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NÚCLEO DE PÓS GRADUAÇÃO

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO
Coordenação Pedagógica – IBRA

DISCIPLINA

CRIMINOLOGIA

CONCEITO DE CRIMINOLOGIA
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A palavra Criminologia foi empregada pela primeira vez em 1883, por


Topinard, e aplicada deforma universal por Rafael Garofalo, em sua obra
"Criminologia".
Para denominar essa matéria que é a "ciência do delito como conduta", a
história aplicou vários vocábulos, como "antropologia criminal", "biologia
criminal", "endocrinologia criminal", "reflexologia criminal".
Foi Lombroso quem deu início sistemático a antropologia criminal,
precedido anteriormente por João Batista Della Porta (1540/1615) Kaspar
Lavater (1741/1801) e Francisco Gall (1758/1828).
Tendo em vista a aproximação de várias classes do conhecimento,
englobando o saber criminológico e os diferentes âmbitos da realidade que
devem ser analisados para compreender o fenômeno da delinquência, define-
se Criminologia como "ciência empírica e interdisciplinar", que se ocupa da
circunstância da esfera humana e social, relacionadas com o surgimento, a
comissão ou omissão do crime, assim como o tratamento dos violadores da lei.
Jiménez de Asúa diz que:
"A criminologia é a ciência causal-explicativa composta de quatro ramos
(antropologia criminal, psicologia criminal, sociologia criminal e penologia) e
distinta das ciências jurídico-repressivas (direito penal, direito processual penal
e política criminal), da ciência da investigação criminal (compreendendo política
criminal, medicina legal, penologia, psiquiatria forense, polícia judiciária
científica, criminalística, psicologia judiciária e estatística criminal)".

É lícito afirmar que, como ciência unitária e interdisciplinar que é, a


Criminologia se interliga às ciências humanas. De fato, a Biologia, a Psicologia
e a Psicanálise são instrumentos essenciais à Criminologia Clínica,
Por outro lado e como já foi explanado, a Criminologia igualmente se
relaciona com as ciências criminais: o Direito Penal lhe delimita o objeto; o
Direito Processual Penal inquire a ocorrência do ato criminal e se interessa
pelo exame da personalidade do delinquente; o Direito Penitenciário, através
de seus laboratórios de Biotipologia, regula o programa de ressocialização; a
Medicina Legal, a Polícia Judiciária e "a Policiologia colaboram na investigação
científica da materialidade do fato criminoso.
Pode perceber que os três elementos relacionados ao fenômeno penal - o
crime, o delinquente e a pena - constituem o centro das preocupações das
ciências penais no seu todo, ou seja, a denominada Enciclopédia das Ciências
Penais, ciências que assim são agrupadas e classificadas por Luis Jimenez de
Asúa:
a) Ciências Histórico-Filosóficas: História do Direito Penal, Filosofia do
Direito Penal e Direito Penal Comparado;
b) Ciências Causal-Explicativas: Criminologia, Antropologia Criminal,
Sociologia Criminal, Biologia Criminal, Psicologia Criminal e Psicanálise
Criminal;
c) Ciências Jurídico-Repressivas: Direito Penal, Direito Processual Penal
e Direito Penitenciário;
d) Ciências Auxiliares e de Pesquisa: Penologia, Política Criminal,
Medicina Legal, Psiquiatria Forense, Polícia Judiciária Científica, Criminalística,
Psicologia Judiciária e Estatística Criminal.
RAMOS E ATRIBUIÇÕES DA
CRIMINOLOGIA

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É importante salientar, ainda uma vez, a natureza científica da


Criminologia e sua autonomia. É ciência autônoma porque possui um objeto
perfeitamente delimitado: os fatos objetivos da prática do crime e luta contra o
delito. Sua esfera de ação, além disso, é demarcada pelo universo normativo
do Direito.
Orlando Soares em sua obra, “Curso de Criminologia” disserta que a
delinquência é composta de quatro fenômenos que são: o crime, o delinquente,
a pena e a vítima.
A propósito, de assinalar que, em reunião internacional da UNESCO, em
Londres, logrou-se desmembrar a Criminologia em dois ramos: Criminologia
Geral e a Criminologia Clínica. Desse conclave participaram criminólogos do
mais alto nível e, dentre eles, Pinatel, Kinber, Wolfgang, Sellin e o brasileiro
Leonídio Ribeiro. Esse desmembramento, do consenso da UNESCO, inclusive
foi acolhido por Lopez-Rey e pelo ilustre médico e professor italiano Franco
Ferracuti.
Para o sociólogo norte-americano Martin E. Wolfgang e para o psicólogo
italiano Franco Ferracuti, a Criminologia se desdobra em Criminologia
Sociológica e Criminologia Clínica. A Criminologia Sociológica compreende o
magistério e a investigação com base na Sociologia. A Criminologia Clínica se
manifesta por via da aplicação dos conhecimentos criminológicos e do estudo
dos problemas forenses e penitenciários, consistindo, em síntese, na aplicação
integrada e conjunta do saber criminológico e técnico para solução de casos
particulares, com fins de diagnóstico e terapêutica.
As disciplinas preconizadas por Wolfgang e Ferracuti seriam de dois tipos:
a) disciplinas fundamentais ou ciências criminológicas: Biologia Criminal,
Psicologia Criminal, Sociologia Criminal, Penologia e Criminologia
propriamente dita; b) ciências anexas e Medicina Legal, Psicologia Judiciária e
Polícia Científica.
Pontifica do explicitado, por sua objetividade e abrangência, a divisão
adotada pela UNESCO, ou seja: Criminologia Geral e Criminologia Clínica,
competindo à primeira a comparação e sistematização dos resultados obtidos
nas diversas ciências criminológicas e estudando, a partir desse momento, o
criminoso, o crime e a criminalidade. O crime sendo considerado consoante a
situação do ato criminoso, sua forma, os fatores da infração e a dinâmica de
determinados delitos. O criminoso sendo analisado segundo a disposição
hereditária, o biótipo, o transtorno mental e o mundo circundante. A
criminalidade sendo encarada em razão de suas tendências, dos tipos
criminosos e da violência empregada.
Como bem esclarecem Wolfgang e Ferracuti, a Criminologia Clínica
consiste no approche interdisciplinar no caso individual, com a contribuição dos
princípios e métodos das ciências criminológicas. O objetivo desse enfoque
interdisciplinar é estudar a personalidade do delinquente para estabelecer o
diagnóstico criminológico e a prognose social, com proposta do plano de
ressocialização do criminoso. Em outras palavras: aplicar os princípios e
métodos das criminologias especializadas, comportando as seguintes etapas:
exame, diagnóstico, prognóstico e tratamento. O grande mérito do exame
criminológico é aquele de ensejar o conhecimento integral do homem
delinquente, sem o que não se aplicará uma justiça eficaz e apropriada,
restando mero critério de valorização político-jurídica.
A Criminologia Clínica consiste na aplicação pragmática do conhecimento
teórico da Criminologia Geral, sem que isto desvirtue o caráter autônomo
daquela, conquanto intimamente ligadas ambas as criminologias. Além do
mais, a pesquisa científica tem como ponto de partida a Clínica Criminológica.
Clínico e pesquisador se completam no progresso científico da Criminologia.

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Vale lembrar que é a Criminologia Geral que sistematiza os resultados


das criminologias especializadas e os dados da prática criminológica. O caso
particular demanda um estudo interdisciplinar, com supedâneo nas ciências
criminológicas e na experiência clínica dos centros de observação e
estabelecimentos de reeducação do delinquente. A observação científica é um
dos métodos da Criminologia Clínica, seguida de interpretação no caso de
diagnóstico criminológico, ainda que na fase de execução do tratamento
reeducativo, antes, portanto, da classificação penitenciária ou início do
programa de reeducação do delinquente.
Para Pinatel, e também para Carrol, a futura Criminologia sairá da
elaboração e sistematização da prática criminológica. Tem-se a Criminologia
Clínica como o traço de união entre a Criminologia propriamente dita e a
Penologia. A Criminologia Clínica, em última instância, tem por finalidade o
estudo da personalidade do delinquente e o seu tratamento. Dissente, por
consequência, da Psiquiatria Criminal, que se restringe à perícia psiquiátrica e
à avaliação da responsabilidade criminal. No plano científico, na verdade, a
Criminologia Clínica principia onde finda a Psiquiatria Médico-Legal, melhor
dizendo, onde se abandona o domínio patológico.
A rigor, o estudo da Criminologia Clínica deverá absorver sua
interdisciplinariedade e também os seguintes temas: Penologia, Direito
Penitenciário, exame médico-psicológico e social do delinquente, classificação
penitenciária e plano de tratamento reeducativo do preso, espécies de
tratamento (institucional em semiliberdade etc.), métodos de trabalho
reeducativo (pedagógicos, psicológicos, psiquiátricos, sociológicos) execução
do processo de cura reeducativo (labor nos centros de observação, nas casas
de reeducação, nos hospitais de custódia e assistência psiquiátrica etc.).
Embora voltada para a reeducação do delinquente e sua reinserção
social, a Criminologia Clínica igualmente contribui para a prevenção da
criminalidade e para a extirpação das condições criminógenas da sociedade
através de pesquisas junto à coletividade e notadamente em bairros miseráveis
e favelas.
Compete, enfim, à Criminologia, servindo-se do método, científico, o
estudo do criminoso e do crime, como acontecimentos sociais que são,
provindos de múltiplas causas internas e externas. Minudenciando a
conceituação, o criminologista Orlando Soares indica, com descortino, que a
Criminologia é ciência que pesquisa: as causas e concausas da criminalidade;
as causas da periculosidade preparatória da criminalidade; as manifestações e
os efeitos da criminalidade e da periculosidade preparatória da criminalidade; a
política a opor, assistencialmente à etiologia da criminalidade e à
periculosidade preparatória da criminalidade.
É asserção pacífica que a Criminologia tem objeto independente e
determinado. Sendo uma ciência realista e não normativa, a Criminologia tem
como objeto a dimensão naturalística do evento criminoso.
O criminólogo absolutamente não poderá ser observador passivo da
sucessão criminal. Não. Ele terá que ser um participante ativo, seja como
cidadão, seja como pesquisador, contribuindo com seu know-how de co-
nhecimentos na abordagem e perquirição do fenômeno criminal.

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Utilizar-se-á, o criminologista, da experimentação direta e indireta. Por via


da experimentação direta, alcançada por intermédio de dados propiciados
pelos sistemas penitenciários, ele terá elementos de valia para indagar,
verticalmente, a transição do homem normal ao homem delinquente.
Concernentemente à experimentação indireta, ela será desenvolvida com o
estudo dos fatos anormais naturalmente sucedidos.
Aqui, como ensina Roberto Lyra, o criminólogo não poderá olvidar que "o
crime é um fato social de consequências jurídicas e não um fato jurídico de
aspectos sociais". Terá que saber o criminologista, por outro lado, que os fatos
sociais são processos de interação que envolve as pessoas, os grupos
coletivos e as heranças sociais, não havendo critérios infalíveis para diferenciar
o homem que poderá delinquir daquele que não poderá delinquir. Comporta,
por oportuno, a afirmativa de Gabriel Tarde que "nenhum de nós pode se gabar
de não ser um criminoso nato relativamente a um estado social determinado,
passado, futuro ou possível". A ideia do crime, verdadeiramente, é inata no
homem, talvez preexistindo à sua própria consciência.
A Criminologia é a ciência que estuda o fenômeno criminal, a vítima, as
determinantes endógenas, que isolada ou cumulativamente atuam sobre a
pessoa e a conduta do delinquente, e os meios labor-terapêuticos ou
pedagógicos de reintegrá-lo ao grupamento social.

A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA CRIMINOLOGIA

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Condutas que outrora eram atos normais e obrigatórios dos costumes da


época, com o tempo se tornaram crimes, e condutas que outrora eram crime,
se tornaram fatos normais, conforme vejamos a seguir:
Salienta Lombroso que a mesma dificuldade que se apresenta no es-
tudo do crime, dentre os animais em geral, observa-se em relação aos seres
humanos primitivos.

Certas práticas, mais tarde consideradas delituosas, eram, por assim


dizer, a regra geral; todavia, algumas dessas práticas confundem-se em suas
origens com ações menos criminosas.
Tais práticas, nos diversos idiomas, em sua origem, revelam que não há
uma diferença nítida entre ação e crime, surgindo logo depois a ideia de
pecado, ou seja, desobediência aos deuses.
Todas as línguas convergem no sentido de nos apresentar a rapina e o
assassinato como a primeira fonte da propriedade, aliás, um dos aspectos do
darwinismo social como verá oportunamente.
Algumas práticas comuns entre os selvagens foram criminalizadas no
curso da civilização, como, por exemplo, o aborto. Em certas épocas, a es-
cassez de alimentos, as dificuldades de vida e outros fatores constituíram
motivos, entre os primitivos, para a prática do abortamento.
O aborto premeditado, desconhecido dos outros animais, foi comum entre
os selvagens, tanto nas primitivas tribos orientais, como na América, através de
expedientes rústicos, tais como, pancadas redobradas no ventre.
Contemporaneamente, algumas tribos aborígenes brasileiras conservam
a prática do aborto da forma acima referida (in Direitos Humanos na Amazônia,
publicação do Inst. dos Ad. Brasileiros, ps. 226 e 227, RJ,1997).
As mesmas causas do aborto tornaram frequente o infanticídio, entre os
primitivos; sacrificava-se aquele que vinha logo após o primogênito ou o
segundo, e de preferência as meninas, como ocorria na Austrália e na
Melanésia.
Na Índia, do Ceilão ao Himalaia, infanticídio é consagrado pela religião.
No Japão e na China, segundo Marco Polo, o infanticídio era uma forma
de reduzir o crescimento populacional. Da mesma maneira, na América e na
África.
Em algumas tribos da África Meridional, após o infanticídio a criança era
utilizada como isca para pegar leões; em certas regiões da Austrália matavam-
se as crianças e sua gordura era utilizada em anzóis, para as pescarias.
Na América, dentre os tasmaiano, pele-vermelha e esquimó, a morte da
mãe era motivo para o infanticídio, porque o costume queria que as crianças
fossem enterradas com ela.
Havia outras causas para o infanticídio entre os primitivos: os
preconceitos, por exemplo, como a aversão aos gêmeos, encarados como
prova da infidelidade da mulher, pois entendia-se que o homem só podia
produzir um filho de cada vez (Lombroso, O HOMEM CRIMINOSO, pgs. 30 e
segs.)
Na África, quando as mulheres não podiam criar seus filhos,
desesperadas pela fome, jogavam-nos no rio.
O dever de assassinar os pais idosos, com mais de 70 anos, conservou-
se, por transmissão hereditária, como um ato de piedade, mesmo sem
necessidade, e às vezes, por acreditar-se que as qualidades e virtudes do sa-
crificado se transmitiriam aos descendentes.
Algumas vezes ocorriam sepultamentos em vida; as vítimas achavam o
fato natural e elas próprias pediam a morte, caminhando deliberadamente em
direção à cova onde deviam repousar em definitivo, ou deixadas em abandono.
A religião ensinava que se entrava na vida futura no mesmo estado em
que se estava para deixar a Terra. O hábito de matar os velhos e os
doentes foi praticado na Europa, Ásia, África e América.
Além do assassinato dos velhos e doentes, ocorriam homicídios de
crianças, mulheres e homens sadios, seja por motivos religiosos, seja por
instintos ferozes.
Às vezes, por ira, as disputas conjugais acabavam pelo assassinato da
mulher; o marido, após matá-la, comia o seu coração com um guisado de
cabra.
As concepções lombrosianas, inspiradas na teoria de Darwin, sobre a
criminalidade dentre os animais:

Em síntese, no tocante à comparação entre o equivalente daquilo que se


considera crime, entre os homens, e certas ocorrências em relação às plantas,
Lombroso invocou as observações de Darwin e outros naturalistas:
As plantas insetívoras (que comem insetos), cometendo assim
verdadeiros assassinatos deles, atraindo-os por meio duma secreção viscosa,
para em seguida os devorar, como meio de se nutrir.
Outras plantas caçam os insetos à semelhança da maneira como os
pescadores preparam armadilhas para os peixes.
Essas práticas sobressaem com muito mais evidência em relação ao
mundo animal, na ânsia de nutrição, por meio do sacrifício das outras espécies,
e, algumas vezes, através do canibalismo, quando então o ser humano, assim
como outros animais, devoram os da mesma espécie, não só levados por
fome, como também por outras motivações, tais como a ira.
Por sua vez, Ferri distinguiu, só para o assassinato, várias motivações
entre os animais em geral.
Certos animais, por exemplo, da mesma espécie, vivem em comum,
mas os mais fortes devoram os mais fracos; isso é comum dentre os peixes.
É frequente não só o canibalismo dentre os animais, como o infanticídio e
o parricídio, desmentindo-se assim os devaneios sobre o amor maternal e filial
entre eles.
A fêmea do crocodilo, às vezes, come seus filhotes, que não sabem
nadar. As abelhas defendem furiosamente as colmeias, onde armazenam o
mel, produto do seu labor. Há roedores - a fêmea do rato, por exemplo -
que devoram seus filhotes, quando molestados. A fêmea do sagui, às vezes,
come a cabeça do filhote, ou esmaga-o contra uma árvore, quando cansada de
carregá-lo. Dentre os gatos, as lebres, os coelhos, alguns comem seus filhotes.
O canibalismo e o parricídio são encontrados dentre as raposas, cujos filhotes
se entredevoram, frequentemente, e às vezes devoram a própria mãe. Certa
perversidade, rebeldia e antipatia aparecem em animais com de formações
cranianas, determinando maus instintos e práticas criminosas. A velhice toma
os animais desconfiados, teimosos, perigosos, agressivos, por isso são
expulsos pelos companheiros e então, no isolamento, tomam-se mais
perversos.
A fúria, a ira e a raiva são comuns em certos animais, que matam seus
semelhantes, sem nenhum motivo, violando os hábitos da maioria. Ocorrem
também delitos passionais, por paixões exacerbadas, sobre tudo pelo amor,
pela cobiça, pelo ódio. Dentre as aves e os pássaros, às vezes, o macho
destrói o próprio ninho, num acesso de fúria; aves domésticas atacam o ser
humano. Durante o cio, as fêmeas, dentre certos animais, tomam-se furiosas.
Observou-se que um casal de cegonhas fazia o ninho em um vilarejo; um dia,
quando o macho estava caçando, outro mais jovem veio cortejar a fêmea.
Primeiro, ele foi rejeitado, depois tolerado, finalmente acolhido. Posteriormente,
os dois adúlteros voaram uma manhã para o prado, onde o marido caçava rãs,
e o mataram a bicadas.
Entre as cegonhas, o macho leva muito a sério o amor conjugal; quando
as pessoas, por divertimento, colocam ovos de galinha em seu ninho, o macho,
ao ver aquele insólito produto, se enfurece e entrega a "esposa às outras
cegonhas, que a dilaceram”.
Têm sido observadas certas práticas, entre as formigas, semelhantes à
violência sexual, por parte dos machos adultos contra os menores, assim como
entre certas aves.
Algumas vacas substituem o touro junto às companheiras, da mesma
forma que entre algumas galinhas.
Ocorrem, também, práticas sexuais dentre animais de diferentes es-
pécies, à semelhança da bestialidade, em relação ao ser humano.
Às vezes, as cegonhas massacram os filhotes das companheiras, sob os
olhos de suas próprias mães; outras matam os membros do bando que no
momento da imigração se recusam ou não conseguem segui-las.
Dentre bois e cavalos selvagens é comum um macho enfurecer-se contra
o outro, para conseguir a supremacia sobre as fêmeas.
Há animais domésticos que têm o hábito de furtar objetos dos bolsos de
quem os acariciam.
Certos cães domésticos devoram aves ou carneiros, dissimulando e
apagando os vestígios de seu gesto.
As bebidas alcoólicas produzem nos animais sintomas semelhantes aos
que ocorrem com os homens: tomam-nos irritáveis, tontos e param de
trabalhar, passando sem escrúpulos, à pilhagem e ao latrocínio.
O consumo da carne, dentre os carnívoros, toma-os ferozes.
Embora sejam poucos os animais, dentre os gatos, cachorros, elefantes,
cavalos, que se mostram brigões, indomáveis, assassinos, isso, porém, tanto
quanto dentre os seres humanos, repugna aos demais.
A premeditação e a emboscada são comuns nas práticas criminosas
dentre os animais.
Os cinocéfalos (gênero de macacos de cabeça semelhante à do cão) são
perfeitos ladrões. Quando vão saquear uma plantação, colocam uma sentinela,
para que dê o alarme, no momento em que o homem se aproxima. Esta
sentinela deve ficar muito atenta, porque sabe que se falhar, seus
companheiros lhe infligirão a pena de morte (Lombroso, O Homem Criminoso,
ps. 4 a 25).
É importante para uma ciência que tenha um objeto e um método, exame
de seu conteúdo histórico. Na filosofia grega concebia-se a infração contrário a
coisa pública, e o delinquente responsável por sua ação, deveria sofrer uma
pena como elemento pedagógico.
Na Idade Média, mais precisamente no começo do século XVII, a filosofia
e a teologia influenciavam o Direito Penal, havendo uma enorme confusão
entre delito e pecado, delinquente e pecador.
No Código de Hamurabi, no século XVI e XVII A.C., tínhamos já as
responsabilidades distintas entre delinquente rico e delinquente pobre.
Não existe condições exatas de fornecer algo sistematicamente pronto
antes do início da escola clássica, pois o que em realidade havia eram
trabalhos esparsos.
A expressão Criminologia teria sido usada pela primeira vez pelo
antropólogo francês Topinard, em 1883. Em 1885, Rafael Garofalo, apresenta
uma obra científica A Criminologia.
A base fundamental do pensamento iluminista foi a partir do
reconhecimento do estado natural. No estado natural, os homens gozam de
igual liberdade e se perdem pelo contrato social, que fazem ganhar sua
liberdade civil e a propriedade de tudo que possuem.
O delinquente que se coloca contra o contrato social é um traidor e,
portanto, é expungido do mesmo.
Cesare Bonesana, Marquês de Beccaria, é quem melhor coloca o
problema do delito e da pena. Adotam os iluministas posição crítica a
respeito das coisas existentes e também respeito ao Estado e sua estrutura.

A Escola Clássica considera a pena um mal que deva eliminar outro mal.
Para a Escola Carrariana, todos os homens são iguais, livres e racionais. Por
tal fato, a pena é eminentemente retribucionista, e seu fundamento está em ter
o homem conspurcado o social.
Nos positivistas, apesar de terem afrontado claramente os clássicos,
encontramos correntes utilitárias, além do racionalismo e do cientificismo.
Foi em 1876, aproximadamente um século após o livro de Beccaria, que
tivemos a primeira edição do Homem Criminoso, de Cesare Lombroso.
Tínhamos aí as ciências do homem e a contribuição das Origens das
espécies, 1859, de Darwin, e Descendentes do homem, 1871.
Foi Comte quem destacou a importância social da ciência, e com tal
significação, da sociedade social. Tudo isso implica a contradição de todo
pensamento iluminista, cujo alicerce é a metafísica.
EVOLUÇÃO DA CRIMINOLOGIA

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A sistematização científica da Criminologia constitui esforço recente,


abrangendo inclusive o estudo de sua evolução, segundo o critério de divisão
em períodos históricos ou fases, como o fez Israel Drapkin (Manual de
Criminologia, pp. 9-69).

Precursores da Criminologia na Grécia

Na antiga Grécia, a mitologia está repleta de condutas delituosas: ho-


micídios, roubos, violações. Zeus, por exemplo, o pai dos deuses, pode ser
considerado aquilo que Lombroso qualificou de "criminoso-nato"; ApoIo é
homossexual; Poseidão, deus do mar, é outro maníaco sexual; Vênus é men-
tirosa, cruel e adúltera; Hermes, um criminoso precoce, e assim por diante.
Dentre os pensadores gregos, que se destacaram no estudo dos
problemas criminais, encontramos algumas ideias precursoras.
Arquimedes (287-212 a.c.), grande físico e matemático, figura como o
precursor da Criminalista, das perícias e exames criminais.
Considera-se Hipócrates o iniciador da corrente biologista da Crimi-
nologia, cujas particularidades examinamos noutra parte da presente obra.
Por sua vez, Platão (427-347 a.c.) é considerado o precursor das cor-
rentes sociológicas da Criminologia; assinalava que o crime é produto do meio
ambiente; a miséria é um fator criminógeno, pois produz vadios e indivíduos
sórdidos; o ouro é causa de muitos delitos, porquanto a cobiça é gerada pela
abundância, que consegue apoderar-se da alma enlouquecida pelo desejo.

Precursores da Criminologia em Roma

Em Roma, Sêneca (c. 4 a.C.-65 d.C.) é considerado o criminólogo de


maior destaque; em sua análise sobre a ira, ele a considera como motor básico
do crime, por isso que a sociedade está sempre em luta fratricida.
Sobre os aspectos das causas econômicas, como causa da criminalidade,
não existe nada em Roma, salvo uma polêmica entre os que a consideravam
um fenômeno social e os estóicos e epicuristas, que exaltavam a pobreza,
fonte da felicidade e a força moral dos homens, pois entendiam que a riqueza
os entorpecia e corrompia.
Os chamados "doutores da Igreja" e escolásticos não se ocuparam do
problema da criminalidade, até que o monge Tomás de Aquino (1226-1274)
sustentou algumas ideias próprias a respeito. Na Summa contra gentiles afirma
que a pobreza é em geral uma ocasião de roubo. Na Summa Theologica,
defende o furto famélico, e, sob certos aspectos, ideias socialistas.
Por sua vez, o monge Agostinho, embora vivesse no período de 354 a
430 d.C., é considerado um pensador medieval; para ele, a pena de talião "é a
justiça dos injustos". Sustentava que a pena deve significar uma ameaça e um
exemplo. Deve ser também a medida de defesa social, mas, principalmente,
contribuir para a regeneração do culpado.
Da mesma forma, a Astrologia - conhecida desde a Antiguidade, entre os
chineses, hindus, egípcios e os maias -, sustentava que o comportamento se
rege pelos atos e seus movimentos, influenciando assim a conduta delituosa
humana.
Aliás, desde a mais remota Antiguidade, a mitologia, a religião e
Astrologia estavam intimamente ligadas, servindo hoje de meios auxiliares para
diversas ciências. A Astrologia, por exemplo, é considerada vestíbulo da
Astronomia. .
A Demonologia, por sua vez, estudava a situação dos indivíduos loucos,
sujeitos a ataques de toda ordem, considerando-os possuídos pelos demônios,
o que permitiu inomináveis crueldades e torturas, sob o manto de abusos da
religião. Quando os algozes e torturadores dos tribunais da Inquisição
supliciavam o suspeito de heresia, faziam-no na finne e fanática convicção de
que, quebrantando as forças físicas da vítima, estavam com isso
enfraquecendo as resistências dos demônios, os quais supostamente
dominavam os suplicados.
Assim, a Demonologia, tentando estabelecer a relação entre o corpo e a
alma humana - o orgânico e o psíquico -, preocupa-se com a "natureza e as
qualidades dos demônios"; ela tem antecedentes muito antigos, como na
religião do Irã, onde se adorava um deus bom (Ormuz) e um mau (Ahra-Mani).

Renascimento e a Criminologia

O Renascimento, como se sabe, constituiu um renascer cultural, sus-


tentado pelos próprios humanistas dos séculos XIV, XV e XVI.
Em oposição aos que consideravam as "trevas medievais", os humanistas
exaltaram os novos tempos, em que ressurgem as Letras e as Artes: Petraca
orgulha-se de haver feito renascer os estudos clássicos, por muitos séculos
esquecidos; Boccaccio atribui a Dante o ressurgimento da poesia e a Giotto, o
renascer da pintura, e assim por diante.
Entre os filósofos e pensadores dos séculos XVI e XVII, relativamente à
Criminologia, destacou-se Thomas Morus (1478-1535), que foi chanceler de
Henrique VIII.
Em sua obra Utopia Morus descreve a enorme onda de criminalidade que
assolava a Inglaterra, na época em que ele viveu, época essa marcada pela
truculência oficial, com a aplicação sumária da pena de morte. Aliás, o próprio
Morus acabou sendo decapitado por determinação de Henrique VIII.
A Utopia representa a primeira crítica, fundamentada, ao regime burguês
em ascensão e uma análise profunda das particularidades inerentes ao
feudalismo em decadência.
A primeira parte da obra é o espelho fiel das injustiças e misérias da
sociedade feudal; é, em particular, o martirológico do povo inglês sobre o
reinado de Henrique VIII, um tirano avarento. Eram, porém, várias as causas
da opressão e sofrimento do povo: a nobreza e o clero possuíam a maior parte
do solo e das riquezas públicas; estes bens permaneciam estéreis, enquanto a
fome atormentava a população.
Além disso, nessa época, os grandes senhores mantinham na multidão
de vassalos, seja por amor ao fausto, seja para - como polícia particular,
capangas - assegurar a impunidade dos crimes praticados pelos seus amos, ou
ainda para utilizar ditos vassalos como instrumentos de violência contra os
habitantes da vila. Essa vassalagem era o terror do camponês e dos
trabalhadores em geral.
Por outro lado, o comércio e a indústria na Inglaterra não tinham muita
expansão antes das descobertas de Vasco da Gama e Colombo. Assim, as
gerações se sucediam sem finalidade, sem trabalho, sem pão. A agricultura
estava em ruínas, desde que a nascente indústria da lã, prometendo lucros
espantosos, fez com que terras imensas fossem transformadas em pastagens
para carneiros. Em consequência disto, a multidão de camponeses viu-se
reduzida à miséria, provocando a multiplicação da mendicidade,
vagabundagem, roubos e assassínios.

Período da Antropologia Criminal (1876-1890)

Paralelamente ao desenvolvimento das Escolas de Direito Penal surgiram


diversas teorias, que constituíram as bases da sistematização científica da
Criminologia, no século XIX.
Sob certo aspecto, as discussões estiveram centradas, em parte, no en-
foque filosófico acerca do binômio livre arbítrio e determinismo, em relação às
condutas delituosas do ser humano, e de outro lado na questão antropológica,
no ativismo.
Malgrado a vulnerabilidade de suas teorias, acerca do criminoso-nato,
Cesar Lombroso (1835-1909) desenvolveu uma série de estudos e pesquisas,
que polarizaram as atenções do mundo científico de então, quando, em 1876,
ele publica o seu momentoso livro o Homem Delinquente, onde aborda,
inclusive, aspectos relacionados à criminalidade em geral, dentre as diversas
espécies animais, como vimos anteriormente.
Dentre os fundadores da Escola Positiva, em Direito Penal, considera-se
Lombroso o antropólogo, Garofalo o jurista e Ferri o sociólogo.
Incontestavelmente, Lombroso teve o mérito de contribuir para a sis-
tematização científica da Antropologia Criminal, com o que desviou a atenção
do fato criminoso - até então a preocupação máxima dos criminalistas - abrindo
o caminho para o surgimento da Escola Positiva, em oposição à Escola
Clássica.

Período da Sociologia Criminal (1890-1905)

http://www.viu.es/download/oferta-docente/masteres-
oficiales/cabecera%20M%C3%A1ster%20en%20Criminolog%C3%ADa.jpg

Este período evolutivo da Criminologia se confunde com o nome de


escola Francesa ou de Lyon, ou das teorias do meio ambiente. Estas teorias
compreendem todas as concepções sociais e ambientais que se levantaram
contra as concepções lombrosianas, as quais se centravam na ideia de que s
fatores endógenos, ou seja individuais, predominavam na conduta do indivíduo,
como decorrência do atavismo, resultando no criminoso-nato.
Para a Escola Francesa, ao contrário, eram os fatores exógenos, isto é,
ambientais, os mais importantes em relação à conduta do indivíduo, levando-o
ao crime, em determinadas circunstâncias.
Para essas teorias contribuíram as ideias de Augusto Comte(798-1857),
os estudos de Quetelet, Emílio Ducpétiot (1804-1868).

Período da Política Criminal ou Fase Eclética (de 1905 às Tendências


Atuais das Teorias Criminológicas)

Esse período se caracteriza por uma espécie de trégua na discussão


inflamada, resultante do entrechoque de ideias entre as teorias francesas e
italianas, sobre as teorias lombrosianas.
Surgiram três Escolas:
1) A Terza Scuola
2) A Escola Espiritualista
3) A Escola de Política Criminal

Criminologia Tradicional ou Criminologia Clássica. Propostas ou


Programas de erradicação da miséria - Cestas básicas

A Criminologia Tradicional ou Criminologia Clássica engloba diferentes


matizes ou vertentes, originários todos, direta ou indiretamente, da fonte
comum: a Escola Positiva.
Para a Criminologia Tradicional ou Clássica há, fundamentalmente, certos
comportamentos humanos considerados maus, em si, apenados em virtudes
de normas que são, supostamente, produto de um consenso coletivo, segundo
as concepções da democracia burguesa, o liberalismo político-econômico.
Em suma, a Criminologia Tradicional ou Criminologia Clássica se revela
estacionária, imobilista. Não atenta para o fundamental: a permanente crise
crônica do sistema capitalista, decorrente dos antagonismos e contradições
insuperáveis, inerentes ao próprio sistema.
CRIMINALIDADE E CIÊNCIAS AFINS

http://litreactor.com/sites/default/files/imagecache/content-
large/images/column/2012/12/crime-tape.jpg

O termo enciclopédia se aplica a qualquer obra que abranja todos os


ramos do conhecimento.
Nesse sentido, destacaram-se os cognominados enciclopedistas fran-
ceses, elaboradores da teoria do liberalismo (século XVIII), que serviu de
fundamento ao advento do Estado liberal, após a Revolução Francesa (1789).
Dentre esses enciclopedistas notabilizaram-se D'Alembert, Diderot,
Buffon, Hume, Montesquieu, Rousseau e Helvetius, que procuraram, antes de
tudo, "a distinção entre a justiça divina e a justiça humana, pugnando pela
soberania popular contra o absolutismo medieval, pelos direitos e garantias
individuais contra o Estado totalitário do Direito divino" (cf. Roberto Lyra,
Novíssimas Escolas Penais, ps. 5 a 8).
Essa época foi considerada o período humanitário do Direito Penal, a
partir da publicação da obra de Cesar Bonecasa (1738-1794), marquês de
Beccaria, nascido na Itália, trabalho esse intitulado Tratado dos Delitos e das
Penas, quando o autor contava 26 anos de idade, por volta de 1764;
modestamente, ele afirmou que escreveu dita obra sob a inspiração dos en-
ciclopedistas franceses.
Seja como for, acentua Enrico Ferri, nem os romanos, com sua extra-
ordinária intuição para os fenômenos jurídicos - intuição essa consubstanciada
no acervo notável que legaram à posteridade no campo do Direito Civil-, nem
os juristas da Idade Média lograram estruturar uma teoria científica em matéria
criminal, como sistema filosófico (La Sociologia Criminelle, ps. 2 e 3).
Antropologia é a ciência do homem, como ser social e animal.
A Antropologia se divide em dois amplos campos de estudo: um se refere
à forma física do homem, o outro a seu comportamento aprendido.
Chamam-se, respectivamente, Antropologia Física e Antropologia
Cultural.
A Antropologia Criminal baseia-se nos princípios gerais da Antropologia,
Psicologia, Patologia, Psiquiatria, Biologia, Anatomia, Eugenia, Embriologia e
Biotipologia.
A Biologia Criminal é a ciência que trata dos seres vivos ou organismos,
suas origens, natureza e evolução.

http://www.prensa.umich.mx/wp-content/uploads/2014/01/Necesaria-la-Licenciatura-en-
Criminolog%C3%ADa-y-Ciencias-Forenses-para-la-implementaci%C3%B3n-del-nuevo-sistema-de-
justicia-penal1.jpg

Psicologia Criminal é o ramo da Psicologia que estuda as manifestações


psíquicas, através do estudo e da classificação dos processos psíquicos do
homem delinquente.
Psicanálise Criminal é o ramo da Psicanálise que se dedica ao estudo da
personalidade do delinquente, partindo das angústias e dos complexos de
culpa que o afligem, levando-o à procura da bebida, da droga, enveredando
pelos caminhos do crime, para a solução dos seus problemas íntimos.
Sociologia Criminal é a ciência que estuda o fenômeno criminal do ponto
de vista da influência do meio social sobre a conduta humana criminosa.

OS QUATRO ELEMENTOS RELACIONADOS AO


FENÔMENO CRIMINAL: DO CRIME, DO
DELINQÜENTE, DAS PENAS E DA VÍTIMA

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Elementos do fenômeno criminal

Consideram-se elementos do fenômeno criminal os componentes deste,


ou seja, o crime, o criminoso, a pena e a vítima.
Historicamente, a Escola Clássica do Direito Penal (em que se destacou
Francesco Carrara, Itália, 1805-1888) considerava elementos clássicos dessa
ciência penal o crime e a pena, enfatizando assim esses dois aspectos do
fenômeno criminal, ou seja, a gravidade do fato, consistente na violação da
norma dessa natureza, com a consequente sanção imposta pelo poder
competente do Estado.
Esse entendimento orientou as codificações penais surgi das no século
XIX, como no caso do nosso Código Criminal de 1830.
Aliás, a denominação Código Criminal- em lugar de Código Penal
demonstra, por si só, a ênfase atribuída ao elemento crime; na atualidade,
alguns penalistas ainda preferem essa terminologia.
Mais tarde, porém, a Escola Positiva (em que se destacaram Lombroso
e Ferri) começou a chamar a atenção sobre o delinquente, como ser vivo e
efetivo, aparecendo assim como o "protagonista da justiça penal", como o
apresentou Ferri, considerando-o em sua "personalidade individual, em sua
identidade biológica e em sua realidade como ser profundamente dependente
do meio social em que vive".
Daí a oportunidade da afirmação de Gabriel Tarde:
"Nenhum de nós pode se gabar de não ser um criminoso-nato, relati-
vamente a um estado social determinado, passado, futuro ou possível."
A partir daí, o delinquente passou a ter um papel destacado no Direito
Penal, suscitando a atenção dos criminólogos, filósofos, sociólogos, penalistas
e outros, no sentido do esforço de elaboração de normas legislativas
específicas, pertinentes ao sujeito ativo da infração penal, figurando assim
como terceiro elemento do fenômeno criminal.
Nesse sentido, surgiram as normas inscritas nos Códigos Penais, como
aquelas referentes à individualização da pena, periculosidade, aplicação de
medida de segurança, como ressaltamos noutro trabalho (Comentários ao
Código Penal, Parte Geral, p. 46).

O quarto elemento do fenômeno criminal

Contemporaneamente, a vítima, sujeito passivo da infração penal, foi


classificada como o quarto elemento do fenômeno criminal, pelos motivos que
indicaremos, noutra parte da presente obra ao tratar das peculiaridade e da
situação daquela.
Em suma, os quatro elementos acima elencados constituem o centro das
preocupações das ciências penais, sob as diferentes angulações, próprias de
cada uma delas, como veremos oportunamente.
A propósito, convencionalmente, o termo penalista serve para designar o
estudioso, professor, tratadista de Direito Penal, enquanto o vocábulo
criminalista se aplica ao causídico, advogado que se dedica às causas cri-
minais, cujo sucesso profissional costuma proporcionar-lhe larga fama.

Conceito de Crimonogênese

http://www.nadinemuller.org.uk/wp-
content/uploads/2012/10/1421416900_1385746862.jpg

A Criminogênese é o capítulo da Criminologia que estuda os mecanismos


de natureza biológica, psicológica e social, através dos quais se engendram e
desencadeiam os comportamentos delituosos.
Trata-se, portanto, dum esforço que requer concorrência interdisciplinar,
de natureza sociológica, econômica, filosófica, política, médica, psicológica
para a conceituação da Criminogênese.
Sob esse aspecto, o psicológico, por exemplo, entrega-se à tarefa de
compreender o crime e descobrir por motivação: "Estudos psicanalíticos
modernos vieram comprovar que o delinquente e aquele que jamais infringiu a
lei não são diferentes morfologicamente no sentido de Lombroso. São diversos
na maneira de dominar os impulsos antissociais, presentes nos criminosos e
nos que não o são. Dessa forma, o delinquente realiza no plano real os
próprios impulsos antissociais inconscientes. Já o indivíduo socialmente
adaptado tem maiores possibilidades em reconhecer que a realização daqueles
impulsos redundará em seu próprio prejuízo e no da comunidade" (Luiz Ângelo
Dourado -Raízes Neuróticas do Crime, p. 15).
Por sua vez, o político, o criminólogo, o sociólogo, e assim por diante, nas
suas respectivas áreas de conhecimento, enfocarão a questão criminal,
buscando a pesquisa de suas causas, bem como os meios de sua prevenção e
modos de tratamento do criminoso, e assim por diante, contribuindo para o
aprimoramento da Criminogênese, como lembramos alhures (Criminologia, ps.
127 e segs.).

A dinâmica do delito e o itinerário do crime (iter-criminis). As


variáveis

Segundo os princípios tradicionais de Direito Penal, o delito apresenta


regularmente o chamado iter-criminis (itinerário do crime), o qual é iniciado pela
simples cogitação impunível (nuda cogitatio), seguindo-se a preparação
(conatus remotus) só punível quando em si constitui ilícito penal; adiante a
execução (conatus proximus) e a consumação (meta opta ta).
Nesse contexto, apresenta-se a seguinte indagação, formulada por
Mezger: o delito é um produto da disposição e da índole genuína do
delinquente e do meio ambiente, ou seja, uma resultante dos fatores
endógenos e exógenos?
Em outras palavras, como se desenvolve a dinâmica do delito?
Discussões acaloradas e intermináveis se desencadearam a respeito, isto é,
sobre a relação recíproca de ambos os tipos de causas e sobre o predomínio
das causas internas - as denominadas Teorias da disposição - e das causas
externas - as denominadas Teorias do meio - no advento de delito.
Hoje, de acordo com a concepção da dinâmica do delito, tanto as causas
pertinentes à disposição, como ao meio não são realidades unívocas,
homogêneas, admitindo-se outras formas de interpretação do fenômeno
delituoso, eis que umas disposições influem sobre as outras, das mais dife-
rentes maneiras.
Há, por exemplo, disposições natas e predisposições, em função das
disposição herdada ou disposição germinal; disposição adquirida ou per-
sonalidade do sujeito, em determinado momento.
Em suma, há concorrência duma série de aspectos, englobando causas e
fatores, que culminam com o desencadeamento do delito (Mezger,
Criminologia, ps. 249 e segs.).
Assim, pode verificar-se a ocorrência duma série de causas e fatores
criminógenos, propícios à prática delituosa, mas a interveniência ou incidência
de outros aspectos ou circunstâncias - as chamadas variáveis - acabam
influindo no sentido de impedir a conduta antissocial, fazendo com que os
freios inibitórios prevaleçam, ou seja, ocorra o predomínio daquilo que Benigno
Di Tullio denominou forças crimino-repelentes, contra as forças crimino-
impelentes (Tratado de Antropologia Criminal, ps. 13 e 209).

Classificação geral dos crimes

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A classificação geral dos crimes, ou seja, o crime apreciado quanto à sua


gravidade, moral idade, objeto, materialidade, do ponto de vista teórico, baseia-
se nas características da ação, nos efeitos que integram o fato, no bem jurídico
protegido, número e qualidade dos sujeitos considerados em cada caso e
muitas outras circunstâncias que dão lugar a uma série de classificações: figura
de dano, de perigo, materiais, de pura atividade, unis subsistentes, comuns,
especiais.
O estudo dessas classificações contribui para a sistematização dos di-
versos títulos: delitos de comissão e de omissão; dolosos e culposos (Se-
bastian Soler - Derecho Penal Argentino, I, p. 221).
Esta classificação geral, entretanto, não deve ser confundida com a
classificação dos crimes em espécie, constante da Parte Especial dos Códigos
Penais, que nasceu duma necessidade prática, sendo que, com o tempo,
estabeleceram-se detem1inados princípios para a sua elaboração e sistema-
tização (Carrara - Programa de Derecho Criminal, Parte Geral, voI. I, ps. 109 e
segs.).
A classificação geral dos crimes tem sido tratada pelos diferentes autores
de maneira não muito uniforme, como ressaltamos noutro trabalho
(Comentários ao Código Penal - Parte Geral, ps. 51 e segs.). Apresentamos a
classificação que segue, como expressão eclética das teorias a respeito dessa
matéria:
Quanto à previsão legal, segundo a gravidade (crime e contravenção)
a) Sistema tripartido: baseado na divisão crime, delito e
contravenção, como o sistema adotado na França;
b) Sistema bipartido: baseado na divisão crime e contravenção,
como o sistema adotado na Itália, Brasil;
c) Sistema unitário: não comporta as divisões acima previstas, como
o sistema adotado na Argentina, México, e extinta URSS.

Quanto à intenção

a) Dolosos: quando o agente quer o resultado ou assume o risco de


produzi-lo;
b) Preterdolosos ou preterintencionais: quando há dolo no
antecedente (crime principal) e culpa no consequente (crime
acessório), como no furto ou roubo (crime principal) e receptação
(crime acessório);
c) Culposos: quando há culpa stricto sensu.
Quanto à materialidade

a) simples: modalidade que não apresenta elementos acidentais, como o


homicídio simples;
b) materiais ou de resultado: são os que se tomam perfeitos com a po-
sitivação do resultado, como característico do tipo legal, com a inequívoca
lesão do bem jurídico protegido, como no caso do furto da coisa comum, na
violação do domicílio, a extorsão mediante sequestro;
c) de lesão ou dano: aqueles que só se consideram consumados, quando
ocorre, no mais das vezes, uma lesão efetiva de um bem ou interesse pe-
nalmente tutelado; neles o dolo é de dano, por exemplo, a calúnia, a
difamação, a injúria, o constrangimento ilegal;
d) de perigo: aqueles em que não é necessário que ocorra um dano
efetivo e concreto, bastando a simples existência da ação criminosa, como o
fato de ter em depósito substância entorpecente, ilegalmente;
e) instantâneos: aqueles em a atividade delituosa termina no momento
preciso em que o seu efeito se produz, como no furto, nas ofensas físicas;
f) permanentes ou contínuos: aqueles em que o ato deles constitutivos
não sofre interrupção, permanecendo o agente em estado de criminalidade ou
de violação ininterrupta da lei penal; em tais casos, a consumação se protrai ou
interrompe, dependendo da vontade do agente, ou de flagrante, como o
cárcere privado, a ocultação de menor. É claro que, se o agente se livrar do
flagrante, nem por isso estará isento de responsabilidade criminal, a ser
apurada através de inquérito criminal e subsequente ação penal;
g) instantâneos de efeitos permanentes: aqueles cuja atividade delituosa
se configura em determinado ato, cujos efeitos perduram, como a bigamia;
h) complexos: quando uma infração penal envolve outra, distinta, alheia à
intenção do agente, como a morte da pessoa visada e ferimento de outra;
i) continuados ou sucessivos: aqueles em que o autor pratica vários atos
sucessivos e conexos, materialmente distintos, com uma só intenção e
resolução dolosa, como o agente que furta dum mesmo porta-talheres, várias
peças, em dias diferentes, dentro de breve espaço de tempo;
j) transeuntes: aqueles que não deixam vestígios, como a injúria verbal,
a violação de domicílio;
k) não transeuntes: aqueles que deixam vestígios, como o homicídio, a
lesão corporal;
l) privilegiados: aqueles cometidos em virtude de relevante valor social ou
moral (delictum privilegiatum ou delictum exceptum), como o homicídio
privilegiado; o crime consistente em receber de boa-fé, como verdadeira,
moeda falsa ou alterada, e a restitui à circulação, depois de conhecer a
falsidade;
m) qualificados: aqueles que se revestem duma forma mais grave, em
virtude de ocorrerem circunstâncias que assim o qualificam, como o homicídio
qualificado, o aborto qualificado;
n) distanciados: aqueles cuja ação e o resultado se separam no tempo ou
espaço, como a sonegação ou destruição de correspondência, a extorsão, a
extorsão mediante sequestro;
o) formais: quando a intenção do agente se presume do seu próprio ato,
que se reputa consumado independentemente do resultado que possa
produzir, como a falsificação de moeda, seja ou não posta em circulação;
p) putativos ou imaginários: aqueles em que o agente considera erro-
neamente que sua conduta constitui crime, quando, na verdade não é, como no
caso em que alguém pensa ter alvejado certa pessoa, quando na verdade foi
outrem que o fez;
q) putativos por obra do agente provocador: quando, de forma insidiosa,
uma pessoa provoca o agente, levando-o a praticar o crime, ao mesmo tempo
que adota providências com a finalidade de evitar a consumação do mesmo;
são os casos de flagrante preparado;
r) de sangue: aqueles cuja execução causa derramamento de sangue,
com o emprego de arma de fogo, instrumento perfuro cortante;
s) hediondos: aqueles que se revestem das características dos qualifi-
cados e de sangue.

Quanto ao sujeito

a) comuns: quando há violação do preceito penal, imposto indistintamente


a todos, praticado por qualquer indivíduo. Por oposição a crime especial, de
mão morta;
b) próprios: diz-se daqueles que só podem ser praticados por determi-
nada categoria de pessoas, pressupondo no agente qualidade pessoal e par-
ticular condição jurídica, como os crimes falimentares, que só podem ser
praticados pelo devedor comerciante; os crimes praticados por funcionários
públicos;
c) de mão própria: aqueles em que todos os elementos do tipo penal
devem ser realizados pessoalmente pelo agente, sendo assim impossível a
figura do concurso de agentes. São semelhantes aos delitos próprios, pois
também aqui apenas as pessoas tipicamente referidas podem ser autoras.
Todavia, nos delitos próprios é possível a participação de terceiro, enquanto
nos delitos de mão própria tal não acontece. Assim, são delitos próprios e
simultaneamente de mão própria o infanticídio, o abandono ou exposição de
infante, causa honoris, o peculato;
d) unis subjetivos ou individuais: aqueles em que a totalidade dos atos
típicos podem ser praticados por um único autor, como a injúria verbal;
e) plurissubjetivos ou coletivos: aqueles em que são dois ou mais os
autores, distinguindo-se, porém, duas subdivisões, ou seja, os unilaterais ou
convergentes ou de conduta convergente, nos quais as várias participações se
orientam em um mesmo sentido, como no crime de quadrilha ou bando, e os
bilaterais ou plurilaterais em que as várias participações são contrapostas,
como no caso de rixa;
f) de mão morta: aqueles que só podem ser praticados pela pessoa in-
dicada, em função do próprio tipo, como no caso do adultério, do abandono
material;
g) funcionais: aqueles cometidos por quem se acha investido de um oficio,
ou função pública, quando no exercício desta e relativamente a esta, como os
crimes praticados por funcionários públicos;
h) especiais: aqueles que exigem como elemento integrativo uma
qualidade ou condição especial do agente, como no caso dos crimes funcio-
nais, falimentares, militares;
i) multitudinários ou coletivos: aqueles que são praticados por multidão
em tumulto, contra pessoas ou coisas, por ocasião de manifestações públicas,
greves;
j) bilaterais: aqueles para cuja consumação se exige o encontro de
vontades de dois agentes, como a receptação;
k) habituais: os que são praticados seguidamente pelo mesmo autor, com
a mesma uniformidade e o mesmo objetivo, como a falsa identidade, o
exercício ilegal da profissão de médico, dentista, advogado;
l) passionais: aqueles em que o agente é impulsionado por uma paixão ou
emoção violenta e irreprimível: o ciúme, um amor egoístico ou contrariado, um
ultraje à honra.

Quanto ao objeto

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a) contra a coisa pública: embora no Direito Penal atual e divisão clássica


do direito romano - delicta publica e delicta privata - não tenha a mesma
importância, consideram-se crimes contra a coisa pública aqueles que afetam
determinados bens ou interesses eminentemente de ordem pública, tais como
os crimes contra a incolumidade pública, contra a segurança dos meios de
comunicação e transporte e outros serviços públicos, contra a saúde pública;
b) contra a coisa privada: aqueles que afetam exclusivamente os bens ou
pessoas privados, subdivididos em crimes de ação pública e de ação privada;
c) contra a economia popular: aqueles que resultam em lesão de eco-
nomia popular, previstos em legislação especial;
d) políticos: aqueles que têm feição exclusivamente política; na prática,
hoje, não mais existe essa modalidade, pois, o político está ligado ao social, ao
econômico;
e) político-sociais: a distinção entre crime político e crime político-social
provém do Projeto do Código Penal de Ferri (Itália, 1921). "Antes do surto da
grande indústria e do socialismo, que é fruto seu, os crimes que visavam à
organização social tinham feição exclusivamente política. Esta, porém, passou
para o segundo plano. A estrutura econômica é que é hoje principalmente
atacada. A característica específica da delinquência político-social é ser
marcada pelo selo da mais incontestável abnegação, do altruísmo mais puro e
idealístico." (Virgílio de Sá Pereira).
f) militares ou castrenses: aqueles próprios, praticados por militares,
contra a hierarquia, a ordem jurídica, o dever, a segurança, a subordinação ou
disciplina militares, previstos na legislação militar;
g) crimes de guerra: aqueles que violam os princípios e as leis. Que
reguIa a guerra, praticados por militar ou assemelhado que é: participar de um
conflito armado;
h) falimentares: aqueles praticados pelos comerciantes, cuja falência é
considerada fraudulenta;
i) principais: aqueles que antecedem necessariamente outros, sem o que
estes não podem existir, como o roubo (principal) em relação à receptação
(acessório);
j) acessórios: aqueles que exigem um outro como principal e dos quais
são dependentes, como o assassínio a fim de assegurar a prática do roubo, a
violação de domicílio igualmente com o fito de roubo;
k) sexuais: aqueles praticados para satisfazer o impulso erótico ou ten-
dências libidinosas;
l) de lesa-pátria: os crimes de alta traição, quando atentam contra a
segurança e a soberania nacionais, por meio de inteligência com potências
inimigas, durante o estado de guerra ou greve convulsão social;
m) pluriofensivos: são aqueles que ofendem a mais de um bem jurídico
tutelado pela lei penal, como o roubo.

Quanto à conduta
a) comissivo: também chamados de ação; caracterizam-se por um facere,
ou seja, a prática de atos positivos, contrários à lei penal, como o furto, o
estupro;
b) omissivos: consistem em um non facere, ou seja, em deixar de fazer o
que a lei penal obriga, como o abandono material;
c) comissivos por omissão ou omissivos impróprios: consistem em
produzir, por meio de uma omissão um resultado definido na lei como crime; no
caso, a omissão é em si mesma incriminada, pois o que caracteriza a
responsabilidade penal é ter o agente faltado a um dever jurídico de agir para
impedir o resultado, como o caso da mãe que, por privar o filho, recém-nascido,
de alimentação, deixa-o morrer;
d) comissivos e omissivos: também chamados delitos de conduta mista,
pois se expressam necessariamente em duas formas, isto é, positiva e
negativa, ambas cooperantes, como o parto suposto (comportamento co-
missivo no ato de apresentar o filho de outrem a registro e omissivo na
ocultação da filiação verdadeira);
e) necessários: aqueles que são praticados em estado de necessidade,
em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício re-
gular de direito;
f) de ímpeto: também chamado ex impetu, caracterizam-se pelo desígnio
delituoso instantâneo ou repentino, motivado por cólera, paixão ou terror, sem
preceder deliberação, determinação ou raciocínio, ou seja, per moto imprevisto.

Quanto ao processo executivo

a) em grau de tentativa: diz-se crime tentado quando iniciada a execução


o crime não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente;
b) consumados: o crime é consumado quando nele se reúnem todos os
elementos de sua definição legal;
c) frustrados: "quando exaurida a ação o agente não logra obter o re-
sultado perseguido; a ação pode exaurir-se antes da total realização típica
(tentativa perfeita), coincidir com o momento consumativo, ou então ir além
deste, mas sem determinar nova realização típica, e.g., homicídio em que a
vítima recebe 11 facadas, morrendo da primeira; neste exato momento temos o
tipo consumado, porém a ação vai exaurir-se em momento posterior."
d) imperfeitos ou tentativa perfeita: aqueles que não foram consumados
por ter sido interrompidos, ou mal executados, ou, ainda, porque era inidôneo e
o meio empregado pelo agente. São também chamados crimes falhos ou
frustrados;
e) perfeitos (delictum pefeito): aqueles que se revestem de todos os
elementos imprescindíveis à sua existência real, e em cuja execução, até sua
consumação, a intenção direta do agente foi inteiramente satisfeita.

Quanto ao concurso de agentes

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a) conexos: são aqueles praticados -1) ao mesmo tempo, por diversas
pessoas reunidas; 2) em consequência de um pacto previamente estabelecido,
embora o delito seja perpetrado em diferentes tempos e lugares; 3) como meio
de execução de outros, ou como expediente para procurar a impunidade; 4)
quanto têm com outra infração uma estreita interdependência, ou nexo de tal
natureza que se torna impossível apreciá-los isoladamente, cindindo a prova;
b) de concurso facultativo ou simplesmente coautoria: são os crimes em
que a participação de dois ou mais agentes não constitui elemento fundamental
para configuração do delito;
c) de concurso necessário: são os crimes que exigem para a sua confi-
guração o concurso de duas ou mais pessoas, quer dizer, a própria descrição
típica exige o concurso, como nos crimes coletivos (caso da quadrilha OU
bando) ou nos bilaterais, sendo que nestes uma das pessoas pode não ser
culpável, como nos crimes de adultério e bigamia.

Quanto aos atos que compõem a execução

a) unis subsistentes: são aqueles cuja execução se compõe de um só ato,


o 'qual coincide com a consumação, não admitindo assim a tentativa, podendo-
se citar o perigo de contágio venéreo, a omissão de socorro, vilipêndio de
cadáver.
b) plurissubsistentes: são aqueles cuja execução se compõe de vários
atos ou fases sucessivos, no tempo ou no espaço, como os crimes distancia-
dos ou a distância, de que são exemplos, a sonegação ou destruição de cor-
respondência, a extorsão, a extorsão mediante sequestro.

Quanto à persecução criminal

a) de ação penal pública;


b) de ação penal condicionada;
c) de ação penal privada.

Classificação dos crimes em espécie

Como salientamos anteriormente, a classificação dos crimes em espécie


decorre duma necessidade prática de sistematização, não só para o estudo da
natureza dos mesmos, bem como para a sua codificação, observando-se
algumas variações termino lógicas nos Códigos Penais dos diferentes países,
quanto às classes e subc1asses daqueles.
Daí a denominação adotada pelos Códigos Penais, ou seja, Parte
Especial, que estabelece a classificação dos crimes em espécie, compreen-
dendo-se como espécies as partes do gênero, sendo que este abrange várias
daquelas, conforme os critérios jurídicos, políticos, filosóficos, sociológicos e
econômicos, adotados pelo legislador.
Nessa ordem de ideias, o Código Penal (1940) estabeleceu, em sua Parte
Especial, a sequência de Títulos em que classifica os crimes em espécie, com
os respectivas rubricas, a saber: Titulo I - Dos Crimes Contra a Pessoa (arts.
121 a 154); Título II - Dos Crimes Contra o Patrimônio (arts. 155 a 183); Título
III - Dos Crimes Contra a Propriedade Imaterial (arts. 184 a 196); Título IV -
Dos Crimes Contra a Organização do Trabalho (arts. 197 a 207); Título V - Dos
Crimes Contra o Sentimento Religioso e Contra o Respeito aos Mortos (arts.
208 a 212); Título VI - Dos Crimes Contra os Costumes (arts. 213 a 234); Título
VII - Dos Crimes Contra a Família (arts. 235 a 249); Título VIII - Dos Crimes
Contra a Incolumidade Pública (arts. 250 a 285); Título IX - Dos Crimes Contra
a Paz Pública (arts. 286 a 288); Título X - Dos Crimes Contra a Fé Pública
(arts. 289 a 311); Título XI - Dos Crimes Contra a Administração Pública (arts.
312 a 359).
Cabe ressaltar que, além dessas espécies de crimes, existem outras,
constantes da legislação penal extravagante, ou seja, previstas em leis es-
pecíficas, elencando determinados tipos penais, em decorrência do processo
de desenvolvimento político, econômico e social.
Haja vista, dentre outros textos legais, a Lei n° 4.898, de 09.12.1965-
Regula o direito de representação e o processo de responsabilidade admi-
nistrativa, civil e penal, nos casos de abuso de autoridade; Lei n° 5.726, de
29.10.1971 - Dispõe sobre medidas preventivas e repressivas ao tráfico e uso
de substâncias entorpecentes ou que determinem dependência física ou
psíquica, e dá outras providências; Lei n° 8.072, de 25.07.1990, com alterações
introduzi das pelas Lei n° 8.930, de 06.09.1994 e Lei n° 9.695, de 20.08.1998,
dispondo sobre os crimes hediondos; Lei n° 9.455, de 07.04.1997 - Define os
crimes de tortura.
Com efeito, a miséria e a pobreza não constituem causas ou fatores de-
terminantes, fatais, para que o indivíduo se tome delinquente, bandido, assal-
tante, narcotraficante, haja vista que, se assim fosse, a maioria da população
mundial enveredaria por essas práticas delituosas, posto que dita maioria é
carente, excluída, de acordo com as estatísticas existentes a respeito.
Por outro lado, era de se esperar que, dentre as pessoas pertencentes às
famílias abastadas, e que recebem esmerada educação, jamais ocorressem
desvios de comportamento, práticas criminosas; entretanto, isso não se
verifica, pois muitas delas cometem não só delitos típicos do "colarinho
branco", como também infração penais comuns, ou seja, aquelas que os
juristas burgueses e pequeno-burgueses consideram peculiares às "classes
subalternas" da sociedade, isto é, o proletariado.

A PATOLOGIA SOCIAL

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Como assinala J. Alves Garcia, Patologia é a Ciência dos processos


mórbidos, de suas causas, das alterações estruturais ou funcionais do orga-
nismo, e da sua evolução. Todo processo patológico resulta da interação de
causas endógenas e externas, às quais se contrapõem as defesas do organis-
mo. Todo processo passa pelo clímax e atinge a fase crítica ou crise. Esta
termina pela resolução, pela cura ou restabelecimento da homeostase (estado
de equilíbrio), por estado enfermiço permanente, ou pela morte (Psicopatologia
Forense, ps. 157 e segs.).
Por analogia, prossegue o referido autor, chama-se Patologia Social ao
estudo das desorganizações ou desarmonias internas da sociedade, somadas
às pressões externas. Então, o grupo intui o anormal, acusa o sentimento da
mudança brusca da estrutura social, do conflito de culturas, das
transformações, ou do ritmo acelerado da evolução histórica.
A crise histórico-social ocorre quando, por um conjunto de circunstâncias,
a situação anteriormente aceitável, toma-se daí em diante intolerável, seja por
fatores sociais, religiosos, políticos, econômicos, ou estes simultaneamente.
Ora, as psicoses e as neuroses têm origem em desregulações ou lesões
do sistema nervoso ou do organismo, sendo certo que a vida psíquica resulta
do jogo perpétuo das influências exteriores ou ambientais e das condições
internas. "Nenhum fenômeno mental, normal ou patológico, pode ser
exclusivamente endógeno, mas também nenhuma influência exógena tem a
sua eficácia característica se não encontra um organismo preparado. Con-
vencionou-se, por isso,, dizer que certas afecções mentais são predominan-
temente endógenas, enquanto outras não sobretudo exógenas".
Partindo desses princípios, o referido autor chama socioses aos distúrbios
psíquicos ou orgânicos que resultam, predominantemente, das transformações
bruscas das estruturas sociais e culturais.
Em suma, esse quadro social constitui uma força crimino-impelente,
conceituada noutra parte da presente obra.
Assim, o quadro social contemporâneo, em escala internacional, revela
bruscas alterações em sua estrutura sociocultural, com profundo reflexo com
relação às doenças mentais e orgânicas, a saber:
a) Aumento do infarto do miocárdio e do alcoolismo femininos, depois que
as mulheres foram expostas às mesmas tensões emocionais a que estão
sujeitos os homens, na luta pela sobrevivência e afirmação social;
b) Agravação da alcoolomania, sob a forma de Delirium tremens, devido
às vivências da solidão e da desesperança; carências alimentares;
c) Transformação da psicose maníaco-depressiva, com a quase desa-
parição das grandes crises de excitação, a maior incidência da síndrome
melancólica, sob várias formas e graus;
d) Transformações dos delírios esquizofrênicos, de tipo místico-religioso e
cosmogênico, em delírios hipocondríacos, técnicos, cósmicos e astranáuticos;
e) Redução dos sistemas mentais das psicoses e neuroses, e maior in-
cidência de fenômenos psicossomáticos, ou organoneuróticos;
f) Aumento extraordinário, em âmbito mundial, das toxicomanias,
sobretudo, nos jovens.
Diante desse quadro, conclui que existe uma relação direta entre o
progresso tecnológico e o desenvolvimento da agressividade humana, in-
vocando a opinião de Arnold Toynbee: "O processo atual, em aceleração
desordenada da tecnologia, aumentou agora em grau alarmante a brecha as
camadas consciente e inconsciente da psique humana" (Psicopatologia
Forense, ps. 463,465,481 e 482).

CRIMINALIDADE FEMININA E MASCULINA

Considera-se criminalidade sexual o conjunto de ações antissociais,


praticadas para satisfazer o impulso erótico ou as tendências libidinosas do
indivíduo.
A propósito, observa Nélson Hungria:
"A disciplina jurídica de satisfação da libido ou apetite sexual, reclama,
como condição precípua, a faculdade de livre escolha ou livre consentimento
nas relações sexuais" (Comentários ao Código Penal, voI. VIII, p. 111).
Desse modo, do ponto de vista jurídico-penal, considera-se liberdade
sexual "a liberdade de disposição do próprio corpo no tocante aos fins sexuais",
cuja violação consiste em vencer, mediante violência (física ou moral)"ou iludir,
mediante fraude, a oposição da vítima (idem, ibidem).
Daí as diversas modalidades delituosas dessa espécie, COITO prevê o
Código Penal, sob o título de crimes contra os costumes, a saber: crimes
contra a liberdade sexual; sedução e corrupção de menores; rapto; lenocínio e
tráfico de mulheres; ultraje público ao pudor (arts. 213 e segs.), como
lembramos alhures (Sexologia Forense, ps. 144 e segs.).
Cabe ressaltar a influência deletéria, exercida sobretudo pela televisão,
quanto à exaltação da erotização, ou seja, o chamado sexismo, como fator
criminógeno, como lembramos alhures (Comentários à Constituição da
República Federativa do Brasil, lIa edição).
Por outro lado, sob o título de periclitação da vida e da saúde prevê o art.
130 do Código Penal a figura delituosa consistente em perigo de contágio
venéreo, ou seja, as denominadas Doenças Sexualmente Transmissíveis
(DST).
A propósito, a Corte de Justiça de Los Angeles condenou o espólio do
ator Rock Hudson, ao pagamento da importância de US$ 14,5 milhões de
dólares (NCz$ 14,5 milhões), em favor do ex-amante dele, Marc Christian, com
quem conviveu durante cerca de dois anos, a partir de 1982. Em 1984, o
relacionamento entre eles começou a deteriorar-se porque Marc revelou ao seu
amante, que se prostituíra com outro indivíduo. Diante da iminência de um
rompimento, o amante de Hudson ameaçou revelar publicamente o
homossexualismo do galã, arruinando assim sua máscula reputação, construí
da ao longo de muitos beijos, trocados com mocinhas, nas telas dos cinemas.
Os membros do júri daquela Corte norte-americana entenderam que Marc
Christian "sofreu um choque emocional", porque, até pouco antes da morte de
Hudson (1985), ignorava ser este portador de AIDS, sujeitando-o, assim, ao
perigo de contágio (O Globo, 17.02.1989).
Por outro lado, em 1987, na Califórnia (EUA), o cidadão Joseph Mar-
kowski foi denunciado, por tentativa de homicídio, por ter doado sangue,
mediante pagamento, sendo portador de AIDS, além do fato de manter re-
lações sexuais com cinco pessoas. Surgiu então a polêmica, acerca da vio-
lação do princípio da reserva legal, visto que não há lei penal específica sobre
a matéria, em que se pudesse amparar tal imputação penal (Fantásti-
co,19.07.l987).
Quid juris, em face dos princípios jurídicos brasileiros?
Versando sobre o ressarcimento, José de Aguiar Dias não deixa dúvida
acerca do caráter ilícito e do dever de indenizar, no caso de transmissão de
doença venérea, em face dos princípios que regem o ordenamento jurídico
pátrio, nessa esfera (Da Responsabilidade Civil, voI. lI, p. 445).
Recorrendo-se à opinião de Nélson Hungria, verifica-se que nosso Código
Penal de 1940 não previu "a hipótese de superveniência da morte da vítima,
consequente ao efetivo contágio. Como resolver tal hipótese? Se o agente
procedeu com dolo de perigo ou dolo de dano, o fato ser-lhe-á imputado a título
de "lesão corporal seguida de morte" ou "homicídio preterintencional" (art. 129,
§ 1°). Se o antecedente, porém, era simplesmente culposo, responderá por
homicídio culposo (art. 121, § 3°)" (Comentários ao Código Penal, voI. V, p.
396).
Até que ponto a falta de condições higiênicas essenciais, a promiscuidade
sexual, debilitamento orgânico, estresse e outros aspectos, são responsáveis
pelos elevados índices de incidência da AIDS, nos diversos países?
Segundo dados divulgados pela Organização Mundial de Saúde, a China,
por exemplo, com mais de um bilhão de habitantes, não registrava casos de
AIDS, salvo os de 13 estrangeiros, lá residentes, que se encontravam então
sob tratamento, hospitalizados (Jornal do Brasil, 02.03.1988).

A criminalidade passional. Sadismo. Masoquismo. Sadomasoquismo

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Do latim passionalis, de passis (paixão), passional é o vocábulo


empregado na terminologia jurídica, especialmente no Direito Penal para
designar o que se faz por uma exaltação ou irreflexão, ciúmes ou amor
ofendido, desencadeando emoções, violências, como ressaltamos alhures
(Sexologia Forense, ps. 175 e segs.).
Para Aftânio Peixoto, paixão é a "emoção crônica", em tempo, por
prolongada, e aguda em manifestação, por violenta".
Segundo Nélson Hungria, emoção é um estado de ânimo ou de cons-
ciência caracterizado por um viva excitação do sentimento. É uma forte e
transitória perturbação da afetividade, a que estão ligadas certas variações
somáticas ou modificações particulares das funções da vida orgânica (pulsar
precipite do coração, alterações térmicas, aumento da irrigação cerebral,
aceleração do ritmo respiratório, alterações vasomotoras, intensa palidez ou
intenso rubor, tremores, fenômenos musculares, alteração das secreções, suor,
lágrimas e outras manifestações.
Há certa diferença entre emoção e paixão, embora esta seja originária
daquela. Kant dizia que a emoção é como "uma torrente que rompe o dique da
continência", enquanto a paixão é o "charco que cava o próprio leito, infiltrando-
se, paulatinamente, no solo".
Conclui Hungria: "Pode dizer-se que a paixão é a emoção que protrai no
tempo, incubando-se, introvertendo-se, criando um estado contínuo e
duradouro de perturbação afetiva em torno de uma ideia fixa, de um
pensamento obsidente. A emoção dá e passa; a paixão permanece,
alimentando-se de si própria" (Comentários ao Código Penal, voI. I, Tom. 2°,
ps. 360 a 363).
O Código Penal de 1940 não transigiu, no terreno da responsabilidade pe-
nal, com os emotivos ou passionais, que não exorbitam da Psicologia normal.
Ao contrário, o Código Penal de 1890 ensejou escandalosas absolvições,
sobretudo no âmbito do Tribunal do Júri, em face da norma estabelecida no art.
27, que consideravam não ser criminosos: "Os que se acharem em estado de
completa privação de sentidos e de inteligência no ato de cometer o crime",
como lembramos alhures (Comentários ao Código Penal, ps. 125 e segs.).
Para Léon Rabinowicz, há um aspecto do amor sexual que é bastante
característico: o ódio que o acompanha. "Entre os dois amorosos só existe a
carne: nenhuma ternura, nenhum sentimento os retém, além do prazer carnal;
por isso, entre dois momentos de desejo, o ódio mistura-se com a volúpia".
Em suma, o crime passional culmina com a paixão homicida, enquanto o
suicídio é um sucedâneo do crime passional (O Crime Passional, ps. 60,95 e
142).
O interesse que a humanidade sente pelo homicídio, escreve Hans von
Hentig, reside no fato de que o matar ou ser morto fere suas fibras mais
íntimas.
Embora, muitas vezes, sejam ignorados os motivos dos homicídios, a
Estatística Criminal tem que limitar-se a uma casuística desses motivos, assim
agrupados: por lucros; para encobrir outras ações ou crime; por conflito; de
natureza sexual.
O chamado homicídio sádico, por exemplo, comporta numerosas va-
riantes, envolvendo ódio, mistério, sangue, erotismo, crueldade e homos-
sexualismo. Certo médico introduziu na vagina e no reto de sua amante,
"vaselina, goma e estrofantina, sendo que esta queima". Desesperada, a vítima
procurou uma clínica, onde foi atendida, cujo clínico de plantão diagnosticou
apenas: "forte estado de excitação". Pouco depois, falecia a vítima (Estudos de
Psicologia Criminal, voI. lI, ps. 9 e segs.).
Nesse contexto se inserem sadismo (preversão sexual em que a satisfa-
ção erótica advém da prática de atos de violência ou crueldade), o masoquismo
(preversão sexual em que a pessoa só tem prazer ao ser maltratada física e
moralmente) e o sadomasoquismo (preversão sexual que consiste na
conjugação do sadismo e do masoquismo), podendo em consequência resultar
lesões corporais ou morte, temas esses que abordamos noutro trabalho
(Sexologia Forense, ps. 140 e segs.).

A criminalidade passional em face da eloquência forense

Os arquivos judiciários, nos diferentes países, estão repletos de casos,


relacionados à violência sexual, crime passional, duplo suicídio, homicídio
seguido de suicídio frustrado, e outros, envoltos em sensacionalismo, que
lograram escandalosas absolvições, nos Tribunais do Júri, daí afirmar-se que
um dos vícios da instituição do júri resulta da influência da oratório sobre os
jurados, quer dizer, os jurados decidem segundo a eloquência, fantasia e
astúcia dos defensores, como lembramos alhures (Curso de Direito Processual
Penal, ps. 315 e 316).
Por sua vez, Enrique Ferri, que foi um gigante da oratória forense, obteve
retumbantes vitórias nos Tribunais do Júri, em memoráveis defesas penais,
obras-primas de literatura jurídica, em que o romanesco se confunde com as
construções legais, do maior rigor científico.
A defesa, por exemplo, de Carlos Cienfuegos, assassino da condessa
Hamilton, mereceu o título de Amor e Morte, uma apaixonante leitura, para os
que se encantam com as obras de espírito.
À certa altura, desse belo texto literário, assim se expressa o autor:
"Estamos perante um caso de homicídio, seguido de suicídio frustrado, em
seguida ao amplexo de amor, depois da febre e do frenesi que produzem, no
momento fugitivo da volúpia, o esquecimento da dor que atormenta, do destino
inelutável".
E adiante: "Por amor se bate na pessoa amada, e até, por vezes, esta
gosta de ser batida. Mas pessoas menos cultas como regra geral, nas pessoas
intelectualmente mais elevadas como fenômeno ocasional e patológico - o
amor, em vez de diminuir, aumenta com as sevícias e os maus-tratos, e assim,
as misérias do masoquismo levam às violências do sadismo, que são as
doenças do amor e a sua gangrena."
Prossegue:
"O amor nasceu com a violência. Nas florestas da humanidade primitiva,
o macho impunha-se, violentamente, à fêmea esquiva e possuía-a pela força. E
só a lenta e tormentosa elevação moral, de geração para geração, do Oriente
místico até a Grécia bela, até a poderosa Roma, conseguiu purificar e imprimir
uma certa delicadeza ao sentimento do amor, no qual, porém, palpita sempre,
bem viva, a recordação nostálgica da violência primitiva" (Discursos de Defesa,
ps. 12 e 22).

A CRIMINOLOGIA E O COMPORTAMENTO
HUMANO
http://nossacausa.com/wp-content/uploads/2014/08/neuroticosanonimos.jpg

Um dos aspectos da Criminologia são os distúrbios da personalidade.


Dentre os mais frequentes desses distúrbios, podemos citar as neuroses, as
psicoses, as personalidades psicopáticas e os transtornos da sexualidade ou
parafilias. Neuroses são estados mentais da pessoa humana, que a conduzem
à ansiedade, a distúrbios emocionais como: medo, raiva, rancor, sentimentos
de culpa.
Pode-se afirmar que as neuroses são afecções muito difundidas, sem
base anatômica conhecida e que, apesar de intimamente ligadas à vida
psíquica do paciente, não lhe alteram a personalidade como as psicoses, e
consequentemente se acompanham de consciência penosa e frequentemente
excessiva do estado mórbido (MARANHÃO, 2004, p. 356). Nessa perspectiva,
de acordo com Newton e Valter Fernandes (2002, p. 213), podemos citar as
neuroses obsessivas, caracterizadas pela constante de obsessões, fobias e
tiques obsessivos, cujas formas de projeção alinham-se á cleptomania, à
piromania, ao impulso ao suicídio e ao homicídio.
O termo psicose surgiu para enfatizar as afecções mentais mais graves.
As psicoses são conjuntos de doenças caracterizadas por distúrbios
emocionais do indivíduo e sua relação com a realidade social, com o convívio
em sociedade. Citamos, dentre outras, a paranoica, a maníaco-depressiva e a
carcerária.
Segundo Genival França (1998, p. 357), "as psicoses paranoicas são
transtornos mentais marcados por concepções delirantes permitindo
manifestações de autofilia e egocentrismo, conservando-se claros pensamento,
vontade e ações". Os paranoicos fantasiam, e nos seus delírios relacionam o
seu bem-estar ou a dor com as pessoas que lhes rodeiam, atribuindo a estas a
causa de seu estado. Temos por exemplo, a paranoia do ciúme, a de
perseguição, a erótica. Seriam paranoicos os assassinos de Abraham Lincoln,
Gandhi, John Lennon e o que atentou contra a vida do Papa João Paulo II
(FERNANDES, 2002, p. 221).
A psicose maníaco-depressiva, hoje estudada como transtorno bipolar
do comportamento, é marcada por crises de excitação psicomotora e estado
depressivo. A fase maníaca é caracterizada por hiperatividade motora e
psíquica, com agitação e exaltação da afetividade e do humor. O maníaco não
permanece quieto, é eufórico. A melancólica ou depressiva caracteriza-se pela
inibição ou diminuição das funções psíquicas e motoras. O indivíduo apresenta
um quadro marcado pela tristeza, pessimismo, sentimento de culpa. As
tentativas de suicídio são frequentes nesta fase melancólica (GENIVAL, 1998,
p. 356).
A psicose carcerária é decorrente da privação da liberdade do indivíduo
submetido a estabelecimentos carcerários que não dispõem, em sua grande
maioria, de condições adequadas de espaço, iluminação e alimentação. A
pessoa acometida deste mal manifesta a "síndrome crepuscular de Ganser",
apresentando sintomas com as seguintes características: estranhas alterações
da conduta motora e verbal do indivíduo que, quando interrogado, encerra-se
em impenetrável mutismo ou passa a exibir para respostas ("respostas ao
lado"), como se estivera acometido de um estado deficitário orgânico, não raro
acompanhado de sintomas depressivos ou catatônicos (FERNANDES, 2002, p.
225).
A personalidade psicopática é caracterizada por uma distorção do
caráter do indivíduo. Os indivíduos acometidos por tal personalidade
geralmente apresentam o seguinte quadro característico: são inteligentes,
amorais, inconstantes, insinceros; faltam-lhes vergonha e remorso; são
egocêntricos, inclinados à condutas mórbidas. Citamos como tipos, dentre
outros: os explosivos ou epileptóides, os perversos ou amorais, os fanáticos e
os mitomaníacos.
Os explosivos ou epileptóides são indivíduos que manifestam em seu
comportamento a habitualidade de um estado colérico, raivoso, agressivo,
tanto verbalmente como fisicamente. Os perversos ou amorais são maldosos,
cruéis, destrutivos. Tais características revelam-se precocemente em crianças,
nas tendências à preguiça, inércia, indocilidade, impulsividade, indiferença,
propensos à criminalidade infanto-juvenil. Na fase adulta, o indivíduo possui
grau elevado de inteligência, podendo ser observadas mentiras, calúnias,
delações, furtos, roubos. Encontram-se no rol dos amorais os incendiários, os
vândalos, os "vampiros" e os envenenadores (FERNANDES, 2002, p. 209)
Os fanáticos tendem a um ânimo constante de euforismo, extrema
exaltação daquilo que desejam. Lutam por seus ideais de forma impulsiva, sem
limites, sem controle. São capazes de praticar qualquer ato delinquente na
busca incessante por seus objetivos. Os mitomaníacos, por sua vez, são
acometidos de um desequilíbrio da inteligência no tocante à realidade. São
propensos à mentira, à simulação, à fantasia. Conseguem distorcer, de forma
quase convincente, a realidade dos fatos, podendo chegar a extremos de
delírios e devaneios.
O estudo da sexualidade anômala ou transtornos da sexualidade
interessa à medicina legal, são distúrbios caracterizados por degeneração
psíquica ou por fatores orgânicos glandulares. Citamos como exemplo o
sadismo, o masoquismo, a pedofilia, o vampirismo e a necrofilia. O sadismo,
também chamado algolagnia ativa, é transtorno sexual em que o indivíduo
inflige sofrimentos físicos à parceira para obter o prazer sexual. O termo tem
origem no nome do Marquês de Sade (1740), que acometido do mal, o relatou
em seus romances Justina e Julieta. O marquês sentia prazer em cortar as
carnes de suas parceiras e em tratar as chagas das prostitutas (GOMES, 2004,
p. 471).
Já o masoquismo é algolagnia passiva, isto é, o indivíduo só consegue
sentir prazer sexual ao sofrer, ao ser humilhado. Jean Jacques Rousseau,
filósofo francês que viveu nos idos anos de 1712 a 1778, bastante conhecido
por sua obra Do Contrato Social(onde trabalha a formação e desenvolvimento
da sociedade civil e do próprio Estado), em um de seus livros publicados após
sua morte, Confissões, revela ser acometido deste transtorno da sexualidade:
"Ajoelhar-se aos pés de uma amante imperiosa, obedecer às suas ordens,
pedir perdão de faltas que cometera eram para mim gozos divinos" (GOMES,
2004, p. 471).
A pedofilia é parafilia caracterizada pela atração por parceiros sexuais
crianças ou adolescentes. O vampirismo é a aberração venérea na qual a
gratificação é alcançada com o degenerado sugando obsessivamente o sangue
de seu parceiro sexual (CROCE; CROCE JÚNIOR,2004, p. 681)
A necrofilia, por sua vez, trata-se de transtorno caracterizado por prática
de relações sexuais com cadáver. "Alguns necrófilos chegam a violar covas,
retirar corpos em decomposição para satisfazerem seu instinto" (GOMES,
2004, p. 474).

ARTIGO PARA REFLEXÃO


JUVENTUDE, CRIME & JUSTIÇA: UMA PROMESSA IMPAGÁVEL?

Leoberto Brancher1
Beatriz Aguinsky 2

Introdução

O presente texto propõe-se a oferecer um sumário das modificações


introduzidas na execução das medidas sócio-educativas em Porto Alegre nos
últimos anos, mais especificamente desde 1998, tecendo, a partir daí, algumas
reflexões sobre o contexto da realidade enfrentada e expondo as novas
concepções que são, a um só tempo, inspiração e objetivo de todo o processo.
Sem desconsiderar o ambiente de rede em que se insere, o relato verte a partir
da ótica jurisdicional, ou seja, do processo de mudança da 3ª Vara do Juizado
Regional da Infância e da Juventude da Capital gaúcha, especializada na
execução das medidas sócio-educativas, consoante ao que se cogita seja o
modelo jurisdicional preconizado pelo E.C.A. O objeto do relato é o conjunto de
esforços de articulação política, de gestão operacional e de fundamentação
teórica adotados objetivando fazer com que se cumpram, na prática, as

1
Juiz de Direito da 3ª. Vara do Juizado Regional da Infância e Juventude de Porto Alegre,
professor de Direito da Infância e da Juventude e coordenador do Núcleo de Estudos em Justiça
Restaurativa da Escola Superior da Magistratura da AJURIS – Associação dos Juízes do Rio
Grande do Sul.
2
Assistente Social Judiciária, professora e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em
Serviço Social da Faculdade de Serviço Social da PUCRS
promessas de justiça e dignidade anunciadas no E.C.A.. O percurso evidencia
obstáculos decorrentes não somente das decantadas falta de clareza ou de
vontade política, ou da escassez orçamentária, ou da imutabilidade inercial de
uma realidade que se convenciona dizer revestida de uma dívida social
impagável. Fossem apenas dessa ordem os entraves e os 15 anos de vigência
da nova legislação, com os recursos e esforços investidos – ainda que
pontualmente – no seu cumprimento, teriam sido suficientes para oferecer
resultados mais palpáveis, sobretudo no campo das medidas sócio-educativas,
o que não se confirma na prática. Além, portanto, do campo político ou
operacional, trata-se de uma tarefa cujos desdobramentos alcançam também,
e simultaneamente, o campo teórico, dada a necessidade de decifrar que
incógnitas seriam estas, tão persistentes, a impedir que a solução seja
alcançada pelo só advento de um instrumental jurídico de maior qualidade.
Os desafios enfrentados consolidam um caminho de aprendizagem em
que a construção de alternativas para as dificuldades encontradas questiona os
usuais lugares e formas de constituição dos saberes, poderes e fazeres que
convergem a este campo. A novidade que ora se apresenta, em termos da
gestão e execução das medidas sócio-educativas, radica no enfrentamento do
que é simples, mas usualmente impensável: as práticas institucionais, sociais e
profissionais que materializam o espírito do Estatuto, não poderão alterar-se
por prescrição. De um lado, tem-se que a transformação das fronteiras
institucionais e das práticas profissionais em direção à sua pertinência aos
princípios do E.C.A. reclama a construção de responsabilidades partilhadas,
descentralizadas e em uma perspectiva de rede. De outro, que a consistência
do processo de responsabilização, em suas repercussões construtivas para os
destinatários dos serviços prestados pela jurisdição, processo-chave no metier
da jurisdição socioeducativa, evoca o desafio do trabalho com significados que
emergem da experiência social dos sujeitos. Assim, o relato que se apresenta
traz a centralidade na afirmação de valores como proposição de superação dos
impasses de implementação do E.C.A. no âmbito da execução das medidas
socioeducativas. Trata-se da afirmação da possibilidade ética que não rivaliza
com a norma, mas antes funda, pela construção coletiva e compartilhada, a
legitimidade desta norma, essencialmente respeitando e levando em
consideração as necessidades de todos os envolvidos em um complexo
processo social.

Dívidas de sentido e de normatividade

A Convenção Internacional de Direitos da Criança e do Adolescente,


enquanto tratado específico de Direitos Humanos na área, operou como que
uma revolução copernicana nas relações dos adultos e da sociedade com
crianças e adolescentes. Esta revolução trouxe a lume o caroço histórico desta
relação: a discricionariedade. O giro que este marco operou remete à exigência
da construção de uma esfera pública em que não mais seja possível
legitimarem-se, esfumadas pela hipocrisia da compaixão e/ou da intolerância
da repressão, as piores atrocidades cometidas nas respostas públicas e
privadas às necessidades de pertencimento e cidadania da infância e
juventude.
Daí considerar-se a presença da norma como fundamental quando se
cogita das demandas por afirmações de direitos da infância e juventude – que
deitam suas raízes em um terreno de desigualdade de poder. Nunca é demais
lembrar: é na ausência da norma, em circunstâncias de desigualdade de poder,
que prevalece como solução a imposição da lei do mais forte.
A busca da qualificação da atuação técnico-jurisdicional da 3ª. Vara do
Juizado Regional da Infância e Juventude de Porto Alegre na referência aos
princípios normativos internacionais, recepcionados pelo E.C.A., remeteu a
dois níveis de dificuldades a seguir abordados: o primeiro, afeto aos impasses
presentes na Justiça Juvenil Brasileira no que se refere à responsabilização de
adolescentes e, o segundo, relativo à cultura institucional das várias esferas
que se incumbem da execução das medidas socioeducativas.

Impasses da Justiça Juvenil Brasileira.

O Estatuto da Criança e do Adolescente inovou a ordem jurídica


brasileira na área da proteção e responsabilização de jovens em situação de
vulnerabilidade penal.
Esse o sentido do reconhecimento de direitos fundamentais emergentes
da matriz genérica do direito constitucional à dignidade e correspondentes
salvaguardas, sobretudo na esfera processual-penal e da execução das
sanções penais juvenis, perspectiva na qual a Lei 8.069/90 elencou um amplo
repertório de mecanismos de garantia e exigibilidade desses direitos.
Tanto o texto legal do Estatuto quanto - e sobretudo - seus comentários
pelos doutrinadores, são permeados pela ideia de que a efetividade dos
direitos ali dispostos dependem da absorção de uma ética de
corresponsabilidade, capaz de respeitar a realidade complexa do fenômeno
social subjacente à operação da incidência da norma jurídica, para tanto
considerando que a solução de cada caso concreto tem por pressuposto, no
campo da apreensão da respectiva realidade, uma abordagem interdisciplinar,
e, no campo das práticas intervenientes, de uma ação necessariamente
interinstitucional e articulada.
Não obstante tais parâmetros teóricos, as experiências judiciárias e o
atendimento socioeducativo prestado à juventude parecem ainda não ter
evoluído de forma consistente.
O choque cultural entre o paradigma sugerido na nova legislação, mas
talvez ainda não suficientemente formulado pela doutrina, e o modelo
tradicional de Justiça, com as práticas institucionais nele fundadas,
especialmente no campo da privação da liberdade de jovens em conflito com a
lei – têm produzido importantes impasses e gerado percepções negativas do
sistema na medida em que repercutem no debate público.
É o que se constata, por exemplo, nas recorrentes abordagens do
E.C.A. pela mídia e pelos lugares comuns em torno dos quais se sedimenta a
opinião pública, tendentes à descontextualização e supervalorização da
delinquência juvenil e ao reforço do clima de insegurança social, decorrente da
impressão generalizada de inexistência ou ineficácia do sistema legal de
responsabilização penal juvenil brasileiro – propagando-se o bordão de que
“com menor não dá nada”.
Também podem ser tributados a tal sorte de impasses os igualmente
recorrentes projetos de lei e movimentos pela redução da idade penal e outras
expressões de enrijecimento do tratamento penal das infrações juvenis –
fundamentadas em reducionismos simplistas como, por exemplo, o de que, se
“aos 16 anos pode votar, logo, também pode ir prá cadeia”.
Saindo do âmbito político e ingressando no terreno das próprias políticas
públicas, os subprodutos desse quadro se materializam através de incidentes
localizados de exclusão ou a velada constituição de guetos reservados aos
transgressores, justificados pela preservação da maioria considerada
‘saudável’ e assim legitimando reações defensivas, de viés estigmatizante, em
razão do notório (e inegável) efeito desorganizador do convívio de
adolescentes considerados ditos “desviantes” junto às coletividades juvenis em
escolas, programas assistenciais ou de educação complementar, etc.
Ingressando mais especificamente no campo das medidas
socioeducativas, não se pode abstrair a realidade do sistema socioeducativo,
marcado por uma excessiva onerosidade, pelo isolamento e pela falta de
resolutividade do atendimento às medidas, notadamente da privação da
liberdade, tudo, ainda, como reflexo da falta de capacidade de respostas
objetivas às grandes questões pendentes perante o Sistema de Justiça.
Ainda nesse âmbito interno dos sistemas de atendimento (notadamente
Justiça, Assistência Social e Educação), tais impasses se traduzem numa
diversidade de problemas de expressão material e cotidiana, como por
exemplo, é o caso dos frequentes quadros de anomia, por ausência,
incompreensão e/ou falibilidade no exercício das funções normativas próprias
da autoridade social de cada instituição (FEBEMs, Escolas, Programas Sociais,
Famílias, etc.). Vazios dessa ordem, invariavelmente, se fazem acompanhar de
outro sintoma que é o da arbitrariedade, por abuso do subjetivismo e da
discricionariedade na solução de problemas do cotidiano. Também
característico do sistema um quadro de fragmentação, por excessiva
departamentalização dos serviços, mediados por procedimentos burocráticos
diferidos no tempo e sem uma linguagem comum que possibilite conexões e
comunicações rápidas e efetivas no atendimento interinstitucional ou, ainda,
um contexto de relacionamentos conflituados e tensos, por incompreensão dos
mecanismos de compartilhamento de poder inerentes à participação/gestão
democrática previstas no E.C.A. O produto perverso dessa combinação de
equívocos é invariavelmente a impessoalidade e desafetivização, por falta de
envolvimento e auto responsabilização de cada parte envolvida (incluindo
adolescentes infratores e familiares) e dos operadores do sistema com o
resultado dos seus comportamentos e ações. Em termos práticos, constitui-se
aí um fundo perdido em que se depositam diariamente incontáveis trajetórias
de vida, além do incomensurável desperdício de tempo e investimento público.

A questão da natureza jurídica da medida socioeducativa


.
A Justiça da Infância e da Juventude, ou mais especificamente, a Justiça
Penal Juvenil é, ao mesmo tempo, o ponto mais crítico desse quadro e um
observatório privilegiado pela topologia do sistema, caudatária que é de
trajetórias de vida que denunciam a sobreposição das lacunas internas aos
sujeitos, decorrentes do processo de formação (afetiva, ética, moral), com as
lacunas externas das políticas públicas que deveriam ser prestadas à
juventude (educação, cultura, esporte, lazer, etc.), as quais, desprovidas,
culminam por não obstruir a prática infracional que surge como complexa
manifestação dessas necessidades inatendidas.
E também desde esse ponto de vista a constatação de que, mesmo
abstraída a questão da disponibilidade e efetividade das políticas públicas de
atenção à juventude nas suas mais variadas vertentes (sobretudo educação,
lazer, esportes, assistência social e saúde mental), essa grave dissociação
entre o modelo de Justiça Social real e aquele implícito na nova lei decorre da
falta de clareza das funções institucionais da Justiça no seu nível mais radical,
ou seja, o de como as estruturas judiciais atuais ainda potencializam mais o
conflito que o pacificam, mais o sofrimento humano, que sua superação.
A questão que se coloca é, sempre e mais uma vez, o impasse a
respeito da natureza, conteúdo e finalidade da medida socioeducativa, dado
que, sem clareza quanto ao seu objeto, nenhum sistema institucional haverá
sequer de conseguir enxergar, muito menos de orientar-se na direção de seus
fins.
Não é, portanto, ao rol constatações relativas ao cumprimento ou ao
descumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente que se pode imputar
as dificuldades de avanço do Sistema Socioeducativo, senão que à questão
mais específica, e inerente à própria identificação da sua missão institucional,
decorrente do debate jurídico relativo à natureza da medida socioeducativa.
Essa talvez seja uma das maiores dívidas que os operadores jurídicos
do ECA vêm acumulando perante a cidadania em geral, e em particular para
com adolescentes infratores e suas vítimas, bem como perante os colegas de
outras áreas profissionais que igualmente operam no sistema de atendimento:
ao avocar para o território do jurídico (ou ao menos privilegiando o
protagonismo dos respectivos profissionais e teóricos) a competência para
“dispor” a respeito das conclusões desse debate, que se prolonga
indefinidamente, parecem fazer com que todos os demais segmentos sigam
aguardando e amargando os malefícios resultantes desse impasse, dos quais
são emblemáticos os exemplos antes arrolados.
Resumidamente, a controvérsia instala-se em torno de questões como:
- É possível garantir a prevalência dos objetivos pedagógicos das
medidas socioeducativas e evitar a vala comum do sistema penal dos adultos,
mesmo admitindo contenham carga retribuía de natureza penal?
- Ao não admitir sua natureza penal, não se estaria desconsiderando
todo o correspondente sistema de garantias constitucionais em prejuízo dos
jovens acusados?
- Desde o ponto de vista dos direitos humanos dos jovens acusados, que
ganhos e que perdas decorrem da opção ou não pelo sistema da
responsabilidade penal juvenil?
As consequências da indefinição relativa aos parâmetros jurídicos –
normativos e hermenêuticos – que devem nortear a aplicação e a execução
das medidas socioeducativas repercutem não apenas na jurisdição e nos
jurisdicionados, mas, sobretudo, afetam e entravam a administração das
políticas públicas de atenção ao jovem em conflito com a lei, que
possivelmente não apresentem melhores resultados no País por consequência
das decorrentes ambiguidades entre a proteção e a responsabilização do
infrator em conflito com a lei. Embora em terrenos diversos da atividade judicial
- de regra marcada pelo crônico ensimesmamento e alheamento das
instituições jurídicas quanto aos efeitos sociais das digressões doutrinárias e
jurisprudenciais – um debate semelhante pudesse estender-se
indefinidamente, sem que se lhe desse maior relevância, na questão da
jurisdição socioeducativa os custos sociais alcançam uma repercussão
espectral que perpassa todo o leque das políticas de atenção à infância e à
juventude, comprometendo o todo da sua organização e funcionamento. Esse
comprometimento, segundo Emilio Garcia Mendez (apud Saraiva, 2006),
ocorre porque,
Apesar do seu caráter quantitativo reduzido, a questão do
adolescente infrator possui um indubitável efeito contaminante
negativo sobre o conjunto das políticas sociais. Quem não
resolve este problema compromete todas as políticas sociais
para a infância em geral e os direitos humanos dos
adolescentes em particular. A questão do adolescente infrator
constitui um extraordinário termômetro da democracia.

Num quadro como este, portanto, não espanta a situação


frequentemente caótica, ou, no mínimo, a ausência de efetividade de um
sistema institucional que se propõe a promover a assimilação de normas e
limites pelos jovens, quando ele próprio se sustenta em bases normativas,
éticas e doutrinárias ainda insuficientemente explicitadas e objetivadas.
Evitando ceder à tentação de reinstalar aqui esse debate, que parece
fadado a produzir apenas um looping - fenômeno que a Teoria dos Sistemas
define por gerar muito calor e pouca luz - (Waddington, 1979). Vale dizer que a
clara e serena tomada de posição em favor da doutrina do Direito Penal Juvenil
de forma praticamente unânime por parte dos operadores jurídicos gaúchos foi
ingrediente indispensável ao ordenamento interno do sistema e ao
estabelecimento das bases sobre as quais veio a se assentar seu conseguinte
desenvolvimento3.
Muito ao contrário do que a invocação dos institutos e das referências
doutrinárias do Direito Penal dos adultos possa sugerir numa leitura superficial,
essas bases são assentadas sobre critérios rigorosos na garantia dos direitos
dos adolescentes em conflito com a lei. Como ensina Emílio Mendez (2001),

O modelo de responsabilidade penal dos adolescentes constitui


uma ruptura profunda, tanto com o modelo tutelar quanto com o
modelo penal indiferenciado, que hoje se expressa
exclusivamente na ignorante ou cínica proposta de redução da
idade na imputabilidade penal. Por sua parte, o modelo do ECA
demonstra que é possível e necessário superar tanto a visão

3
Tal ambientação favorável à assimilação doutrinária e intelectualmente propícia à qualificação
técnica e jurisdicional teve expressão em diversos atores e em diferente eventos científicos.
Atualmente, o Rio Grande do Sul apresenta expressiva contribuição acadêmica na matéria,
como demonstram as obras do Procurador de Justiça, ex-Presidente da FEBEM, Afonso Konzen
( ver KONZEN, Afonso Armando. Pertinência Socioeducativa: reflexões sobre a natureza jurídica
das medidas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005), da professora e também ex-presidente
da FEBEM, Ana Paula Motta Costa (ver COSTA, Ana Paula Motta. As Garantias Processuais e o
Direito Penal Juvenil como limite na aplicação da medida socioeducativa de internação . Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2005), além da abundante produção do magistrado João Batista
Costa Saraiva, cujos títulos, embora aqui não indicados pelo grande número disponível, são
referência na área.
pseudo-progressista e falsamente compassiva, de um
paternalismo ingênuo de caráter tutelar, quanto a visão
retrógrada de um retribucionismo hipócrita de mero caráter
penal repressivo. O modelo da responsabilidade penal dos
adolescentes (...) é o modelo da justiça e das garantias.

No que se refere à experiência de Porto Alegre, o fato é que essas


concepções passaram a servir como filtros às arbitrariedades dos atores do
sistema, ou das abusivas licenciosidades assentadas na inércia das
burocracias institucionais (a judicial entre elas), que passam a ser submetidas
assim de forma mais clara e enfática aos freios e salvaguardas do
procedimento processual penal, ou seja, permitindo uma nova abordagem no
exercício da jurisdição, agora melhor fundada na regulação objetiva da lei, da
doutrina e da jurisprudência penal. Já no âmbito administrativo, além de
conduzir à explicitação das regras pertinentes ao serviço (da inscrição dos
regimentos dos programas no Conselho Municipal de Direitos ao detalhamento
dos procedimentos técnicos para avaliação dos adolescentes), permitiram
maior compreensão e progressiva transparência dos movimentos técnicos e
institucionais que, sem levar em conta a pertinência jurídica da medida
socioeducativa, tendiam a produzir até mesmo “violações positivas” como por
exemplo ao valer-se dos mecanismos de coerção a ela inerentes como forma
de garantir o acesso do adolescente a políticas básicas ou de programas de
proteção especial que por outros meios lhe viriam sendo negados, bem como
de constrangê-lo, autoritariamente, a usufruir desses atendimentos.
Identificado desde a sua natureza jurídico-penal, o ingresso no Sistema
de Justiça passou a ser reconhecido como inerentemente violentador, seja no
sentido teórico de que é pela coerção judicial que se materializa o princípio do
monopólio estatal da violência, seja pelo sentido prático de que as estruturas
institucionais e seus mecanismos burocráticos tendem a suprimir a
individualidade do sujeito e a submetê-lo a uma ampla gama de violências
institucionais.
Foi somente a partir da superação desse perturbador impasse que pôde
transparecer uma outra dicotomia de semelhante relevância, agora atinente
não somente ao domínio jurídico, mas de natureza interdisciplinar, porque
atinente à atribuição de sentido ao próprio objeto do atendimento técnico
socioeducativo, dicotomia que, possivelmente, até então se mantinha oculta
por detrás do ruído provocado pela questão da natureza jurídica da medida.
Isso porque, tendo o sistema cumprido o requisito mínimo de assegurar, tanto
formal quanto materialmente, o ambiente normativo, operadores e usuários
podem usufruir de maior estabilidade institucional, a confiança pode voltar a
presidir as interfaces interinstitucionais, e a preservação e promoção das
garantias individuais, bem como de resultados sócio-educativos, passam a ser
a tônica da rotina. A partir de um contexto assim é que pode aflorar melhor a
questão: como dosar ingredientes que até então se propunham como
aparentemente paradoxais e antagonizantes como acolhimento e disciplina, ou
assistência e controle, ou afeto e limite, ou, enfim, como segurança e justiça?
Por detrás das respostas a essas indagações, suspeita-se, esteja a solução do
misterioso enigma, sempre cobiçado e nunca desvendado, que continua a
reluzir por detrás de cada invocação à ideia da “proposta pedagógica da
medida socioeducativa” – segredo que apesar de tudo ainda persiste velado
como uma das principais promessas incumpridas do ECA.
Antes de avançar, porém, será importante compartilhar mais
detalhadamente o percurso que permitiu a aproximação delas.

Superando a anomia: a normatização no âmbito das instituições do


Sistema de Justiça e de Atendimento Socioeducativo

A construção do componente normativo, inspirado em valores e radicado


na operacionalidade cotidiana, a par de solucionar questões de rotina
administrativa, de certo modo fez uma frente importante diante do quadro de
lacunas decorrente da inexistência de uma lei de execuções de medidas,
restringindo a larga margem de discricionariedade decorrente do conteúdo
naturalmente genérico dos dispositivos do E.C.A. relativos às medidas
socioeducativas e sua execução.
Assim, não apenas definiram-se questões de procedimento (como a
sistemática relativa às revisões das medidas privativas de liberdade em
audiência), mas também, de forma solidária e sistêmica, tal experiência foi
compartilhada, por exemplo, com a FASE – Fundação de Atendimento
Socioeducativo (antiga FEBEM), com a regulamentação dos programas de
atendimento (registrados no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do
Adolescente em dezembro de 1998), e seu detalhamento na especificação de
rotinas e procedimentos técnicos e institucionais, denominada PEMSEIS –
Programa de Execução das Medidas Socioeducativas de Internação e
Semiliberdade -, que estabelece, por exemplo, a forma e conteúdo a serem
observados como requisitos para elaboração do relatório avaliativo – que
representa a contraparte técnica e institucional do procedimento de avaliação
judicial.
E mais além do quanto se andou no campo judicial, ou da privação da
liberdade, esse percurso é abrangente também de uma profunda reformulação
das execuções das medidas de meio aberto, mediante intensivos esforços
interinstitucionais que, a partir do ano 2000 permitiram a desjudicialização do
atendimento mediante a criação, pela FASC – Fundação de Assistência Social
e Cidadania do Município de Porto Alegre, do Programa Municipal de Execução
de Medidas Socioeducativas de Meio Aberto – PEMSE, requerendo todo um
processo de engenharia política e jurídica.
A par disso também se deu também um processo de recomposição e
redefinição de atribuições da equipe técnica, de ressignificação do lugar
institucional do Juizado da Infância e Juventude no concerto político e
administrativo da rede de atendimento, ou, ainda, do papel do Juiz como
personagem (não personalidade) do concerto interinstitucional.
Essas experiências envolveram a reorganização cartorária
(reformulações no lay out do espaço físico, redistribuição de tarefas, delegação
de poderes e responsabilidades), consultoria de gestão para a sistematização e
normatização, sempre em regime de elaboração participativa - de rotinas e
procedimentos (tanto interna quanto interinstitucionalmente).
Em termos práticos, essa trajetória, que começa por uma “arrumação da
casa”, literal e simbolicamente falando, deságua, mais recentemente, na
introdução das denominadas práticas restaurativas como questão de princípio
e de metodologia - tanto na jurisdição quanto no atendimento técnico nas
práticas institucionais – tema que se apresenta como ponto de convergência de
todas as linhas de reflexão e de argumentação com que se tece este relato.
No entremeio desse processo evolucionário situam-se diversas
experiências pontuais, adotadas como expressão do que se pode interpretar,
ao longo desse tempo, como sendo a transposição para a prática do ideário
ético e propositivo da Doutrina da Proteção Integral e do Estatuto da Criança e
do Adolescente para o campo da jurisdição penal juvenil.
Destas experiências, destacam-se:
Sensibilização do corpo técnico e administrativo através de reuniões,
textos, filmes, trabalhos em grupo, etc., visando mudança de cultura;
Qualificação dos servidores através de cursos de informática e gestão
da qualidade em serviços;
Consultoria para a gestão do serviço, fluxogramas, procedimento
operacional padrão;
Unificação dos processos de execução das medidas socioeducativas,
viabilizando a integração no atendimento do adolescente – evitando-se a
pulverização do acompanhamento;
Mudança no “layout” interno – permitindo que as pessoas envolvidas no
processo começassem a circular mais, conhecendo-se melhor a
interagindo de forma mais efetiva, em benefício da qualidade do
atendimento;
Criação de padrões operacionais que normatizam e dão visibilidade às
ações cartorárias e técnicas - os processos tornaram-se mais ágeis
frente à uniformização e sistematização dos procedimentos;
Novas rotinas de atendimento jurisdicional através da organização de
pautas de audiências orientadas aos momentos cruciais da execução
das medidas socioeducativas – o ingresso do adolescente no sistema de
execução das medidas, a reincidência, a busca e apreensão, regressão
de medidas e a reavaliação (no curso da execução, para eventual
progressão, manutenção ou regressão de medida) – o que ensejou
agilidade e concentração de esforços das diversas institucionalidades
envolvidas no processo na resolutividade das situações.
Preparação das circunstâncias administrativas implicadas no
atendimento técnico municipalizado, revisando-se as práticas diárias
cartorárias e sócio-pedagógicas – o exercício de antecipação de uma
nova relação do Judiciário com o Executivo, que passa a ser o
responsável pelo Programa de Execução de Medidas Socioeducativas
de Meio Aberto;
Integração de fluxos de intervenção técnica no que se refere ao
cumprimento de medida em relação aos procedimentos das demais
Varas (1ª e 2ª) do Juizado Regional da Infância e Juventude e também
com a Justiça Instantânea do Centro Integrado da Criança e do
Adolescente, porta de entrada dos adolescentes em conflito com a lei no
Sistema de Justiça.
Designação de técnicos judiciais para integrarem o Programa Municipal
de Execução de Medidas Socioeducativas de Meio Aberto;
Designação, além dos técnicos judiciais, de oficiais de proteção para
atuação comunitária em apoio ao Programa Municipal de Execução às
medidas socioeducativas de meio aberto;
Consolidação de um espaço permanente de discussão de fluxos das
intervenções judiciais, administrativas e técnicas entre 3 ª Vara do JRIJ e
o Programa de Execução de Medidas Socioeducativas de Meio Aberto e
também com a FASE, responsável pela execução dos programas de
privação de liberdade – constituição da sistemática das reuniões de fluxo
entre estas diversas institucionalidades, envolvendo ainda
representação da Justiça Instantânea;
Contribuição na constituição e participação ativa no Conselho Gestor do
PEMSE, instância de articulação técnica e política das condições de
funcionamento do Programa Municipal de Execução de Medidas
Socioeducativas de Meio Aberto que guarda estreita relação com as
organizações governamentais, não governamentais e Conselho de
Direitos relacionados ao atendimento da juventude;
Replicação da iniciativa da 3ª VJRIJ quanto à municipalização do
atendimento das medidas socioeducativas de meio aberto nas
perspectivas de implantação de estratégias de municipalização em todo
o Estado - Proposição, junto ao Conselho de Supervisão da Infância e
Juventude (CONSIJ), de levantamento de dados sobre a situação
estadual do acompanhamento das medidas socioeducativas de meio
aberto para a obtenção de condições de informações a base das quais
se podem articular esforços em prol da iniciativa da municipalização.
Testagem e progressiva introdução de procedimentos restaurativos em
processos judiciais, iniciados em 2002 com o “Caso Zero”4, e a partir de
então reproduzidos de forma ocasional, até iniciar sua aplicação
sistemática através do piloto do projeto Promovendo Práticas
Restaurativas no Sistema de Justiça Brasileiro.

Embora vividas cada qual a seu tempo e aparentemente limitadas ao


respectivo contexto operacional, cada uma dessas iniciativas pontualmente
experienciadas – e assim as reflexões e aprendizagens que agregam -
guardam organicidade em relação a um processo mais amplo, sistêmico e
estruturante de transformações, cujos efeitos, se ainda escapam às
quantificações concretas, evidenciam de caráter indelével visto que radicadas
na construção de uma nova cultura.

Punição, Tratamento e Justiça: a Justiça Restaurativa.

O aprendizado mais profundo acumulado no relatado processo de


adequação das execuções socioeducativas ao E.C.A. não se resumiram,
assim, na persistente efetivação da doutrina da proteção integral ou nos efeitos
da aplicação prática da doutrina do direito penal juvenil, mas numa profunda
reflexão a respeito da própria operação da Justiça na regulação dos
comportamentos transgressores, que foi desaguar nos achados da Justiça
Restaurativa.

Essa reflexão evidencia que as práticas tradicionais da Justiça enfatizam


a apuração de culpados e a imposição de punições ou, eventualmente, tendem
à aplicação de medidas terapêuticas como resposta sancionatória à violência e
às transgressões. As práticas punitivas apresentam-se cultural e juridicamente
disseminadas como expressão legitima da vingança pública, ou seja, aquela
exercida pelo Estado em nome da sociedade – ou por quem quer que, nalgum
momento, detenha o poder de fazer Justiça em nome de alguma comunidade –
fundamentada na crença de que o sofrimento pode servir como estratégia

4
Sobre o “Caso Zero” está disponível relato sumario no site do Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul no link http://jij.tj.rs.gov.br/jij_site/jij_site.home sob o título De volta para casa:
relato de uma experiência de Justiça Restaurativa , por Leoberto Brancher.
pedagógica para a adequação de comportamentos.

Tais soluções vêm sendo duramente criticadas pela sua ineficácia em


produzir os resultados objetivados – redução da violência e dos índices de
reincidência, além de produzir efeitos secundários indesejados como a
estigmatização e exclusão social do infrator, a violação dos seus direitos
humanos, e, como consequência disso, a amplificação da violência adotada
como metodologia pelo próprio sistema.

Como reação às consequências perversas das práticas punitivas,


surgem, num outro extremo, propostas pela pura e simples abolição das
normas penais ou, de forma mais cautelosa, correntes que enfatizam práticas
reabilitadoras ou terapêuticas como alternativas às punições.

Tais práticas também recebem críticas porque também não respeitariam


a autonomia e a capacidade do infrator, relegado à condição de sujeito passivo
de um tratamento, tendendo à sua desresponsabilização já que, enfatizando
excessivamente as necessidades do infrator, desconsideraria as
consequências da infração com relação à vítima e à sociedade.

O que se tem a aprender é que não se trata de rejeitar a um ou a outro


desses elementos, senão que articulá-los cuidadosamente, numa combinação
compatível com a concretude do caso, num ajuste para o qual não se pode crer
em ninguém melhor qualificado do que as próprias partes interessadas e
respectivas comunidades. E com a identificação de qual seja o termo médio
dessa equação se abre uma nova perspectiva não somente para o direito
punitivo, de uma maneira geral, mas também para as medidas socioeducativas,
em particular. E o que se propõe como um achado dos teóricos da Justiça
Restaurativa nesse ponto é que, ao invés de versar sobre transgressões e
culpados, o processo considere danos, responsáveis e prejudicados pela
infração. O gráfico adiante ilustra com precisão os resultados das diferentes
combinações dos vetores das políticas públicas relacionados à segurança e
justiça numa determinada realidade social. Conforme maior ou menor a
dosagem entre os ingredientes de “controle” (ou de imposição de limites – que
não podem ser confundidos com castigo ou punição) – e os de “apoio” (ou de
sustentação e assistência ao infrator, que não podem ser confundidos com
imposição de tratamento), emergem contextos de controle social diversos,
denominados de “Janelas de Disciplina Social” pelos autores Paul McCould e
Ted Wachtel (2003):

Para os autores,
A abordagem restaurativa, com alto controle e alto apoio,
confronta e desaprova as transgressões enquanto afirmando o
valor intrínseco do transgressor. A essência da justiça
restaurativa é a resolução de problemas de forma colaborativa.
Práticas restaurativas proporcionam, àqueles que foram
prejudicados por um incidente, a oportunidade de reunião para
expressar seus sentimentos, descrever como foram afetados e
desenvolver um plano para reparar os danos ou evitar que
aconteça de novo. A abordagem restaurativa é reintegradora e
permite que o transgressor repare danos e não seja mais visto
como tal (McCould e Wachtel, 2003).

Ao contrário da Justiça Tradicional, que se ocupa predominantemente da


violação da norma de conduta em si, a Justiça Restaurativa ocupa-se das
consequências e danos produzidos pela infração. A Justiça Restaurativa
valoriza a autonomia dos sujeitos e o diálogo entre eles, criando espaços
protegidos para a auto expressão e o protagonismo de cada um dos envolvidos
e interessados – transgressor, vítima, familiares, comunidades na busca de
alternativas de responsabilização. Partindo daí, fortalece e motiva as pessoas
para a construção de estratégias para restaurar os laços de relacionamento e
confiabilidade social rompidos pela infração. Enfatiza o reconhecimento e a
reparação das consequências, humanizando e trazendo para o campo da
afetividade relações atingidas pela infração, de forma a gerar maior coesão
social na resolução do conflito e maior compromisso na responsabilização do
infrator e no seu projeto de colocar em perspectiva social seus futuros modos
de interagir. Como na Justiça Restaurativa o foco muda do culpado para as
consequências da infração, embora o ambiente de respeito para com a
dignidade – capacidade e autonomia - do infrator, é a vítima quem assume um
papel de destaque. Além disso, objetiva-se sempre a participação da
comunidade. Procura-se mobilizar o máximo de pessoas que se mostrem
relacionadas às partes envolvidas no conflito ou que possam contribuir na sua
solução, abrindo espaço à participação tanto de familiares, amigos ou pessoas
próximas do infrator ou da vítima, bem como de representantes da comunidade
atingida direta ou indiretamente pelas consequências da infração.

Colocados em prática, esse conjunto de novos pressupostos permite


iluminar e revigorar todo o leque de experiências relacionadas à aplicação e ao
cumprimento das medidas socioeducativas – seja com relação aos operadores
do sistema, seja com relação as partes do processo.

Da experiência concreta, a expressão dos próprios sujeitos envolvidos é


emblemática quanto aos significados da participação em práticas restaurativas,
sejam eles destinatários finais da atuação do Sistema de Justiça, como
adolescentes, seus familiares, vítimas e seus familiares, sejam operadores
técnicos5:
Falei sobre tudo, falei sobre o meu arrependimento de ter feito
isso com ele, que não era a minha intenção ter feito isso com
ele, que não era a minha intenção ter batido o carro dele, que
não era ter tirado esse carro dele. (Adolescente, autor de roubo
de automóvel – falando sobre sua experiência no círculo
restaurativo)

Eu tive um conjunto de coisas que até me fez bem sabe! Já


pensou alguém te dá um tapa e tu não sabe quem foi, vai
embora e tu não vê, tu vai ficar com aquele negócio, de quem
te fez alguma coisa; foi bom, foi ótimo(...) (Vítima de roubo,
sobre sua possibilidade de elaborar melhor seu processo de
vitimização a partir do encontro com o adolescente)

Por ela ser minha amiga agora e não olhar mais com cara feia

5
Depoimentos colhidos através da Pesquisa que está acompanhando, sistematizando e
avaliando as práticas de Justiça Restaurativa implementadas pela 3ª. Vara do Juizado Regional
da Infância e Juventude de Porto Alegre, sob a coordenação da Profa. Dra. Beatriz Aguinsky, do
Núcleo de Pesquisas e Estudos em Ética e Direitos Humanos – NUPEDH - da Faculdade de
Serviço Social da PUCRS, sendo preservada a identidade dos informantes de acordo com as
exigências da ética na pesquisa social.
para mim (Adolescente, 14 anos, autor de furto, – explicando
porque foi importante para ele ter participado do círculo
restaurativo, referindo-se a sua relação com a vítima)

Eu achei que foi legal. O “X” – adolescente - me pediu


desculpa. Apertou minha mão lá, da minha mãe. E prometeu
que não fazer mais, né. A mãe dele ficou bem sentida com tudo
que tinha acontecido, daí ele pegou e pediu desculpa também
(Adolescente 14 anos, vítima de furto, avaliando a experiência
do círculo restaurativo).

Eu acho que ele viu, que “caiu a ficha” dele, que não leva a
nada, que disto aí só teve prejuízo para ele e para mim, eu
acho que ele se reestruturou, acho que ele não volta mais a
cometer este tipo de delito, pelo que eu senti, é uma pessoa
que ficou muito arrependida, ele olhou diversas vezes, nestas
últimas audiências, dentro dos meus olhos, eu vi que ela tava
bem arrependido (Vítima de roubo, avaliando a experiência do
círculo restaurativo).

Eu definiria a justiça restaurativa como um conhecimento


qualificado, bem experimentado (...) que nos facilita a (...)
abordar a questão de conflitos, entendeu, de uma forma que as
pessoas se conectam facilmente com aquilo que a gente tá
propondo, (...) que abre as portas pra não ser alguma coisa
muito institucional, e sim humaniza as relações. (Coordenador
de Círculo Restaurativo designado pelo Executivo Municipal
para o Projeto, refletindo sobre o significado da Justiça
Restaurativa).

A forma que a gente trata e que está fazendo os encontros


restaurativos dentro da instituição hoje, (...), eles já estavam lá
no Estatuto, de garantir o protagonismo, que a rede pudesse
ser envolvida, que o meio aberto estivesse assumindo a sua
responsabilidade ao término da internação. Mas como que a
gente ficava tão fechada dentro da internação que achava -
bom tá bem, eu fiz isto aqui, o que me cabe é isto! – Mas, e aí?
E aí que a gente vem vendo que o índice de reincidência é
altíssimo. Por quê? Porque é um momento que a gente não
consegue com que as pessoas se responsabilizem pelo ato
infracional e que a própria instituição não se responsabilize por
esta mudança de comportamento por esse suporte que deve
ser dado para que ele possa efetivamente achar outra forma de
resolver os conflitos dele que não seja estratégias que ele
vinha usando até então (Coordenadora de Círculo, designada
pelo Executivo Estadual para o Projeto, refletindo sobre os
limites da intervenção das instituições do Sistema de
Atendimento Socioeducativo a luz do paradigma retributivo).

2 – Ponto de mutação - da densidade institucional à contribuição criativa


na qualificação do Sistema de Atendimento Socioeducativo: as práticas
de Justiça Restaurativa
Ao início de 2005, viabilizaram-se os meios para a introdução das
práticas restaurativas no âmbito dos processos judiciais da 3ª Vara, em
parceria com a Secretaria da Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça e o
PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, decorrente da
escolha de Porto Alegre para sediar um dos 3 pilotos do projeto Promovendo
Práticas Restaurativas no Sistema de Justiça Brasileiro.
Esse projeto foi o disparador de um conjunto de atividades que
evoluíram significativamente ao longo do ano, mas que tiveram como principal
produto a criação de um grupo de trabalho interinstitucional incumbido da
gestão e planejamento do projeto, integrado por servidores do Poder Judiciário
(3ª Vara da Infância e Juventude ), FASE - Fundação de Atendimento
Socioeducativo (ex-FEBEM), FASC - Fundação de Assistência Social e
Cidadania do Município de Porto Alegre, e SMDHSU - Secretaria Municipal de
Direitos Humanos e Segurança Urbana (Guarda Municipal).
Denominado “G11”, pela feição de ser composto por 11 membros das
diversas instituições envolvidas, esse grupo foi o destinatário das capacitações
para a coordenação de círculos restaurativos e responsável pela elaboração de
procedimentos e implementação das práticas restaurativas nos processos
judiciais, além de servir à integração interinstitucional e apoiar diversas
atividades relacionadas ao projeto.
A composição interinstitucional desse grupo respeitou a concepção
holográfica do plano estratégico originalmente concebido6, procurando agregar
profissionais representativos dos diversos segmentos a serem
progressivamente envolvidos, com vistas à irradiação do conhecimento
recebido e de informações sobre o andamento do projeto nos respectivos
espaços profissionais.
Também participaram ativamente desse grupo, embora com funções
diferenciadas, a Coordenadora de Pesquisa da Faculdade de Serviço Social da

6
O referido planejamento, elaborado no âmbito do Núcleo de Estudos em Justiça Restaurativa
da Escola Superior da Magistratura da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul – AJURIS,
contemplava a necessidade de desencadear-se a difusão e implementação das práticas
restaurativas, de forma sistêmica, mediante etapas que contemplariam gradualmente (1) os
processos judiciais (2) o atendimento socioeducativo, (3) as escolas e (4) a comunidade.
PUC e assistentes de Pesquisa, além do Juiz, da Promotora e da Defensora
Pública da 3ª Vara.
Ancorado e alavancado o processo na parceria com a SRJ/PNUD,
sucedeu-se, a partir de agosto de 2005, o início da execução do projeto
“Justiça para o Século 21”, apoiado em recursos financeiros do Programa
Criança Esperança, da UNESCO/Rede Globo.
Esse projeto voltou-se à incorporação e implantação de práticas
restaurativas no âmbito do atendimento técnico das medidas socioeducativas
(FASE e FASC), mas, respeitando a concepção sistêmica do planejamento
original, também já antecipou a inclusão de representantes da área da
educação.
A execução desse projeto teve seu marco inicial com a realização de um
“Curso de Práticas Restaurativas”, com 61 participantes representantes de
escalões técnicos e gerenciais das instituições parceiras, bem como de
servidores que atuam na ponta do atendimento a crianças e jovens em 28
espaços estrategicamente escolhidos, abrangendo 6 Unidades de Privação da
Liberdade (FASE), 8 Centros Regionais de Atendimento das Medidas
Socioeducativas de Meio Aberto (PEMSE/FASC), 6 Escolas Estaduais (SE) e 8
Escolas Municipais (SMED) .
Entre inúmeras atividades de divulgação, mobilização e articulação já
viabilizadas com os recursos investidos neste projeto, destacam-se:
A formação de um colegiado de coordenação interinstitucional;
A formação de um “grupo de referência”, denominado G60 e
integrado pelos multiplicadores participantes do Curso de Formação
em Práticas Restaurativas
A realização do Curso de Práticas Restaurativas, fornecendo um
programa de referência para futuras novas atividades de formação
(já testado com sucesso com uma turma com 45 Guardas
Municipais, com apoio do PNUD)
A formalização de um Protocolo de Intenções abrangendo o
compromisso de 18 instituições engajadas na promoção de práticas
restaurativas
A criação de um site do projeto (www.justica21.org.br), destinado à
difusão de conteúdos e interação entre o pessoal envolvido;
A criação de grupos de trabalho internos a cada instituição parceria
para promoção dos objetivos do projeto (FASE, FASC, Sec. Estadual
Educação e Sec. Municipal da Educação).
O compromisso institucional com a criação de grupos de estudos em
cada um dos citados 28 espaços institucionais de implementação
experimental das práticas restaurativas.
A principal acumulação que se tem nesse processo é a deflagração,
possivelmente irreversível, de um processo de difusão e implantação dos
princípios e práticas da Justiça Restaurativa como um insumo do trabalho nas
mais diversas políticas públicas de atendimento a crianças e adolescentes de
Porto Alegre.
Como os princípios da Justiça Restaurativa repousam em valores, vale
referir o quanto a articulação das aqui relatadas novas possibilidades de
sentido ético com os usuais lugares, saberes e fazeres institucionais e sociais
que habitam o campo do socioeducativo estão referidas às perspectivas de
uma nova ética e a uma nova ótica que a Justiça Restaurativa propõe para o
atendimento dos adolescentes em conflito com a lei.
Conforme destacam Marshall et. al. (2005, p. 270-1)
(...) os processos de justiça podem ser considerados
“restaurativos” somente se expressarem os principais valores
restaurativos, tais como: respeito, honestidade, humildade,
cuidados mútuos, responsabilidade e verdade. Os valores da
justiça restaurativa são aqueles essenciais aos
relacionamentos saudáveis, equitativos, e justos. (...) Deve-se
enfatizar que processo e valores são inseparáveis na justiça
restaurativa. Pois são os valores que determinam o processo, e
o processo é o que torna visíveis os valores. Se a justiça
restaurativa privilegia os valores de respeito e honestidade, por
exemplo, é de crucial importância que as práticas adotadas
num encontro restaurativo exibam respeito por todas as partes
e propiciem amplas oportunidades para todos os presentes
falarem suas verdades livremente. Por outro lado, conquanto
estes valores sejam honrados, há espaço para vários
processos e uma flexibilidade de práticas.

Assim, não se pretende cogitar uma proposta de Justiça Restaurativa


que fundamente eticamente e qualifique política e tecnicamente a execução de
medidas socioeducativas que reivindique a condição de um modelo de trabalho
eventualmente aplicável, de maneira infinita, neste complexo campo, nas
diferentes realidades locais, econômicas, sociais e culturais.
Seja como for, a experiência vem demonstrando que os processos de
Justiça Restaurativa na execução das medidas socioeducativas nos ensinam a
cuidar dos valores que remetem à humanização da própria Justiça e do
Sistema de Atendimento. Pode-se considerar que o acúmulo aqui relatado
encontrou condição de possibilidade através de uma ética restaurativa: uma
ética de inclusão, de responsabilidade social partilhada, que promove o
desenvolvimento da responsabilidade ativa, essencial à aprendizagem da
democracia participativa, ao fortalecer indivíduos e comunidades para que
assumam o papel de pacificar seus próprios conflitos e interromper as cadeias
de reverberação de violência.

Por fim, e não menos importante, de todo aprendizado ora


compartilhado, destaca-se a importância da integração em rede: para ter
chance de sucesso, as práticas restaurativas deverão ocorrer em ambiente
culturalmente propício à sua absorção. Por isso, no campo institucional,
reconheceu-se que a iniciativa de introdução da Justiça Restaurativa na rede
de atenção à infância e juventude de Porto Alegre não poderia ser restrita ao
Poder Judiciário, senão deveria ter uma concepção abrangente e integrada das
diferentes políticas implicadas, até aqui identificadas, fundamentalmente, como
sendo:

1 Justiça
2 Segurança
3 Assistência Social
4 Educação
5 Saúde

Outra contribuição fundamental para o avanço do processo, na mesma


linha, e que não poderia deixar de ser mencionada, uma vez que testemunha
por uma nova solidariedade no Sistema de Atendimento, foi a formalização de
um coletivo interinstitucional voltado à gestão compartilhada do processo de
implantação nas políticas públicas voltadas à infância e da juventude de Porto
Alegre.
Originalmente concebida como instância do projeto Justiça para o
Século 21 em si, passou a absorver temáticas do processo de implantação da
JR nas políticas de atenção à infância e juventude em Porto Alegre como um
todo.

Considerações finais

O significado mais profundo que se extrai da experiência de todo um


processo de mudança que vem sendo levado a efeito na jurisdição da
execução das medidas socioeducativas, radica-se na transposição, para a
prática cotidiana, do ideário ético e propositivo da Doutrina da Proteção Integral
e do Estatuto da Criança e do Adolescente para o campo da jurisdição penal
juvenil.
De tal modo, e de forma paradoxal por se aplicar a um contexto
institucional já por si só eminentemente normativo, e mais ainda porque voltado
exatamente à normatização dos sujeitos, esse processo de transformação
passa a impregnar os afazeres da jurisdição socioeducativa a partir de um
conjunto de novos saberes em que a voz da autoridade dá lugar para a
aprendizagem compartilhada.
O que se vê emergir daí é uma nova legitimidade (e, com ela,
possivelmente uma nova concepção de autoridade), sobretudo porque,
erguendo-se desde a dimensão dos valores, essas concepções se mostram
vocacionadas a impregnar a cotidianidade prática de todo o sistema com muito
mais coesão e eficácia do que o alcançaria qualquer mecanismo normativo –
modelo que tradicionalmente se instala através de uma cultura de prescrição,
fiscalização, controle e sancionamento, em regra impregnada,
transversalmente, de toda sorte de autoritarismos.
Abordada do ponto de vista individual, o caráter estruturante da
experiência decorre de que, estando de tal modo radicada no valor, antes que
na norma, não se submete à retórica burocrática, visto que a ética,
eminentemente vivencial, se revela irredutível ao discurso meramente
apropriativo.
Portanto, ao exigir rigorosa coerência entre discurso e atitudes como
requisito de sustentabilidade profissional (consequência natural do processo de
democratização da autoridade) e porque dado num ambiente
permanentemente tencionado (ou seja, com grande potencial amplificador dos
acertos, falhas, ou dos meros lapsos, como é o caso da execução das medidas
de privação da liberdade), essas novas práticas se tornam exigentes também
de um alto grau não só de engajamento, mas até mesmo de transformação das
relações intra-pessoais e interpessoais dos operadores envolvidos.

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