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Desde pequenos, somos postos em contacto com dois conceitos que irão

acompanhar toda a nossa vida. Entre muitos outros, é claro, mas que se
revestem de particular relevância: o Bem e o Mal (por oposição obrigatória, a
que todas as conceptualizações estão sujeitas).
Até hoje conhecemos várias propostas de abordagem conceptual, entre
as quais se distinguem as mais marketizadas e enraizadas na nossa civilização,
como: as religiosas, morais, éticas, filosóficas, poéticas e/ou as mais subjetivas:
egoístas, altruístas, circunstanciais (tentativas de objectivação), narcísicas,
teorizações colectivas e grupais - baseadas em efeitos de 'bem maior', 'benefício
comum', 'bem estar social', 'deontologia humanitária' a uma escala
civilizacional e evolucionista, etc…

Podia refletir à cerca da proposta homogeneizadora religiosa que indica


um mesmo caminho a seis biliões de 'almas' únicas e distintas entre si, ao invés
de uma proposta de encontro individual, de cada sujeito com a existência ou à
cerca da inflexibilidade e hipocrisia das teorias moralistas, que, portanto, nunca
são adaptáveis, mas antes adaptantes (do sujeito ao comportamento esperado
pelos que o rodeiam), ou relativamente à 'insustentável leveza' das elaborações
poéticas (por si só).. e por aí em diante..

Mas, tal como Siddartha disse ao Buda Gotama: que apesar de estimar a
sua filosofia de vida, teria ele próprio, partindo do mesmo ventre humano, de
encontrar a sua ética existencial, também eu senti necessidade de encontrar o
meu entendimento à cerca destes conceitos (fundamentado no de muitos outros,
vivos e que já viveram) e é isso que proponho a cada um. O mesmo que a mim
mesmo… por não ser capaz de melhor, nem de pior e considerar essa a
perspectiva mais honesta, pelo menos!

Assim, hoje acredito que quase todo o Mal tem que ver com a Indiferença e
todo ele tem como base alguma indiferença (ainda que, por vezes seja relativa e
direcionada ao próprio e às suas necessidades, nas maldades que cada um
inflige a si mesmo, direta ou indiretamente).
No reverso da medalha, o Bem tem as suas origens na capacidade de nos
colocarmos 'na posição do Outro', de não lhe sermos indiferentes! Acredito
que, assim sendo, para praticar o bem, o sujeito não pode ser indiferente a si
próprio, pois só ao ser auto-consciente, ao ser capaz de se dar conta de si
mesmo possibilitará dar-se conta dos outros. Aí terá de escolher fazê-lo, ou
não. O que eu acredito que dependerá muito da extensão em que cada um
considera os outros merecedores de tal atenção, estando este critério
dependente da história pessoal de cada um e da medida em que considera ter
sido prejudicado ou encorajado pelos ‘Outros’, na medida em que considera
que os outros o viabilizaram ou inviabilizaram e portanto se são viabilizantes
ou inviabilizantes, sujeitos merecedores de estima ou ódio, amor ou amargura,
simpatia ou agressividade… numa escala que se tenta a afigurar recíproca.

Nos atos de 'maldade' podemos dar-nos conta de que o sujeito que os


pratica não terá sido capaz de ter estima, empatia, simpatia, pelo sujeito alvo da
sua maldade. Não foi capaz de se identificar positiva e construtivamente com
ele, de se pôr no seu lugar. Antes pelo contrário, fez uma identificação
negativa e destrutiva projetou nele tudo que odeia no mundo e em si próprio, e
cuja presença não admite em si, arranjando assim um bode para se expiar de
todas as culpas, ódios e medos irracionais e primários. Maltrata esse Outro que
não vê como um potencial 'Eu'. Não o imagina como sujeito da mesma
constituição psíquica básica, com os mesmos desejos, afectos e medos, e assim,
não se dando conta de si próprio, deposita sentimentos de inferioridade,
humilhação, raiva, ódio e revolta nos ‘objetos’ que maltrata e lhe dá prazer,
num sentimento perverso de legitimidade, maltratar.

Existe uma posição de desidentificação pressuposta nesta 'maldade'. É


mau quem trata os outros de uma forma da qual não gostava de ser tratado ou
de uma forma desajustada e injusta da qual acreditamos que devia ‘poupar’ o
outro, abstendo-se das suas ações. Cujo princípio, meio e fim subjacente
consideramos corrupto, desprezível, nojento, desumano, irracional ou mesmo
animal (metaforicamente falando, já que também nós somos animais e ainda
assim, aqueles capazes das maiores barbaridades. E também das coisas
mais sublimes, faça-se justiça!).
Quem maltrata ou agride o próximo não lhe reconhece a mesma dignidade que
reclama para si próprio, ou seja, coloca-se numa posição de superioridade e
desprezo face ou outro, ao qual não reconhece semelhança, paridade, equidade
e muito menos igualdade...

No reverso da medalha temos o Bem, A bondade, os Bons tratos (em


oposição aos maus tratos) e não podemos deixar de notar que, quem os pratica
trata os outros como acredita que eles gostavam de ser tratados, ou como se
tratariam a si próprios, ou como se tratam a si mesmos, ou como o próprio se
trata, pelo menos! E, deste modo, conseguimos inferir que são capazes de
compreender o Outro e as suas necessidades, porque o veem não como um 'Tu
distante e diferente', ao qual devem ser indiferentes, mas antes como um Eu.
Bastante idêntico a si próprios e merecedor 'potencial' (até prova em contrário)
dos bons tratos que julgamos merecer. Coloca o Outro numa posição em que o
vê como seu semelhante (não igual e por isso digno de trato adaptado e
adaptável) e nunca como um alvo a suprimir, a abater ou a maltratar ou a
humilhar, mas antes digno da sua dignidade (reforçando esta redundância que
considero necessária e merecida) …
Para não ser maçador e com um desejo verdadeiro de conhecer e conversar
com aqueles que gostaram de me ‘ouvir’ até aqui, vou finalizar com uma
conclusão que considero de valor vital.
Na medida em que cada sujeito é, em parte, aquilo que os ‘Outros’ lhe
permitem ser e noutra parte aquilo que, em toda a sua contingência
circunstancial, este se permite ser, também alguns seres humanos são bons
porque lhes permitiram (e eles próprios se permitiram) ser dessa forma e
outros são maus porque nunca lhes foi permitido ser doutra forma, ou eles
próprios nunca o desejaram verdadeiramente.
Para mim, quase numa relação linear, as pessoas mais agressivas e ‘Más’, são
também as que foram vítimas dos piores maus tratos. Nunca conhecendo
outro afecto e tendo de aceitar esse afecto agressivo, mesmo como forma única
de responderem e sobreviverem num ambiente hostil, essas pessoas nunca
aprenderam a comportar-se de outra forma, porque não foi doutra forma
(mas dessa) que os outros se comportaram com eles!
‘Filho de peixe sabe nadar’, porque viu o pai peixe nadar e aprendeu. Assim
como os filhos do ódio aprendem a odiar, os filhos da dor a bater, e os
filhos do amor a amar!
Para que cada um seja bom, ou para que seja o seu best-self, ou para poder ser
ele próprio, no encontro com o sonho que sonhou para si, é necessário que
existam condições que o permitam, que o viabilizem! E, (sem arrogância) essas
condições são as pessoas que nos rodeiam e nós mesmos. Enquanto objectos
Externos e Internos!
Assim sendo, o Inferno somos nós? O Inferno são os Outros? Serão os
outros para nós e nós para os Outros?

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