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Metaforicamente, os homens que conheciam 1000 palavras eram sensíveis a

menos uma porção da realidade do que os que conheciam 1001 e assim se


sucedeu até hoje. Ainda assim, é necessário valorizar entre várias variáveis, a
capacidade de fazer interatuar, de correlacionar e associar esses diferentes
conceitos e ‘símbolos’ linguísticos.

O vocabulário aumentou à medida que aumentou a nossa sensibilidade ao mundo


exterior e interior, aumentou por necessidade de um e de outro se exprimirem, de
se entenderem, de se darem a conhecer e de conhecerem o que os rodeava.
O ser humano é racional, relacional e comunicacional e tudo isto advém de ser o
bicho da palavra. O bicho que desenvolveu melhores e mais eficazes formas de
cooperação e entendimento do que os outros bichos, que, ainda assim, não podem
ser menosprezados, mas, antes pelo contrário, devem ser admirados. Como
exemplo, pode referir-se o caso das formigas que, trabalhando organizadamente
aos biliões, constroem morros com vários metros de altura, algo
proporcionalmente mais surpreendente do que os nossos arranha-céus.

Pouco a pouco, frustração após frustração seguida da metabolização da mesma e


de subsequente concretização, os homens desenvolveram novos verbos,
adjetivos, advérbios ou tempos verbais. Enfim, foram desenvolvidas as principais
ferramentas civilizacionais e empáticas que temos, as nossas ferramentas de
partilha. Foram desenvolvidas as palavras! Passamos a poder pensar no passado e
no futuro e mais tarde em diferentes tipos de futuros e passados. O passado que
foi, o passado que era e o passado que seria ou que podia ter sido. Tudo para que
pudéssemos acabar com a frustração e ansiedade derivadas da solidão motivada
pela não compreensão.

Como seres humanos, acho que é das partes que me fascina mais no que somos.
Termos todos partido em pé de igualdade de organismos unicelulares e com o
decorrer do tempo nos termos diferenciado tanto no sentido de não sermos
indiferentes, no sentido de querermos ser deferentes à realidade em vez de nos
alienarmos. Houve a vontade motivada de a conhecer, de nos relacionarmos com
ela de forma mais próxima e também connosco, no trabalho de introspeção que
todos desenvolvemos, mais ou menos, melhor ou pior, sempre limitados, mas
sempre em busca de ultrapassar a próxima barreira e depois a seguinte.

Fascina-me o ser humano ser o único animal terrestre que conheço que se estuda
o mais conscientemente possível a si mesmo e que vai desenvolvendo ao longo
dos momentos as ferramentas adequadas para o fazer. Um animal que foi capaz
de palavrear o que lhe aconteceu, um animal que estuda e tenta compreender as
pressões a que está sujeito, um animal que tem que lidar com a insustentável
leveza de ser como nenhum outro, que da frustração e da concretização está à
distância da consciência de si e do real.

Assim, compreendo que o macaco que fomos há anos (e que na maior parte ainda
somos) se assustou com tantas perguntas por responder que foi encontrando e,
consequentemente, precisou de criar artificialmente uma base estável para que
daí pudesse continuar a bela busca pela sua identidade e do universo, algo
partilhada. Foi aí e não só que tiveram a sua maior utilidade as religiões. Mas
ainda assim, somos eu e outros, os macacos de hoje que também sobre isso
pensam. Há esperança! Foi ‘um triste macaquinho’, inseguro e ignorante que
precisou de criar limites à sua espécie para lidar melhor com a sua pequenez.

A palavra é um poder imenso que dita a perceção humana da realidade! É um


privilégio que conquistamos numa dura batalha evolucional contra a indiferença
da natureza e cujo mérito nos é retirado ao alocar tal vitória, tal conquista suada
na aleatoriedade de um Deus pai que surge do nada (uma vez que nessa conceção
anteriormente a ele não existiria tempo, ou não existiria sequer momento
anteriormente a ele). Tudo isto num instante em que decide, criar-nos à sua
imagem e semelhança, não nos dando mostras de qual será, de facto, a sua
imagem, o que não nos permitirá alguma vez aferir a semelhança. E, assim,
passaram a viver presos à incapacidade de se libertarem da demagogia que
agrilheta os cognitivamente mais indefesos.

A palavra é, de facto, a maior forma de expressão e compreensão e não lhe é


reconhecido o valor que merece. As palavras não servem apenas para serem lidas
e interiorizadas, servem para bem mais do que isso. Servem para serem pensadas,
filtradas, metabolizadas e exteriorizadas. Não servem para serem apreciadas
como imutáveis, mas para prosseguir o trabalho dos nossos antepassados
melhorando as formulações a que foram chegando com tanto amor pelo
conhecimento, verdade e evolução.

Metaforicamente, os homens que conheciam 1000 palavras eram sensíveis a


menos uma porção da realidade do que os que conheciam 1001 e assim se
sucedeu até hoje. Conheçamos mil e duas!

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