, que consiste en el
copamiento de la cordillera Oriental, a la que señalaron como el
eje del despliegue estratégico, y en el cerco a la capital del país, el
centro de dicho eje” (RANGEL, 1999, p. 172). De este modo las
FARC buscaban cercar Bogotá y bloquearla con el fin de generar
una insurrección general contra el Estado lo que posibilitaría
el ingreso de unos 16.000 guerrilleros que estarían alrededor
de la ciudad y que librarían la ofensiva final contra un Ejército
ilegítimo y sin ningún tipo de apoyo ciudadano. Entre finales
de 2002 y finales de 2003, 15.000 soldados aproximadamente
lograron golpear contundentemente las unidades de las FARC-
EP que hacían presencia en Cundinamarca por medio de los
Frentes 22, 42, 25, 52, 55, 51, 53 y 54 (LEÓN, 2004).
Junto con la campaña militar, el Gobierno colombiano
desplegó esfuerzos diplomáticos tendientes a que inter-
nacionalmente las FARC fueran reconocidas como una
organización terrorista, pedido que fue asumido con cautela
por Brasil y Ecuador. Posteriormente logró propinar tres golpes
certeros a la estructura política y financiera de las FARC. En
el año 2004 fue capturado en la ciudad de Quito, por efectivos
policiales de Colombia y Ecuador, el segundo Comandante del
Frente 41 y miembro del equipo negociador de esa guerrilla
en los fallidos diálogos del Caguán, Simón Trinidad. Un mes
después en el departamento del Caquetá, fue capturada Sonia,
la segunda Comandante del Frente 14 y encarga financiera del
Bloque Sur e iniciando el año 2005 fue capturado en Caracas,
por efectivos policiales de ese país, sin conocimiento del
gobierno venezolano a cambio de una recompensa y entregado
a unidades de la Policía Nacional de Colombia, el denominado
Canciller de las FARC Rodrigo Granda, este hecho generó
una grave crisis diplomática entre Colombia y Venezuela que
230
solo pudo resolverse con la mediación de Fidel Castro12. La
importancia de estas capturas radica en el avance sustancial de
las labores de la inteligencia militar y la coordinación entre la
Policía y el Ejército Nacional (TREJOS, 2013).
La administración Uribe continuó la reforma de las Fuerzas
Armadas iniciada por la administración de Andrés Pastrana,
aumentó el pie de fuerza, pasó a la ofensiva, se alió con los
Estados Unidos en su guerra contra el terrorismo lo que le
permitió acceso a importantes recursos militares y económicos
para neutralizar el intento de las FARC de urbanizar la guerra,
penetró en su retaguardia estratégica, fracturó su eje de
despliegue estratégico y logró unificar al país en torno a sus
esfuerzos por consolidar la gobernabilidad en todo el territorio
colombiano.

Las Fuerzas Armadas en el escenario del postcon-


flicto colombiano

La experiencia de la Política de Defensa y Seguridad


Democrática llevó a un alto grado de profesionalización y
aumento del pie de fuerza, buscando ajustarse a los nuevos
marcos de actuación de las Fuerzas Armadas, aunque cayendo
en una excesiva militarización y con ello una securitización de
la agenda política colombiana. En todo caso la estrategia de la
PDSD llevó a una presión y una reconfiguración o fragmentación
de los grupos al margen de la ley, pues su accionar pasó más de
la confrontación tradicional por ocupar sectores estratégicos del
territorio nacional a concentrar sus funciones en la protección
de negocios vitales para su supervivencia. Parte de las tensiones
del conflicto y los desafíos que enfrentaban las Fuerzas Armadas
12. El incidente desató una crisis que llevó al rompimiento de las relaciones
comerciales mediante el cierre de la frontera a partir del 14 de enero, según
fue anunciado por el Presidente de Venezuela, además de la retirada de
los embajadores de ambos países. La tensión aumentó aún más cuando
el Gobierno de Estados Unidos apoyó explícitamente a Colombia en el
conflicto, llegando los voceros estadounidenses a acusar abiertamente a
Venezuela de apoyar a las FARC.
231
colombianas se circunscribían al tipo de guerras intraestatales y
que afectan a esos estados que no tienen un pleno control de su
territorio, pero esto ha cambiado con los factores introducidos
por el Estado colombiano y la búsqueda de un mayor control
territorial.
En ese sentido el exministro de defensa Juan Manuel Santos
elegido por el período presidencial 2010-2014 como el adalid
de las políticas de su antecesor promovió una estrategia estatal
de seguridad para el control territorial frente a la criminalidad
y los grupos ilegales a través de distintas instituciones como la
Policía Nacional que tienen por fin principal el restablecimiento
del orden social legal (constitucional), en sectores tradi-
cionalmente marcados por la ilegalidad, la preponderancia de
grupos delincuenciales y un alto índice de marginalidad en
las principales ciudades de Colombia. Concretamente el “plan
nacional de vigilancia comunitaria por cuadrantes” (PNVCC)
es la estrategia más amplia y ambiciosa para el “cumplimiento
de las metas institucionales alineadas con la política nacional
de seguridad13”.
Esta estrategia va encaminada a concretar formas de
control micro-territorial en aras de asegurar el control de la
población y el territorio perdido o disputado con actores no
estatales (delincuencia común y organizada) que construyen
ordenes sociales paralelos en desmedro de la legitimidad
institucional del centro de poder estatal. El poder ejercido
por actores no estatales en ciudades principales se originaría
entre otras causas, por la ausencia y debilidad del Estado en la
“periferia” de la ciudad14. En este sentido, el Estado colombiano
históricamente ha mantenido una “presencia” diferenciada

13. Publicación de la Policía Nacional de Colombia. Dirección General -


Oficina de Planeación. Estrategia Institucional para la Seguridad. Ciudadana:
Plan Nacional de Vigilancia Comunitaria por Cuadrantes (PN VCC, 2010,
p. 9).
14. En este trabajo, por “periferia” se entiende a las regiones distantes,
sin poder político, muy pobres, poco o nada integradas a los mercados e
históricamente explotadas y marginadas por el “centro”.

232
en el territorio nacional. En este trabajo, “presencia estatal”
se debe entender como el cumplimiento permanente de las
obligaciones primarias del Estado, tales como: impartir justicia,
brindar seguridad y garantizar la prestación y acceso a servicios
públicos básicos a todos sus ciudadanos. Si bien esta definición
se presenta como poco elaborada, lo que se busca destacar es
que la presencia del Estado, no solo se limita a la instalación
física de sus instituciones, sino que además, estas instituciones
deben prestar las funciones para las cuales fueron concebidas.
En el caso de las áreas urbanas, la presencia estatal ha sido de
igual forma fragmentada, ya que mientras ha logrado integrar
a sus dinámicas políticas, jurídicas, económicas y sociales a los
centros urbanos, otras zonas periféricas del mismo se encuentran
excluidas y marginadas de sus servicios básicos, posibilitando
la aparición y consolidación de poderes paralelos, que basados
en la fuerza y el uso de la violencia, establecen ordenes sociales
y económicos básicos, que permiten la convivencia. En estas
zonas carentes de Estado, las organizaciones delincuenciales se
convierten en gérmenes de orden y en la práctica, se constituyen
como estados paralelos, ya que al quedar todo cubierto con
el manto de la ilegalidad, el Estado renuncia a ser garante de
las interacciones de los habitantes. Dejando los derechos de
propiedad, los contratos, los intercambios en una especie de
limbo abstracto. Sin ellos no puede haber vida social. Es apenas
natural que un nuevo tipo de orden social o “estado primitivo”
surja en estos contextos.
En el contexto de la PNVCC tiene por objetivo combatir
estos fenómenos con una estrategia integral para “el mejo-
ramiento del servicio policial, haciéndolo armónico a su
misionalidad y naturaleza civil que le es inherente”; y “al facilitar
el acercamiento a la comunidad, para responder de manera
oportuna y efectiva a las verdaderas necesidades de convivencia
que tiene la sociedad”. El PNVCC se encamina a la recuperación
y consolidación de tres componentes estratégicos: el territorio
como espacio geográfico, lo social como fuente de apoyo
humano y lo político como elemento generador de legitimidad.
233
Desde esta perspectiva se ha venido canalizando el impacto de
esa política en la recuperación del poder estatal – legitimidad
– en esas zonas periféricas y marginadas que han estado bajo el
control de actores no estatales y formas delincuenciales.

Conclusión

La experiencia colombiana de pasar en los últimos años,


pasando de ser un estado que exportaba amenazas y que podía
llegar a colapsar generando una gran inestabilidad en el sur del
hemisférico americano a ser tomado como un caso exitoso de
fortalecimiento de instituciones, en donde las Fuerzas Armadas
han tenido un rol fundamental, ha llevado en gran medida
a que estas estén participando en roles de entrenamiento,
coordinación, gestión de crisis a nivel tanto regional e
internacional. Se habla recientemente de la exportación del
modelo colombiano como caso exitoso y respuesta a muchos de
los interrogantes que generan las situaciones de conflicto que
experimentan gran cantidad de estados a nivel internacional.
Sin duda la experiencia de adaptación y reforma que se
introdujo en las Fuerzas Armadas ante las nuevas amenazas
y la necesidad de fortalecer el componente de seguridad se
ha mostrado como una de las grandes virtudes y logros de las
élites colombianas y su articulación con la cúpula militar para
desactivar situaciones que amenazaban la estabilidad estatal.
En este documento se ha mostrado cómo el esfuerza sostenido
desde el plan Colombia, la PDSD hasta PNVCC representan
una política continua de compromiso para establecer en
control territorial y el goce efectivo de derechos librando a los
ciudadanos de amenazas a su integridad funcional.
En todo caso hechos que han enlodado el comportamiento
de las FF.AA. como los llamados Falsos Positivos, esto es, la
utilización de civiles al margen del conflicto para hacerlos pasar
como miembros de los grupos criminales para inflar las cifras
de captura o dada de baja, así como la utilización de elementos
de inteligencia para infiltrar a figuras públicas, o inclusive la
234
reforma al fuero militar, son algunos de los problemas que
muestran la aun poca consolidación de este sector con los
principios internacionales de actuación que se establecieron
más arriba. En la medida en que no se establezca un pleno
control de las fuerzas armadas o no se integre su función como
garante pleno de un acuerdo de paz con los grupos guerrilleros
su funcionalidad u operatividad se desdibujará y no logrará
concretar los objetivos que se traza la política. Por ello en el
actual contexto es pertinente la participación de la fuerza
pública en esos contextos internacionales, pero aun es necesario
un trabajo meticuloso para definir su papel como garante de la
paz y resguardo de los derechos que consagra la constitución.

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239
Reforma no Setor de Segurança e a Integração entre
as Seguranças Humana, Pública e Internacional:
alguns exemplos brasileiros

Aline Chianca Dantas


Paulo Roberto Loyola Kuhlmann

Introdução

Nesse artigo visa-se instigar maiores debates sobre a refor-


ma do setor de segurança a fim de se perceber suas dimensões
teóricas e práticas, sua importância, as problemáticas que estão
no seu entorno, bem como sua conexão com as perspectivas
de segurança humana, pública e internacional. Tudo isso, com
intuito de revelar como a reforma no setor de segurança pode
levar à humanização da segurança pública e internacional, bem
como à aproximação entre ambas as concepções.
Dessa forma, o trabalho é iniciado com uma discussão
centrada nos delineamentos da reforma do setor de segurança
e as implicações para a segurança humana, pública e
internacional. Em um segundo momento, ressaltam-se as in-
terligações entre a teoria de segurança humana e a segurança
pública e, posteriormente, entre a referida perspectiva teórica e a
segurança internacional, com finalidade de se depreender como
se pode alcançar a humanização desses espaços tradicionais de
segurança.
Ao longo da discussão, são inseridos exemplos brasileiros
desses processos de integração entre os diferentes tipos de
segurança e, dessa forma, demonstra-se a possibilidade e
relevância da reforma do setor de segurança, desmistificando
qualquer ideia de fronteira rígida entre essas concepções de
segurança ou de cunho puramente negativo dessa interligação.
Nesse sentido, por meio de uma metodologia pautada em
análise bibliográfica sobre o tema, do uso da teoria de segurança
240
humana como referencial teórico, bem como da literatura
sobre reforma no setor de segurança, segurança pública e
internacional, dá-se início ao desenvolvimento do presente
trabalho.

Reforma no setor de segurança e implicações para


as seguranças humana, pública e internacional

A reforma do setor de segurança, termo que surgiu


na década de 1990, busca integrar as propostas de defesa
e segurança, incentivar a assistência ao desenvolvimento e
aprimorar a preocupação com o indivíduo na resolução de
conflitos (HÄNGGI, 2004), coadunando-se com as novas
abordagens da segurança pública, internacional e, até mesmo,
do campo da justiça e do Direito.
É uma alternativa mais profunda de transformação,
monitoramento e controle dos aparatos coercivos do Estado.
Assim, a reforma no setor de segurança vai além do controle
civil sobre os militares, pois o provimento da segurança requer
o controle da formação, planejamento e atuação das forças
policiais e militares, mas, especialmente, a eficácia na provisão
de segurança. Desse modo, é notório que um controle civil
pode ser eficiente, sem que ocorra necessariamente uma eficaz
provisão de segurança (EDMUNDS, 2003).
Compreende-se o setor de segurança como algo que engloba
todas as instituições estatais que têm um mandato formal para
promover a segurança do Estado e de seus cidadãos contra atos
de violência e coerção, como as Forças Armadas, as polícias,
os serviços secretos, as instituições judiciais e penais, bem
como atores não estatais que interferem no setor de segurança,
a exemplo das forças paramilitares – guerrilha ou grupos
criminosos – e da mídia; incorpora-se, ainda, na concepção
reformista desse setor o ambiente da segurança internacional,
observando-se a atuação das organizações nacionais, regionais
e internacionais. Ressalta-se que o cerne da reforma do setor de

241
segurança está na preocupação com a proteção dos indivíduos;
nesse sentido, observa-se a inclinação coincidente com o objeto
de referência da segurança humana (HÄNGUI, 2004).
Há, na verdade, uma incorporação de atores que já faziam
parte da esfera de segurança/insegurança estatal, mas que eram
desconsiderados, como os Ministérios da Defesa, que coordenam
politicamente a ação dos estamentos armados; além disso, essa
visão anexa também elementos antes desconsiderados, como
o Ministério da Justiça1, que indica a necessária conexão da
força coativa com os aspectos legais, traduzindo o componente
racional-legal do poder político (EDMUNDS, 2003).
Dentro da reforma do setor de segurança e, especificamente,
do espaço marcado pela segurança pública, os debates sobre
as mudanças no ambiente policial aparecem. A esfera policial
tem tido a característica fundante de manter a ordem pública, a
despeito da preservação da vida e do bem-estar do cidadão, por
meio do excesso de repressão violenta, em vez da contenção pela
mínima força necessária, além do pouco uso de alternativas não
violentas preventivas (ROSENBERG, 2006). Mas, conforme
Souza (2012), as polícias têm demonstrado dificuldade de
assimilar a necessidade de transformações profundas em suas
estruturas e apontam as ações violentas como fatos isolados ou
decorrentes da cultura brasileira de se voltar preferencialmente
para a força como solução estatal no controle social,
perpetuando as problemáticas do âmbito de segurança. Esse
quadro repressivo e violento da atividade policial ocorre apesar
de a própria polícia possuir órgão de controle de sua atuação e
do uso da força, como as corregedorias.
Segundo Soares (2006), a reforma policial deve pautar-se
em seis aspectos:
1) reversão da fragmentação verificada na esfera da União
em relação à função das polícias brasileiras (especialmente as
polícias civis e militares), tendo em vista a desconsideração dos
1. No Brasil, o Ministério da Justiça coordena a segurança pública, por meio
de um órgão específico que compõe a estrutura do referido ministério,
denominado de Secretaria Nacional de Segurança Pública – Senasp.
242
aspectos locais e, de certa forma, o impedimento de uma ação
integrada;
2) alteração do marco legal inadequado e restritivo presen-
te na Constituição brasileira em relação às funções policiais,
propondo a “desconstitucionalização das polícias”, ou seja,
possibilitando a adequação das funções policiais de acordo
com as particularidades locais do Brasil, não havendo uma
necessária imposição do papel geral e específico de atuação
policial no nível federal;
3) estímulo à adoção de programas de reforma, voltados
para um modelo de polícia ligado a uma gestão racional,
relacionado à redução da insegurança pública e ao respeito aos
direitos humanos;
4) apoio a iniciativas promissoras e divulgação de boas
práticas;
5) investimento na sensibilização de gestores, legisladores,
opinião pública;
6) valorização do papel ativo dos municípios e guardas civis
na segurança pública.
Nesse quadro reformador, busca-se incentivar eficientes
práticas preventivas da criminalidade, através de diagnósticos
locais, gestão participativa, articulações institucionais e políticas
voltadas para as vítimas (SOARES, 2006). A partir das colocações
de Soares, observa-se que estas propostas de reformulação da
polícia com ênfase na segurança humana coincidem, em parte,
com as ideias da reforma do setor de segurança, pois buscam
abranger não só as forças policiais tradicionais (polícia civil e
militar), como também pretendem tirar o foco da repressão.
É importante também a participação da sociedade civil
nas discussões sobre reforma do setor de segurança para que
ocorra um processo de construção conjunta, promovido pelo
Estado e sociedade de um espaço pacífico e verdadeiramente
democrático, marcado por uma relação dialógica entre
sociedade civil, governo e sistema internacional (SORJ, 2005).
Essa perspectiva justifica-se pelo olhar de segurança humana

243
para o qual estão voltadas as propostas de reforma do setor de
segurança.
Dessa forma, embora a segurança ou a insegurança sejam
providas, em sua maior parte, pelos segmentos estatais, em
virtude da tentativa de manutenção do monopólio da violência
por parte do Estado, os órgãos da sociedade civil organizada,
desde as organizações não governamentais, as associações de
classe, as categorias profissionais, a imprensa, até a comunidade
epistêmica, inserem-se na condição de avaliadores e ques-
tionadores desse sistema de segurança integrado, que reflete a
lógica da reforma do setor de segurança e da legitimidade da
violência por parte do Estado.
Por exemplo, a criação de observatórios de segurança,
integrando analistas e operadores de segurança, pode
proporcionar mais possibilidades analíticas, coletando esta-
tísticas de dados de segurança, de forma mais ampla, não so-
mente relativos a homicídios, mas levando em conta violências
particularizadas (contra a mulher, crianças e adolescentes,
minorias sociais, dentre outras), possibilitando uma gama de
alternativas preventivas de construção de segurança positiva2,
tais como a iluminação de áreas consideradas violentas, a busca
por criar espaços de esporte e lazer em áreas marginalizadas, a
criação de “olhos da rua”, como a criação de estabelecimentos de
comércio e entretenimento em espaços públicos deteriorados
e considerados violentos, vivificando as áreas de passagem e
trânsito.
Outro exemplo de participação da sociedade civil é a
ação de organizações não governamentais, integradas ou não
2. Tratando dos espectros da segurança, observa-se como parte da segurança
negativa o controle e diminuição das ameaças, a ponto de se tornarem
improváveis (BALDWIN, 1997). No geral, isto em segurança pública
corresponde à contenção pela força da violência, quando corretamente
empregada sem excessos. A segurança positiva trata-se da possibilidade
de construção da segurança como, por exemplo, práticas comunitárias que
estabeleçam segurança, substituindo a lógica do medo pela da capacitação
e do empoderamento, considerando múltiplos atores, diferentemente da
segurança negativa, que foca num único ator, o Estado (GJORV, 2012).
244
com órgãos do governo, que cuidam de temáticas específicas.
Servem para a amplificação das análises, particularizando
as necessidades de determinadas minorias ou, quando mais
generalizadas, possibilitando a crítica exógena ao sistema
de segurança governamental e proporcionando a busca de
alternativas preventivas com bom desempenho oriundas de
outros países e culturas.
A mídia pode servir como mais uma alternativa de expor
as mazelas da utilização exagerada da violência, por exemplo,
apesar de muitas vezes ela servir como autenticadora das formas
mais repressivas e agressivas de uso da força militar.
Algumas visões da segurança internacional, por sua vez,
possuem forte convergência para perspectivas mais humanas
nas reconstruções pós-conflito, pós-transição democrática
ou pós-desagregação da União Soviética e uma tendência de
interligação entre preocupações internas e externas aos países
em termos de segurança, coincidentes com a visão da reforma
do setor de segurança (HÄNGUI, 2004). Isto fica mais visível nas
perspectivas de segurança internacional não tradicionais, como
os Estudos Críticos de Segurança, por exemplo. Entretanto,
no Brasil e na América do Sul predominam análises que não
observam com bons olhos essa aproximação entre defesa e
segurança (SOARES; MATHIAS, 2003), caracterizando-as
como uma forma de imposição estadunidense da desvalorização
das forças armadas sul-americanas e sua aplicação nas
“novas ameaças” como o terrorismo, o crime organizado e o
narcotráfico (SAINT-PIERRE, 2011), principalmente porque
essas forças são vistas como ameaças ao cidadão, como durante
a ditadura militar recente.
No entanto, a visão de segurança multidimensional,
partindo da ideia da segurança humana positiva, é considerada
por alguns autores sul-americanos (VILLA, 1999), em
coincidência com analistas de segurança internacional não
estadunidenses, que não necessariamente teriam uma visão de
imposição hegemônica da segurança internacional (GJORV,
2012).
245
Além disso, não só a segurança humana considera o objeto
de referência do indivíduo e o entrelaçamento do interno
com o externo como problemas de segurança internacional;
perspectivas oriundas de visões marxistas e terceiro-mundistas,
tais como a pesquisa de paz, os estudos críticos, pós-coloniais
e feministas de segurança, bem como a Escola de Copenhague,
compartilham desses focos (BUZAN; HANSEN, 2012).
Por outro lado, as perspectivas mais restritivas de
segurança internacional (WALT, 1991), ou mesmo de paz
negativa (BOULDING, 1978), sempre entraram em choque
com as visões mais amplas. Assim, enquanto os tradicionalistas
abordam a possibilidade de perda da capacidade analítica e de
estabelecimento de políticas públicas ao se utilizar dessa visão
mais abrangente, os ampliadores, ou aprofundadores, apontam
a necessidade de um maior foco na busca efetiva da segurança
das pessoas (BOOTH, 2007; BUZAN; HANSEN, 2012) ou de
paz positiva (GALTUNG, 1985).
Percebe-se que, ao tratar de segurança, a reforma do setor
de segurança considera um largo espectro de atores estatais
e revela o papel dos atores não estatais como as organizações
da sociedade civil local, regional ou global, que podem
proporcionar mais segurança social, por meio da supervisão
dos órgãos coatores imediatos, bem como a possibilidade de
entender as questões de segurança pública pelo espectro da
segurança internacional e, mais especificamente, da segurança
humana.
Portanto, sem descuidar dos perigos de se misturar
os conceitos de defesa e de segurança e de assumir visões
“alienígenas” para a constituição das políticas de defesa na-
cional, uma perspectiva multidimensional de segurança pode
favorecer as análises e proporcionar maior foco na manutenção
do bem-estar na segurança pública e na internacional.

246
Teoria da segurança humana e segurança pública

A reforma no setor de segurança prima pela humanização


da segurança como um todo, incluindo a segurança pública.
Então, quais as proposições da teoria da segurança humana
e em que consiste esse processo de humanização? O conceito
tradicional de segurança impunha uma estrita preocupação com
a capacidade militar (BALDWIN, 1997); no entanto, durante
a década de 1970, começaram a surgir novas concepções de
segurança. Mas, foi no período pós-Guerra Fria, que essa visão
mais crítica da segurança se fortaleceu e, em 1994, o conceito
de segurança humana surgiu, na Organização das Nações
Unidas, no relatório do Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (OLIVEIRA, 2009).
A teoria da segurança humana coloca as pessoas como
objeto de referência e há duas correntes que analisam diferentes
tipos de ameaças aos indivíduos. A primeira, mais restrita, foca
na proteção contra a violência física individual (HAMPSON,
2008), estando relacionada com a busca da paz negativa de
Galtung (1969), ou seja, ausência de guerra e de violência física,
direta e explícita. A perspectiva mais abrangente fundamenta-
se no conceito de segurança para além da violência direta,
representando-se pela paz positiva de Galtung (1969), sendo
alcançada pela integração da sociedade humana, por meio do
atendimento às necessidades sociais.
Este trabalho insere-se na segunda abordagem de seguran-
ça humana, referendando como a segurança pública deve ser
pensada de maneira ampla, não apenas com foco na proteção
física do indivíduo, ou seja, na diminuição de homicídios,
mas nos diversos problemas estruturais que interferem no
bem-estar social, como desigualdades, fome e drogas. Assim,
é fundamental que as políticas de segurança pública pautem-
se por um olhar mais amplo da segurança do indivíduo,
distanciando-se da ideia de segurança pública tradicional
completamente referendada pelas noções de ordem e repressão
(BOOTH, 2007).
247
Assim, destaca-se o papel da segurança humana abrangente
como ferramenta para fazer frente às inseguranças que não
têm sido verdadeiramente consideradas como ameaças à
segurança pública, incitando proposições e soluções no âmbito
da segurança pública mais conectadas com o ambiente social
e políticas públicas mais eficazes. No entanto, esse processo
humanizador da segurança pública só se concretiza, realmente,
a partir do momento em que diversos setores da sociedade se
utilizam da liberdade de atuar em nome próprio, buscando a
potencialização, ou seja, a atuação e a participação na tomada
de decisões (ARAVENA, 2003).
Quais são, então, as características relevantes da segu-
rança humana? Aravena (2007) traz como pontos cruciais do
conceito: o caráter inclusivo, integrador e multidimensional; a
importância como difusor da cooperação e do multilateralismo;
a capacidade de estabelecer uma visão global e inter-regional e
de focar nas pessoas e nas vulnerabilidades não tradicionais; a
tendência de incluir o tema do desenvolvimento na agenda de
segurança e, ao mesmo tempo, a pouca focalização, devido à
tendência holística.
Apesar das distintas abordagens da segurança humana e
das críticas sobre o conceito, segue-se o pensamento de Paris
(2001), de que os trabalhos no ramo da segurança humana
não necessitam de julgamento de mérito ou de validação da
segurança humana por si mesma, pois, antes de tudo, eles focam
em questões específicas, que podem ser definidas e, talvez, ainda
respondidas. Segundo o autor, a segurança humana deve ser
compreendida como a contenção das ameaças militares (aqui
se incluem também as policiais) ou não militares (ou ambas)
para a segurança das sociedades, dos grupos e dos indivíduos
(PARIS, 2001; OLIVEIRA, 2009) e devem ser refletidas todas as
vantagens de se analisar o caso concreto através desse arcabouço
teórico.
Sendo assim, considerando a segurança pública relaciona-
da com a ordem pública, a violência e o crime somente em
nível local, como humanizá-la? Como tornar a segurança
248
pública tradicional uma segurança pública humana? Primeiro,
modifica-se o foco da segurança pública atual; pois, em geral, as
pessoas não são vistas como o cerne da segurança pública, o qual
se encontra, muitas vezes, na manutenção da ordem pública e
do controle social. Ainda, quando os indivíduos são levados
em consideração, percebe-se uma discriminação negativa, com
a diferenciação de raça, gênero e situação econômica (SILVA,
2003).
Logo, uma segurança pública humana não pode oferecer
segurança para as pessoas apenas através da polícia. Observa-
se a influência de fatores globais (tráfico de armas e drogas,
interesses industriais, grandes poderes financeiros, terrorismo)
na abordagem de segurança pública, bem como dos problemas
locais (pobreza e desemprego). Dessa maneira, a forma de
combate das problemáticas de insegurança não deve pautar-se,
prioritariamente, no livre exercício do monopólio da violência,
porque quanto maior o uso desse instrumento mais ele costuma
ser utilizado; em vez de ser criador da ordem, muitas vezes
cria a desordem, com mais violência (SILVA, 2003). O quadro
a seguir distingue segurança pública tradicional de segurança
pública humana:

Tabela 1: Segurança pública humana


Dimensão Segurança pública Segurança pública
tradicional humana
Espacialidade Soberania territorial Não espacialmente
orientada
Foco Estado Comunitário/
individual
Questão Diplomático/ Sociopolítico/
militar/ policial socioeconômico/
ambiental/
diplomático/militar/
policial

249
Padrões de controle Institucionalizado Institucionalizado/
Não
institucionalizado
Tomada de decisão Formal (político) Formal e Informal
Respostas Diplomática/Militar Científica/
tecnológica/
governança
multilateral/
diplomática/militar
Fonte: MACLEAN apud SILVA, 2003. p. 270 (adaptado).

Vê-se que a segurança pública tradicional está marcada por


um conjunto de instrumentos e propostas pautados unicamente
na figura do Estado, na soberania territorial como elemento
justificador para o uso da força estatal, em padrões de controle
institucionalizados, como se observa da atuação policial, além
de processos de decisão formais, que seguem estritamente as
obrigações legais.
A segurança pública humana volta-se para promoção da
segurança com foco no indivíduo e na comunidade, pensando
espaços mais amplos de comunicação e cooperação para
solução das inseguranças sociais, alcançando preocupações
além das questões puramente militares, utilizando de
instrumentos formais e informais, institucionalizados e não
institucionalizados para levar à proteção do indivíduo.
Esta nova forma de abordagem pode proporcionar avan-
ços no combate à violência e à criminalidade, caso a segurança
humana seja colocada no foco da segurança pública. O
problema é que a segurança pública nos moldes tradicionais
tem como cerne a espacialidade territorial, o patrimônio e o
uso da força (SILVA, 2003); contudo, essa lógica pode dar vez
a abordagens menos formais e com enfoque na governança
multilateral entre países que sofrem das mesmas problemáticas,
visando-se soluções mais duradouras. Portanto, a visão que se
difunde no trabalho não é de que os elementos da segurança
pública tradicional são ultrapassados e não devem ser mais

250
considerados, mas pensar em um arcabouço enorme de ações
proporcionadas pelo olhar amplo da segurança pública humana
(SILVA, 2003).
Com finalidade de delinear a concretude da discussão
apresentada, no próximo tópico tenta-se destacar como o olhar
de segurança humana pode ser uma ferramenta essencial para
nortear o ambiente da segurança pública. Para isso, utiliza-se de
um debate em torno da situação de segurança pública em João
Pessoa, capital do estado da Paraíba.

Análise prática da relação entre segurança pública e


segurança humana: o cenário de João Pessoa-PB

Nesse tópico, utiliza-se a cidade de João Pessoa-PB e seu


quadro de segurança pública, a fim de demonstrar a relevância
de um olhar de segurança humana em torno do olhar rígido e
limitado para o qual os gestores e atores de segurança pública
estão voltados. Para isso, destacam-se os dados de segurança
pública do município e as diretrizes do ambiente de segurança,
para em seguida realizar o debate sobre como a segurança
humana pode impactar positivamente esse cenário.
Dessa forma, verificando o boletim sobre a criminalidade
de João Pessoa verifica-se um nítido foco para a avaliação
trimestral sobre os crimes violentos letais e intencionais
(CVLI), ou seja, os crimes que levam à morte e são causados
pela vontade do agente de executá-los, incluindo-se homicídios
dolosos, latrocínios, estupro seguido de morte, lesão corporal
dolosa seguida de morte. A contagem é feita conforme número
de vítimas e não de crimes ou eventos, como ocorre em outros
países ou estados (PARAÍBA).
Nesse sentido, antes de adentrar na percepção do quadro
atual de CVLI, é importante explicitar que o município de João
Pessoa reflete um processo vivenciado pelo próprio estado da
Paraíba de crescimento das taxas de homicídio a partir de 2004,
verificando-se taxas superiores à média nacional, distintamente
do que ocorria em anos anteriores (WAISELFISZ, 2012a).
251
Assim, em 2010 o número de vítimas de CVLI foi de 516, em
2011 de 594, em 2012 de 518 e em 2013 de 515, demonstrando
uma média de vítimas de CVLI de 2010 a 2013, embora o ano de
2011 tenha alarmado ainda mais os números de CVLIs. Verifica-
se, então, que nesses quatro anos os esforços no combate da
criminalidade medida em termos de CVLIs têm sido incapazes
de reverter a situação crítica do município nesse aspecto, que é
apenas um dos elementos para se avaliar o quadro da segurança
pública de um determinado lugar. Embora, para o ano de 2014,
por meio da análise do primeiro trimestre, seja possível pensar
em um avanço em termos de diminuição dos CVLIs, mas ainda
não há como prever esse dado, tendo em vista que o referido
ano está em andamento (PARAÍBA; NACE-SEDS). No geral, as
políticas de segurança têm sido voltadas a atividades repressivas
nas áreas de maior concentração de CVLI, o que corrobora a
visão repressiva da ação policial.
Desse modo, o quadro de João Pessoa em termos de foco
de análise e trabalho da segurança pública é o mesmo que o do
Brasil como um todo e de outros países. Isto é, centralizar as
políticas de segurança pública em torno das taxas de homicídios
e demais crimes violentos letais e intencionais ocorridos em
determinado ano, como se a verdadeira segurança social fosse
medida essencialmente por um índice geral de homicídios.
Na verdade, observando-se os dados de furtos e roubos,
é possível refletir que os crimes patrimoniais, muitas vezes,
atingem mais a sensação de segurança dos indivíduos em
determinados bairros que os índices de homicídios. Acontece
que, por estes representarem a forma mais violenta de crimi-
nalidade e possuírem uma uniformidade na contagem, são
usados como instrumento de análise do ambiente de segurança
pública como um todo.
Além disso, dentro do próprio dado de homicídio é
primordial que haja uma análise multidimensional com foco nos
locais de maior incidência, grupos de vítimas, com finalidade
de conectar as ações de segurança pública do município com
esses elementos e, inclusive, perceber uma importante ligação
252
entre os aspectos sociais e de desenvolvimento com as questões
de segurança pública.
Do exposto, vê-se que em João Pessoa os homicídios
com vítimas negras são desproporcionalmente maiores que
os de brancos. Em 2010, foram 545 homicídios de negros e
16 de brancos (WAISELFISZ, 2012c, p. 21), demonstrando
a nítida necessidade de um olhar de segurança humana para
trabalhar com a questão de raça e violência que vai além do
foco tradicional de segurança pública.
No que tange aos locais mais violentos de João Pessoa,
constatou-se em 2013 que os 10 principais bairros eram:
Mangabeira, Oitizeiro, Alto do Céu, Valentina, Centro, Cruz das
Armas, Gramame, Alto do Mateus, Bairro das Indústrias e Padre
Zé (NACE/SEDS). Nitidamente bairros menos favorecidos da
cidade de João Pessoa, destacando a relação entre a “ausência
governamental”, as problemáticas sociais e os impactos no
ambiente da segurança pública. Nesse sentido, projetos voltados
para esses bairros poderiam ser essenciais para a melhoria dos
dados de segurança pública. As unidades de polícia solidária –
UPS – implantadas em João Pessoa em alguns desses bairros
fazem parte uma iniciativa que pode estar direcionada pelos
princípios da segurança humana e da própria reforma do setor
de segurança, apesar de que o foco da ação é simplesmente
policial, e de que, em alguns bairros, a instalação e operação
das UPS não demonstraram nenhuma redução significativa
dos CVLI. Contudo, é fundamental congregar iniciativas de
desenvolvimento social, iluminação pública, dentre outras
medidas, quebrando o círculo vicioso de problemáticas sociais
gerando implicações de segurança pública.
Há ainda nitidamente a problemática da violência contra
a mulher no município de João Pessoa, constatada como não
sendo um problema de segurança pública, e sim, de saúde
pública. Nesses termos, o olhar de segurança humana e de
reforma do setor de segurança é essencial para pensar em uma
maior integração entre os grupos de proteção da mulher, o

253
setor policial e governamental (tanto de desenvolvimento social
quanto de segurança pública).
Nesse sentido, em relação à mulher nem base de dados
integrados há para verificar anualmente a violência contra a
mulher e os dados utilizados são apenas do Sistema Único de
Saúde (SUS) quando as mulheres chegam até os hospitais por
causa da violência. Ainda pensando a mulher, verifica-se que
o homicídio também não é pensado voltado para o aspecto de
gênero, quando os dados relevam a necessidade de se pensar
a mulher dentro dos aspectos de segurança pública. Segundo
o Mapa da Violência de 2012 – Homicídio de Mulheres no
Brasil, a Paraíba ocupa o 7º lugar no ranking de violência contra
a mulher, considerando os casos de homicídios femininos,
havendo 6 a cada 100 mil habitantes. Já João Pessoa encontra-se
como a 2ª capital mais violenta do país, com 12,4 homicídios
por 100 mil habitantes e como o 30º município mais violento
do Brasil, demonstrando a necessidade de um olhar mais amplo
para a situação das mulheres no Estado e no município.
Além disso, é relevante focar nos locais de maior incidência
ou risco de violência contra a mulher, por meio de um
mapeamento, a fim de verificar as raízes do problema. Ademais,
Lucena (2011) verifica que as áreas menos favorecidas ou mais
desiguais são as que se observa o maior risco de ocorrência dos
eventos de violência doméstica, apesar da distribuição ampla
do fenômeno na sociedade pessoense.
Diante de todas as abordagens e dados apresentados,
reforça-se a necessidade de maior atenção à situação das
mulheres no município de João Pessoa, com: a criação de
políticas mais específicas e eficazes; maior estruturação dos
aparatos estatais voltados para a causa; integração com as
organizações que trabalham com o tema, ouvindo e aplicando
as reivindicações; desenvolvimento de um banco de dados
integrado para que haja um detalhamento dos casos de violência
doméstica no município, possibilitando atuações mais eficazes,
baseadas nas raízes dos conflitos; maior monitoramento dos
casos de mulheres vítimas de violência doméstica, evitando a
254
revitimização; controle das notificações de violência doméstica
no ambiente de saúde; maiores campanhas para informar as
mulheres como combater a violência doméstica; verificação das
áreas de maior incidência de violência doméstica, observando
as causas desse fenômeno, dentre outras ações fundamentais.
Uma das políticas preventivas a ser adotada pela Prefeitura
seria a prestação da atenção básica e orientação nos principais
pontos de atendimento e passagem das mulheres: os Postos de
Saúde da Família, os Centros de Referência e Assistência Social
e nas escolas públicas. Muitas mulheres agredidas passam por
esses locais; mas, em alguns casos, não são identificadas e nem
encaminhadas.
Ainda com relação à violência contra a mulher, a educação
preventiva dos meninos nas escolas e dos homens que praticaram
ações violentas contra mulheres pode ser vista como uma
possibilidade de ação de segurança preventiva, atuando dentro
da lógica da segurança humana, com visão mais abrangente do
setor de segurança.
Os roubos e furtos também são elementos importantes para
pensar que possíveis reduções desses índices estão ligadas com
mudanças sociais positivas na sociedade, inclusive podendo
impactar numa drástica redução do número de homicídios, já
que, muitas vezes, há mortes ligadas com roubo. Além disso,
esses tipos criminais impactam na sensação de segurança social,
demonstrando a importância da prevenção da criminalidade
em suas mais diversas esferas.
Portanto, a segurança humana funciona como um
instrumento teórico e prático voltado para promover uma
ampliação do olhar da segurança pública, referendando am-
bientes fundamentais para atuação, análise e monitoramento e
demonstrando o quanto a integração social com o ambiente da
segurança pública pode ter impactos positivos para a melhoria
deste setor. Além de tudo isso, vê-se como a prevenção é uma
ferramenta excelente para ser utilizada pelos setores voltados
para a segurança pública atuais.

255
A prevenção está ligada com o ambiente social, mas
também com o próprio setor de segurança, capacitando-o
para ter um panorama da situação desse ambiente para
possibilitar maior atuação (BRASIL, 2005). É com esse foco que
a Guarda Municipal deve atuar, tornando-se um instrumento
da segurança comunitária, integrando permanentemente
regiões definidas (violentas), possuindo certa autonomia para
práticas de prevenção, intermediando as informações entre a
comunidade e o Poder Público, atuando em conflitos de pequena
dimensão, ou seja, os guardas devem atuar como estrategistas
em segurança pública, pautando-se na habilidade enquanto
mediador e no papel de liderança comunitária que devem
conseguir exercer (BRASIL, 2005). Há casos interessantes no
Brasil de guardas municipais que atuam como instrumentos
disseminadores de uma cultura de paz, utilizando-se de meios
artísticos, como o teatro e os fantoches (OLIVEIRA, 2012).
É notório, então, como a segurança humana tem que estar
associada à segurança pública nos dias atuais, não sendo possível
pensar segurança apenas como políticas públicas prontas, que
não levem em consideração o papel e a atuação social, bem
como outros aspectos que impactam diretamente no setor de
segurança pública. Por isso, quanto maior a ideia de reforma do
setor de segurança, pautada essencialmente na integração entre
os mais diversos setores que direta ou indiretamente impactam
o ambiente de segurança, mais desenvolvida será a rede de
proteção social promovida.

Teoria de segurança humana e segurança internacional

Como postulado, não há como ter um olhar de segurança


restrito, que não envolva indiretamente as questões globais ou
regionais; por isso, vê-se a governança multilateral como uma
grande oportunidade para se pensar a segurança pública de
maneira coletiva, especialmente quando se trata de problemas
regionais, ou ainda, de preocupações gerais advindas da
segurança internacional (SORJ, 2005).
256
De acordo com Mingst (2009), segurança internacional
consiste na segurança e na defesa da integridade territorial
dos Estados contra ameaças, ataques externos ou conflitos
intraestatais, refletindo nitidamente que as problemáticas
internas dos países podem gerar repercussões internacionais,
por isso a relevância das propostas de reforma no setor de
segurança ao se tentar compreender a segurança como um todo.
Booth (2007) ainda sugere que a segurança internacional – que
circunscreve os problemas na órbita dos Estados de maneira
individual – deve ser substituída pela segurança global, que
indica que a segurança de um implica na de outro.
Há uma razão prática em se pensar a questão da
vulnerabilidade mútua (NEF, 2002), principalmente se houver
uma reflexão de que os conflitos internos podem ultrapassar
as fronteiras, dependendo de suas dimensões, como é o
caso na Colômbia. Entretanto, há também uma questão
normativa, ética, que vai além desta questão prática, presente
no incômodo dos pensadores das teorias pós-positivistas
das Relações Internacionais, principalmente no que tange à
segurança internacional (BUZAN; HANSEN, 2012), o que
faz pesquisadores das perspectivas dos Estudos de Segurança
Internacional das linhas feministas, pós-coloniais, pós-estru-
turalistas, pesquisadores de paz, estudos críticos, Escola de
Copenhague, juntos com a segurança humana, a considerarem
o âmbito interno e o externo. Ou seja, ainda que não exista a
possibilidade da insegurança interna de um país ultrapassar as
fronteiras e tornar-se insegurança para outro país, ou indivíduos
de outra localidade, a simples insegurança de uns fere a todos,
porque fere o humano. Esta visão transcende as limitações de
fronteiras.
O problema do olhar holístico sobre o setor de segurança
está na preocupação dos Estados com suas soberanias
territoriais. Então, conforme consideram alguns, por meio de
um olhar superficial, a reforma no setor de segurança, com
a proposição de integração entre defesa e segurança, estaria
interferindo na proteção de um Estado frente a outro, havendo
257
a quebra da soberania. A chave dessa problemática está em
pensar a segurança, primordialmente, como a segurança dos
indivíduos para, a partir daí, direcionar-se rumo às questões
que envolvem puramente a segurança dos Estados, porque
existe uma conexão entre a segurança individual, estatal e
internacional (ARAVENA, 2007).
Então, observa-se que a teoria de segurança humana tem
três papéis diferentes no âmbito do sistema internacional. O
primeiro é normativo, estabelecendo preocupações morais com
a difusão dos direitos humanos nas relações internacionais; a
segunda função é semântica, ou seja, enquanto ferramenta
conceitual para trabalhar distintas temáticas por uma pers-
pectiva mais abrangente e humanitária e, por último, o lado
operacional, podendo ser utilizada pelos cientistas sociais na
problematização, reflexão e busca de soluções para diferentes
questões (SORJ, 2005). Portanto, como afirma Gjorv (2012),
enquanto a securitização é o lado mais extremo da segurança,
buscando medidas emergenciais em momentos de exceção, a
segurança humana visa a politizar o debate, a criar medidas
políticas aos problemas de segurança das pessoas antes que eles
se tornem graves.
Logo, uma segurança internacional humana passa pela
interligação dos problemas sociais sem entendê-los como
iguais, por preocupações com instituições estatais construídas
em consonância com os delineamentos da sociedade civil,
em se pensar as questões de segurança sob uma perspectiva
multilateral e multissetorial, em se reconhecer a possibilidade
de conflitos entre soberania e direitos humanos e buscar
ferramentas para encontrar o equilíbrio entre os dois fatores,
ter-se uma visão sempre variável do local para o global e vice-
versa, além de outros esforços que proporcionem um olhar de
segurança mais amplo, sem tentar ferir o espaço territorial do
Estado, pelo contrário, agindo com a ajuda dele (SORJ, 2005).
Claro que existem circunstâncias em que Estados mais
fortes aproveitam-se de países mais fracos, considerando-
os falidos e neles adentrando em nome de um princípio da
258
responsabilidade de proteger ou da necessidade de intervenção
humanitária (SORJ, 2005). Ocorre que é fundamental que a
responsabilidade de proteger funcione, antes de tudo, como
um instrumento preventivo, auxiliando o próprio Estado a
garantir a segurança dos indivíduos, evitando maiores casos
de violência perpetrados pela invasão de outros Estados em
territórios alheios aos seus.
Ademais, o foco na prevenção, pouco debatido e menos ain-
da aplicado na temática da responsabilidade de proteger, pode
ser considerado o grande trunfo do apoio de regiões inseguras
por organizações de todo o tipo (não governamentais, estatais,
regionais, internacionais). Este apoio pode ser fornecido com o
auxílio de ferramentas não violentas de resolução de conflitos,
com base na ajuda e fortalecimento de comunidades locais,
empoderando-as, bem como na transferência de tecnologias
administrativas de gestão estatal, dentre diversas outras
possibilidades. A intervenção humanitária, por sua vez, deve se
voltar para os indivíduos, por isso a importância de organizações
não governamentais e internacionais menos vinculadas com os
interesses estatais.
Ter um olhar mais humano sobre casos concretos é possível,
ainda que se admita que a cooperação seja autointeressada, se
forem pensadas ações conjuntas entre a sociedade, os demais
Estados e as autoridades do território com problemas, desde
que estas sejam legítimas dentro do espaço e se pautem por
premissas humanitárias. Assim, a segurança mundial3 é possível
desde que se pense originalmente na segurança dos indivíduos,
o que não se confunde com ingenuidade quanto aos interesses
estatais, mas em reforçar a segurança humana num espaço
internacional marcado por seguranças estatais individualizadas
quando poderiam trabalhar juntas para a promoção da
estabilidade internacional e o alcance da paz social.

3. Ken Booth (2007) propositadamente modifica o termo segurança


internacional, tipicamente utilizado pelos realistas para expressar o conflito
constante no âmbito anárquico internacional, pelo de Segurança Mundial,
que expressaria seu Realismo Utópico.
259
Portanto, um espaço marcado por uma segurança
internacional humana reflete os seguintes pontos: enfoque
multidimensional; centralização na pessoa e no mundo;
preocupações com conflitos intranacionais, interestatais,
transnacionais e mundiais; concretização do conceito de
segurança humana pautado na atuação do Sistema das Nações
Unidas; coordenação interministerial e intergovernamental,
entre organismos regionais e internacionais, além de redes
mundiais, visualização das Forças Armadas enquanto ins-
trumentos propulsores da proteção da integridade territorial e
de operações de manutenção de paz, além de ações conectadas
com a cooperação interestatal e de organismos internacionais;
e, por fim, pela participação de uma multiplicidade de atores,
como, indivíduos, sociedade civil, organizações governamen-
tais e não governamentais internacionais e o próprio Estado
(ARAVENA, 2007).
É nessa lógica que devem imperar os pontos apresentados
pelas propostas de reforma do setor de segurança, verificando
como se depreender uma segurança mundial para além da
simples segurança estatal ou do próprio sistema, pois, muitas
vezes, os problemas encontram-se em níveis locais ou devem
ser enfrentados de maneira regional ou internacional, para que
se alcance a verdadeira segurança no ambiente internacional.

Segurança humana impactando nas diretrizes das


operações de paz da ONU

Refletir sobre a reforma do setor de segurança nas


operações pós-conflito é a forma mais comum de se trabalhar
o termo, embora nesse trabalho seja apresentada uma maneira
mais abrangente de pensar o vocábulo. Não há como negar a
importância da reestruturação do setor de segurança dos países
devastados por conflitos e de como as operações de paz vêm
se modelando para abarcar a participação social dentro desses
processos e, nesse sentido, preocupando-se com as nuances da
ideia de segurança humana.
260
A reconstrução do setor de segurança pós-conflito é
essencial para o desenvolvimento dos demais setores sociais,
sejam eles econômicos, políticos ou culturais (SCHNABEL;
EHRHART, 2005). Ademais, há interesse da sociedade mundial
de se preocupar com os conflitos violentos e as consequências
para a segurança regional, internacional e humana (SCHNABEL;
EHRHART, 2005). Nesse sentido, as forças externas devem
funcionar como instrumentos do processo de transformação
da sociedade pós-conflito (SCHNABEL; EHRHART, 2005),
por isso a importância de se voltarem para as diretrizes da
segurança humana. Em conformidade com essa discussão,
percebe-se que as forças militares vêm se modelando para
atender ao ambiente mais integrado e humano de segurança
e têm um papel essencial nas operações de peacebuilding pós-
conflito (SCHNABEL; EHRHART, 2005).
Assim, Beebe e Kaldor (2010) asseveram que o uso da força
não deixa de ser relevante em operações baseadas na segurança
humana, especialmente para a proteção de pessoas, contudo,
os militares devem trabalhar junto com os civis (oficiais de
policia, profissionais da saúde, intelectuais promotores do
desenvolvimento, dentre outros) atuando para além da ideia de
estratégias de guerra.
Nesses termos, Beebe e Kaldor (2010) pontuam a relevância
de civis e militares trabalharem juntos em zonas de insegurança
com base em seis princípios: a primazia dos direitos humanos
(vida, educação, água limpa, habitação), autoridade política
legítima (crença na possibilidade de se alcançar uma segurança
humana e o auxílio das forças externas deve ser no sentido
de proporcionar processos políticos fundamentais para o
estabelecimento das autoridades legítimas), abordagem de
baixo para cima (envolvimento da população afetada pela
violência e insegurança nas estratégias de segurança humana),
multilateralismo efetivo (população local deve legitimar as
forças externas e estas devem estar organizadas de maneira
efetiva, de acordo com direito internacional e especialmente sob
um mandato da ONU), foco regional (a insegurança humana
261
não tem fronteiras, por isso a importância de uma atuação mais
cooperativa), comando civil (os civis devem estar no comando
e os militares operam com base na lei e na ordem e têm que ser
capazes de se comunicar politicamente com a população local).
Numa operação de paz com cunho de segurança humana o
foco de análise parte de uma preocupação com as pessoas que
vivem no país e não com o Estado em si ou os grupos inimigos
a serem derrotados. Isso fica nítido quando Beebe e Kaldor
(2010) afirmam que a presença internacional no Afeganistão
deveria se pautar não primordialmente pela derrota da Al-
Qaeda, mas pela proteção dos afegãos. O resultado obtido pela
não observância desse critério foi a expansão de ataques, em
virtude da estratégia adotada, permitindo os “danos colaterais”.
O maior problema é a necessidade de difundir esse olhar de
segurança humana no meio dos operadores de paz e mais ainda
nos seus Estados de comando (países interventores).
Pode-se ainda delinear que a segurança humana enquanto
ferramenta para direcionar as operações de paz permite pensar
que cada área de conflito é única e as estratégias devem ser
pensadas de acordo com o contexto local e, ainda, dotadas
de uma abordagem com sensibilidade para aspectos de
gênero (FUENTES, 2003). Vê-se ainda que um instrumento
fundamental nesse olhar de segurança humana é a criação de
zonas de proteção, nas quais as necessidades econômicas e
sociais básicas podem ser providas e um processo político e
pacífico pode ser iniciado na região (BEEBE; KALDOR, 2010).
O impacto da segurança humana pode ser percebido ainda
por meio do fortalecimento da utilização de civis em missões
da ONU em países pós-conflito. O Brasil tem participado com
atividades de cooperação técnica, que visam à sustentabilidade
do país, buscando o crescimento econômico e a inclusão social.
(HAMANN, 2012). O objetivo é a consolidação da paz e o
Brasil tem atuado dessa forma no Haiti, em Guiné-Bissau, no
Afeganistão, na Libéria, no Sudão e no Timor-Leste (HAMMAN,
2012). Algumas atuações têm se dado na geração de empregos,
no fortalecimento da agricultura local e na reforma do setor de
262
segurança, com a montagem de um centro de treinamento para
a formação de policiais (HAMANN, 2012).

Relação entre segurança pública e internacional:


cooperação na América do Sul

A relação entre segurança pública e internacional aparece


atualmente como uma análise cada vez mais relevante de ser
pensada, tendo em vista que os visíveis impactos de um contínuo
processo de globalização demonstram que problemáticas
internas podem ser nitidamente carregadas de proximidades
regionais e, nesse sentido, capazes de influenciar o ambiente da
segurança internacional.
Palma (2003), em consonância com o exposto, aborda a
existência de conflitos descentralizados advindos de diversos
fatores: violência urbana não política e decorrente da estrutura
social, como as favelas do Rio de Janeiro e de outros países da
América Latina, a violência política subversiva e insurgente
como as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc),
outras formas de violência política, como a criminalidade, o
tráfico de armas, drogas e dinheiro. Nesse sentido, o autor aponta
a conexão entre a criminalidade internacional organizada e a
local.
Percebe-se, então, que o espaço regional da América Latina
carrega consigo diversas problemáticas em termos de segurança
que poderiam ser pensadas de forma conjunta, todavia, Palma
(2003) delibera que os países da região têm tratado os aspectos
securitários basicamente de maneira bilateral. No entanto,
pode-se pensar na União de Nações Sul-Americanas – Unasul
– como um ambiente no qual os aspectos de defesa e segurança
da América do Sul estão em debate a fim de criar laços mais
integrativos na região nesse aspecto.
A Unasul teve origem a partir da Comunidade Sul-
Americana de Nações (CSN) criada em 2004. Assim, em 2005,
durante reuniões entre os membros, buscou-se a constituição

263
de uma agenda comum para lidar com oportunidades e desafios
regionais; todavia, na reunião de 2007 do CSN na Venezuela é
que houve a mudança do nome para Unasul.
Assim, com a aprovação do Tratado Constitutivo da
Unasul em 2008 no Brasil, foi efetivamente criado o grupo,
que é composto por Argentina, Bolívia, Brasil, Colômbia,
Chile, Equador, Guiana, Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai
e Venezuela. A Unasul possui dois conselhos setoriais fun-
damentais para se debater defesa e segurança entre os países
membros, que são: o Conselho de Defesa Sul-Americano e
o Conselho Sul-Americano sobre o Problema Mundial das
Drogas (Unasul).
A ênfase do Conselho de Defesa é na segurança tradicional,
com suas estruturas militares; no geral, buscam atividades
ligadas à criação de medidas de confiança mútua, construção
de base industrial militar conjunta, dentre outras medidas, que
visam criar um espaço de segurança regional, ainda dentro da
lógica de segurança tradicional.
Possivelmente o Conselho Sul-Americano sobre o Problema
Mundial das Drogas poderá exercer um bom trabalho se criar
lógicas de apoio conjunto para buscar soluções ligadas às
drogas, assim, poderiam estabelecer estruturas conjuntas de
descriminalização das drogas, maior fomento no apoio dos
dependentes de drogas com o intuito de torná-los funcionais,
dentre outras medidas. Portanto, há muito o que se pensar
em termos de quando a Unasul, com seus conselhos, poderá
proporcionar maior segurança aos cidadãos da comunidade de
nações sul-americanas.

Reforma do setor de segurança: diretrizes no Brasil

É possível perceber um debate decorrente do espaço


democrático brasileiro sobre uma nova forma de visualizar a
segurança no Brasil, incentivando uma reforma nesse setor,
permeada por um olhar de direitos humanos, e, nesse caso, o
foco dessa discussão é muito mais o ambiente da segurança
264
pública. No que se refere ao âmbito da defesa, pensa-se em como
o Brasil pode adquirir capacidade de ação e reação, criando e
estruturando um projeto de força que contemple as hipóteses
de conflito, ao mesmo tempo em que pondere sobre processos
cooperativos com países estratégicos e em áreas fundamentais
para ampliar o potencial brasileiro em termos de proteção
externa.
No entanto, é válido ressaltar que não existem abordagens
acadêmicas aprofundadas no Brasil sobre iniciativas do país em
termos de reforma do setor de segurança nos termos discutidos
nesse trabalho. Podem ser abordados, contudo, alguns aspectos
nos quais se observam iniciativas que se coadunam com as
diretrizes da reforma do setor de segurança, quais sejam: as
questões referentes à restauração do período ditatorial, por
meio da Comissão da Verdade.
No que se refere à Comissão da Verdade, vê-se que esta
pode ser entendida como uma prática inserida nas diretrizes
da reforma do setor de segurança em virtude de demonstrar os
impactos negativos do uso da força durante o período ditatorial
no Brasil, repercutindo numa nova forma de olhar o controle
social, pautada pelos valores democráticos e pelos direitos
humanos, bem como reverberar a necessidade de aproximação
entre os atores estatais e sociais.
Parece ser bastante recorrente que na questão da Comissão
da Verdade no Brasil busca-se reparar os danos causados por
atores do Estado. Entretanto, há uma possível parcialidade
na comissão, já que somente os atores do Estado estão sendo
focalizados, em detrimento dos opositores do regime de
exceção que também tenham cometido atos violentos danosos
a pessoas. Entende-se esta unilateralidade por se pensar que os
atores do Estado tinham em seu poder a capacidade de agir e
as armas estatais empregadas contra os mais diversos cidadãos,
o que os torna passíveis de reprimendas e julgamentos, ainda
que alguns possam se escorar debaixo da controversa Lei da
Anistia, feita pelo governo ditatorial, favorecendo os quadros
que participaram da repressão.
265
Entretanto, com o tratamento somente do lado dos
agressores do Estado, possivelmente não ocorra a reconciliação
necessária ao Brasil. Outra possibilidade seria dar maior
voz aos que foram vítimas de agressão nesse período, dando
depoimentos que mostrassem ao país inteiro os flagelos
que sofreram as vítimas e seus amigos e parentes, vítimas
de quaisquer agressões que tenham ocorrido no período. A
reconciliação seria interessante até para educar as próximas
gerações a respeito da tortura, dos desmandos e das violências
cometidas por aqueles que acreditavam ser justas suas batalhas,
mas que utilizavam métodos que tiravam qualquer legitimidade
de suas lutas, por causa da violência empregada.
Pensar na restauração nacional, na conciliação nacional
não é o mesmo que lidar com queixas especificas, mas arrumar
caminhos para superar o rancor e o ressentimento. Para isso,
é necessário que o foco esteja no atendimento das vítimas,
que elas tenham total condição de saber o que ocorreu, bem
como realizem um encerramento emocional do que se passou
(BARASH; WEBEL, 2009).
Dentro da lógica da justiça restaurativa, o pedido de
desculpas do agressor deve ser seguido de alguma reparação,
diferente da justiça retributiva, tradicional, que exigiria
uma punição (BARASH; WEBEL, 2009). Entretanto, não
necessariamente a punição, nos moldes jurídicos, irá ser
descartada. As duas justiças podem conviver (ZEHR, 2012).
Obviamente que o processo é complicado, dolorido e nem
sempre traz bons resultados, principalmente dependendo de
como for conduzido. Recentemente, dia 02 de julho de 2014, as
Forças Armadas brasileiras afirmaram que não havia registros
de tortura nas instalações militares (MARTINS, 2014). Isso
se tornou um entrave e uma dificuldade para que o processo
continue e obtenha bons resultados.
Além disso, nota-se, nitidamente, que o abuso da
força é corrente no Brasil, não tendo sido exclusividade da
ditadura militar de 1964-1985, e nem mesmo terminou com
a democratização do Brasil. Nesse sentido, demonstra-se a
266
relevância de práticas como essa que minimizem a necessidade
de uso da força para a manutenção do controle social.

Conclusões

Do exposto, vê-se como a abordagem de segurança propos-


ta pela reforma do setor de segurança carrega consigo uma visão
mais humana e pode ter reflexos positivos para as concepções
de segurança pública e segurança internacional, integrando-
as numa preocupação de segurança mais ampla, porém, sem
desconsiderar a relevância das peculiaridades locais.
Embora a reforma do setor de segurança não seja uma
proposta completamente aceita entre os estudiosos da temática
de segurança, principalmente, por trazer um olhar além do
tradicional e esse espaço ainda estar bastante marcado por
perspectivas realistas, tem um papel muito importante em
torno do que se pode entender por segurança e como seu
alcance pode ser operacionalizado.
Nesse sentido, são explicitados, ao longo da discussão
empreendida, casos em que se observa uma tendência para
a reforma no setor de segurança, por meio da interligação
entre as diferentes esferas de segurança – humana, pública e
internacional – bem como da ligação entre os diferentes setores
envolvidos em aspectos de segurança. Além disso, preocupa-
ções mais ressaltadas atualmente como a proximidade social,
práticas preventivas, uso da força apenas em casos extremos,
assim como os possíveis impactos dessas ações, coadunam-
se com a prática de reforma efetiva do setor de segurança.
Afirma-se ainda que os exemplos apresentados demonstram as
fragilidades das rígidas fronteiras entre a segurança interna e
externa, ou seja, entre o ambiente de segurança pública e de
segurança internacional, sendo perceptível que práticas que
liguem esses dois cenários são, muitas vezes, a saída para a
solução de determinados problemas.

267
Portanto, este estudo problematiza as discussões em
torno da reforma do setor de segurança, das terminologias de
segurança humana, estatal e internacional, instigando estudos
de segurança mais complexos, que envolvam preocupações
conceituais e com temáticas mais abrangentes, escapando das
teorias de soluções de problemas, pensando os pontos que
precisam de mudança nos âmbitos locais, regionais e globais
e incentivando a cooperação; contudo, faz-se mister também
difundir o conceito de segurança humana e tentar buscar cada
vez mais sua efetividade.

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272
Sobre os Autores

Aline Chianca Dantas


Mestra em Relações Internacionais pela Universidade
Estadual da Paraíba (UEPB). Graduada em Relações
Internacionais pela UEPB. Graduada em Direito pela
Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Professora do Curso
de Graduação em Relações Internacionais da UEPB. Advogada.

Christoph Kohl
Doutor pelo Instituto Max Planck de Antropologia Social,
Halle/Saale (Alemanha). Mestre pela Universidade Johannes
Gutenberg, Mainz (Alemanha), com estudos de antropologia
social, sociologia e ciências políticas. Foi consultor na área de
política de desenvolvimento. Pesquisador da Universidade de
Munique Ludwig-Maximilians em projeto sobre refugiados
retornados em Angola entre 2011 e 2012. Desde 2012 é
pesquisador no Instituto de Pesquisa da Paz em Frankfurt,
desenvolvendo projeto sobre os efeitos culturais da transferência
de normas no âmbito de reforma do setor da segurança.

Gabriel Orozco Restrepo


Doutor em Economia e Relações Internacionais pela
Universidade Autônoma de Madri- Espanha. Mestre em
Diplomacia e Relações Internacionais pela Universidade
Complutense de Madri-Espanha. Professor Pesquisador do
Departamento de Estudos Internacionais e Comunicação da
Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso) –
Quito-Equador.

273
Luis Fernando Trejos
Doutor em Estudos Americanos com ênfase em Estudos
Internacionais (Idea/USACH). Professor e pesquisador do
Departamento de Ciência Política e Relações Internacionais da
Universidade do Norte, Barranquilla (Colômbia). Investigador
Associado do Instituto de Altos Estudos de América Latina e
Caribe, Universidade do Norte. Membro do Grupo de Pesquisa
“Agenda Internacional” e coordenador do Mestrado em
Relações Internacionais da Universidade do Norte.

Mark Sedra
Doutor em Ciências Políticas pela Universidade de Londres.
Mestre em História Internacional pela Escola de Ciências
Políticas e Econômicas de Londres. Professor Assistente
Adjunto da Universidade de Waterloo e da Balsillie School of
International Affairs, no Canadá. Diretor Executivo do Centre
for Security Governance, um think tank baseado no Canadá
dedicado ao estudo das transições em segurança em estados
frágeis, falidos e afetados por conflitos.

Paulo Roberto Loyola Kuhlmann


Doutor e mestre em Ciência Política pela Universidade
de São Paulo (USP). Especialista em História das Relações
Internacionais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(Uerj). Graduado em Ciências Militares (Aman). Professor
do Programa de Graduação e Pós-Graduação em Relações
Internacionais da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB).
Coordenador do Grupo de Estudos de Paz e Segurança Mundial
(GEPASM).

Sérgio Luiz Cruz Aguilar


Doutor em História (Unesp), mestre em Integração Latino-
Americana (UFSM), especialista em Estratégias de Relações
Internacionais (Ucam) e em História das Relações Internacionais
(Uerj) e graduado em Ciências Militares (Aman). Professor da

274
Unesp – Campus de Marília/SP. Foi observador da ONU na
United Nations Peace Force (UNPF), na Bósnia Herzegovina,
e na United Nations Transitional Administration for Eastern
Slavonia (Untaes), na Croácia, durante a guerra civil na antiga
Iugoslávia.

Stephanie Blair
Doutora pelo Departamento de Estudos da Guerra do
Kings College, Londres. Foi membro da equipe que estabeleceu
o Centro Internacional de Treinamento para Operações de
Paz Lester B. Pearson do Canadá. Realizou trabalhos sobre
paz, conflito e reforma do setor de segurança junto às Nações
Unidas, OSCE, Otan, governo do Reino Unido e universidades.
Foi Diretora do Centro para Gestão do Setor de Segurança e do
Mestrado em Gestão do Setor de Segurança da Universidade de
Cranfield (Reino Unido). Tem vasta experiência em conflitos
nos Bálcãs, América Central, Oriente Médio, Norte da África
e Ásia.

275
www.portodeideias.com.br

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