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ARQUIVOS

IMPLACÁVEIS
MEYER
FILHO
Atrás da casa de Meyer Filho, na rua Altamiro Guimarães,
no Centro de Florianópolis, havia um quintal com canteiros
onde o artista plantava árvores, verduras, legumes, flores,
e onde também fincava placas. Ele mantinha nos canteiros seu
interesse por botânica, principalmente por árvores frutíferas
(Meyer costumava plantar diferentes espécies e não interferia
no desenvolvimento do jardim, pois acreditava que as plantas
“se entendiam”). “Plantando dá, pessoal!” é uma das frases
PLANTANDO DÁ, PES pronunciadas por uma cabeça de galo, pintada em um pedaço de
SOAL madeira cravado na terra. Nesta ilha, essa placa possui também
aspectos metafóricos, que mostram a atuação de Meyer Filho
como alguém que lançou sementes no solo da arte catarinense.
Meyer Filho foi um articulador do seu tempo, e assim contri-
buiu para a formação de um circuito de arte florianopolitano
e catarinense. Por meio dos Arquivos Implacáveis, percebemos
seu interesse não apenas por ser reconhecido e legitimado
como artista — para além de bancário —, mas também o desejo
de construir coletivamente espaços para a arte. Por isso,
entendemos que nos canteiros de Meyer Filho há muito mais do
que plantas, e que ele ajudou a plantar e a regar tanto espa-
ços quanto grupos atuantes na cidade, como o Grupo de Artistas
Plásticos de Florianópolis (GAPF), do qual foi cofundador;
o Museu de Arte Moderna de Florianópolis (MAMF), atual Museu
de Arte de Santa Catarina (MASC), onde ele realizou a sua
primeira exposição individual (que também foi a primeira
individual de um artista catarinense no local); o Grupo Sul
/ Revista Sul e a Revista Litoral, nas quais colaborou como
ilustrador; a livraria Anita Garibaldi, que no início perten-
cia ao escritor Salim Miguel, e onde Meyer realizou a “primeira
exposição permanente de pinturas e desenhos” junto ao GAPF
(a livraria era um ponto de referência para os artistas e
intelectuais da época, e também o local em que Meyer Filho
comprava seus livros de arte); o Studio A2, de Beto Stodieck;
a Galeria Max Stolz; o Studio de Artes; a Galeria Açu Açu; e a
galeria do Zeca D’Acampora. Esses foram alguns espaços de arte
em que Meyer Filho atuava constantemente, realizando diversas
exposições coletivas ou individuais.
Entre os documentos que fazem parte desta ilha, constam alguns
que foram fundamentais para a construção de uma história da
arte nacional, como o convite da primeira exposição do GAPF,
de 1958, bem como o estatuto social do Grupo, de 1975. Há,
ainda, os primeiros desenhos de Meyer Filho, quando criança,
precedido por seus primeiros estudos, da época em que copiava
das revistas os retratos de artistas de cinema. E dessa “cole-
ção” de primeiras vezes, é importante apontar a exposição que
Meyer Filho realizou com Hassis, chamada “1ª Exposição de
Motivos Catarinenses”, e a primeira vez que o artista levou
um galináceo para um museu, como ato performático, na expo-
sição dos NOVE, em comemoração aos 20 anos do GAPF, em 1978,
na Assembleia Legislativa de Santa Catarina (ALESC).

7
1 Sem título, 27,5 x 19 cm, 2, 3, 4, 5 Carta a Theon Spanudis, 1963 e 1964. 2
nanquim sobre papel, 1954.

8 9
3 4

10 11
5 6 Sem título, 26,6 x 19,8 cm, 7 Sem título, 20,2 x 15,6 cm, grafite
grafite sobre papel, s.d. e fita adesiva sobre papel, 1944.

12 13
8
8 Sem título, 10,7 x 13,4 cm, 9 Sem título, 24 x 18,4 cm, 10 Sem título, 30 x 23,8 cm,
nanquim e fita adesiva sobre grafite, lápis de cor e colagem nanquim e fita adesiva sobre
papel, 1945. sobre papel, s.d. papel, s.d.

10

14 15
11 Meyer Filho, aula de pintura ao ar livre, 12, 13, 14 Carta a Franklin Jorge,
57,1 x 36 cm, fotógrafo desconhecido, s.d. 21 x 29,7 cm, xerografia, 1981.

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12 13 14

16 17
15 Manuscrito para a 2ª edição do livro 16 Sem título, desenho de Meyer Filho quando era aluno 17 Sem título, 29,5 x 23,1 cm,
Uma menina de Itajaí, de sua mãe, do Grupo Escolar Lauro Müller, com comentário do artista, grafite sobre papel, s. d.
Rachel Liberato Meyer, s.d. 48 x 24 cm, lápis de cor e grafite sobre papel, 1927.

16
15

17

18 19
18 Sem título, com comentário do artista,
45,7 x 27,6 cm, nanquim sobre papel, 1946.

18

20 21
19 Ilustração, s.d, publicada na capa do livro 20 Ilustração, 1959, publicada como ilustração 21 Ilustração 1959, publicada no livro 22 Ilustração, 1955, publicada
Uma menina de Itajaí, de Rachel Liberato Meyer. no livro Uma menina de Itajaí, de Rachel Liberato Uma menina de Itajaí, de Rachel Liberato Meyer. no jornal A Verdade, 1956.
Edição independente, 1961. Meyer. Edição independente, 1961. Edição independente, 1961.

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19 20

21

22 23
23
23 Ilustrações, 24 Carteirinha de ilustrador 25 Ilustração, capa 26 “Os invejosos”. Charge publicada 27 Ilustração, capa da Revista Litoral
Revista Sul, nº 28, 1955. da Revista Sul, 1956. da Revista Sul, nº 24, 1955. no jornal O Estado, 1977. com comentário do artista, 1960.

24

25

24 25
26 27

26 27
30
28 Nota sobre comemoração dos 32 anos da 28
1ª Exposição de Pinturas e Desenhos de Motivos
Catarinenses, Diário Catarinense, 1989.

29 “Os 30 anos do grupo Litoral”,


jornal O Estado, 1987.

30 Catálogo da 1ª Exposição de Pinturas


e Desenhos de Motivos Catarinenses,
com comentários do artista, 1957.

29

28 29
31
31 “1ª Exposição de Pinturas e Desenhos de Motivos Catarinenses”, 32 Capa, Revista Sul, 33, 34 “Uma exposição de desenhos”, texto de
Suplemento Dominical do jornal O Estado, 1957. nº 30, 1957. Silveira de Souza, Revista Sul, nº 30, p. 59 e 60, 1957.

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33 34

30 31
35
35 Sem título, 25 x 28 cm, 36 Sem título, 25 x 27 cm, 37 Sem título, 22,5 x 18 cm, 38 Sem título, 27,5 x 19 cm, 39 Convite do 1º Salão Pan-Americano
nanquim sobre papel, 1954. nanquim sobre papel, 1951. nanquim sobre papel, 1954. nanquim sobre papel, 1954. de Arte, com comentário do artista, 1958.

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32 33
40
40 Convite da 1ª Exposição Individual de Meyer Filho 41 Idílio sideral, 67,2 x 60,4 cm, 42 Idílio fantástico, 53,5 x 46 cm, nanquim, lápis de cor e caneta
no MAMF (atual MASC), com comentário do artista, 1959. acrílica sobre eucatex, 1969. esferográfica sobre papel, 1957, com comentário do artista.

41

42

35
43, 44 Estatuto e ata de fundação do Grupo de 45 Sem título, 38 x 52 cm, lápis de 45
Artistas Plásticos de Florianópolis (GAPF), 1975. cor e nanquim sobre papel, 1957.

43 44

36 37
47 46, 48, 49 Meyer Filho no 1º Salão do Grupo de Artistas 47 Programa convite do 1º Salão do Grupo 50 Sem título, 26,5 x 31,5 cm,
Plásticos de Florianópolis (GAPF), no MAMF (atual MASC), de Artistas Plásticos de Florianópolis (GAPF), grafite e lápis de cor sobre
fotógrafo desconhecido, 1958. no MAMF (atual MASC), 1958. papel, 1956. Acervo MASC.
46

50

48 49

38 39
51 Árvore seca com passarinhos em tarde sombria, 52 “Grupo de artistas plásticos: exposição”, 52
54 x 45 cm, nanquim e guache sobre papel, 1957. jornal O Estado, com comentário do artista, 1958.

51

40
53 53 “Melhor que o primeiro, o Segundo Salão Anual 54 Paisagem em Coqueiros, 32 x 40 cm, 55 Sem título, 46,3 x 45,5 cm,
de Artes Plásticas”, jornal Diário da Tarde, 1959. nanquim eaquarela sobre papel, 1958. nanquim e lápis de cor sobre papel, 1957.

55

54

42 43
58
56 “Grupo de Artistas Catarinenses”, 57 “Artista de Florianópolis”, por Flávio 58 “Artistas catarinenses”, revista Manchete,
jornal Estado do Paraná, coluna de Aquino, jornal Diário da Tarde, com com integrantes do Grupo de Artistas Plásticos de
Roteiro, 1958. comentário do artista, 1959. Florianópolis (GAPF) fotógrafo desconhecido, s.d.

56 57

44 45
59, 60 2º Salão do Grupo de Artistas Plásticos de Florianópolis (GAPF), no MASC. 61 1ª Bienal do Grupo de Artistas Plásticos de Florianópolis 62, 63, 64 Convite do Studio A2, fotografia 62
Da esq. para dir.: Hassis, Franklin Cascaes, Jair Platt, Hugo Mund Jr., Galileu (GAPF) - 20 anos depois, na ALESC . Da esq. para dir., em com integrantes do Grupo de Artistas
Amorim, Pedro Paulo Vecchietti, Meyer Filho, João Evangelista Andrade e Tércio destaque: Meyer Filho, Tércio da Gama, Hassis e Aldo Nunes. Plásticos de Florianópolis (GAPF), 1974.
da Gama. Fotógrafo desconhecido. Acervo Tércio da Gama, 1959. Fotógrafo desconhecido. Acervo Tércio da Gama, 1978.

59 60

61

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46 47
65 Ata do júri de premiação do 2º Salão do Grupo 66 Sem título, obra premiada no 2º Salão do Grupo de Artistas Plásticos
de Artistas Plásticos de Florianópolis (GAPF), 1959. de Florianópolis (GAPF), 37 x 46 cm, nanquim e aquarela sobre papel, 1959.
65

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48 49
67
67 Convite da 1ª Exposição do GAPF 68 “Exposição permanente”, nota publicada no
fora de Santa Catarina (Paraná), 1958. jornal A Gazeta, com comentário do artista, 1961 e 1981.

68

50 51
69
71

69 Meyer Filho na 1ª Bienal do Grupo


de Artistas Plásticos de Florianópolis
(GAPF) - 20 anos depois, na ALESC,
fotógrafo desconhecido, 1978.

70 1ª Bienal do Grupo de Artistas


Plásticos de Florianópolis (GAPF)
- 20 anos depois, na ALESC.
Da esq. para dir.: Adalice Araújo,
Aldo Nunes e Meyer Filho. Fotógrafo
desconhecido, 1978.

71 “Grupo comemora 20 anos”, texto


publicado no jornal O Estado, 1978.

70

52 53
72 “Artistas trabalham ao 73 Performance de Sandra Meyer com 74 Rodrigo de Haro 75 “Proposta diferente no final 76, 77, 78 Grupo Boi-de-mamão, a convite 75 76
vivo no MASC”, matéria poemas de Rodrigo de Haro na 1ª Bienal na 1ª Bienal do GAPF, da exposição”, texto sobre a de Meyer Filho, na 1ª Bienal do Grupo de
publicada no Jornal de do Grupo de Artistas Plásticos de Florianó- fotografia Pedro 1ª Bienal do GAPF, publicado no Artistas Plásticos de Florianópolis (GAPF),
Santa Catarina, 1980. polis (GAPF), fotografia Pedro Alípio, 1980. Alípio, 1980. Jornal de Santa Catarina, 1980. fotografia Pedro Alípio, 1980.

72

77

73

78

74

54
79 79 “Artistas expõem no MASC (...)”, 80 Cartaz da exposição “Desenho”, 81 “Meyer filho no MAM”,
jornal O Estado, 1980. MAMF (atual MASC), 1961. jornal Diário da Tarde, 1961.

80 81

56 57
82 Convite da exposição 83 Convite da 84 Exposição “Ernesto Meyer Filho”, na Associação 85 Exposição “Ernesto Meyer Filho”, na Associação 86 A donzela, 36 x 46 cm, 87 A ingênua, 46,5 x 36,5 cm,
“Ernesto Meyer Filho”, na exposição de “Meyer Atlética Banco do Brasil (AABB). Da esq. para dir.: Marcos Atlética Banco do Brasil (AABB). Da esq. para dir.: nanquim sobre papel, 1959. nanquim sobre papel, 1959.
Associação Atlética Banco Filho”, no Studio A2, 1974. de Souza, Paulo Meyer, Zica Silveira de Souza Garofallis, Péricles Prade, Meyer Filho, José Damiani Carreirão
do Brasil (AABB), 1968. Sandra Meyer, Marisa Silveira de Souza e Marilia Silveira e Ney Mund. Fotógrafo desconhecido, 1968.
de Souza Brito. Fotógrafo desconhecido, 1968.
86

83

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87

84 85

58 59
88 91
88 “E os projetos do museu? (II)”.
Matéria publicada no jornal
O Estado, com imagem da expo-
sição comemorativa aos
60 anos de Meyer Filho, 1980.

89 Reprodução da nota “E os
projetos do museu? (II)”, com
comentário do artista, 1979.

90 Convite da exposição 89
comemorativa aos 60 anos
do artista, no Museu de Arte de
Santa Catarina (MASC), 1979.
92

91, 92, 93, 94 Exposição


comemorativa aos 60 anos de
Meyer Filho, no Museu de Arte
de Santa Catarina (MASC),
fotografia Pedro Alípio, 1979.

90
93

94

60
95 Nota jornal O Estado, 1979, 96 Sem título, charge 1ª versão, 97 Sem título, charge 2ª versão, 96
com comentários do artista, 1986. 37 x 31 cm, nanquim sobre papel, 1986. 41,9 x 32,2 cm, nanquim sobre papel, s.d.

95

97

62 63
98 Sem título, álbum Pinturas e desenhos 99 Sem título, álbum Pinturas e desenhos 100 Sem título, manuscrito para o álbum Pinturas 100
eróticos Meyer Filho, 44,2 x 31,5 cm, nanquim eróticos Meyer Filho, 40 x 30 cm, colagem, e desenhos eróticos Meyer Filho, 32,5 x 52,5 cm,
e grafite sobre papel, 1981. fotografia e nanquim sobre papel, 1981. nanquim e grafite sobre papel, 1981.

98

99

64 65
101 - 115 Álbum Pinturas e desenhos eróticos Meyer Filho, 101 103 104
38 x 28,7 cm, impressão de serigrafia sobre papel, 1981.

105 106

102

107 108

66 67
109 110

111 112

113 114 115

68 69
116 “Homenagem a Franklin Cascaes”, 117 “Homenagem a Franklin Cascaes”, charge
charge publicada no Jornal do Beto, 1983. posteriormente publicada no Jornal do Beto,
21 x 27 cm, nanquim sobre papel, 1983.

116 117

70 71
Após uma primeira “ida” ao planeta Marte, ao ser abduzido em
um hotel da cidade de São Paulo, durante sua primeira individual
naquele estado, na Casa do Artista Plástico, em 1963 — Meyer
contou essa aventura pela primeira vez no programa Mesa Quadrada,
de Manoel de Menezes, na Rádio Jornal A Verdade — o artista passou
a se autodenominar “Embaixador de Marte no planeta Terra”.

O ponto de partida desta ilha é o texto “Respeitável público”,


no qual Meyer narra a ida ao Planeta Vermelho para, então, pensar
em como Marte o representa e desperta nele a sensação de ilhamento
e de angústia, o desejo de reconhecimento e a utopia de um mundo
novo. Para Meyer Filho, Marte é um lugar ideal; um espaço de um
projeto não somente artístico como também humanitário e onde ele
é um grande artista, universalmente reconhecido.

A partir da “Embaixada de Marte”, Meyer tecia críticas ao


circuito artístico — principalmente à cena catarinense e
florianopolitana — e pensava o trinômio local / internacional /
universal. Por entender que era um “socialista à sua maneira”,
e que toda arte é política, discordava da opinião de “ilustres
membros do PARTIDÃO e não menos ilustres intelectuais da ESQUERDA
FESTIVA”, que o criticavam por não desenhar apenas operários e
“gente do povo”. Meyer Filho, que trabalhou durante 30 (trinta)
anos e 61 dias sem receber um único centavo extra, por não
ter optado pelo fundo de garantia, esbravejava que não estava
cometendo nenhum crime “tipicamente capitalista” por desenhar
galos e personagens fantásticos e surrealistas.

Ainda sobre seus conflitos internos, que estavam entre o


ser artista, o ser bancário, o ser artista-bancário e o ser
artista-artista — este último só foi possível depois de sua
aposentadoria, em 1971 — vale lembrar que Meyer sempre foi, com
seus “um metro e sessenta e cinco centímetros”, apresentado às
pessoas como “um alto funcionário” de banco. Ao que ele replicava
com frequência: “Sim, sou bancário pelas circunstâncias da vida,
mas, tão logo termina o expediente bancário, VIRO, como que por
um ‘passe de mágica’, o pintor Meyer Filho!!!”.

Formado em Contabilidade, Meyer Filho foi um desenhista e pintor


autodidata, e precisou muitas vezes “PROVAR” para a sociedade e
para o próprio meio das artes que era, sim, um artista. Essa ta-
refa não foi fácil, porque sem diploma em Belas Artes e se recu-
sando a “pintar centenas de medíocres e repetitivos retratos de
políticos e autoridades civis, militares e eclesiásticas”, e sem
“‘homenagear’ com seus quadros, as excelentíssimas esposas da
burguesia local”, ele precisou se autoproclamar e se autolegiti-
mar como artista para, em seguida, conquistar seu lugar em Marte
como pintor “plenipotenciário”, ocasião em que a imprensa e a
crítica paulista, mineira e carioca passaram a conhecer e exibir
seus trabalhos.

73
118 Manuscrito, 119 Sem título, reprodução de obra
Jornal Caldeirão, s.d. em slide, acervo desconhecido, s.d.

118 119

74 75
120 “Ecos da exposição do artista catarinense 121 Convite da exposição “Meyer Filho”, na Galeria de Arte
Ernesto Meyer Filho”, jornal O Estado, 1960. Moderna da Livraria Penguin, com comentário do artista, 1960.

120 121

76 77
122 122 “Programa do curso 123 Galeria Penguin. Da esq. 124 Galeria Penguin. Da esq. para dir.: 125 Galeria Penguin, 126 Galeria Penguin. Da esq.
sobre problemática da arte para dir.: Meyer Filho, a pintora Jean Pearse, Meyer Filho e Nohra Meyer Filho com a pintora para dir.: Nohra Beltran, pessoa
contemporânea na Escolinha”, Radspieller e Rosa Pessoa. Beltran, diretora da Galeria Penguin. Lou Catharino. Fotógrafo desconhecida e Meyer Filho.
Jornal do Brasil, 1960. Fotógrafo desconhecido, 1960. Fotógrafo desconhecido, 1960. desconhecido, 1960. Fotógrafo desconhecido, 1960.

123 124

125 126

78 79
127 Carta de Augusto Barboso, 128 Capa, revista 129 Verbete “Meyer Filho”, texto de Flávio de
diretor do MASP, 1960. Módulo, nº 19, 1960. Aquino publicado na revista Módulo, nº 19, 1960.

128

127

80 81
130 Carta de Augusto Barboso, 131 Fôlder da exposição “Meyer Filho”, no Museu de Arte
diretor do MASP, 1960, com comen- de Belo Horizonte, com intervenção do artista,
tário do artista realizado em 1986. 65 x 54,7 cm, nanquim e lápis de cor sobre papel, 1961.

130

82 83
132 “Notas Sôbre Arte Moderna”, 133, 134 Imagens publicadas na matéria “O embaixador do
de Meyer Filho, jornal A Gazeta, 1961. Brasil em Marte”, jornal O Estado, fotografias Tarcísio Mattos, 1981.

133
132
O EMBAIXADOR
DO BRASIL EM MARTE
O Estado (Florianópolis), 15 nov. 1981

TRÊS BRUXOS DA ILHA


Três eram as partes do Universo: Céu, Terra
e Inferno. Três, as fases da existência humana:
nascimento, vida e morte. Três, as parcelas da
Eternidade: passado, presente e futuro. Três,
os reinos da natureza: animal, vegetal
e mineral. Três, as partes do corpo: cabeça,
tronco e membros. Três, as dimensões do
espaço: comprimento, largura e altura. Três,
os elementos principais do mundo material:
terra, água e fogo. Há três bruxo viajando na
134 Ilha de Santa Catarina. Mayer Filho, o embaixador
plenipotenciário do Brasil em Marte. O pintor
erótico, respeitado, como pintor, mais fora de
Florianópolis do que aqui. Aqui: o confundem
com loucura e pornografia. Mas ele é erótico
e criativo. Sua imaginação pode voar até
outros planetas povoados de insetos. Pode
rir solenemente com seus amigos marcianos,
dos “aparelhinhos americanos’’ pousando na
lua… Franklin Cascaes, outro bruxo. Cascaes,
velho historiador da mitologia da Ilha. Ilha
mitológica. Cascaes sempre fazendo com que o
passado renasça, mas nas asas de uma vassoura
“bruxólica” (a vassoura das bruxas não tem asas).
Mas ele também é um homem de consciência
clara. Acompanhar o presente nas histórias
bruxólicas do passado. Suas bruxas não são
passado. Povoam a Ilha de Santa Catarina,
e são os próprios homens desta terra.

CASCAES-POETA-ESCULTOR-BRUXO
A. Seixas Netto prova que Nostradamus estava
sonhando uma aventura épica. Foi o último poeta
épico da França. Por acaso alguma de suas imagens
poéticas pode ser parecida com alguns fatos que
aconteceram depois dele. Seixas Netto, de Mei-
em-bipe, o Meio-do-mundo, o amigo dos índios
carijós, o feiticeiro da Nação indígena exterminada,
que afirma: “E quando os meninos fazem surf, e as
meninas desfilam de biquíni, na praia da Joaquina,
os espíritos dos índios Carijós velam por eles.
E continuam lá, pescando os peixes, mantendo
84 85 85
a vida e a beleza do mar”. Seixas Netto, mais cientista — Mas que barbaridade! Este planeta está começando carnaval, elas se vestem como nós. Se vestem como artista de Paris dava assobio e o assobio se ouvia no
que bruxo, mais bruxo que nada. Do presente, passado e a vida agora e está começando pelos insetos. Só tem outros habitantes de outros planetas, na gozação, mundo inteiro. E Florianópolis, oh! Florianópolis? Faça
futuro. Em três reportagens, três bruxos, escondidos em insetos neste país que eu estou vendo, nesta terra. uma gozação amiga, compreende? Festa de carnaval a comparação.
suas feitiçarias, verdades e certeiras loucuras. Hoje, “o E ele disse assim: “Não, Maya, eu vou te explicar lá todo mundo faz vestido de marciano, sei lá, oh!
Embaixador da Terra em Marte”. direitinho a história deste planeta. Há muitos e muitos De mil milhares de planetas habitados neste mundo.
A BALEIA AZUL
anos atrás, este planeta possuía uma civilização que Os outros planetas são muito mais adiantados. Não é
era 1.000 anos mais adiantada que a civilização do esta inveja desgraçada que existe aqui. Todo mundo OE: Meyer Filho é um dos bruxos da Ilha?
O EMBAIXADOR DO BRASIL EM MARTE
planeta Terra, onde tu moras. Acontece que um dia eles querendo trepar em todo o mundo. O negócio é só no Meyer Filho: Dizem as más línguas e algumas boas
Olha, eu descobri que era o embaixador do Planeta resolveram fazer uma guerrinha atômica, e o resultado também. Sou.
valor mesmo, compreende, e ninguém dá muito bola
Marte no Brasil, desde o arroio Chuí ao rio Oiapoque, é isto que tu estás vendo aí. Esta insetarada medonha, nas aparências; porque nós aqui: o bom é somente quem OE: Quantos anos o sr. trabalhou no Banco do Brasil?
no ano de 1963, quando pela primeira vez, eu, como só, só inseto”. Então isto aí – eles falaram –, isto aí é o tem dinheiro. Aqui não vale quem é. Vale o que tem. Meyer: 30 anos exatos, e me aposentei sem nem uma
catarinense, expunha individualmente numa grande exemplo do que acontecerá na Terra, se eles fizerem Agora o azar é o nosso, porque lá eles é que estão certos. falta no serviço, e sem nenhuma úlcera no estômago.
galeria de arte de São Paulo, A Casa do Artista Plástico. uma guerrinha parecida com aquela que foi feita aqui. Lá não há pobreza, não há miséria, quer dizer, também Dose para baleia azul em se tratando de um artista.
Eu fui convidado especialmente, me bateram à porta do
nem é todo mundo rico. Mas, é uma Suécia, por exemplo,
hotel, e eu vi um sujeito meio assim meio todo diferente, OE: No Banco do Brasil já trabalhou algum marciano,
SUBTERRÂNEOS ESPACIAIS muitíssimo mais adiantada.
mas um sujeito muito bacana, né? Eu perguntei quem ele alguém de outro planeta?
era e o que ele queria, e ele falou para mim que era um Então a vida é esta, eu vou falar um pouquinho sobre Meyer: Não, que eu saiba, não. Só se ele estava camuflado
cidadão do planeta Marte, e queria me levar pra lá. a vida no planeta Marte. Então vocês dizem: Há! Não, A TELEVISÃO CÓSMICA e não me disse nada. “Claro, a bruxaria e os bons bruxos
E eu fui. Então o negócio foi um troço. Eu não posso mostram que as fotografias não mostram nada da vida As cores, os pintores, os seres não são muito diferentes habitam todo o universo.”
dizer para vocês certos pormenores porque esta é uma no planeta Marte. Realmente não mostram, porque a daqui, não. Eles disseram para mim que existem seres
coisa de muita importância. Eles não estão interessados vida é toda subterrânea. Cavernas naturais ou artificiais, incríveis em outros planetas. Mas nestes eu ainda não
em ter um contato direto no momento. A velocidade que compreende? Então eles podem perfeitamente deixar os O CIRCO NA CIDADE
estive, porque não há possibilidade, sabe? Porque eles
a gente vai é de 20 a 40 minutos até o planeta Marte. terráqueos 1.000 anos palmilhando o terreno de Marte estão situados a distâncias incríveis. Vocês imaginam Tem um ditado muito certo que diz assim: “muitas vezes
O meio eu também não posso dizer como. O formato da sem ver nenhum sinal de vida. Porque lá, como a ciência que determinadas galáxias que andam por aí, que são é bom uma pessoa se passar por doida para poder viver,
nave é uma coisa incrível, que muda de forma a toda está cansada de dizer, existem grandes tormentas. milhões ou bilhões, chegam a levar dez bilhões de anos e se passar de burra para comer o bom milho”. Eu mesmo
hora, é uma coisa incrível. Mas eu não posso dizer pra Grandes tormentas de pó. Mas também muitas destas para chegar até nós a sua luz, que tem uma velocidade já fiz isto muitas vezes. Até hoje, claro, eu tenho que dar
vocês porque eu não sou engenheiro espacial, né? Eu fui tormentas são artificiais, produzidas por eles mesmos. de 300 mil quilômetros por segundo. Então estes nem uma de doido de vez em quando, para ser respeitado.
vinte e poucas vezes ao planeta Marte. Já contei várias Inclusive uma vez nós estávamos lá e vimos um destes os marcianos conhecem. Eles conhecem alguns mais Porque é o seguinte também, porque o artista...
coisas que eu vi lá, e já tive em outros planetas também. aparelhinhos americanos descer no planeta Marte, e os perto, através de programas de televisão que são Criticavam-me muito, anos atrás, porque eu saía numa
meus amigos gozaram solenemente e falaram: “Eles só passados de planeta a planeta. Assim como existem fotografia. Diziam: ‘Maya, saísse com aquela pose, não
vão nos ver se nós estivermos interessados nisto, e por programas de televisão que são passados para o mundo gostei’. Eu dizia: olha, meu amigo, eu sou um artista e, se
CAMINHO DE LEITE o artista quando sai na televisão e no jornal não faz pose,
enquanto não estamos”. Então eles vêm constantemente inteiro, através dos satélites, lá também, né?
Não, não, em outras galáxias não porque, uma galáxia, ao planeta Terra, os meus amigos. a raça não acredita que ele é artista. Só os doidos pensam
se não me engano, para atravessar a galáxia a qual nós que eu sou louco...
pertencemos, a Via Láctea, leva 150 mil anos-luz de um MILHARES DE GALOS
E os tolos. Principalmente os tolos. Uma boa fofoquinha
lado a outro. Então eu só tenho ido a alguns planetas EMBAIXADOR PLENIPOTENCIÁRIO Eles conhecem alguns programas de televisão da Terra. e assustando um pouquinho também, não prejudica
da nossa Via Láctea mesmo. O máximo que eu vi, que Os cientistas da Terra dizem o seguinte: que a propensão Eles conhecem também o pintor Picasso, e é claro, eu, ninguém. Desde que não se destrua ninguém. Desde que
eu estive, foi num planeta que distava 50 mil anos-luz da espécie humana é ficar totalmente calva, careca, que já tive muitas vezes lá, né? Oh! Mas eu não faço ajude a sobreviver e aumentar o meu nome de artista.
da Terra. Agora é uma coisa assim, como vocês veem em então não ter cabelos, não ter bigodes nem barbas nem comparação de quem é o melhor. São iguais. Eu nunca Quem é que não quer? Para isto até a loucura é válida.
filme de ficção. A gente toma um fluido qualquer. Sei lá o sobrancelhas. Então os marcianos quando vêm à Terra, tive interessado em ser melhor que ninguém. Eu não
Pois a televisão, que é a coisa mais incrível do nosso século,
que é, e desaparece e, nem sei, espantosamente a gente para nos visitar, eles botam perucas, botam bigodes, me considero particularmente melhor que ninguém.
faz uma enorme propaganda de si mesma, não faz? Por que
se transforma e reaparece em outro planeta. É uma botam barbas. Eles não estão interessados no momento Mas se alguém achar que é melhor que eu, ele tem que
que eu, que sou um artista, vou ser diferente dos outros
coisa que deve ser muitíssimo mais rápido que a luz. num contato direto. Só com determinadas pessoas, como fazer aquilo que eu faço melhor do que eu. Eu já fiz mais
artistas? Um circo chega numa cidade, o que acontece?
Parece que é uma espécie de força do pensamento, eu, por exemplo, que sou embaixador de lá, né? Oh! de dois mil galos diferentes, eles têm que fazer dois mil
A primeira coisa que acontece é que todos os muros e locais
da mente. Altamente aperfeiçoada. Embaixador Plenipotenciário. e um, melhor que eu. É o meu processo. Eles lá acham
vagos ficam cobertos de cartazes do circo, né?
que Meyer Filho é o melhor pintor da Terra, mas eu nunca
EMBORA PRA PASSÁRGADA estive interessado nestas coisas. Eles acham que eu sou Tem uma piada que eu inventei. Uma vez eu falei, tava
O PLANETA DOS INSETOS
o maior pintor do planetinha. O Picasso está na mesma tomando uma Brahma, e disse assim: “vocês sabem o
Então, nós tivemos num planeta enorme, muito maior Mas não é para destruir nada não, oh! As mulheres em
linha também. que acontece quando um leão, um tigre ou um elefante
que a Terra. Mas não maior que o Sol. O Sol é um milhão Marte inclusive são muito bonitas. Eu nunca namorei
atravessarem a rua Felipe Schmidt?”. A raça ficou olhando
de vezes maior que a Terra. Mas aquele é um planeta de nenhuma porque eu sou muito sério e sou casado.
e eu falei assim: “É sinal que existe um circo na cidade”.
outros sistemas solares, de uma estrela outra: um nome E quando era solteiro, nunca tinha ido a Marte. Foi a PICASSO, PARIS, FLORIANÓPOLIS
complicado, que eu não sou astrônomo, então não posso partir de 1963. Eu tenho amiguinhas lá, mas isto é outra Só que ele nasceu primeiro do que eu. E ele teve a
dizer. Este planeta só tinha insetos. E eu falei para os coisa. Mas que elas são bonitas, são. vantagem de ter nascido na Espanha e no tempo em que
meus amigos, que eram vários marcianos amigos meus, A beleza delas é parecidíssima com as da Terra, só que surgiu o movimento do fim do século passado e começo
sabe? Então eu falei pra eles: são todas carecas. Mas festas, por exemplo, dia de deste, em que Paris era o centro do mundo. Então um

86 87
135

CARTA DE RUTH MEYER SOBRE A VIAGEM


A SÃO PAULO PARA EXPOSIÇÃO NA CASA
DO ARTISTA PLÁSTICO, 1963

Conviver artisticamente com o pintor Meyer Filho, entender seus momentos de excitação
artística; seus impulsos, suas revoltas, principalmente durante sua permanência como
funcionário do B. do Brasil, não foi fácil, não; sua mãe já dizia que já me estaria reservado
numa das Igrejas de Florianópolis, um lugar para mim quando morresse. Pois são 31 anos de
convivência, acompanhando as exposições no Rio, S. Paulo, Curitiba, Brasília, é que vi seu talento
como artista, pois em qualquer destes lugares onde expôs, não deixava de dar seus depoimentos
falando sobre arte em televisões, jornais etc., mostrando seu profundo conhecimento. Nestas
nossas viagens usufruímos de muita coisa boa conhecendo artistas como Anita Malfatti,
135 “Faz arte na base do bico
Carmélio Cruz, Walter Zanini, Pola Rezende, dona da Casa do Artista Plástico, que em sua casa
de pena”, de Ivo Zanini, jornal
Folha de S. Paulo, 1963. aconteceu um fato pitoresco; ela nos ofereceu um almoço requintadíssimo, à francesa com
vinhos estrangeiros, tudo que estava em casa era importado; mesa com tampo de cristal etc.
Após o almoço, foi nos servida a sobremesa que era fatia de pandeló com chantilly; perguntando
ela ao Ernesto se aceitava a sobremesa e ele respondeu que gostava muito de pandeló pois sua
mãe fazia muito, mas que não estava com vontade de comer naquele momento, mas que ela
embrulhasse que ele levaria para o hotel para comer em outra ocasião. Neste jantar, o marido
de D. Pola, o Engenheiro Rezende (não me recordo o nome dele) nos dizia, eu preciso me
congratular com o governo de Sta Catarina por ter um artista de tamanho valor, levando
as artes plásticas para fora do estado, elevando o nome de Sta Catarina culturalmente, neste
tempo era governador o Dr. Aderbal Ramos da Silva. Essa exposição foi de grande sucesso na
galeria A Casa do Artista Plástico, sendo que a maior parte da aquisição foi feita pelo físico e
professor da Universidade de São Paulo, Mario Schamberg.

Outro fato pitoresco; é sabido que o artista Meyer Filho nunca fez e não fará quadros por
encomenda, isto é, quadros iguais da mesma série, e numa de suas exposições que me lembro,
na sede antiga da AABB, na Praça Pereira Oliveira, em que estavam presentes entre outras
pessoas o Desembargador José Rocha Ferreira Bastos e Antonio D’Nova de saudosa memória,
que eram assíduos frequentadores de suas exposições (incluo aqui também o Nelson Nunes),
um dos nossos contraparentes disse: Meyer se você fizesse estes quadros que estão aqui nesta
parede (era aquela série bico de pena em fundo preto) você já estaria milionário, é, mas, diz o
Ernesto, esta série já está encerrada estou partindo para outra, eu não copio os meus quadros,
aliás, não repito, isto é para retratista.

88 89
136 “Continua repercutindo 137
o sucesso de Meyer Filho em
São Paulo” e “Ernesto Meyer Filho:
sucesso absoluto em São Paulo”,
notas do jornal O Estado, 1963.

137 Fantasia e A cabra e a flor,


jornal Folha de S. Paulo, 1963.

90 91
138, 139, 140 Carta para 141 “Limpeza”, 142 Meyer Filho em sua exposição individual 143 “O desenho de Ernesto
Theon Spanudis, com nota do jornal Folha na Casa do Artista Plástico, São Paulo, Meyer Filho”, de Theon Spanudis,
intervenção do artista, 1965. de S. Paulo, 1963. fotógrafo desconhecido, 1963. revista Habitat, nº 83

138
139 139

138

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92 93
143

94 95
144 “Ernesto trouxe na mala galos de crista 145 “Duas exposições”, Tomie Ohtake e Meyer 146 “Galos e paisagens”, Pola Rezende, Meyer Filho e
145
corada”, de Ivo Zanini, jornal Folha de S. Paulo, 1964. Filho, nota do jornal O Estado de S. Paulo, 1964. Mario Schemberg, nota do jornal Folha de S. Paulo, 1964.

144

146

96 97
147 148 150

147 Sem título, 16,4 x 22,5 cm,


grafite sobre papel, 1959.

148 Sem título, 27 x 32,6 cm, nanquim


e tinta acrílica sobre papel, 1959.

149 Sem título, 23,6 x 33,6 cm,


nanquim e tinta acrílica sobre
papel, 1959.

150 Sem título, 46 x 32,6 cm,


nanquim e tinta acrílica sobre
papel, 1959.

151 Sem título, 20,2 x12,5 cm,


grafite sobre papel, 1959.

149 151

98 99
152 Sem título, 16,6 x 22,6 cm, 153 Ave sideral, 26 x 34 cm,
grafite e lápis de cor sobre papel, 1959. nanquim sobre papel, 1959.

152 153

100 101
MEYER FILHO: O que acontece é que santo de casa não faz milagres porque descobriu que não estava fazendo o que queria e não o contrário. O certo é pegar os trabalhos do
– o exemplo disso foi o jogador Katinha, que foi chutado – fazia somente retrato de madame e, embora fosse um artista e vender por uma comissão. Mas todo mundo
“OS BASTIDORES DA ARTE no Paraná, aqui era o melhor jogador do Avaí, mas não bom artista, a riqueza conseguida provinha da comunhão tem a mania de explorar o artista.
passava de um ilustre desconhecido; com a sua ida para com interesses de uma determinada classe. Achou então
SÃO UMA VERDADEIRA MÁFIA” o Vasco da Gama, tornou-se famoso no eixo Rio/São que o seu negócio era ser um grande pintor, começou a
O galo tem uma influência, alguma ligação
Entrevista ao jornal O Estado Paulo, o que nunca aconteceria se ficasse aqui. pintar judeu pobre e as consequências não demoraram:
com a infância?
(Florianópolis), 14 out. 1979 Para mim, não existe capital cultural no Brasil: o Rio caiu de moda imediatamente e só não morreu de fome
porque alguns de seus amigos, entendidos de arte, O galo é uma coisa incrível: é a coisa mais valente do
nunca foi e São Paulo também não é. Se o Brasil é um
compraram os trabalhos dele. Somente 200 anos depois mundo porque briga a toda hora, é o símbolo da França
país subdesenvolvido, ele é assim do Oiapoque ao Chuí,
de sua morte é que descobriram que ele foi um dos e o símbolo da sorte de Portugal. E eu criei galos e
O Sr. acha que o público florianopolitano está e o resto é conversa. Onde já se viu dizer que o carioca
precursores da arte moderna. galinhas na minha infância.
suficientemente educado artisticamente? é mais culto que o florianopolitano?
Ele tem condições de distinguir uma boa obra Acho que ele é até mais burro, porque tem que lutar Outro exemplo idêntico foi o nosso Victor Meirelles, que
de uma produção de nível secundário? muito mais, viajar de ônibus ou bonde e nem tem se tornou conhecido pintando o rei – a melhor maneira Por que em Florianópolis ainda se pintam casinhas
tempo para ler ou assistir televisão. de ganhar dinheiro é pintar as personagens do poder antigas, pôr do sol?
O que acontece em Florianópolis é o mesmo que
– mas cujas melhores obras foram abandonadas e até A maioria das pessoas quando compram quadro não
acontece no Rio de Janeiro ou em São Paulo: compra-
destruídas na época. No final da sua vida ele pintou uma olham a validade da obra. Eu também pinto casas,
se muita porcaria, especialmente a chamada arte
Mas o que as pessoas devem fazer para chegar a um paisagem circular do Rio de Janeiro (algo revolucionário mas são casas, não casinhas. O problema é pintar bem.
acadêmica, contra a qual, ainda no século passado,
nível em que tenham condições de distinguir o bom para a época), colocou dentro de um barracão de zinco e Agora, todos sabem que a turma gosta de telhados,
foi feito um movimento de pressão. O que ocorre é
e o ruim numa obra de arte? depois vendeu por um ou dois vinténs. Ninguém foi ver então pintam por puro comércio. As paisagens que eu
uma coisa realmente interessante: o sujeito compra
Em primeiro lugar, é necessário haver interesse pelo o quadro, que acabou sendo destruído. O pintor, por sua comecei a pintar ainda em 1958 ainda não acabei porque
uma casa e faz questão de que ela seja moderna, se for
assunto e, como a coisa é muito complexa, deve-se vez, morreu pobre e esquecido. dá um trabalho medonho. Mas pintar casinhas é moda,
preciso contrata um arquiteto para torná-la moderna;
mas na hora de adquirir quadros só compra coisa ruim. ler, comparar, não ir na onda de todo mundo. Por isso, a turma diz “me dá uma casinha, um telhadinho, um
a cultura é algo muito complicado e a sua apreensão Fale sobre o seu trabalho. palhacinho”. Isso é falta de talento. Deixei de seguir
Isto vai ser muito difícil de mudar, vai ser uma vida
demanda tempo. Muitos acham que basta ter o diploma carreira no banco para me dedicar à pintura, mas não
inteira assim, pois a sensibilidade não é coisa que se Uma coisa que tem me deixado muito satisfeito
de bacharel para ser o bom, mas o máximo que se pode estou arrependido e nem fiz isto para pintar casinhas, etc.
compre em farmácia ou supermercado: ou o sujeito ultimamente foi a minha escolha pela revista Varig –
dizer é que tendo um diploma o sujeito tem é obrigação
tem ou não tem. Na hora de comprar um terreno todo uma revista de passatempo em inglês e português
de dominar uma área de conhecimento específica.
mundo quer saber se ele vai valorizar, mas ao comprar que é distribuída a todos os seus passageiros das linhas Então não é inspiração?
Muita gente não entende isso.
um quadro compram uma porcaria qualquer, e, o que é internacionais para uma exposição no Museu de Arte de A maioria são pseudoartistas. Quando eu tinha cinco
pior, por um dinheirão. Muitas vezes isto é consequência Curitiba, com a participação de doze artistas. Os quadros anos de banco tive de optar: ou acabava como diretor
da influência da propaganda e principalmente da falta Seria então uma questão de formação ou tendência vão ser impressos em cores e doados a instituições de de banco – muitos que estavam comigo progrediram
de cultura. para este ou aquele tipo de manifestação artística? caridade para venda posterior. e fizeram carreira como bancários – ou me dedicava
Isto, contudo, acontece também, e em maior proporção Não seria propriamente uma questão de formação, à arte. Não consegui fazer plenamente nenhuma
no Rio e em São Paulo, porque as cidades são maiores, pois, ao dizer-se que alguém tem uma formação clássica, Algo sobre seu estilo, o porquê dos galos… das duas coisas, porque sou casado e tinha minhas
é a mesma coisa que São Paulo ter mais gente inteligen- não se dá a devida proporção à palavra “clássico”. Não responsabilidades e também não quis perder mais
Pinto muito boi-de-mamão, galos, paisagens. Faço
te que Florianópolis, o que é natural pelas dimensões existe uma determinada forma de arte que se chame tempo deixando minha arte de lado.
isso desde guri, mas em 1946, com 27 anos, decidi ser
da cidade, e ter mais burra, pelo mesmo motivo. Mas, clássica, pois clássico é aquilo que fica – “o Picasso é artista. Resolvi, então, que o meu negócio não era o
de modo geral, as pessoas estão se conscientizando um clássico da pintura moderna” –, é algo mais banco, mas não me entreguei exclusivamente à arte, Tem vendido muito?
de que não vale a pena comprar coisas ruins em se tra- cronológico, fica mais na definição. porque não sou burro, precisava sobreviver, e, como Vendo, mas isso é muito relativo.
tando de objeto de arte, e isto está levando a uma maior
Para mim o mais importante é ter sensibilidade, você como pobre e filho de pobre só tem três chances na
pesquisa e à valorização dos artistas da terra, porque
pode não ter, outros têm em maior grau e outros ainda vida – casar com mulher rica (não foi o meu caso),
já acabou aquela onda de que basta ser paulista ou Faz para vender ou…?
em pequena quantidade. Em nosso mundo o bom é acertar em cheio na loteca (também não foi o meu
carioca para ser bom. Faço para mim. Não estou mais na fase de sair atrás do
quem é rico e ganhar dinheiro, mas existem muitos caso) ou se aposentar legalmente (graças a Deus, o
artistas que ganham dinheiro e são muito ruins: o meu caso) – tratei de garantir o meu futuro. pessoal para vender meu quadro porque já tenho uma
Por que esta situação predominou por tanto tempo? mais fácil para se ganhar dinheiro em arte é fazer Também já não faço mais concessões, só desenho certa posição. Na minha vida foi tudo planejado, quando
porcaria, para enriquecer na arte você deve pesquisar por que gosto. Todo mundo acha que o artista deve dar morrer quero deixar parte do meu trabalho para minha
O catarinense é o que tem maior facilidade para se
quais são os gostos da maioria e pintar, escrever, quadros de graça, numa festinha qualquer ficam pedindo família, eles que se virem, só quero que vendam o mais
desligar de suas origens: quando vai para o Rio de Janeiro
cantar de acordo com isso. quadros para o artista. Eu mesmo já doei muitos quadros caro possível.
ou São Paulo, na semana seguinte está naturalizado.
É claro que existem raras e honrosas exceções, mas Rembrandt, por exemplo, era, ainda com 30 anos, muito para instituições de caridade, mas resolvi não dar mais – Já expus no Rio, São Paulo, Belo Horizonte, Mar Del Plata,
quem vai para o Rio quase sempre volta falando carioca. famoso e rico, mas resolveu mudar sua orientação a instituição é que deve lutar pelo artista, Buenos Aires, entre outros lugares por minha conta e

102 103
154 Carta para José Gómez-Sicre, 1965.

154

risco, mas não estou mais afim disto: quero também E a função política da arte?
curtir a vida, pintar e ficar com os meus trabalhos. Existe Se o artista está de acordo com o poder, é mais fácil
muita exploração, você vai expor lá fora e pedem 40% para ele vencer, e a maioria está nessa, é claro. Eu
de comissão. O artista gasta com tudo: moldura, tinta, acho que a arte deve estar acima da política, porque
suporte do quadro, coquetel. Aqui a porcentagem é de tudo é política: Se eu faço um bom trabalho estou
33%; no Studio de Artes é 10%. sintomaticamente elevando o nível cultural de quem
olha, isto é um ato político. Quando eu pinto o boi-de-
Por falar em Studio de Arte, o que pode mudar com mamão estou pintando uma obra de arte.
a sua implantação aqui? Na Rússia o bom artista é aquele que pinta de acordo
Estão fazendo coisa boa. Esse negócio de novo é muito com o sistema. Na China é aquele que pinta uma fábrica,
relativo. Espero lançar uma série de desenhos eróticos, por exemplo. Tem gente que acha que o artista deve
parece mais coisa de guri, e eu tenho 60 anos. obrigatoriamente pintar o povo. Ora, pinta o povo
quem está afim, eu também já pintei o povo.

Esse pessoal novo às vezes se impressiona com a venda


na primeira exposição e não sai mais daquela linha. Uma coisa de que se fala muito é sobre a posição
de Santa Cantarina no contexto nacional, em termos
Este é o mal. Na sociedade moderna o bom é o que
artísticos ou não – quase sempre colocada lá em baixo.
ganha dinheiro. Se o artista faz aquelas coisinhas dele
e vende, ele mesmo se considera um artista. Já fiz Nós não somos colocados lá em baixo.
exposições que não vendi nenhum quadro, e, se, não
fiquei satisfeito, também não pensei que minhas obras Então é imaginação nossa?
não prestavam, achava simplesmente que o problema
Acho que os críticos de arte têm a obrigação de vir a
não era meu, a burrice estava no outro lado. Como disse
Santa Catarina e conhecer a nossa arte. Eles conhecem
o teatrólogo Nelson Rodrigues, daqui a dois mil anos a
muito mais a arte feita no Nordeste do que a nossa.
burrice vai continuar existindo. Ela começou com Adão,
Mas por que o meu trabalho foi escolhido pela Varig?
Eva, Caim e Abel…é uma coisa inata do homem.
Isto não foi por mérito dos críticos. Além disso, no Rio
e São Paulo os jornais têm sempre baianos ou mineiros,
Quais os critérios para se estipular o preço que puxam para o lado deles. O catarinense não acredita
de um quadro? em si próprio, embora isto pareça estar acabando.
Isto é uma coisa extremamente complexa porque não
há critérios. O Victor Meirelles morreu de fome, mas Existe alguma associação de artistas plásticos
hoje, pelo simples fato de ser um artista famoso, seus em Florianópolis?
quadros valem um dinheirão. Outro que morreu pobre
Existe.
aqui foi o Eduardo Dias. Isto ocorre também com os
escritores, etc., não existem critérios. É claro que quem
for para o Rio ou São Paulo tem mais condições para Funciona?
vencer com maior facilidade. Eu fui presidente do primeiro movimento de arte que
Existem os marchands e os bastidores da arte são uma se criou aqui, que foi o grupo de artistas plásticos de
verdadeira máfia protegendo certos artistas. No Rio, Florianópolis (em 1958 e 1959). Organizamos os dois
São Paulo, Paris, artistas medíocres se projetam e os primeiros salões de arte moderna em Santa Catarina
bons ficam para trás. O melhor juízo de arte é o tempo. e até um salão em Curitiba. Tudo acabou quando
Pelo padrão brasileiro meus trabalhos são caros. Se eu resolveram instituir prêmios – isto sempre acontece,
peço 12 mil por este quadro, não é muito, mas quantos os prêmios acabam com qualquer movimento de artistas.
brasileiros ganham isto por mês? Por isso, é difícil
estabelecer critérios, conheço artistas que vendem
trabalhos por um dinheirão, mas eu não poria um
trabalho desses na minha casa.

104 105
155 “Os galos de Meyer”, nota 156 Meyer Filho em visita ao jornal Diários Associados, em sua exposição 157 Carta para 158 Carta para Paulo
do Jornal do Commercio, 1967. individual na Galeria OCA, Rio de Janeiro, fotógrafo desconhecido, 1967. Geraldo Ferraz, 1970. e Emy Bonfim, 1970.

155

156

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157 158

108 109
159 “O favoritismo que Meyer Filho 160 “Plasticidade Visual Catarinense”, 161 “Em Blumenau, uma síntese da arte 159
tenta mostrar que existe”, matéria de Osmar Pisani, jonal O Estado, com barriga-verde”, nota do Jornal de Santa
do Jornal de Santa Catarina, 1972. intervenção do artista, 1982. Catarina, com intervenção do artista, 1980.

110 111
160
161

112 113
162 Cartaz da exposição “Pinturas”, realizada 163 Meyer Filho na exposição “Pinturas”, realizada na Galeria 164 - 168 Abertura da exposição “Pinturas”, realizada na 168 Meyer Filho com a família na exposição “Pinturas”, realizada
na Galeria Marte 21, Rio de Janeiro, 1973. Marte 21, Rio de Janeiro, fotógrafo desconhecido, 1973. Galeria Marte 21, Rio de Janeiro, fotógrafo desconhecido, 1973. na Galeria Marte 21, Rio de Janeiro, fotógrafo desconhecido, 1973.

162 163 165 166

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164 168

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170

169 “Un pintor ingenuo brasileño


se aproxima a la abstracción”,
de Luis Aubele, nota do jornal
La Opinión, com comentário do
artista, 1976.

170 “Ernesto Meyer Filho,


artista do mágico e do fantástico”,
jornal Diários Associados, 1976.

171 “Meyer Filho além


fronteiras”, nota do Jornal
de Santa Catarina, 1976.

171

116 117
MEYER FILHO: os seres daquele planeta e diz, entre uma gargalhada do Brasil, o “maior banco da América Latina”, eles, apesar de serem pessoas do mais alto gabarito.
e outra, que não se trata de brincadeira: considera-se e consegui me aposentar sem nenhuma falta ao serviço Então, qualquer pintor de m(), só porque ganha
SOU UM ARTISTA UNIVERSAL um cidadão marciano e quer voltar a viajar mais vezes e sem nenhuma úlcera no estômago (e sem puxar o Cr$ 800 mil por mês, acha que é gênio. Eu não ganho
Entrevista a Carlos Damião, (para sorte dos que apreciam suas narrativas fantásticas saco de ninguém! Tanto que me aposentei sem nenhuma mais porque não quero.
Jornal de Santa Catarina (Florianópolis), 1981 e surrealistas). Estamos diante de um pintor que não promoção por merecimento).
é só pintor: é um incrível cidadão cósmico. Boa viagem
JSC - Não quer ficar rico?
ao mundo de Meyer Filho.
Em agosto, o pintor Ernesto Meyer Filho exporá, JSC - E financeiramente, como está o pintor Meyer Filho? Meyer Filho - A minha etapa agora é ficar rico como
pela primeira vez, seus quadros eróticos – 15 ao todo Meyer Filho - Estou muito bem de vida. Aliás, todas as pintor – vocês podem colocar isso na entrevista. Eu estou
– numa festa que será denominada “Idílio Cósmico ou ***
promoções do Banco do Brasil que eu tinha por direito diretamente interessado porque levei 30 anos para ser
Sideral”. Aparecerá, então, uma nova faceta deste que ou antiguidade, eu consegui. Agora, se ninguém me reconhecido. A raça nunca perguntava assim: tu foste
é considerado um dos maiores pintores surrealistas JSC - Você se define como um artista universal, cósmico? promoveu por merecimento, isto não foi problema meu, elogiado por críticos famosos, de Rio e São Paulo? Foste
contemporâneos do Brasil: o lado sensual de Meyer Filho Meyer Filho - Eu sou. Não estou interessado em ser né? Eu queria ser pintor. homenageado? Nada. A raça só queria perguntar: “estás
e de seus galos e pássaros fantásticos. Nesta entrevista, um artista de Tijucas ou Florianópolis ou Biguaçu. Eu ganhando muito dinheiro com a tua arte?” Agora quero
ele fala de sua nova fase de pintura e faz incríveis estou interessado em ser o que sempre fui: um artista ficar rico como pintor – é o objetivo final dos últimos
revelações sobre sua viagem ao Planeta Marte. JSC - Quem são teus contemporâneos ilustres no Banco?
universal. Porque um cidadão de Tijucas, Biguaçu, 50 anos da minha vida.
Araranguá, pode ser universal – seja o que ele for. Meyer Filho - O atual presidente do Banco do Brasil e o
*** atual Ministro da Fazenda entraram como funcionários
JSC - Você está com esperança de chegar aos 111 anos?
do BB um ano depois de mim. O meu irmão mais
JSC - Como é que você define a sua arte? moço, Dr. Alfredo Liberato Meyer, entrou no Banco do Meyer Filho - (risos) É claro.
Conversar com Meyer Filho é dispor-se, sempre,
a uma viagem fantástica surrealista ao Banco do Brasil Meyer Filho - Vocês podem gozar de mim, mas eu acho Brasil como funcionário um ano depois de mim. Está
(onde trabalhou 30 anos) e ao planeta Marte (de onde que sou um dos maiores pintores do Brasil e arredores. aposentado, ganhando algumas dezenas de milhares de JSC - Por que o seu interesse pela arte erótica?
se diz cidadão espiritual e embaixador no planeta Terra). Eu não me considero melhor do que ninguém, mas quem cruzeiros a mais do que eu. Ele queria ser aposentado Meyer Filho - Eu comecei a fazer desenho erótico
Entrevistá-lo não deixa de ser uma aventura para uma achar que é melhor do que eu, tem que fazer o que como inspetor do Banco do Brasil – e conseguiu. Eu em 1941, quando entrei para o Banco do Brasil como
tarde ensolarada de sexta-feira, quando vamos encon- eu faço mais e melhor do que eu. No Banco do Brasil, queria ser aposentado como grande pintor e também funcionário. Isto que vou dizer é incontestável e
trá-lo em sua casa da Rua Altamiro Guimarães, colhendo quando eu era funcionário, calculo que tenha feito, na consegui. (risos) Porque o cara é julgado pelo dinheiro indesmentível: todo brasileiro, seja ele granfino,
pimenta malagueta no quintal, espantando seus galos hora do cafezinho, uns 30 mil desenhos – rasguei uns que ele ganha, né? Então qualquer imbecil que ganhe operário, milionário, quando a raça se reúne, a
(vivos) e gatos. 26 mil, mas quatro mil eu tenho aqui. Então, pro sujeito Cr$... 10, Cr$ 100 ou Cr$ 200 mil – às vezes na base da conversa começa a ficar muito séria e acaba na mais
que achar que é melhor do que eu, tem que trabalhar política, da picaretagem – acha que é gênio. Os cientistas
Durante mais de quatro horas, o pintor Ernesto alta sacanagem e put(). Desde 1941, quando entrei
no Banco do Brasil – como eu trabalhei 30 anos e 61 dias brasileiros de valor não ganham, às vezes, um quinto do
Meyer Filho – reconhecido como um dos maiores para o Banco, eu fazia meus desenhos de sacanagem.
– e tem que se aposentar como eu me aposentei, sem que ele ganha.
pintores surrealistas do Brasil – falou de sua arte e Depois rasgava e a turma ficava apavorada. Em 1963,
nenhuma falta ao serviço e nenhuma úlcera no estômago
principalmente sua exposição comemorativa de 10 anos pela primeira vez um artista catarinense, residente
e tem que fazer mais de dois mil galos.
de aposentadoria do Banco do Brasil – a realizar-se no JSC - Você acha que o artista ainda não é valorizado? em Santa Catarina, expôs em São Paulo. Eu estava do
próximo mês de agosto, no Studio de Artes. Para esta Meyer Filho - O artista só é valorizado quando fica lado de amigos jornalistas e críticos, fiz uns desenhos
exposição – que tem uma particularidade: pela primeira JSC - Onde vai ser sua exposição de galos eróticos? famoso. de sacanagem e eles adoraram. De repente, rasguei
vez Meyer Filho mostrará seus quadros de desenhos Meyer Filho - No “Studio de Artes”, da Rosa, no os desenhos e eles disseram: “meu Deus, Meyer, que
eróticos –, o pintor vem trabalhando furiosamente mês de agosto. burrice! Se tu quiseres fazer desenhos eróticos, nós
JSC - Você é valorizado? temos aí uma editora que publica. Nós vamos ganhar
durante o dia, criando incríveis galos cósmicos, todos
dotados de órgãos sexuais masculinos, vistosos e Meyer Filho - Não sou mais porque já sou o suficiente. dinheiro nas tuas costas”. Eu estou nessa base agora:
JSC - É comemorativa aos teus 30 anos de Banco
coloridos. A exposição vai se chamar “Idílico Cósmico faturar alto com os desenhos de sacanagem (risos).
do Brasil?
ou Sideral” e tem grande importância para Meyer Sabe qual a diferença entre um artista mixuruca,
Meyer Filho - Não. Esta eu Já fiz. É comemorativa aos JSC - Em termos monetários, quanto está valendo
Filho: “porque, entre outras coisas, comemora minha picareta e comercial – que desenha e pinta as coisas
10 anos de aposentado – eu me aposentei do Banco do hoje um galo assinado por você?
aposentadoria e o nascimento do meu terceiro neto. para agradar os tolos – e um grande pintor, como
Brasil em 1971. Trabalhei 30 anos no BB e vou comemorar Meyer Filho - Cr$ 80 mil os que estou vendendo. Meyer Filho (desculpa a falsa modéstia)?
Vai ser um marco na minha vida: vai ser tão boa, tão
minha aposentadoria! (Meyer Filho ri e continua.) Na Da minha coleção é de Cr$ 200 mil para cima. Porque
importante quanto qualquer outra exposição minha.
Itália, há dois ou três anos, uma peça teatral fez um eu não preciso viver de arte. A grande desgraça é que
Quero botar pra quebrar”. JSC - Qual é a diferença?
sucesso medonho em Roma. Vocês sabem como era se julga o artista pelo dinheiro que ele ganha. Então,
Meyer Filho, aos 61 anos de idade, considera-se um o nome da peça? O nome da peça era: “Os bancários pode ser o maior picareta como tem alguns em Santa Meyer Filho - Quando um pintor mixuruca pinta uma
jovem em plena capacidade criativa. E fala, pela primeira também amam”. (risos) Porque, diante do mundo, Catarina, que ganham um dinheirão fazendo tapetes – flor, uma moça bonita ou uma bela paisagem, ele faz
vez em muitos anos, de sua experiência com o planeta uma das classes mais bitoladas é a dos bancários e eu e pensa que é melhor que a gente. Frescura. Todo mundo coisas horrorosas, que ofendem profundamente as
Marte e os marcianos. Revela seu primeiro contato com mostrei que tudo é relativo: trabalhei 30 anos no Banco sabe que os cientistas brasileiros ganham uma m() todos pessoas inteligentes e que têm sensibilidade.

118 119
Um grande pintor – como eu, naturalmente (estou aqui, tem idade. O sujeito pode ser um burro aos 20 como JSC - E que tal a experiência? JSC - E a história do gado leiteiro?
fazendo a minha propaganda) – pode desenhar o pai fí- aos 90 anos de idade. Depende do cara. É tudo relativo. Meyer Filho - Maravilhosa. Meyer Filho - Pois é, como eu ia dizendo, perguntei
sico da humanidade (o “cara de alho”, né?) de qualquer O Einstein formulou a “Teoria da Relatividade” quando para eles: como é que as duas famosas raças leiteiras
maneira, de qualquer tamanho, de qualquer cor, que ele tinha mais de 70 anos. Tudo o que eu faço, baseio-me do planeta Terra chegaram até Marte? Sabe o que eles
transforma numa obra de arte. Esta, a diferença. na teoria da relatividade. É claro que eu não entendo JSC - O que você viu em Marte?
responderam? “Olha, há 200 anos atrás, (parece gozação,
a teoria de Einstein assim, mas sei por alto. Tudo é Meyer Filho - Vi tudo. Inclusive eu cheguei lá numa mas não é), quando existia o faroeste nos Estados
relativo, nada é absoluto. Os moços, há 20 anos atrás, das bases especiais subterrâneas do planeta Marte e vi Unidos, houve aquelas famosas corridas em busca do
JSC - Por que a tua preferência em pintar mais o órgão
esculhambavam com os velhinhos de 30 anos de idade. um gado leiteiro igualzinho ao nosso – raça “Jersey” e ouro. “Muitas dessas corridas foram provocadas pelos
sexual masculino que o feminino?
Quantos anos tem Roberto Carlos, hoje? 40. “holandesa”. Perguntei: “que negócio é este? Este gado marcianos, que iam lá roubar o gado americano. Mas,
Meyer Filho - Porque eu sou homem, né? E tenho que pertence ao planeta Terra”. Responderam-me “olha, não como eles não são ladrões, eles deixavam o ouro (que
enaltecer o… te impressionas porque nós fomos lá roubar este gado”.
JSC - Ninguém pintou tantos galos como Meyer Filho? não vale nada no planeta Marte) como compensação.
Espalharam cinco, 10, 20 toneladas de ouro pelos
Meyer Filho - Vocês podem me chamar de pretensioso,
JSC - Depois daquelas “férias” de um ano, o pintor JSC - E como é a arte no Planeta Vermelho? campos, baixavam uma astronave na planície americana
mas acho que em toda a história da humanidade nunca
Meyer Filho parece ter voltado à carga total, pintando e embarcavam mais de mil bois de cada vez. (risos).
houve um artista que tivesse pintado tanto galo quanto Meyer Filho - Maravilhosa. Lá eu sou considerado um
novamente no ritmo costumeiro. Por que você parou Depois aparecia um marciano disfarçado de terráqueo e
eu. (risos) Acho que o que o artista e o intelectual têm grande expoente da pintura do planeta Marte. Eu vou
um ano? mostrava uma das pepitas que eles espalhavam dizendo:
que se promover: se todo mundo se promove, porque eu lá inclusive ensinar arte. No Planeta Vermelho, tudo é
Meyer Filho - Há dois anos atrás eu tive um terrível “olha, eu descobri isso ali, ó”. E aí acontecia a “corrida
não vou me promover também? O mundo é esse. Aprendi ensinado eletronicamente: eu chego lá e em dois dias
esgotamento porque pintava dia e noite. Eu tinha um do ouro”. No Alasca foi a mesma coisa.
isso há muitos anos e todos os dias eu faço tudo para dou uma aula. É uma coisa sensacional. Inclusive, os
vício: como trabalhava no Banco do Brasil, só tinha me promover. cidadãos do planeta Marte não são originários de lá:
tempo de pintar à noite. Então, centenas ou milhares eles são de planetas de outro sistema, além do Sol. JSC - Como é que foi a sua viagem para Marte?
de noite eu ficava pintando até de madrugada. Isto fez Inclusive uma das missões deles é observar a burrice
JSC - Que tipo de material você utiliza para a pintura? Meyer Filho - Isso é um problema técnico. A viagem é
com que eu tivesse terrível esgotamento: certo dia, fui dos terrenos, que estão utilizando a energia nuclear rapidíssima. Uma nave espacial de Marte leva 20 minutos
falar e perdi a voz, fiquei dez minutos sem conseguir Meyer Filho - Só uso tinta estrangeira, porque a nacional sem estarem aparelhados para isso. no máximo para realizá-la. Inclusive eu perguntei qual
dizer qualquer coisa. Fui ao médico e ele me disse que é horrorosa. Às vezes, faltavam duas ou três tonalidades
era o combustível que eles usavam. “Pintor Meyer Filho”,
eu havia tido uma terrível distimia. Não é mole: os meus da tinta para mim e eu comprava nacional mesmo, já que
JSC - Como moram e trabalham os marcianos? responderam, “isto é…” (pausa. Meyer não recorda o
desenhos, além de serem trabalhosos, são altamente a grande maioria dos artistas brasileiros usa. Sabe o que
nome do combustível). “Nas nossas naves espaciais
técnicos – não têm uma pincelada fora do lugar: é tudo aconteceu? Criei alergia total à tinta vagabunda. Meyer Filho - Lá é tudo subterrâneo: cavernas naturais
nós usamos a energia cósmica”. Não entrei em maiores
certinho e altamente criativo. ou artificiais. Inclusive eu vi uma aeronave americana
detalhes porque, afinal de contas, eu sou apenas pintor,
pousar a 50 metros de uma base especial subterrânea
JSC - E as histórias de Marte, são verdadeiras? desenhista, tapeceiro e ilustrador e não entendo nada
onde eu estava com meus amigos. A raça gozou
JSC - Seu ritmo agora é outro? Meyer Filho - Mas é claro! Em Marte, eu sou conside- de engenharia espacial.
solenemente. Eles lançaram um campo magnético e
Meyer Filho - Claro. Eu trabalhei vinte anos de rado o maior pintor do Planeta Vermelho. Eu vim para uma poeirada desgraçada (feita artificialmente, pois
madrugada. Agora, só de manhã e de tarde. E estou o planeta Terra em missão especial: para melhorar o existem as naturais). Se os habitantes do planeta Marte JSC - Qual foi o teu último contato com Marte?
numa fúria total em matéria de pintura. Jamais pintei nível intelectual e cultural de Santa Catarina. Eles me desejaram, nós vamos ficar cem anos descendo no Meyer Filho - Foi há dois meses atrás, quando fui
tão rápido quanto agora e estou precavendo a minha avisaram: “olha, Meyer, tu vais ser chamado de maluco
Planeta Vermelho sem jamais imaginar que exista vida convidado a visitar o planeta Marte pela 21ª vez. Mas,
saúde. O que me interessa pintar e me arrombar? Fiquei durante 30 anos”. Realmente eu fui. Mas disse para eles:
lá dentro. É tudo subterrâneo… (risos). Inclusive, eles acontece que eu tenho um compromisso com a Rosa,
10 minutos sem fala: eu tentava e não conseguia. Fui ao “se a missão é importante, eu topo”.
chupam a água da Terra… do Studio de Artes, para fazer uma grande exposição
médico e prometi a mim mesmo que jamais pintaria de
de desenhos eróticos em agosto. Agradeci o convite,
madrugada. Não tenho necessidade. Só pinto de manhã
JSC - Quando se deu o seu primeiro contato mas falei a eles para deixar para outra oportunidade.
e de tarde. A noite é para tomar uma “Brahma”. JSC - Como assim?
com o planeta Marte?
Meyer Filho - Não tem essas tormentas, que a gente
Meyer Filho - O primeiro contato com o planeta Marte JSC - Quanto tempo tu ficas normalmente
JSC - Hoje você é reconhecido nacionalmente como chama de “tromba d’água”? Pois eles aproveitam as
foi em 1963, quando pela primeira vez um artista no planeta Marte?
grande pintor surrealista. Qual a sensação? “trombas” para levar água do mar do planeta Terra para
catarinense residente em Santa Catarina expôs
Marte. Porque a água de lá está escondida. O planeta já Meyer Filho - Olha, é coisa rápida: um, dois, três,
Meyer Filho - É maravilhosa. Nunca me senti tão jovem individualmente numa grande galeria de São Paulo.
teve grandes civilizações, no passado, mas a água que quatro dias no máximo. Às vezes, a raça do Ponto
como agora. O mal da humanidade é este: juventude Eram três horas da madrugada quando bateram na
existia secou toda. Então eles estão captando água e Chic (onde quase todas as noites eu faço as minhas
é uma coisa… Vocês vão me desculpar, mas o homem porta do meu quarto de hotel. Atendi, olhei, era um
arte do planeta Terra. Quando falta água, eles causam o fofocas) pergunta “há quatro ou cinco dias que tu
é de uma burrice tão grande… que é o Roberto Carlos? cara assim meio diferente. Perguntei “quem és tu,
fenômeno da “tromba d’água”, que conduz o líquido até não vens aqui”. Eu não digo nada, o negócio é que
Quando é que ele é mais famoso? Hoje ou quando jovem?” Ele respondeu: “eu sou cidadão do planeta
o planeta Marte. eu estava no planeta Marte.
começou? É hoje, quando ele está com 40 anos, isto Marte”. E quero entrevistá-lo e levá-lo para o meu
ocorre com todo aquele pessoal que começou na época querido Planeta Vermelho, porque tu, espiritualmente,
da “jovem guarda”. A verdade é essa: a burrice não és um cidadão marciano”. Eu fui.

120 121
172 “Guerra nas estrelas......” Em um planeta situado a mais 173 Capa da A arte fantástica de Meyer Filho, “Guerra nas
de 5 milhões de anos-luz da Terra..., 40 x 29,5 cm, nanquim estrelas......” Em um planeta situado a mais de 5 milhões
sobre papel, 1979. de anos-luz da Terra..., 37,5 x 28 cm, serigrafia, 1981.

JSC - Lembras de algum nome de marciano? JSC - Além de combater a burrice, qual a tua missão 172
Meyer Filho - É claro que sim. O meu maior amigo na Terra?
chama-se Bitubiriba. Meyer Filho - Numa entrevista que dei ao Manuel de
Menezes, há uns 20 anos atrás, na Rádio “A Verdade”,
eu me declarei como “Embaixador do Planeta Marte”
JSC - Muitos galos em Marte?
em todo o território nacional do Brasil, do Arroio Chuí
Meyer Filho - Os galos são o maior símbolo do Planeta. ao rio Oiapoque.
Vocês podem me chamar de gozador e tudo: na Terra,
o símbolo oficial da França é o galo. E o galo é também
o símbolo do planeta Marte. E o meu símbolo também. JSC - Algum problema diplomático entre o Brasil e
Marte?
Meyer Filho - Não porque as relações são espirituais.
JSC - Alguém de Santa Catarina chegou a viajar
As nações da Terra não estão nem sabendo disso.
contigo a Marte?
São relações sobrenaturais.
Meyer Filho - Não. Mas, em Santa Catarina existem
cidadãos do planeta Marte…
JSC - De que maneira os marcianos se relacionam
sexualmente?
JSC - Quem são?
Meyer Filho - Praticamente a mesma coisa. Eu inclusive
Meyer Filho - De Santa Catarina, só eu. perguntei: “como é que vocês fazem amor?” Eles
responderam: “a mesma coisa que vocês, porque ainda
JSC - O professor Seixas Neto não é marciano? não conseguimos descobrir uma maneira melhor”.
Meyer Filho - Ele está convidado para ir até lá.
Ele e o doutor J. J. Barreto. JSC - A tua pintura surrealista, fantástica
– tem alguma coisa a ver com a experiência em Marte?
JSC - O professor Franklin Cascaes, não? Meyer Filho - Tem e não tem. A partir de 1957, eu me
tornei o primeiro pintor fantástico surrealista do Brasil.
Meyer Filho - Eu não escutei. Só sei dizer que duas
E eu não tinha a mínima ideia de que um dia eu ia me 173
pessoas inteligentes da Ilha estão na bica para serem
tornar um cidadão de Marte.
convidadas para dar uma conferência no planeta Marte.
O professor Seixas Neto e o doutor J. J. Barreto são
muito conhecidos no planeta Marte e mais dia menos
dia serão convidados. Talvez existam outros nomes,
mas eu não perguntei.

JSC - Como é a alimentação em Marte?


Meyer Filho - Mais ou menos igual. Pequenas diferenças.
(pausa) E tu sabes que fazem dois mil anos que se
condenou o último marciano a cumprir pena numa
penitenciária?

JSC - E qual foi o crime que ele cometeu?


Meyer Filho - Cobiçou a mulher do próximo.

122 123
122 123
174 174 “Meyer Filho. Sucesso em São Paulo”, 175 Charge de Meyer Filho sobre o III Encontro Nacional
nota do jornal Galera da Ilha, 1983. de Críticos de Arte, jornal desconhecido, 1983.

175

124 125
176 176 Carta para Júlio Rafael 177 Sem título, 38 x 33 cm, comentário do artista em grafite sobre papel 178 Sem título, 38 x 33 cm, nanquim
de Aragão Bozano, 1991. cartão recortado; desenho em nanquim e tinta acrílica sobre papel, 1959. e tinta acrílica sobre papel, 1959.

177

178

126 127
O título desta ilha faz alusão a uma espécie de crônica-
manifesto em que Meyer Filho une um comentário de Nikita
Kruschev sobre arte contemporânea (após sair de uma exposição)

RESPEITÁVEL PÚBLICO
a Orson Welles (em A guerra dos mundos, que, de certo modo,
inspirou a “viagem” de Meyer a Marte), passando por críticas
que recebia a respeito da sua obra e de alguns posicionamentos
pessoais. Segundo ele: “Para terminar essa despretensiosa
crônica vos direi quais as estranhas e fantásticas diferenças
entre o CINEASTA, ORSON WELLES, o pintor MEYER FILHO e as
cidades de NOVA IORQUE e FLORIANÓPOLIS”.

Esse texto nos faz refletir sobre a maneira como Meyer Filho
se apropriava dos meios de comunicação para levar suas obras e
suas ideias ao grande público. Dizia: Se a Coca-Cola pode fazer
propaganda, por que ele, artista, não poderia? Meyer tecia suas
críticas à sociedade e à própria arte em programas televisivos
e de rádio. Em 1990, espalhou outdoors por diversos pontos da
cidade, em que fazia uma irônica autocrítica: “ARROMBASTES,
FLORIPA! O pintor Meyer Filho só sabe pintar galos!!!!”.

Se, por um lado, Meyer Filho era conhecido como “Seu Galo”,
o “pintor de galos” , o “cacarejante”, entre outros adjetivos
galináceos, por outro, ele quis mostrar que foi muito além dessa
figura autocentrada e criou uma obra que ultrapassou as noções
históricas e canônicas dos “ismos”. Para compor seus outdoors,
Meyer se apropriou do método chinês Dazibao, que surgiu em torno
de 1911, e foi utilizado pela população da China (e ganhou o
mundo em seguida) como estratégia para divulgar ideias por meio
de cartazes com mensagens curtas e diretas, com poucas palavras.

Mas, convenhamos, Meyer Filho não era um artista de poucas


palavras, nem de meias-palavras, e por isso foi convidado a
apresentar um quadro no Jornal Barriga Verde, o Papo de Galo,
em 1983. Com um “linguajar típico, engraçado e insólito”, Meyer
desejava se comunicar na faixa popular, e sempre iniciava seu
quadro cacarejando diante da câmera, por cerca de um minuto
e meio. Ele utilizava estratégias de meios de comunicação de
massa para ampliar o alcance de sua arte em outras ações, como
a veiculação de charges, crônicas e croniquetas em jornais
impressos, os outdoors e a confecção de banners.

128 129
179 Florianópolis, cidade mártir, 180 Respeitável público, 180
nanquim sobre papel, 1946. manuscrito, s.d.

179

130 131
181 Apesar da crise..., primeira charge 182 A ‘vassoura’ de Janio, segunda charge 183 Sem título, charge publicada no jornal 183
publicada, jornal desconhecido, 1953. publicada, jornal desconhecido, 1953. O Estado, com comentário do artista, 1953.

181

182

132 133
184 184 Mistério político: aviso aos navegantes, 185
As nossas estradas e Quem espera, SEMPRE
alcança......... E os bancários catarinenses
esperam........ charges publicadas no jornal
Unidade, 1954.

185 Sem título, charge publicada


no jornal Unidade, 1954.

186 Sem título, charge publicada


no jornal Folha Popular, 1954.

186

134 135
187 187 Jornalistas x ‘Jornalistas’, 24 x 36,5 cm, 188 Brasil 1954, 25,5 x 25,5 cm, 189 Brasil 1954, 23,2 x 28,5 cm, 190 Brasil 1954, 24,5 x 27,8 cm,
nanquim sobre papel, 1962. nanquim sobre papel, 1954. nanquim sobre papel, 1954. nanquim sobre papel, 1954.

188

189 190

136 137
191 Brasil 1954, charge publicada 192 Brasil 1954, charge publicada no jornal 192
no jornal Folha Popular, 1954. Folha Popular, com comentário do artista, 1983.

191

138 139
193 - 196 Sem título, charges publicadas no jornal
Unidade, com comentário do artista, 1956.
193

194 195

196

196

140 141
197 Sem título, 32,5 x 41,0 cm, 198 Sem título, 31,5 x 36,5 cm,
nanquim e lápis de cor sobre papel, 1956. nanquim e lápis de cor sobre papel, 1956.

197 198

142 143
199 200

199 Fôlder da exposição 200 Sexta-Feira Santa, desenho


“Desenhos”, no Museu de Arte publicado no jornal A Gazeta, 1961.
Moderna de Florianópolis,
com intervenção do artista
e recorte do jornal A Tribuna 201 Sem título, 29,2 x 31,1 cm,
Catarinense, 1961. nanquim sobre papel, 1961.

201

144 145
202 202 Carta para 203 A marcha contra a juventude........., reprodução de
Theon Spanudis, 1967. slide, desenho original em acervo desconhecido, 1967.

203

146 147
204 “Comunicado à imprensa falada, escrita e televisionada do Brasil. 205 Sem título, charge publicada na coluna
Florianópolis está progredindo.......”, carta para a imprensa, com comentário do artista, 1970. de Beto Stodieck, jornal O Estado, 1977.

204 205

148 149
206 206 Homenagem ao automóvel, charge 207 Homenagem ao automóvel, 208 Homenagem ao automóvel, 209 Homenagem ao automóvel,
publicada no jornal Gazeta do Povo, 1975. 41,4 x 33 cm, nanquim sobre papel, 1975. 44,5 x 32,2 cm, nanquim sobre papel, 1975. 44,3 x 32,5 cm, nanquim sobre papel, s.d.

208

209
207

150 151
210 Informativo boletim 211 CÓ-CÓ-RÓ-KÓ-KÓ, 131,5 x 110 cm,
AABB, ano 1, nº 3, 1985. acrílica sobre lona, 1987.

211

152 153
212 “Divorciados do real”, de 213 Meyer Filho e Dercy Gonçalves, 214 Informação sobre a estreia do programa 215, 216 “O nosso presente 214
Cacau Menezes, jornal O Estado, nota de Beto Stodieck no Jornal de Papo de Galo, na coluna “O cantinho do de aniversário”, Boletim
com comentário do artista, 1983. Santa Catarina, s.d. zum-zum”, jornal A Ponte, 1983. TV Barriga Verde, 1983.

213
212

154 155
156 157
217 Informação sobre o programa Papo de Galo, 218 “Cada qual no seu poleiro”, nota de Beto Stodieck, 219 Sem título, 16,5 x 12,8 cm, 220 Sem título, 12,2 x 14,1 cm, 221 Sem título, 12,7 x 14,7 cm,
na coluna “O cantinho do zum-zum”, jornal A Ponte, 1983. Jornal de Santa Catarina, s.d. grafite sobre papel, 1984. grafite sobre papel, 1984. grafite sobre papel, 1984.

217 219

218

220 221

158 159
222 Meyer Filho em confraternização com colegas 223 Meyer Filho em programa de 224 - 228 Meyer Filho no quintal de
da TV Barriga Verde, fotógrafo desconhecido, s.d. auditório, fotógrafo desconhecido, 1983. casa, fotógrafo desconhecido, s.d.

222 223

224 225 226 227 228

160 161
229 “Galinácea, esta”, nota de Beto 230 Sem título, desenho publicado 231 Sem título, charge publicada na
Stodieck, Jornal de Santa Catarina, 1986. no Jornal Santa Catarina, 1987. coluna “Mural”, jornal O Estado, 1984.

231
229

230

162 163
232 Os dois anjinhos vermelhos da política verde e 233 Comentário ao Sr. Editor-chefe Amando
amarela, 42,5 x 32,5 cm, nanquim sobre papel, 1986. Brend........ com recorte de jornal 1990.

232 233

164 165
234 - 235 Meyer Filho em frente ao outdoor “Arrombastes, Floripa!”, Avenida 236 - 238 Outdoor “Arrombastes, Floripa!”, local 236
Mauro Ramos, Centro, Florianópolis, fotógrafo desconhecido, 1990. desconhecido, fotógrafo desconhecido, 1990.

234

237

235

238

166 167
239 Sem título, 57 x 20 cm, nanquim 240 Meyer Filho em frente ao outdoor feito em 241 Sem título, charge publicada na coluna
e tinta acrílica sobre papel, 1985. crítica à UFSC, fotógrafo desconhecido, 1985. de Beto Stodieck, Jornal de Santa Catarina, 1985.

239 241

240

168 169
Uma carta de 1941, endereçada a “Mamãe e Papai” (e guardada
por dona Rachel Liberato Meyer, mãe de Ernesto Meyer Filho),
apresenta a primeira impressão de Meyer ao retornar a Flo-
rianópolis, após uma temporada em Curitiba, para trabalhar no
Banco do Brasil. Florianópolis já era chamada de “Ilha de casos
e ocasos raros” e, por conta de alguns escritos do artista,

L H A D E C A S O S passou a ser, também, “de sol, chuva e vento sul”. As andanças

I e vivências de Meyer Filho nos espaços da capital catarinense


(clubes, praças e bares, principalmente) foram fundamentais
para constituição de sua poética, para sua legitimação como
E OCASOS artista e como cidadão do planeta Marte. Ele mesmo dizia que
a língua é o mais eficaz meio de comunicação e, nesses espaços,

RAROS DE SO
podia contar sobre suas viagens, exposições, fabulações e, a

L, partir daí, construir sua própria imagem, ou autoimagem, por


vezes, de um pintor insatisfeito com seu meio.

chuva e vento sul A preocupação do artista em registrar as tradições populares


— como a pesca da tainha, o carnaval e o boi-de-mamão — e em
mantê-las vivas e vívidas, são cuidados percebidos em sua obra,
sobretudo, se considerarmos que foram os modos e costumes locais
os primeiros temas a aparecerem em seus desenhos, no fim dos
anos 1940, momento em que Meyer havia encontrado uma poética
própria, um traço que já poderia chamar de seu. As casas e
os quintais também foram fundamentais para a construção do
repertório poético e antropológico de Meyer Filho.

“O quê que há, ô?!”, falava com seu tom de voz alto e estri-
dente quando chegava nos lugares. Se alguém lhe perguntasse
como andava a vida, ouviria algo como “A cana tá dura!”.
E quando o papo “descambava” para alguma questão mais séria,
a resposta costumava ser nem um pouco otimista, mas sempre
bem humorada: “O ser humano tá fudiiiidoooo, ô!”

Entre seus pares, na rua ou na mesa de um bar, na saída do


banco ou depois da aposentadoria, Meyer Filho construiu sua
imagem de artista, de “louco manso”, de bom burguês, de contador
de história e de galo, em conversas sobre política local e
internacional, eventos da sociedade, novidades artísticas e
alguns cacarejos (algumas vezes, literalmente), sempre regados
a um cafezinho ou a uma Brahma gelada.

171
242 Sem título, 25,5 x 36,6 cm, 243 Carta de Meyer Filho
nanquim sobre papel, 1982. para seus pais, 1941.

242

243

172 173
244 Porto de Florianópolis, 245 Anotação do artista em 246 Sem título, ilustração 247 Monumento aos heróis do
ilustração para a Revista Sul, cópia da ilustração, Porto de para a Revista Sul, nº 28, Paraguai, 41 x 34 cm, nanquim
nº 24, 1955. Florianópolis, 1955 1956. e aquarela sobre papel, 1965.

244

245 246

174 175
248 Sem título, 39,8 x 33 cm, 249 Sem título, 45 x 32,4 cm, 250 Telhados de Florianópolis (estudo), 22,5 x 22 cm, 251 Sem título, 44,9 x 32,5 cm, 252 Sem título, 39,3 x 35,6 cm,
grafite sobre papel, s.d. nanquim sobre papel, s.d. nanquim e guache sobre papel, 1963. grafite e nanquim sobre papel, s.d. nanquim sobre papel, 1965.

248 249 252

250 251

176 177
253 Sem título, 50,4 x 44,5 cm, 254 Sem título, 45 x 32,5 cm, 255 Sem título, 41,5 x 32,9 cm,
acrílica sobre eucatex, 1986. nanquim e grafite sobre papel, s.d. nanquim sobre papel, s.d.

254

253

255

178 179
256 Meyer Filho com obra na Praça XV de Novembro, 257 Sem título, 28,9 x 36 cm, grafite
Centro, Florianópolis, fotógrafo desconhecido, s.d. e lápis de cor sobre papel, 1957.

256 257

180 181
258 “Petanha”, tipo popular da Ilha 259 Sem título, 260 Sem título, 29,5 x 29,5 cm, 261 O Sr. Antônio João da Silva, 262 Egino Modesto, um trabalhador da Ponte
de Santa Catarina, 44,7 x 32,5 cm, 40,9 x 30 cm, nanquim caneta esferográfica sobre 19,2 x 13,2 cm, caneta esferográfica Hercílio Luz, 12,9 x 15,8 cm, caneta esferográfica
nanquim sobre papel, 1989. sobre papel, 1986. papel (pacote de cigarro), s.d. sobre papel (pacote de cigarro), 1990. sobre papel (pacote de cigarro), 1990.

258 260

259
261 262

182 183
263 263 Sem título, 27 x 21 cm, 266 267
nanquim e caneta hidrocor
sobre papel, 1978.

264 Sem título, 23,3 x 19,6 cm,


nanquim e caneta hidrocor
sobre papel, 1978.

265 Sem título, 20 x 17 cm,


nanquim e caneta hidrocor
sobre papel, 1978.

266 - 269 A brincadeira


do Boi-de-Mamão,
manuscrito, s.d.

264

268 269

265

185
270 Sem título, 38,3 x 24 cm, 271 Estudo p/ cavalinho, 272 Sem título, 273 Sem título, 27,3 x 36 cm
grafite, lápis de cor e nanquim 27,9 x 36,8 cm, grafite 32,2 x 27,5 cm, grafite nanquim, tinta acrílica e lápis
sobre papel, s.d. sobre papel, 1958. sobre papel, s.d. de cor sobre papel, s.d.

270 273

271 272

186 187
274 Sem título, 41 x 32,5 cm, 275 Sem título, 36,3 x 27,4 cm, 276 Sem título, 38 x 25,5 cm, 277 Personagens do “Boi-de-mamão” - versão catarinense do
nanquim sobre papel, s.d. nanquim sobre papel, s.d. lápis de cor sobre papel, s.d. “Bumba-meu-boi”, 41,4 x 36,5 cm, serigrafia, prova de artista, s.d.

274

276

277

275

188 189
278 Sem título, 24,1 x 33 cm, nanquim sobre 279 Ai, todos os bichos no salão,
papel, com anotação do artista, 1986. 36 x 43,2 cm, nanquim sobre papel, 1986.

278

279

190 191
282
280 Sem título, 45 x 32,5 cm, 281 Sem título, 282 Estudo “cavalinho”, 283 Sem título, 284 Sem título,
nanquim e tinta acrílica sobre 44,6 x 40,2 cm, acrílica 27 x 38,4 cm, nanquim e 3,5 x 41 cm, nanquim 18 x 25,1 cm, lápis de
papel, 1976. sobre eucatex, 1985. lápis de cor sobre papel, 1958. sobre papel, s.d. cor sobre papel, s.d.

280

281 283 284

192 193
285 “Meyer Filho”, por Franklin 286 Carnaval de 1978, 34,1 x 22,7 cm, 287 Carnaval de Florianópolis (SC),
Jorge, jornal O Mossoroense, 1980. grafite sobre papel, 1978. 34,1 x 22,7 cm, grafite sobre papel, 1978.

285 286

287

194 195
288 Ecos do Carnaval ILHÉU, 289 Carnaval 1980, 29,5 x 30,1 cm, 290 Meyer Filho em baile de Carnaval em 291 Meyer Filho com Helenita (filha) e Ruth (esposa),
21,6 x 26,5 cm, grafite e nanquim caneta esferográfica sobre papel meados dos anos 1960, em Florianópolis, em baile de Carnaval (Noite do Havaí), Country Club
sobre papel, 1985. (pacote de cigarro), 1980. fotógrafo desconhecido, s.d. de Florianópolis, fotógrafo desconhecido, 1959.
292 293

292 “Protegidos fiel à Ilha Tropical”, 293 Carta para Beto Stodieck, 294 Meyer Filho no desfile da escola de 295 Meyer Filho em frente à alegoria em homena-
nota da coluna “Carnaval de 1987”, publicada no Jornal de Santa samba Protegidos da Princesa, Carnaval gem à sua obra, antes de desfilar pela Protegidos
jornal Diário Catarinense, 1987. Catarina, 1986. de 1987, fotógrafo desconhecido, 1987. da Princesa, fotógrafo desconhecido, 1987.

288

289

295

290 291
294

196 197
296 Inúmeras vezes...., 297 Milhares de vezes, 298 Muitíssimas de vezes...., 299 “Nos domínios do Senadinho”,
manuscrito, 1990. manuscrito, s.d manuscrito, s.d. por Raul Caldas Fº, Revista Quem, 1981.

298

296
297

198 199
299

200 201
300 305 300 - 304 Meyer Filho na Praia de 305 Meyer Filho recebendo o Troféu Manezinho 306 Meyer Filho sendo entrevistado 307 Nota publicada na
Perequê, em Itapema/SC, fotografia da Ilha (com Aldírio Simões, criador do prêmio, após ganhar o Troféu Manezinho da Ilha, coluna “Personagem”,
Pedro Alípio, 1980. à esquerda), fotógrafo desconhecido, 1987. fotógrafo desconhecido, 1987. Jornal da Semana, 1979.

307

301

306

302

303

304

202 203
308 Meyer Filho posa ao lado da pintura na 309 Sem título, no Bar Tremendão, 27 310 Meyer Filho pintando a geladeira do 311 Troféu Peru Chato, no Bar 312 Monumento ao Cara D’alho, no Bar 313 Sem título, no Restaurante Quibelândia, 314 Meyer Filho no Corujão, Lagoa da Conceição.
geladeira do Box 32, jornal Diário Catarinense, x 35,6 cm, caneta esferográfica sobre Box 32, no Mercado Público de Florianópolis, do Elis, 26 x 28,5 cm, caneta Caravelle, 31,4 x 34 cm, caneta esferográfica 30,5 x 30 cm, caneta esferográfica sobre Da esq. para dir.: Meyer Filho, Darcy V. Verde e
fotografia Marcia Foletto, 1990. papel (folha de calendário), 1980 e 1981. fotógrafo desconhecido, 1990. esferográfica sobre papel, s.d. sobre papel (pacote de cigarro), 1981. papel (pacote de cigarro), 1981. Antônio Mir. Fotógrafo desconhecido, 1975.

308 309 312

310

313 314

311

204 205
315 Apocalipse Now, no Bar Roma, 20,8 x 18,3 cm, 316 Estudos, no Bar do Escova, 18,7 x 27,8 cm, 317 Sem título, no Restaurante Bumry, 24 x 18,8 cm, 316
caneta esferográfica sobre papel (pacote de cigarro), 1980. caneta esferográfica sobre papel, 1980. caneta esferográfica sobre papel, 1981.

315

317

206 207
318 Exercícios de imaginação, no Praia Club, 319 Sem título, no Bar La Isla, 20,8 x 14,5 cm, 320 Um dia de maio de 1988, no Bar do Wilson, 25,5 x 29,6 cm,
32,1 x 20,2 cm, caneta esferográfica sobre papel, 1982. caneta esferográfica sobre papel, 1982. caneta esferográfica sobre papel (pacote de cigarro), 1988.
318

320

319

208 209
321 Sem título, 21,9 x 17,4 cm, caneta 322 Visão do Carnaval da Ilha de Santa Catarina, no Restaurante 323 Galo Reçaka nº 2, 41,3 x 31,3 cm, 324 Galo veado, no Bar do Banco Redondo,
esferográfica sobre papel, 1983. Ao Ponto, 30,3 x 23,2 cm, caneta esferográfica sobre papel, 1980. caneta esferográfica sobre papel, 1989. 17,9 x 19 cm, caneta esferográfica sobre papel, 1990.

321

323

322 324

210 211
A prática artística de Meyer Filho não se limitava ao seu ateliê.
Além das mesas dos bares, onde fazia desenhos que eram ofertados a
amigos e outros frequentadores, sua casa e a mesa de trabalho no Banco
do Brasil também serviam como espaço de criação, investigação e articu-
lação de sua obra. “Quando eu tenho vontade de pintar, eu fico louco”,
dizia ele, e não importava onde: ele pintava, desenhava, carimbava e
escrevia. A obra do artista foi construída entre o espaço público e
o privado, e o entre, aqui, significa, também, margem. Muitas vezes,
Meyer transformou sua casa em um espaço de produção e de exposição,
HORA DE aberto a todos que passassem por lá. O lugar despertava a curiosidade,
principalmente, de crianças do Grupo Escolar Silveira de Souza, que
visitavam o artista na saída das aulas e o chamavam de “Seu Galo”.

EZINHO
UM CERTO CAF
Meyer também estava no limiar entre o artista e o bancário, po-
dendo-se considerar que ele foi um artista travestido de bancário
por 30 longos anos, “sem nenhuma falta ao serviço, nenhuma úlcera
no estômago e nenhuma promoção por merecimento”. Ele desenhava
obsessivamente, inclusive durante o expediente, fazendo uso de
canetas, blocos, grampeadores e carimbos da agência da Praça XV
de Novembro do Banco do Brasil para criar seus desenhos e estudos
“rápidos e rapidíssimos”. Desenhava também durante as férias, como
relata na matéria publicada no jornal O Estado, “Arte, as “férias”
de Meyer Filho”, de 23 de agosto de 1984: “Pedi para o relógio da
minha casa parar. Sou um pintor que logo após a exposição no Banco
do Brasil, em dezembro, olhou para o espelho mágico da sua casa
e disse: preciso de cinco meses - de férias! Desde então só estou
fazendo desenhos rápidos e plantando couve e árvores frutíferas.
(...) Nem só de galos vive o pintor Meyer Filho; ele vive também
de hortaliças e frutas”.

Além de alguns desses desenhos e de histórias sobre seus tempos de


bancário, esta ilha traz as tapeçarias desenhadas por Meyer e executa-
das por sua esposa, Ruth, e o estandarte “Galeria Meyer & Filhos”, que
ficava pendurado na garagem da casa da rua Altamiro Guimarães, indi-
cando que havia ali uma galeria familiar, uma casa de artistas. Toda
hora era hora “de um certo cafezinho”, como todo lugar poderia
se transformar imediatamente em ateliê — da mesa de jantar à sala de
espera de um consultório médico, passando pela mesa do Banco do Brasil
e pelos balcões dos botecos da cidade —, e todo material poderia ser-
vir de suporte de obra — versos de cheques e maços de cigarros, blo-
co de notas, papel de máquinas registradoras, jornais, papel sulfite,
papel de embrulho, quadriculado, pautado, liso, amassado e o que mais
ele pudesse encontrar.

Sempre rodeado por pinturas, passarinhos que ele criava em viveiros


e gaiolas ou que iam ao quintal e os mais variados livros de arte,
agronomia, botânica, zoologia (livros, estes, que nutriam seu imagi-
nário pictórico e seus experimentos cotidianos no quintal de casa),
Meyer misturou seu mundo fantástico, seu trabalho de bancário e seu
cotidiano familiar.

213
325 Sem título, folha A4, 326, 327 Carta para Nestor Jost, 1971, 325
xerografia, s.d. com intervenção do artista de 1981.

215
326 327

216 217
328 328 Informativo do Banco do 330
Brasil, 1942, com comentário
do artista, 1948.

329 Primeiro estudo executado


na carteira de c/c/ do BB, 19 x 16 cm,
lápis de cor e caneta esferográfica
sobre papel, 1960 e 1966.

330 Sem título, manuscrito, 1971.

331 Sem título, com comentário


do artista, 23,9 x 20,5 cm, nanquim
sobre papel, 1957.

331
329

218 219
332 “Informações sôbre a conduta do pintor Meyer Filho como funcionário do 333 Sem título, 21,2 x 13,5 cm, 334 Sem título, 18,4 x 13,4 cm, 335 Sem título, com comentário do artista, 336 Sem título, 21,5 x 14,7 cm, 337 Sem título, 21,6 x 14,8 cm, 338 Sem título, 21,8 x 14,4 cm,
Banco do Brasil S.A. Agência de Florianópolis”, documento do Banco do Brasil, 1962. nanquim sobre papel, 1957. nanquim sobre papel, 1957. 21,9 x 14,5 cm, nanquim sobre papel, 1957. nanquim sobre papel, 1957. nanquim sobre papel, 1957. nanquim sobre papel, 1957.

334

333

332

335 336

337 338

220 221
339 “Informações sôbre a conduta do pintor Meyer Filho como funcionário 340 Carta para 341 Documento do Banco 340
do Banco do Brasil S.A. Agência de Florianópolis”, documento do Banco do Dr. Tavares de do Brasil, com comentário
Brasil, 1962, com comentário do artista, 1981. Miranda, 1966. do artista, 1966.

339

341

222 223
342 Documento da Direção Geral do Banco do Brasil 343 Meyer Filho na sacada de sua 344 Carta de Meyer Filho para o Ilmo Sr. 345 “O estalo”, nota do Jornal
para Meyer Filho, com comentário do artista, 1971. casa, fotógrafo desconhecido, s.d. Gerente do Banco do Brasil S.A., 1973. Santa Catarina, 1980.

342 343 344

345

224 225
346 Documento fiscal do Banco do 347 Respeitável público:, 55 x 36,5 cm, colagem 348 Sem título, 55 x 36,7 cm, colagem
346 Brasil, com comentário do artista, 1981. de desenhos e nanquim sobre papel, 1980. de desenhos e nanquim sobre papel, 1980.

347

226 227
228 229
349 349 Sem título, 55 x 36,7 cm, 350 Sem título, 55 x 36,5 cm, 351 Estudo, 27,5 x 21,3 cm, caneta 352 Sem título, 27,5 x 21,3 cm, caneta
colagem de desenhos e colagem de desenhos e esferográfica, nanquim, guache e esferográfica, nanquim, guache e
nanquim sobre papel, 1980. nanquim sobre papel, 1980. colagem sobre papel, 1966 e 1982. colagem sobre papel, 1966 e 1982.

351

350

352

230 231
353
353 “Minha vida bancária”, convite de Wilson de Souza 354 “Bancário ‘malgré-lui’”, de Paulo da Costa Ramos,
Mello, com comentário do artista, xerografia, 1978. jornal O Estado, 1972, com comentário do artista em 1981.

354

232 233
355, 356, 357 ABACV, SJEAG, SIZEZ, SNEPA, SOCYD,
MACAC e MABUI...., manuscrito, 1980 e 1985.

355 356 357

234 235
358 Recibo de entrega de declaração do Ministério 359, 360 O Banco do Brasil, o cidadão e o
da Fazenda, com comentário do artista, 1984. Artista Plástico Meyer Filho, manuscrito, 1988.

358 359 360

236 237
361 “Galo na cabeça”, por Carmelo Faraco, 362 Sem título, 22 x 18,1 cm, 363 - 364 Sem título, máxima: 12,6 x 20,4 cm;
texto publicado na coluna “História não escrita do caneta hidrocor e carimbo mínima: 15,9 x 10,4 cm, nanquim e caneta
Banco do Brasil”, Boletim do Banco do Brasil, 1984. sobre papel, 1967. esferográfica sobre cartão bancário, s.d.

362

363 364

238 239
365 - 375 Sem título, máxima 13,5 x 19 cm; mínima: 11,9 x 9,3 cm, 376 - 386 Sem título, máxima: 20,3 x 12,5 cm; mínima: 12,6 x 12 cm,
caneta esferográfica, lápis de cor e grafite sobre papel, 1967 a 1971. caneta esferográfica, lápis de cor e grafite sobre cartão bancário, s.d.

365 366 367 376 377 378

368 369 370 379 380 381

371 372 373 382 383 384

374 375 385 386

240 241
387 388 389 387 - 393 Sem título, máxima: 20,3 x 12,5 cm; mínima: 12,6 x 12 cm, 394 - 401 Sem título, máxima: 12,6 x 20,4 cm; mínima: 15,9 x 10,4 cm,
caneta esferográfica, lápis de cor e grafite sobre cartão bancário, s.d. nanquim e caneta esferográfica sobre cartão bancário, s.d.

394 395 396

390 391

397 398

392 393

399 400 401

242 243
402 - 406 Sem título, máxima 13,5 x 19 cm; mínima: 11,9 x 9,3 cm,
caneta esferográfica, lápis de cor e grafite sobre papel, 1967 a 1970.1958

402 403
404

405 406

244 245
407 “Meyer e os galos ubiquos”, jornal 408 - 409 Folha de cheque, com intervenção 410 Capa de um talão de cheque, com intervenção do artista, 408
O Estado, com comentário do artista, 1973. do artista, 17,5 x 7,5 cm, xerografia, 1984. 25,2 x 15 cm, caneta esferográfica e nanquim sobre papel, 1960.

407

409

410

246 247
411 - 412 Folha de cheque, com intervenção 413 Meyer Filho mostrando suas intervenções 414 Recibo personalizado
do artista, 21 x 29,7 cm, xerografia, 1984 na folha de cheque, fotógrafo desconhecido, 1984. feito pelo artista, s.d.
411

414

412

413

248 249
415 Carta para 416 Paulo aos 6 meses (Primeiro esboço),
Theon Spanudis, 1966. 24 x 29 cm, grafite e nanquim sobre papel, 1950.

415 416

250 251
417 “Meyer expõe com dois filhos no 418 Galeria de Arte Meyer e Filhos,
Espaço de Arte”, jornal O Estado, 1987. 77 x 82 cm, acrílica sobre lona, 1991.

417

252 253
419 Matriz do convite da Exposição “Meyer Filho, Sandra Meyer e Paulo
Meyer”, na Max Stolz Galerie, 59,5 x 23 cm, nanquim sobre papel, 1984.

419

254 255
420
420 “Galo velho bom de briga”,
de Fátima Mafra, Jornal Santa Catarina, 1984.

257
421 421 A arte da família Meyer Filho na Max 422 Meyer Filho com sua filha Sandra Meyer, 423 Cartão-postal de Sandra
Stolz, Jornal de Santa Catarina, 1984. no quintal de casa, fotografia Pedro Alípio, 1979. Meyer para Meyer Filho, 1986.

422

423

258 259
424 424 Meyer Filho no quintal de casa, 425, 426 Meyer Filho no quintal de casa,
fotografia Pedro Alípio, 1980. fotógrafo desconhecido, 1969.

426

425

260 261
427, 429 Meyer Filho na sacada de 428 Meyer Filho recebe o crítico Georges Racz 430 Meyer Filho na sacada de casa, 431 Ruth Meyer, esposa do artista,
casa, fotografia Pedro Alípio, 1979. em sua casa, fotografia Pedro Alípio, 1981. fotografia Pedro Alípio, 1979. tecendo, fotógrafo desconhecido, 1977.

427 430

428

431

429

262 263
432 Meyer Filho no quintal de casa, 433 Meyer Filho em sua casa, imagem publicada 434 Meyer Filho em sua casa, imagem publicada na 435 Imagem publicada no caderno
fotógrafo desconhecido, publicada na matéria “Meyer Filho: Um estalo e muitos galos”, matéria “Meyer Filho leva seus galos para Curitiba”, “Revista”, jornal Diário Catarinense,
no Jornal de Santa Catarina, 1981. jornal O Estado, fotógrafo desconhecido, 1975. Jornal de Santa Catarina, fotógrafo desconhecido, 1975. fotógrafo desconhecido, 1987.

432 433

434 435

264 265
436 Meyer Filho em seu quintal, 437 Meyer Filho na sacada de sua casa. Da esq. para dir.: Maria Helena Jose, 438 As filhas do artista com pinturas feitas em cocos. 439 Meyer Filho em seu quintal,
fotografia Pedro Alípio, 1979. Sandra Meyer (filha) e Nair Alice Ammirabile, fotografia Pedro Alípio, 1980. Da esq. para dir.: Helenita e Sandra Meyer, s.d. fotografia Pedro Alípio, 1979.

436

438 439

437

266 267
440 Meyer Filho em sua casa. Da esq. para dir.: 441 Da esq. para dir.: Helenita, Sandra e Paulo (filhos do 442 - 448 Meyer Filho com pintura
Meyer Filho, Helenita (filha), Sandra (filha) e Ruth artista), na exposição do GAPF, no Instituto Brasil Estados corporal feita por Sandra Meyer,
Meyer (esposa). Fotógrafo desconhecido, 1960. Unidos (IBEU), Florianópolis. Fotógrafo desconhecido, 1960. fotografia Pedro Alípio, 1982.
442 443 444

445 446 447

440 441 448

268 269
V E R DA D E
É
É TUDO VERDADE!!!! A frase que dá nome a esta ilha é repetida muitas vezes, com
algumas variações, nas croniquetas de Meyer Filho, por persona-
gens que atestam a veracidade do que foi escrito pelo artista,
levando até o(a) mais incrédulo(a) leitor(a) a acreditar que o
que está posto é, sim, verdade.

É tudo verdade: cidadãos comuns sentados na soleira, na rua,


na calçada; boi-de-mamão com suas Maricotas, médicos, bois,
cavalinhos, bernunças e ursos; falos longos e sustentados por
pedaços de madeira, falos alados, falos voadores, falos com pernas
e esporões; palhaços fálicos, vasos fálicos, galos fálicos, ratos
e peixes fálicos; casas no fundo dos quintais, casas em primeiro
plano, casas na beira do mar, casas com bodes nos quintais, casas
com cobertura para canoas e charretes; árvores secas, sombrias,
coloridas, por trás dos sóis, ao redor de monumentos, envoltas de
pedras; marcianos, personagens cósmicos, surrealistas, fantásticos
e siderais.

Nesta ilha, há patas no lugar dos pés; no céu, sóis convivem com
luas; das asas de uma ave nascem olhos no lugar de penas; dragões
habitam a Terra e são dominados por guerreiros siderais; tamanduás
servem de apoio para anjos equilibristas; cavalos têm chifres e
são montados por diabos; e não há um galo igual ao outro. É tudo
verdade!!!!.

271
449 Sem título, 67,5 x 60 cm, 450 Sem título, 57,1 x 36 cm,
acrílica sobre eucatex, 1973. nanquim sobre papel, 1959.

449 450

272 273
451 Sem título, 12,4 x 7 cm, 452 Sem título, 22,3 x 15 cm, 453 Sem título, 17 x 12,5 cm, 454 Estudo, 14,6 x 22 cm, caneta
451 lápis de cor sobre papel, 1967. lápis de cor sobre papel, 1965. grafite e lápis de cor sobre papel, 1959. esferográfica sobre papel 1965 e 1966.

454

452

453

274 275
455 455 Sem título, 23,8 x 20,5 cm, 456 Estudos, 21,6 x 15,1 cm, caneta 457 Estudo, 21,7 x 14,7 cm, caneta hidrocor 458 Feiticeiros cósmicos, 27,7 x 21,5 cm,
nanquim sobre papel, 1986. esfereográfica sobre papel, 1974. e guache sobre papel, 1966 e 1977. guache sobre papel, 1966.

457

456 458

276 277
459
459 Sem título, 30,1 x 21,4 cm, nan- 460 Sem título, 19,7 x 18,6 cm, grafite e 461 Sem título, 14,4 x 9,6 cm, caneta 462 Cavaleiro sideral, 26,5 x 21,5 cm,
quim sobre papel, 1979. caneta esferográfica sobre papel, 1967. esferográfica e guache sobre papel, 1966. guache sobre papel, 1966.

461

460

462

278 279
463 Sem título, 24,5 x 20,2 cm, 464 Idílio cósmico I, 44,5 x 39,7 cm, 465 Cavaleiro do Apocalipse, 27,5 x 21,2 cm, 466 Sem título, 50 x 44,5 cm,
nanquim sobre papel, 1975. acrílica sobre eucatex, 1981. guache sobre papel, 1966. acrílica sobre eucatex, 1984.

463 465

11

464 466

280 281
467 Sem título, 41,1 x 35 cm, nanquim e 468 Sem título, 45,5 x 40 cm,
lápis de cor aquarelável sobre papel, 1959. acrílica sobre eucatex, 1985.

467 468

282 283
469 Sem título, 9,2 x 14 cm, caneta 470 Sem título, 471 Estudo, 10,2 x 16,4 cm, 472 Estudo, 16 x 10,9 cm, 473 Estudo, 9,1 x 15,4 cm, 470 471
esferográfica, guache e tinta de 9,8 x 13,8 cm, grafite, caneta esferográfica sobre nanquim e caneta esfero- caneta esferográfica, lápis de
carimbo sobre papel, 1966. nanquim sobre papel, s.d. papel, 1963. gráficasobre papel, 1966. cor e guache sobre papel, 1965.

469

472 473

284 285
474 Estudo, 19,9 x 12,8 cm, 475 Sem título, 476 Estudo “bancário”, 477 Satan e seu lugar-tenente,
caneta esferográfica e lápis 46,1 x 33,8 cm, grafite e lápis 18,1 x 15,7 cm, caneta hidrocor 476
27,4 x 21,5 cm, guache sobre
de cor sobre papel, 1965. de cor sobre papel, 1959. e guache sobre papel, 1968. papel, 1966.

474

475 477

286 287
482
478 - 488 Sem título, dimensões variadas, mínimo 10 x15 cm;
máximo 11 x 16,5 cm, caneta hidrocor e guache sobre papel, 1971.

478 479

483 484

485 486

480 481

487 488

288 289
489 Ave cósmica nº1 VLSTEMF, 490 Sem título, 47,4 x 62 491 Sem título, 22,7 x 14,2 cm, 492 Sem título, 21,6 x 16,2 cm, 490
60 x 40,8 cm, acrílica sobre eucatex, 1989. cm, lápis de cor sobre papel, nanquim sobre papel, 1963. lápis de cor sobre papel, 1960.
1960

489

491

492

290 291
493 Feiticeiros siderais, 27,9 x 21,2 cm, 494 Sem título, 47,9 x 34 cm,
guache sobre papel, 1966. nanquim sobre papel, 1960.

493 494

292 293
495 Anjo e galo, 27,7 x 20,8 cm, 496 Falconeiro sideral, 27,6 x 21,6 cm, 497 Sem título, 23,6 x 20,1 cm, 498 Estudo, 21,5 x 15,7 cm,
guache sobre papel, 1966. guache sobre papel, 1966. nanquim sobre papel, 1968. técnica mista sobre papel, 1960 e 1966.

495 497

496 498

294 295
499 Balé cósmico I, 44,5 x 40 cm, 500 Sem título, 60,7 x 49,5 cm,
acrílica sobre eucatex, 1981. acrílica sobre eucatex, 1975.

499 500

296 297
501 Estudo, 502 Estudo, 503 Estudo, 504 Estudo, 505 Sem título, 506 Sem título,
501 502
22 x 14,5 cm, técnica 14,7 x 11,7 cm, técnica 21,4 x 13,2 cm, técnica mista 13,7 x 10,7 cm, técnica 39,5 x 33,2 cm, nanquim 67,5 x 60,6 cm, acrílica
mista sobre papel, 1963. mista sobre papel, 1967. sobre papel, 1963 e 1978. mista sobre papel, 1963. e guache sobre papel, s.d. sobre eucatex, 1973.

503 504 506

505
13

298 299
507 Estudo, 20,3 x 12,9 cm, caneta esferográfica 508 Sem título, 60 x 48,8 cm, 509 Sem título, 16 x 10,9 cm, 510 Sem título, 40,9 x 32,6 cm,
e lápis de cor sobre papel, 1965 e 1966. acrílica sobre eucatex, 1991. nanquim sobre papel, s.d. nanquim e lápis de cor sobre papel, 1960.

507 509

508 510

300 301
511 Sem título, 25,7 x 20,7 cm, 512 Sem título, 24,1 x 19,4 cm, 513 Sem título, 514 Galo Curuá, 45 x 37 cm, 515 Galo Purus, 45 x 37 cm, 513
caneta hidrocor e guache caneta hidrocor e guache 30 x 22 cm, guache nanquim e acrílica sobre nanquim e acrílica sobre
sobre papel, 1965. sobre papel, 1965. sobre papel, 1968. papel, 1964. papel, 1964.

511

514

512

515

302 303
516 Cavaleiro cósmico, 28,2 x 20,9 cm, 517 Sem título, 24 x 19,7 cm, 518 O monstro, 26 x 20,5 cm, nanquim sobre papel,
guache sobre papel, 1966. nanquim sobre papel, 1966. 1963. Coleção Kamilla Nunes e Aline Natureza.

517

516

518

304 305
519 Sem título, 42,8 x 36,5 cm, 520 Apocalipse I, 49 x 36,2 cm,
nanquim e aquarela sobre papel, 1964. nanquim sobre papel, 1960.

519

520

306 307
521 Sem título, 14,5 x 9,6 cm, caneta 522 Sem título, 14,4 x 9,6 cm, caneta 523 Galo vidente, 51,5 x 47 cm,
esferográfica e guache sobre papel, 1966. esferográfica e guache sobre papel, 1966. nanquim e lápis de cor sobre papel, 1959.

521

523

522

308 309
524 525
524 Estudo de cabeça de galo, 525 Os equilibristas, 526 A sereia anfíbia, 527 Tragédia no reino
13,9 x 14,5 cm, caneta esferográfica 45,9 x 32,3 cm, nanquim 46,1 x 32,5 cm, nanquim de Neptuno, 21,5 x 27,3 cm,
e guache sobre papel, 1966. sobre papel, 1974. sobre papel, 1974. guache sobre papel, 1966.

526 527

310 311
528 Galo filatélico nº1 (arte postal), 45 x 32,4 cm, 529 Sem título (reprodução), dimensão desconhecida,
nanquim e selo adesivado sobre papel, s.d. nanquim sobre papel, 1959. Coleção desconhecida.

528 529

312 313
530 - 541 Estudos, dimensões variadas, técnica mista, 1965 a 1970.

530 531 532 536 537 538

533 534 539 540

535 541

314
542 Galo galáxico VLSTEMF n. 5 (Desenho), 32,2 x 43,3 cm, nanquim e guache sobre papel, 1990. 543 Sem título, 20,8 x 26,5 cm, nanquim e guache sobre papel, 1968.

542 543

316 317
544 Sem título, 12,7 x 10,5 cm, 545 - 546 Sem título, 68 x 60,5 cm,
nanquim sobre papel, 1960. acrílica sobre eucatex, 1973.

545

544

546

318 319
547 - 548 Sem título, 23,5 x 28,5 x 21,5 cm,
acrílica sobre vaso de cerâmica, 1969.

547

548

320
O implacável, do arquivo de Meyer Filho, é a maneira como ele
foi construído e preservado, a forma como o artista decidiu
contar sua própria história. Meyer não nos deixa esquecer da
extensão de sua obra. Ele tecia comentários em desenhos, manus-
critos, cartas e outros documentos, bem como escrevia crôni-
cas sobre acontecimentos relacionados, de alguma forma, à sua
vida. Esse arquivo, por ele mesmo denominado implacável, foi o
principal meio de pesquisa para a construção deste livro e dos
textos inéditos publicados nesta ilha.
QUE É QUE HÁ, ÔOOOOO!? com ilustração e charge, na qual personagens palpita-
vam nos cantos das páginas. Tudo correu bem até chegar
KAMILLA NUNES 1 numa folha mais nítida que as outras – foi aí que, obser-
vando de perto, percebi que havia uma leve sombra. A
essas alturas já estava com a equipe reunida para tentar
entender do que se tratava aquilo. Concluímos que Meyer
Filho fez uma cópia do manuscrito e a cópia ficou ruim,
Entrar nos Arquivos Implacáveis de Meyer Filho é se dis- um pouco apagada. E ele, com seu pincel e nanquim,
por a uma vivência labiríntica, conflituosa e contradito- redesenhou, passou por cima, para reacender a tinta. Foi
riamente cômica. Com certeza, esse foi o primeiro acervo esse, dentre outros ruídos, um dos que mais me deixou
que conheci com a profundidade de quem acredita que impressionada, porque nem tem nome para esse pro-
passou horas sentada bebendo cerveja, num bar qualquer cedimento num acervo histórico. Afinal, se não é nem
do Centro, com um artista que morreu quando eu ainda restauro nem cópia, é o quê?
estava aprendendo a falar. E hoje, literalmente rodeada
Desse modo observei o quanto um acervo pode nos dar
por reproduções de obras e documentos, sigo tentando
rasteiras. Fiquei intrigada também com algo que já havia
aprender a escrever sobre essa figura tão extraterrena
percebido, mas até então tinha dado pouca importância: a
que foi Meyer Filho. Nossa proximidade se deu a partir
repetição de jornais recortados e colados sobre superfícies
de muita leitura e conversa com a família do artista, das
de papéis quadriculados – montagens, por assim dizer. Até
idas e vindas ao acervo, seja pesquisando, seja catalo-
que, analisando as fotografias guardadas por ele, cheguei
gando, seja falando sobre ele em aulas ou escrevendo a
numa imagem de 1968 que esclareceu em partes esse
respeito de seus trabalhos em livros e projetos que de-
procedimento: seis pessoas, algumas da família de Meyer
senvolvi junto ao Instituto Meyer Filho (IMF). “Que é que
Filho, observavam atentas os recortes de jornais e as
há, ôooooo!?”, é o que ele me perguntaria se me visse
páginas arrancadas de revistas organizadas delicadamente
dando voltas para começar este texto. No que eu retru-
sobre uma mesa e protegidas por uma superfície de vidro.
caria: “a cana tá dura!!!!”
Atrás das seis pessoas, algumas pinturas de galos majes-
Sigo escrevendo não para elucidar o que vocês leram e tosos contextualizavam a cena – tratava-se de uma exposi-
viram até chegar nesta página, mas para tentar mos- ção individual de Meyer Filho na Associação Atlética Banco
trar um pouco do que foi esse processo de investigação do Brasil (AABB), em Florianópolis. É claro, esses jornais
e descobertas. É surpreendente, inclusive, que eu fale recortados e colados, multiplicados no acervo incontá-
de descobertas, porque quando iniciei este projeto em veis vezes, eram expostos junto com as obras!!!! Consegui
comemoração ao centenário do artista, achei que meu identificar pelo menos duas revistas, a Módulo nº 19, que
trabalho seria o de sintetizar esse arquivo e torná-lo contém um texto do Flávio de Aquino, e a Habitat nº 83,
portátil o suficiente para que vocês pudessem carregá- com um texto do Theon Spanudis. Estava ali, explícita,
-lo no formato de um livro. Ou andar por ele, na for- sua fortuna crítica, como uma espécie de currículo aberto
ma de uma exposição. Não imaginei que voltaria a me – a prova real de sua consagração como artista.
surpreender com um acervo, que conheço há mais de
Parece histórico demais expor documentos que atestam
15 anos, novamente. Mas esse achismo só durou até o
a importância de um artista, numa exposição individu-
momento de contagem das obras e documentos para
al organizada por ele mesmo? Seria isso uma “egalo-
criação da nova política de acervo do Instituto. Junto
tria”? Talvez. Mas se analisarmos os fatos, contextos, os
com a equipe, comecei a abrir os arquivos e a catalogá-
desvios e as lutas – na maioria das vezes solitárias – de
-los. Na maioria dos acervos do mundo, essa seria uma
Meyer Filho pela valorização da arte, da sua e dos seus,
tarefa fácil: desenho para um lado, jornal para outro,
daí podemos deitar nossos olhos sobre essa foto e ir
pintura lá, xerox aqui. Mas com Meyer complica tudo,
além da imagem, podemos pairar na beirada do tempo,
porque a noção de original e cópia se perde completa-
onde as várias facetas do artista se revelam. É impor-
mente, ou talvez nunca nem tenha existido e, por isso,
tante considerar que Meyer não queria só visibilidade,
nem pôde se perder.
Ser-Galo, porque não se tratava somente de desejo, mas
Abri, então, uma pasta com xerox de “croniquetas”, uma antes de tudo de respeito e de reconhecimento. Seu ob-
categoria que Meyer usava e que mesclava manuscrito jetivo era político, como ele mesmo afirmava em diver-
326 327

sas entrevistas, porque ao “fazer arte” ele iria “elevar tomou para si, a Florianópolis. Remontam também a um Banco do Brasil “sem NENHUMA falta ao serviço, certa vez, que “se o artista está de acordo com o poder,
o nível cultural de quem olha” suas obras, afinal “era o texto de Rosa Pessoa, que em 1960 dizia que Meyer Filho NENHUMA úlcera no estômago e NENHUMA promoção é mais fácil para ele vencer, e a maioria está nessa, é
mínimo que se poderia fazer”, sendo um artista com- era “uma ilha dentro de outra ilha”6. Desse modo, nos por merecimento!!!!!” e, já em “liberdade”, pôde ler o claro. Eu acho que a arte deve estar acima da política,
prometido com a arte e com seu tempo. Meyer berrou, perguntamos: Podem essas ilhas serem consideradas texto de Péricles Prade, em 1972, sobre sua obra. Texto porque tudo é política [...] na Rússia o bom artista é
estridentemente, até o fim, que é sempre o começo de planetas que criam um sistema cósmico único? Dese- este que contém uma perspectiva descolonial e reinscre- aquele que pinta de acordo com o sistema.
algo. Tomo como exemplo um comentário que ele fez nhei um esquema de setas na tentativa de reproduzir os ve Meyer Filho na história da arte sem “compartimentos, Na China é aquele que pinta uma fábrica, por exemplo.
numa correspondência de 1986, endereçada a ele por movimentos internos da minha cabeça que, sabia, pode- viseiras e recipientes estéticos”9. Tem gente que acha que o artista deve, obrigatoriamen-
Augusto Barboso, assistente da direção do Museu de riam ser traduzidos como imagem-palavra. No primeiro te, pintar o povo. Ora, pinta o povo quem está a fim,
E na falta de encontrar um guarda-chuva que fizesse
Arte de São Paulo (MASP), sobre uma possível exposição desenho, uma seta vertical continha duas pontas: uma eu também já pintei o povo”12.
caber a obra de Meyer, e ele próprio, as/os críticas/os
que ele realizaria naquele museu: “Relembrando...... para cima, a outra para baixo. No segundo esquema, as
da época seguiram tentando encontrar / inventar pala- A personalidade galística de Meyer Filho, suas brincadei-
Eis, como, NENHUM apoio de Santa Catarina, eu me setas faziam um movimento de rotação e translação,
vras-conceito. Adalice Maria de Araujo assim o fez, por ras, ironias, sua maneira intensa e extrovertida de ver o
virava para expor fora do Estado.... Fui, direto, ao MUSEU como se Meyer, já no espaço sideral, precisasse manter
exemplo, quando escreveu: “de Meyer Filho, diria que mundo, de criticar e, por que não, de embelezar o que
DE ARTE DE SÃO PAULO, para arrumar uma individual no seus movimentos de translação (legitimação pelo circui-
tem algo especial, fora de tudo que eu conhecia. É um está à sua volta – “só gosto de coisas bonitas e quando
citado MUSEU.... Em Florianópolis, eu era considerado to nacional e internacional) e rotação (prática artística).
primitivismo futurista”10. Essa conversa textual anacrôni- o real é feio, eu o faço bonito. Raramente uma paisagem
um maluco que trabalhava no Banco do BRASIL e tinha Meyer–Marte foi nosso ponto de partida para construção
ca, esse cruzamento de referências já históricas, é o que pintada por mim é o que é na realidade. Justamente
mania de dizer para todo mundo que era um artista....”2. do projeto curatorial e editorial de comemoração ao seu
me possibilita compreender não apenas a complexidade porque eu não sou fotógrafo”13 – por muitos anos apagou
centenário.
Sair de um lugar de recusa e ir até um além-mundo. Esse da obra de Meyer Filho, mas ele próprio, e suas tantas a imagem de um artista politizado, crítico e comprometi-
foi o trajeto que Meyer Filho fez em vida: da Terra a Mar- Foi esse afluxo que nos permitiu criar situações para versões de si, como ele mesmo atesta numa entrevista, do com a sociedade e com o meio ambiente. Meyer dizia
te, da negação à consagração. Talvez ler-ver Meyer seja questionar as noções de local e global, de cultura po- quando perguntado sobre seu estilo, respondeu: “é uma que nunca foi filiado a nada, “fui acusado de comunista.
ler-ver por uma peneira3, podemos nos agarrar a uma pular e erudita e, por que não, as noções de loucura e mistura de muitas coisas. Eu fiz uma fusão do primiti- Mas sou um socialista à minha maneira. Defendo um
teoria que possa defini-lo, mas algo sempre escapará, prática artística. Mas ainda não tinha respondido a uma vismo, surrealismo, modernismo e tantos outros ismos socialismo democrático, contra o capitalismo selvagem
escorrerá para o outro lado, porque ele é “uma máquina pergunta que me fizeram logo no começo da conversa: para um trabalho próprio. À minha maneira, que depende e o comunismo totalitário”14. Ele entendia que o socia-
do tempo que capta imagens de outros mundos, milênios Quem foi Meyer Filho? Está claro que para alguns foi unicamente da minha imaginação”11. lismo era como os indígenas viviam antes da invasão do
atrás, ou milênios além”.4 E foi por conta dessa imagem um louco, para outros um outsider, bruxo, um pintor de Brasil, porque a pesca e a caça eram feitas para consu-
Basta analisar suas assinaturas, separadas entre “cida-
fluida, dessa obra líquida e fugidia, que decidimos criar galos, marciano, modernista alucinado, tropicalíssimo, mo imediato e comunitário15. É esse um dos Meyers que
dão” e “artista”. Em alguns casos a autenticação de seus
um projeto curatorial-arquipélago-constelação, compos- pintor popular, bancário travestido de artista, naif, mo- optamos por destacar neste projeto.
trabalhos é tão obsessiva, que ele ainda acrescentava
to de ilhas-planetas, que são também cabeças-faces do dernista saído da lira, um artista sem rótulos, um arti-
suas digitais (essas, sem distinção). Mas foi na assina- *
artista. Afinal, como tão bem colocou Saramago, “é pre- culador, uma mistura de decano, guru, cacique e clown,
tura de cidadão que Meyer desenhou uma cabeça de
ciso sair da ilha para ver a ilha. Não nos vemos se não era também ora diabólico ora angelical, e ingênuo de
galo, devidamente registrada em cartório. Razão pela O planeta que sustentava o brilho e a força de Meyer Fi-
saímos de nós”5. O lugar de construção deste projeto foi uma ironia gritante. Para as crianças que frequentavam
qual distribuía cheques de valores irrisórios, assinados, lho tinha um nome, Marte. Cansado de berrar sua impor-
uma sala logo ao lado do acervo do IMF. Estávamos se- sua casa, era o “Seu Galo”. Para ele próprio, um goza-
desenhados e/ou rabiscados por ele. Sem conseguir tância nesta “ilha de casos e ocasos raros, de sol, chuva
paradas por uma mesa grande, havia algumas cadeiras, dor, um artista, embaixador de Marte no Planeta Terra,
responder objetivamente à pergunta “Quem foi Meyer e vento sul”, Ernesto resolveu alçar voo para outras
um bloco de papel para flip chart, canetas coloridas e, pintor, desenhista, caricaturista, tapeceiro, chargista,
Filho?”, por razões óbvias, outras questões tão comple- capitais, realizando uma exposição individual, em 1961,
na parede, um estandarte pintado pelo artista que dizia ilustrador e cronista, além de expressionista, surrealista,
xas surgiram. O que ainda não foi dito sobre Meyer Filho? no Museu de Arte de Belo Horizonte – hoje Museu de Arte
“Galeria de Arte Meyer & Filhos”. Começou assim fantástico e realista fantástico.
Quais textos, imagens, histórias e depoimentos ainda da Pampulha (MAP) – e, em 1963, na Casa do Artista Plás-
o mergulho ocular e o relato palavroso. Estava dese- Em 1959, João Evangelista de Andrade Filho escreveu tico, em São Paulo, a convite da galerista e artista Pola
não vieram a público? Que outras perguntas poderão ser
nhando-escrevendo para a equipe curatorial – Gabi Bre- uma série de quatro textos intitulados “Da impossibili- criadas, articuladas e remontadas? Rezende. Foi nessa ocasião, a primeira vez em que um
sola e Aline Natureza –, uma infinidade de Meyers, alguns dade de ser diabólico”7, o quinto foi publicado vinte três artista plástico catarinense expôs individualmente numa
de memória, outros de invenção, início de um arquipéla- anos depois, com o mesmo título. O crítico dizia que “a *
galeria de São Paulo, que Meyer fez sua primeira viagem
go além-ilha, além-terra. arte de Meyer não se enquadra de fato em classificação Meyer Filho foi um artista questionador do seu tempo, a Marte: “eram três horas da madrugada quando bate-
O desenho foi tomando toda a parede, se alastrando nenhuma e ouso crer que seja por isso que não como- inquieto, por vezes apreensivo e implicante. Mas como ram na minha porta de hotel. Atendi, olhei, era um cara
num ritmo tão rápido quanto minha narração, anun- veu o júri da Bienal de São Paulo; este muitas vezes se ele mesmo dizia em seus manuscritos: “IMPORTANTE: assim meio diferente. Perguntei: ‘Quem és tu, ó jovem?’
ciando-riscando um arquipélago formado por aspectos deixa levar demasiadamente por classificações. Mas para eu estou gozando, não estou reclamando”. Acontece que Ele respondeu: ‘Eu sou um cidadão do planeta Marte, e
pessoais, artísticos, sociais, profissionais, políticos e his- que foram feitas as classificações e divisões se não para ele “nunca foi um puxa-saco...”, afirmava que não queria quero entrevistá-lo e levá-lo para o meu querido planeta
tóricos da vida e da obra de Ernesto. Essas ilhas, confor- termos o prazer de quebrá-las?”8. Mais de uma década fazer carreira no Banco do Brasil e também não acredita- vermelho, porque tu, espiritualmente, és um cidadão
me imaginamos, remontam à geografia da cidade que ele se passou depois dessa crítica, Meyer se aposentou do va que a arte estava a serviço da elite. Por isso escreveu, marciano’. Eu fui”16.
328 329

Foi mesmo, inclusive contou sobre suas viagens em bares importância ao que não é canonizado, dicionarizado e Floripa! O pintor Meyer Filho só sabe pintar galos!!!!”. fim do manuscrito, ele se declarou “um artista (muito
dos quatro pontos cardeais de Florianópolis. Meyer foi legitimado. Mas não os mates! É curioso que, se por um lado ele defendeu – ao longo bem) ‘disfarçado’ de funcionário do Banco do Brasil.....”23.
embora para Pasárgada, porque claro, lá ele era amigo do dos anos – a imagem do galo como um símbolo de sua
Meyer Filho esbravejou! Se utilizando da ironia, ele fez uma No entanto, os relatos de seus amigos do banco e do
rei. “Aqui eu não sou feliz / Lá a existência é uma aventu- obra, confundindo-se, muitas vezes, com esse animal,
crítica manuscrita à matéria “Em Blumenau, uma síntese seu próprio chefe, Carmelo Faraco, mostram que ele não
ra / De tal modo inconsequente”17. Em Pasárgada-Marte, por outro chamava a atenção (e como!) para que sua
da arte Barriga-Verde”, na qual o crítico de arte Frederico se disfarçava tão bem quanto imaginava. Na verdade,
Meyer era um grande artista, um cidadão “plenipotenci- obra não fosse rotulada e reduzida a esse tema-animal.
Morais não citou sua obra. Frederico veio à Santa Catarina era péssimo em matéria de disfarce. Meyer Filho produ-
ário”, segundo ele mesmo. Lá, na Embaixada da Terra no
e visitou a exposição “1ª Coletiva Barriga-Verde de Escul- Voltando à escritora portuguesa Maria Gabriela Llan- ziu, de acordo com ele próprio, mais de 30 mil desenhos
Planeta Marte, ministrava aulas, retratava seus amigos
turas e Objetos”, organizada pelo escritor Lindolf Bell. sol, “o falcão só poderia alcançar aquela escolha se se no banco.
marcianos, seus costumes e suas paisagens. Marte era
Enraivecido, Meyer escreveu ao lado do recorte: transformasse em intenção de partir”21. Trocando em
um limiar na vida de Meyer, um espaço-astro sem luz Tiravam dele a caneta, ele usava o carimbo, tiravam
miúdos – ou, melhor dizendo, trocando falcão por galo –,
própria, mas que iluminava o artista, dava a ele um lugar o carimbo, ele usava os dedos, tiravam o tempo para
“Prezados amigos do Jornal de Santa Catarina: Na qualidade é perceptível que Meyer Filho escolheu ser intenção de
para sonhar e ser reconhecido não com o “mesmo olhar desenhar, ele se demorava no banheiro, tiravam a mesa,
de antigo assinante deste jornal e de pioneiro da arte FAN- partir, ser um além-mundo, um estar aqui/em Marte, ser
irônico que se dá aos loucos mansos” , como disse Flávio
18 ele usava uma prancheta – “que carregava sistematica-
TÁSTICO-SURREALISTA, os “3 (três) estados do sul” (como nos universal. Llansol tinha um falcão no punho onde Meyer
de Aquino, mas como o artista que sempre sonhou em mente sob o braço direito e que continha seus estudos e
chamam muitos “críticos” do Rio-São Paulo), nesta modesta tinha um galo, animais que se tornavam espécies de
ser, que sempre lutou para ser e foi. Dessa forma, me esboços”24. Exemplo disso é quando faz uma colagem de
“catilinária minha”.... (que gostaria fosse publicada nesse alter ego, espécies de devir de cada um, por onde a arte
pergunto: Seria Marte um lugar heterotópico, consideran- vários desenhos sobre um papel-cartão, com o comentá-
prestigioso jornal). Já estou CANSADO (e como!!!!) de ter que se manifestava.
do que existem heterotopias abertas ao mundo exterior? rio: “Estes são alguns dos 30.000 (TRINTA MIL) desenhos
“BERRAR” minha importância de ARTISTA para a cultura ca-
“Todo mundo pode entrar, mas, na verdade, uma vez que Certa vez, quando questionado sobre a existência de uma rápidos e rapidíssimos que fiz no período de 30.4.1941
tarinense e “arredores”..... POR ISTO, deixo para os queridos
se entrou, percebe-se tratar-se de uma ilusão e que se arte catarinense, Meyer Filho respondeu que “discutiu-se a 2.7.1971, quando, para ganhar a VIDA, fui um (BOM)
personagens da minha (SÍNTESE), da arte Barriga-Verde, e
entrou em parte alguma. A heterotopia é um livro aberto, muito e ainda se discute se existe uma arte catarinen- bancário….”, firmando com suas duas assinaturas: a de
que não estão representados (na exposição) o DESENHO e a
que tem, contudo, a propriedade de nos manter fora” . 19 se. De minha parte acho que, acima de ser catarinense, artista e a de cidadão.
PINTURA (os meios mais diretos e óbvios para o artista talen-
baiana, brasileira ou europeia a verdadeira arte tem que
Se fizermos um exercício de imaginação, poderíamos toso expressar o FANTÁSTICO, o SURREAL, e outros mistérios *
ter um cunho universal. Por favor, não confundam com
considerar que existem heterotopias-sistemas que pare- da vida). E, para agravar, no citado artigo, não haver NENHU- No trajeto do Banco do Brasil (Praça XV de Novembro)
internacional”22.
cem abertas, mas que, no entanto, “só entram verdadei- MA citação (por menor que seja) do meu modesto nome de até a sua casa (rua Altamiro Guimarães), no Centro de
ramente os já iniciados”. Marte poderia ser, ainda, uma artista.....”. * Florianópolis, Meyer Filho fazia um desvio para passar
metáfora que se colocava como crítica ao modernismo pelo Ponto Chic, o famoso Senadinho, onde se reuniam
Toda essa ânsia de ser universal, mas de falar a partir de
autocentrado em São Paulo, mais precisamente na sema- Logo abaixo os personagens, alguns com chifre, outros artistas, políticos, esportistas, escritores, advogados,
um local demarcado, próprio e legítimo, teve seu preço,
na de 1922, e nos preceitos antropofágicos? com chapéus nordestinos, parecem gritar: figuras folclóricas e uma penca de amigos que se agru-
e ele foi alto. Até seu período de libertação-aposentado-
pavam à sua volta para ouvir suas viagens a Marte, num
* “É a mesma coisa que ESCREVER sobre as feras da ÁFRICA e ria, foi artista em hora extra e na “hora de um certo ca-
tom de voz estridente e agudo, cacarejante. Um percurso
ÁSIA e não citar o LEÃO, o LEOPARDO nem o TIGRE...”; “FIL- fezinho”. O trabalho formal sustentou seu desejo de ser
Ao estudar os Arquivos Implacáveis de Meyer Filho, fui que às vezes era regado a Coca-Cola, às vezes a Brahma,
MAR a FAUNA do POLO NORTE e deixar “de lado” a BALEIA, artista, sustentou sua família também, e muitas crises
tomada muitas vezes por uma melancolia, uma angús- e que acabava quando chegava em sua casa-ateliê-quin-
o URSO BRANCO e a MORSA....”; “PUBLICAR um livro de decorrentes desse excesso. Foi por causa dessa jornada
tia que atravessava os tempos à procura de encontrar tal. Em alguns passeios, ele era acompanhado pelo filho
FOTOS do RIO DE JANEIRO e “ignorar” o PÃO-DE-AÇÚCAR, tripla ou quádrupla – havia dias em que as horas de sono
outras narrativas, outros mares por onde navegar. Meyer Paulo, para quem gritava, sem vergonha nenhuma: “Tem
o CORCOVADO, e o ESTÁDIO DO MARCANÃ.....”; “FALAR da eram trocadas pela pintura – que Meyer Filho considerava
era repetitivo, cansativo, obsessivo, mas era também dinheiro aí, Paulo? Se não tiver, pendura!”. E aonde quer
“ILHA” e NÃO CITAR o VENTO SUL, suas DUAS PONTES e suas que sua obra tinha duas fases principais, a que ele pro-
engraçado e achava saídas sarcásticas para se comunicar que fosse, carregava consigo a obsessão pelo desenho.
PRAIAS...........”; “Também não fica “nada bem” falar em ARTE duziu antes da aposentadoria, e a que produziu depois,
com o mundo. Era uma figura, ao mesmo tempo, absolu-
CATARINENSE e querer botar os ARTISTAS DA ILHA (os pionei- um período de “libertação”, segundo o artista. *
tamente narcísica e modesta. Pode parecer contraditório,
mas ele gostava de atravessar os opostos com uma pale- ros) em SEGUNDO PLANO......”. Esse foi um tema recorrente de seus manuscritos e A casa de Meyer Filho ficava bem em frente à do Martinho
ta lenta e precisa, ora estridente, ora obscura, ora opaca entrevistas, sobretudo o que ele escreve para a segunda do Haro25, perto do campo de futebol da Liga Catarinense,
Imaginem vocês que Meyer se coloca, ao mesmo tempo, como
e agressiva. Como escreveu Maria Gabriela Llansol, “os edição do livro Uma menina de Itajaí, de sua mãe, Rachel onde o Avaí, seu time, mandava os jogos. O lugar ainda
o tigre, o Corcovado, o vento sul e como o pioneiro da arte
monstros são a tentativa mais pura do Universo. Olha-os, Liberato Meyer. Ele narrou o dia em que contou para a era passagem para os alunos do Grupo Escolar Silveira de
catarinense. O narciso não deu brechas pro modesto.
e não os mates” . Percebo em Meyer uma figura mons-
20
mãe que queria ser artista, no que ela exclamou: “Nes- Souza. Como tinha uma sacada que dava para rua, deixa-
truosa, desconexa, de alguma forma impertinente, e a Quando não aparecia, Meyer se fazia ver, seja por répli- tinho, por amor de Deus, não digas isto a ninguém, pois va ali seus galos tomando sol, os de tinta, porque os de
tentativa mais pura do Universo, que é tentativa de ser cas e tréplicas em jornais, seja por outdoors espalhados eles irão rir de ti!!!!”. Meyer então soltou sua sentença- carne ficavam no quintal, ao fundo da casa. Os quadros
artista num país que, historicamente, não dá a menor pela cidade. Um deles, inclusive, dizia: “Arrombastes, -profecia: “Podem rir, mas eu rirei por último!!!!!”. Já no dividiam o espaço com algumas gaiolas e vasos cerâmicos
330 331

pintados por ele. As crianças o chamavam de Seu Galo e frase que saía do bico de um galo pintado em uma placa por meio de textos e entrevistas, ou por comentários 10 Adalice Maria de Araujo, Gazeta do Povo, Florianópolis, 1º jun. 1975.

passavam por lá com frequência, na saída da escola, para cravada na horta de sua casa; EMBAIXADA DE MARTE NO frequentemente escritos com caneta BIC e nanquim nas 11 Os galos fantásticos de Meyer Fº. O Estado, Florianópolis, 15 ago. 1973.
12 Meyer Filho: “Os bastidores da arte são uma verdadeira máfia”.
papear e ver o artista em constante processo de criação. PLANETA TERRA era onde ele trabalhava como “Embai- bordas de seus desenhos, convites e artigos de jornal
O Estado, Florianópolis, 14 out. 1979.
xador do Planeta Marte, em todo o território nacional e revistas. Sabemos que não existe um caminho fácil
Meyer não tinha hora nem lugar para criar, porque toda 13 Os galos fantásticos de Meyer Fº. O Estado, Florianópolis, 15 ago. 1973.
do Brasil, do Arroio Chuí ao rio Oiapoque” , conforme
28 pela obra de Meyer, mas estamos atentas, neste projeto
hora e todo lugar poderiam instantaneamente se trans- 14 O Estado, Florianópolis, 3 jul. 1983.
declarou na entrevista que deu ao Manoel de Menezes no curatorial-editorial, àquilo que ele pareceu querer dizer 15 Presente de 1º ano | Sua majestade o galo sideral | Um mestre
formar em espaço de trabalho. Desenhava no Banco, na
início dos anos 1960; RESPEITÁVEL PÚBLICO é título de durante toda a sua vida – a construção de seu próprio da alegria. Diário Catarinense, Florianópolis, 1987.
sacada, na mesa de jantar, na garagem, nos bares, mas
arquivo. Por isso, este livro contém tantas matérias de 16 Meyer Filho: Um incrível (e cósmico) pintor, entrevista
também na sala de espera de um consultório médico ou dois manuscritos do artista, em um deles, uma espécie
para o Jornal de Santa Catarina, Florianópolis, 7 jun. 1981.
de crônica-manifesto em que une uma crítica de Nikita jornais, manuscritos, charges, crônicas e, também, tex-
durante o passeio de domingo com a família. 17 “Vou-me embora pra Pasárgada”, poema de Manuel Bandeira,
Kruschev à arte contemporânea (após sair de uma expo- tos de críticos, pesquisadores e jornalistas, publicados publicado pela primeira vez no livro Libertinagem, em 1930.
Não posso deixar de mencionar que Meyer passou anos se durante a vida de Meyer, que foram lidos e guardados por
sição) a Orson Welles em A guerra dos mundos, passando 18 AQUINO, Flávio. de Revista Módulo, 1960.
dividindo entre a arte e o trabalho de bancário porque era ele. Os procedimentos de Meyer Filho, seu modus ope- 19 FOUCAULT, Michel. O corpo utópico; as heterotipias. São Paulo: n-1
por críticas que recebia a respeito da sua obra e de al-
pintor, mas não era burro, como escreveu inúmeras vezes, randi e tantos outros aspectos de seus arquivos também Edições, 2013, p. 27.
guns posicionamentos pessoais; ILHA DE CASOS E OCA-
como no manuscrito “Inúmeras vezes”: 20 LLANSOL, Maria Gabriela. O raio sobre o lápis. Lisboa: Assírio & Alvim,
SOS RAROS, DE SOL, CHUVA E VENTO SUL era um dito da nos permitiram chegar até aqui e criar esse arquipélago,
2004, p. 40.
época, uma alcunha da cidade, que Meyer se apropriou e real e imaginário ao mesmo tempo. Nosso desejo é possi- 21 LLANSOL, Maria Gabriela. O raio sobre o lápis. Lisboa: Assírio & Alvim,
Sim, inúmeras vezes me perguntaram: Ernesto, se tu és bilitar outras leituras e visualizações de sua obra, sem 2004, p. 34.
ampliou, fazendo uso em seus manuscritos; HORA DE UM
mesmo o artista que vives dizendo ser, nos bares, botecos desconsiderar o tanto que já foi dito, pensado e escrito. 22 O Estado, Florianópolis, 16 jan. 1981.
CERTO CAFEZINHO, podemos considerar, foi seu espaço
e lanchonetes dos 4 pontos cardeais de Floripa, por que não É por isso que este livro tem os pés na terra, a cabeça 23 Manuscrito para a segunda edição do livro Uma menina de Itajaí.
criação, um tempo entre uma decodificação e outra no Acervo IMF, s.d.
pedes demissão do teu emprego de bancário e tentas viver em Marte, e um corpo que atravessa a atmosfera.
Banco do Brasil, onde ele produziu milhares de desenhos; 24 TABAJARA, Mário. Um artista ilhéu. O Estado, Florianópolis, s.d.
só da tua arte, provando, assim, que és mesmo um artista?
É VERDADE! É TUDO VERDADE!!!! faz referência a uma 25 Martinho de Haro (São Joaquim, 11 de novembro de 1907 —
Não procedo assim, respondia sempre, por duas razões: Florianópolis, 23 de maio de 1985) foi um pintor de paisagens,
expressão comum de seus personagens, que atestam os
1ª) Sou pintor, mas não sou burro!!! 2ª) Só porque Victor Mei- Tchau, incrédulos terráqueos! desenhista e muralista, também considerado um dos primeiros artistas
comentários e as críticas de Meyer Filho, tendo também modernistas de Santa Catarina, como seu vizinho, Meyer Filho.
relles morreu de Fome, em um domingo de Carnaval carioca,
variações como “É verdade e dou fé pública” e “Eu juro 26 Manuscrito do artista, 14 mar. 1990. Acervo IMF.
Meyer Filho nunca desejou imitá-lo, morrendo de FOME, em
e dou fé pública de que tudo isso ACONTECEU!!!”. 27 Jornal de Santa Catarina, Florianópolis, 19 ago. 1972.
uma quarta-feira de cinzas do carnaval de Floripa!!!26.
28 Meyer Filho: Sou um artista universal. Jornal de Santa Catarina,
Este livro é também uma ilha, a ilha ARQUIVOS IMPLACÁ- Florianópolis, 1981.
Porém, quando exausto, ele dizia que não tinha como VEIS MEYER FILHO, um termo que ele utilizou em cen-
ser pintor trabalhando num banco, que o pintor e o artis- tenas de desenhos e documentos, que hoje pertencem
ta, em geral, não deveriam trabalhar nunca27. E aparece ao acervo do Instituto Meyer Filho. Dentro desta ilha há,
1 Kamilla Nunes (Florianópolis, 1988) é curadora, artista e professora,
aqui, novamente, uma contradição que só se acentuou ainda, duas outras que agrupam textos: HISTÓRIA E ME- doutora em Processos Artísticos Contemporâneos pelo CEART/UDESC,
com o passar das décadas: ser um artista socialista MÓRIAS DE UM ARTISTA ILHÉU E UNIVERSAL, que reúne as editora e cofundadora da CAIS Editora. Foi gestora do Espaço Embarcação,
à sua maneira é também ir na corrente da lógica capita- em Florianópolis (2015-2018). É autora do livro Espaços autônomos de arte
crônicas de Meyer Filho e que tinham a previsão de serem contemporânea (2013).
lista da produtividade. publicadas durante a vida do artista, mas que estão sendo 2 Comentário do artista em correspondência do MASP, assinada

Mas como resolver esse impasse se não há como sepa- reunidas pela primeira vez neste livro, e PODEM RIR, MAS por Augusto Barboso em 4 de fevereiro de 1960.

EU RIREI POR ÚLTIMO!!!!, que agrupa textos de críticos e 3 Renee Gladman diz que “talvez ler poesia fosse ler por uma peneira”.
rar o cidadão do artista? Se eles ocupam o mesmo lugar In. GLADMAN, Renee. Calamidades. São Paulo: A Bolha Editora, 2016, p. 42.
nesse corpo que é inteiro devir-galo-universo? jornalistas de sua época, que consideramos pertinentes
4 JORGE, Franklin. A alquimia de formas e cores de Meyer Filho,
para uma leitura mais expansiva e histórica da obra de Diário de Natal | DN Cultura, Natal, 7 nov. 1988.
*
Meyer Filho. Essa frase é uma espécie de sentença, pro- 5 SARAMAGO, José. O conto da ilha desconhecida. São Paulo:
Meyer Filho criou uma linguagem marciana para nós, Companhia das Letras, 1998.
ferida por Meyer, sabendo que um dia iria provar que ele
6 PESSOA, Rosa. Meyer Filho, um desenhista de Florianópolis,
meros terráqueos, e o que pretendemos com este livro foi um artista universal, mesmo a contragosto dos que, Shopping News, Rio de Janeiro, 17 abr. 1960.
é abrir alguns feixes de luz para que sua obra seja vista porventura, viessem a rir de sua decisão. 7 Todos os textos dessa série foram digitados e publicados neste livro,
por lentes estéticas, gelatinosas, multifocais, côncavas na ilha Podem rir, mas eu rirei por último!!!!.
e convexas, mas também de contato. Por isso, os títu- * 8 ANDRADE FILHO, João Evangelista de. Da impossibilidade de
ser diabólico, O Estado, Florianópolis, 28 out. 1959.
los das ilhas-cabeças-planetas foram apropriados de O “implacável” dos arquivos de Meyer Filho é o modo
9 PRADE, Péricles. O universo plástico de Meyer Filho, O Universitário,
seus escritos, são frases que ele utilizou em diferentes como ele foi construído e preservado, como o artista Blumenau, 1968. Publicado posteriormente como Meyer Filho: Um artista
contextos: PLANTANDO DÁ, PESSOAL! remete a uma decidiu, decididamente, contar sua própria história, seja sem rótulos, O Estado, Florianópolis, 1972.
ARQUIVO REMISSIVO formato de tabloide no arquivo de jornais. Quando che-
gamos no acervo de xerografia, encontramos mais de 15
333

GABI BRESOLA 1 cópias do documento X, umas 7 do jornal Y e mais 10 cópias


arquivo implacável é sua testemunha, uma espécie de áli- com técnica de tinta acrílica em base de Eucatex; bem
da montagem Z. Ao olharmos item por item dessas cópias
bi, um tipo de diploma, um conjunto de provas, o pavor ao como tapeçarias tecidas em fio de lã e serigrafias em pre-
em xerografia, uma delas, da montagem Z, apareceu cheia
vácuo. Essa coleção gigante nos permite imaginar o que já to e branco.
de desenhos de bichos híbridos com balões de fala e anota-
foi dito sobre Meyer Filho e o que ainda falta dizer, porque
ções do artista em nanquim. Logo, esta xerografia retomou O acervo está acondicionado na reserva técnica do Institu-
Entre 2020 e 2022, a equipe curatorial deste projeto ini- sempre vai faltar algo nesse jogo confuso, desesperador
seu lugar de original, mas quando levada para o acervo to Meyer Filho da seguinte forma:
ciou uma entrada profunda nos arquivos implacáveis de e fantástico.
das montagens originais não se apresenta como a mesma
Meyer Filho. Um acervo que não é o que chamamos co- - acervo de papel em duas mapotecas e dois arquivos
coisa que a montagem Z, pois já tem conteúdo diferente,
mumente de obra, não são pinturas nem desenhos. Não verticais em metal;
feito em ano diferente, e com materiais diferentes. Então
tínhamos equipe de acervo e assumimos, inicialmente, a ÍNDICE DE ESPÉCIMES
temos a montagem Z e a montagem Z1. No entanto, aca- - livros, pastas e caixas em duas estantes de metal;
entrada implacável num mundo que, viríamos a descobrir
bamos encontrando a montagem Z1 também xerografada e
mais tarde, nos pregou incontáveis peças: O acervo do ar- 1. CARACTERIZAÇÃO DO ACERVO - pinturas em estrutura trainel de ferro de correr.
com uma anotação em caneta esferográfica feita 20 anos
tista, que necessitaria passar por procedimentos básicos 1.1 Quantidades e tipos
depois da primeira, que foi feita três anos depois da cola-
de composição, como organização, contagem, higienização, 1.2 procedimentos e materiais utilizados
gem. Essa equação se repetiu de diversas maneiras, mas,
classificação, catalogação, digitalização, acondicionamen- e/ou presentes no acervo
ao contrário da matemática, em nenhuma delas encontra- 1.1 Quantidades e tipos
to, restauração etc. para ser, enfim, um acervo. 1.2.1 procedimentos
mos uma solução possível de se replicar.
Quando materiais e documentos são agrupados e passam 1.2.2 materiais 1 blusa de lã
São métodos que não possuem um padrão, mesmo se 1.3 caracterização do artista
por esses procedimentos de classificação, compõem cole- 1 gravata de tecido
utilizando da cópia e da repetição como artifício de exis-
ções que caracterizam um acervo. A classificação é a es- 2. BIBLIOTECA 1 chapéu de feltro
tência. Métodos implacáveis que definem esse acervo
trutura fundante de um acervo, o que faz com que, após 1 caixa com fragmento do crânio do artista
e que tornaram o período de pesquisa e o tratamento 3. SELEÇÃO DE DECLARAÇÕES SOBRE O ARTISTA
a fase de acondicionamento, seja determinada uma míni- 1 lupa
arquivístico uma tarefa labiríntica e maravilhosa (tudo ao E OS FATOS REGISTRADOS NO ACERVO SEGUNDO
ma ordem que irá facilitar a localização de itens e permi-
mesmo tempo). SEUS PERSONAGENS 2 óculos com caixa
tir seu acesso rápido e fácil, até mesmo quando remoto.
Como pôde Meyer Filho acumular tanta coisa? Quem sabe 3 carimbos
Classificar também nos permite compreender o volume
de um acervo em valores que se constroem por núme- para enviar para alguma exposição junto com suas obras? 1 almofada de tinta de carimbo
1. CARACTERIZAÇÃO DO ACERVO
ros (dimensão, peso, formato, tamanho) e por valor ar- Ou quem sabe, ainda, seria para exibir em mesas, nas ex- 1 clichê
posições que realizava aqui mesmo, em Florianópolis? Se- O acervo deixado por Meyer Filho se mantém preserva-
tístico e representativo — este segundo não é mensurado 1 cinzeiro de ferro
ria pra ter um estoque? Um pretexto para conversar con- do e acondicionado na reserva técnica localizada na sede
em números, e mesmo com palavras se passaria longe 2 passarinhos
do Instituto Meyer Filho, sendo que parte desse acervo
de exatidões. Essas questões podem até ser obviedades sigo mesmo a cada vez que fosse ler ou reler seus papéis?
vem sendo exposto à comunidade por meio dos projetos 1 troféu Manezinho da Ilha
museológicas, mas na medida em que fomos tocando no Um vício? Vontade de criar um dispositivo para sempre ser
desenvolvidos pela instituição e por familiares do artista. 1 placa de homenagem sem referência
acervo de Meyer Filho, vasculhando entre diferentes ti- referenciado? Medo de ser esquecido?
A organização do acervo do Instituto Meyer Filho leva em 1 placa de homenagem Alesc
pos de papéis, tintas, jornais e nos seus infinitos formatos Meyer escreveu diversas vezes nas bordas dos documentos
conta os materiais e o modo com que o artista organizou 1 tesoura
e repetições, compreendemos que talvez nosso processo uma pista: “Este é mais um dos documentos que faz parte
e arquivou a sua produção ao longo de mais de cinco dé- 1 câmera fotográfica
fosse o de classificar o inclassificável. dos meus Arquivos Implacáveis”, o que nos confirma, sim,
cadas, ou seja, segue os vestígios e as prioridades por ele 1 agenda
Um documento X aparece em uma colagem ao lado de um que esse é um acervo construído intencionalmente. Ou-
apontadas, corroborando para o entendimento dos pro-
tras pistas e sinais também aparecem entre um arquivo e 2 carteiras de trabalho
jornal Y sobre um papel. De modo que esse item não é cessos criativos, estéticos, históricos, éticos, críticos e
outro: as numerações em ordens aleatórias feitas de giz carteirinhas: RG, carteirinha de ilustrador da
apenas documento, nem um jornal, é uma terceira coisa, políticos de sua trajetória. 10
ou de caneta vermelha sobre os arquivos, e a presença Revista Sul, carteiras de sócio de clubes etc.
uma coisa que aqui vamos chamar de Z. Nessa montagem,
constante de personagens do artista desenhados em nan- As escolhas de arquivamento do artista e suas especifici- 1 cartão de visita
Z pode parecer um item original, por ter sido feito pelo
quim com balões de falas. São pistas que só complexificam dades levam ao entendimento de que o conjunto dos Ar-
próprio artista, mas não se pode chamar de original algo documento-livreto em alemão
quivos Implacáveis, nomeação do artista para o seu acer- 1
o volume hiperbólico de coisas desse acervo que, de fato, do pai do artista
que possui mais de uma cópia, o que significa dizer que
vo, podem ser pensados como obra, somados aos exem-
existe mais de um item Z no acervo. Imaginem que encon- não perdoa, não cede e não é flexível com as tentativas 18 documentos pessoais
plares pictóricos de desenhos elaborados nas técnicas de
tremos 3 exemplares do item Z no acervo, e todos podem infinitas de classificá-lo ou capturá-lo. 150 correspondências
bico de pena, nanquim, guache, acrílica, lápis de cera, co-
ser classificados. Mas o documento X aparece em uma ou- É possível imaginar o quanto essas práticas de guardar, lagens e caneta esferográfica em suportes diversos como telegramas de pesar pelo falecimento
33
tra montagem similar, o jornal Y também surge em uma escrever, reescrever, colar, grampear, juntar e fazer inú- do artista
papéis especiais para desenho, papel jornal, guardanapo,
montagem diferente e temos mais cinco cópias dele em meras edições influenciaram na construção do artista. Seu pacote de cigarro, fichas do Banco do Brasil etc.; pinturas 5 pastas de projetos
334 335

134 revistas 1.2 procedimentos e materiais utilizados


1 caderno de assinaturas papel capa AG
e/ou presentes no acervo
1 legenda de obra revistas em tamanhos maiores que conside-
53 papel vergê, que era bem chique na época
20 documentos gerais ram revistas inteiras e recortes/montagens 1.2.1 procedimentos
jornais da década de 1950, tamanho maior papel offset com sulfite
1 pasta de apólices 81 colagem de diferentes papéis com cola branca
é tabloide e o menor é de 15 x 15 cm papel couchê
35 recibos soltos em pastas
jornais da década de 1960, tamanho maior colagem de diferentes papéis com fita adesiva,
5 blocos de recibos personalizados 202 tipo durex metal
é tabloide, e o menor é de 8 x 12 cm
tubos/bisnagas de tinta (compradas agrupamento com grampo e sobreposição plástico
39 jornais da década de 1970, tamanho maior
no exterior!) utilizadas pelo artista 714
é tabloide, e o menor é de 5 x 8 cm colagem de papel em painel de madeira carvão
66 tubos/bisnagas de tinta utilizadas pelo artista
jornais da década de 1980, tamanho maior cerdas
483 carimbo sobre papel
4 vidrinhos de nanquim é tabloide, e o menor é de 5 x 8 cm
carimbo da digital madeira
14 pincéis jornais da década de 1990 em formato
6 grafite
10 canetas e canetinhas tabloide datilografia
1 giz 12 jornais sem data datilografia sobre carbono com 3 papéis tinta
1 carvão 86 xerografias de desenhos pintura em datilografia osso
2 estiletes 38 xerografias de biografias e textos tecido
caneta hidrocor misturada com tinta impressa
33 potes de tinta 14 xerografias de jornais
cópia do original lã
31 lápis 66 xerografias de intervenções
assinatura na cópia da cópia lona
6 xícaras 144 xerografias de mistos
palavras manuscritas com caneta esferográfica barbante
2 latas de spray 23 xerografias de charges
1 bisnaga com suporte de plástico palavras manuscritas com lápis de cor vermelho vidro
157 xerografias de páginas de dicionário
fotografias / reprodução de obras 12 xerografias de livros palavras manuscritas em nanquim ferro ou aço (haste de óculos)
141
(tamanho máximo 24 cm)
14 xerografias de catálogos anotar a letra “R” em pinturas que são revisitadas madeira
fotografias / reprodução de obras com apa- ao longo dos anos
191 129 xerografias de jornais e correspondência borracha
rências de fungo
58 xerografias de documentos palavras datilografadas chumbo
126 fotografias / reprodução de obras
59 xerografias de páginas de catálogos recortes em formato de coração com nome de
fotografias / reprodução de obras película de negativo fotográfico
49 93 xerografias de revistas documentos como sinalizador de pastas e para colar
(tamanho máximo 28 cm)
atrás dos quadros tinta tipográfica
fotografias / retratos de Meyer sozinho 13 diapositivos de vidro
86 tinta offset
e em contexto (tamanho máximo 24 cm) 5 diapositivos de vidro quebrados
fotografias / obras em contexto (tamanho cartazes em papel com diferentes tipos de tinta serigráfica
84 26
máximo 24 cm) impressão dos anos 1950 até os anos 1990 1.2.2 materiais
folhas de contato / diversos cartazes em papel com diferentes tipos de
31 23 folha pautada
(tamanho máximo 30 cm) impressão dos anos 2000 1.3 caracterização do artista
94 fotografias de família e social papel ofício
centenas de selos recortados de envelopes
Meyer que desenha
16 fotografias do GAPF, Meyer e artistas -- e arrancados de superfícies, com diferentes papel-cartão cinza
tipos de papel Meyer que pinta casas e fundos de quintal
reproduções de fotografias e ficha do papel-cartão pautado
4
acervo do Colégio Catarinense materiais diversos em que Meyer Filho Meyer que pinta galos
papel pólen
13 livros e revistas com participação do Meyer 63 fez intervenções de caneta, nanquim
Meyer que pinta seres fantásticos
ou lápis papel glassine ou papel-bíblia, como chamavam papel
livros (muito deles, livros caros,
324 bem fino nos anos 1970 Meyer que pinta eróticos
comprados na “livraria do Salim”) 288 slides de fotografias e reprodução de obras

540 convites e catálogos 272 negativos fotográficos papel-jornal Meyer que pinta boi-de-mamão

56 convites e catálogos raros 21 fotolitos papelão Meyer que desenha “na hora de um certo cafezinho”
336 337

2. BIBLIOTECA
Meyer que desenha na sala de espera do dentista Meyer que coloca galo, galinha e gaiola no museu Diccionario Manual Ilustrado de la Lengua Espanhola
[sem autoria]
Meyer, o “primeiro artista catarinense fazer Meyer que fala com uma tainha num quadro de
A cabra azul, de Jair Francisco Hamms Dicionário Global da Língua Portuguesa I
uma exposição individual fora do Estado” um programa de TV
A faca e o rio, de Odylio Costa, filho Drawing the head e figure, de Jack Hamm
Meyer que desenha trancado no banheiro do Meyer que cacareja no seu quadro “Papo de Galo” em
Banco do Brasil programa de TV A idade da razão, de Jean-Paul Sartre El dibujo del vestido, de Cliff Young
Meyer que desenha na prancheta Meyer que ia atrás de recursos para seus trabalhos A palavra imediata, de Carlos Damião El dibujo y la pintura de memoria [Guia enciclopédico/
Meyer que pinta em cerâmica Meyer que usava a mesa de jantar como ateliê A velha rua direita, de Fernando Monteiro sem autoria]

Meyer que pinta e desenha em orelhão, em geladeira e Meyer sideral A vida na selva, de Cândido Mello-Leitão Enciclopédia de avicultura, de Cesar Agenjo Cecilia
em coco verde
Meyer que anotava um a um, diariamente, os remé- A vida no planeta Marte, obra psicografada Espreita no Olimpo, de Péricles Prade
Meyer que pinta galos com nome de rios dios que tomava na agenda por Hercílio Maes Este mar Catarina, organizado por Flávio Cardozo,
Meyer, o “Picasso da América do Sul” Meyer que fazia desenhos para sua esposa, Ruth, te- Album do Brasil: coleccionador especialistas Salim Miguel e Silveira de Sousa
cer dos selos brasileiros, organizado do Alph Bruck
Meyer que desenha em guardanapo de boteco Filosofia da arte, de Humberto Rohden
Meyer que plantava hortaliças e árvores frutíferas Aprenda a criar galinhas: um guia de auto-suficiência,
Meyer que faz uma coisa que chama de croniqueta Flauta de espuma, de Hugo Mund Jr.
sem autor
Meyer que tomava Brahma
Meyer que faz uma coisa que chama de croniqueta, Florianópolis, gente de casos e ocasos, de Valmy
Aquarelles d’Albrecht Dürer, de Anna Maria Cetto
mas que hoje poderia ser HQ Meyer que tomava Brahma e também muito café Bittencourt
Arte no Brasil – Tomos I e II [sem autoria]
Meyer bancário Meyer implacável French Impressionist Masterpieces [sem autoria]
Arte primitivo, de Franz Boas
Meyer que desenha com carimbo Meyer que fumava Futurismo y dada, de Rafael Benet
Arte y ciência del color [Guia enciclopédico]
Meyer que faz a primeira autobiografia Meyer que fumava sem o filtro Galeria Delta da Pintura Universal [Guia enciclopédico/
As horas de Zenão das Chagas, de Harry Laus sem autoria]
Meyer que faz outras autobiografias Meyer que dividia o cigarro em duas partes
para fumar menos, mas fumava ambas Aspectos do folclore catarinense, de Doralécio Soares Gênios da pintura: Leonardo Da Vinci
Meyer que é chamado de “naif”
[Guia enciclopédico/sem autoria]
Meyer “tapeceiro” Auxiliares invisíveis, de C. W. Leadbeater
Meyer que coloca o grupo do boi-de-mamão dentro do
Gigantes marinos, de J. Otero Espasadin
museu Meyer cidadão Barco da noite, de Hamilton Alves
Goya, de Lion Feuchtwanger
Meyer que guarda convite de exposição Meyer que faz “colagem propaganda” Barões de quintal, de Italino Peruffo
Grande Enciclopédia Delta Larousse – volume s/número
Meyer “um artista sem rótulos” Meyer marciano Bíblia Sagrada
Grande Enciclopédia Delta Larousse – volumes de 1 a 16
Meyer ilustrador da Revista Sul Meyer “modernista saído da lira” Boletim da comissão catarinense de folclore,
vários autores Harry Laus: artes plásticas, organizado por Ruth Laus
Meyer que aparece em revista de arquitetura Meyer cronista
Buenos dias, de Mr. Ludwig História Natural Zoologia I a IV
Meyer artista-fundador do GAPF Meyer pai
[Guia enciclopédico/sem autoria]
Catálogo da coleção Theon Spanudis [sem autoria]
Meyer artista do grupo dos NOVE (um GAPF reforma- Meyer “Embaixador de Marte no planeta Terra”
do) Histoire de la peinture moderne de Picasso au
Coleção Collection des maitres: Chagall, Vlaminck, Rous-
Meyer que faz parecer o Glauber Rocha na TV Tupi surréalisme du cubisme a Paul Klee [sem autoria]
seau, Monet, Degas, Utrillo, Pissarro, Dufy, Picasso, Gau-
Meyer crítico
Meyer que “é duas vezes artista: da pintura guin,Toulouse-Latrec, Braque, Modigliani [sem autoria] Ilustración creadora, de Andrew Loomis
Meyer que doa quadro pra ajudar o time do Avaí e da televisão”
Coleção completa de folhetos da National Gallery Indeléveis versos, de Delminda Silveira
Meyer que guarda notícias sobre si Meyer intergaláctico de Washington D. C.
La nouvelle collection: le goût de notre temps:
Meyer que guarda notícias sobre si – e que revisa notícias Meyer que é Coleção Le grand art en livres de poche Van Gogh, Gauguin, Cézanne, Degas
Meyer que faz desenho para crianças Meyer que Contos de amor rasgados, de Marina Colasanti [Guia enciclopédico/sem autoria]

Meyer fundador e ilustrador da Revista Litoral Meyer Cosmología: teorías sobre el universo, de Jean F. Charon La pintura pré-histórica, de A. H. Brodrick

Meyer que gostava de comer siri e lagosta Meyer Da vida dos nossos animais, de Dr. R. Von Ihering La tecnica moderna del cuadro, de Hachffe

Meyer ilustrador de projetos de teatro Meyer Dicionário Francês–português / português–francês Les grans siecles de la peinture – de Van Eyck a Boticcelli
338 339

Minha vida bancária, de Wilson de Souza Mello Sonetos da vida e da morte, de Paulo Bomfim —Chifre de veado — Por que será que o pintor Meyer Filho nunca colocou
nenhuma crítica aos seus colegas da Revista Sul nos
Moby Dick, de Hermann Melville Summa Artis Historia General del Arte (Veado com coração no pescoço)
catálogos de suas exposições?
- volumes de 1 a 17 [Guia enciclopédico/sem autoria]
Mulher no espelho, de Helena Parente Cunha (Galo que usa chapéu com flores fincadas, que tem duas
Sur la piste des Bêtes ignorées, de Bernard Heuvelmans —Tromba e colmilhos de elefante africano!
O cortiço, de Aluísio Azevedo patas: uma delas de salto e outra igual a pé de ser hu-
Técnica de la acuarela: paisage, marina, figura e retrato (Elefante com letras nas orelhas) mano; e vários pés com sapatos pendurados no rabo)
O desenho racional na escola, de Ferdinand Liénaux
[sem autoria]
O hipnotismo: psicologia, técnica e aplicação, — Meyer Filho nunca desejou imitar Victor Meirelles, — FALOU!
Técnica del oleo [sem autoria]
de Karl Weissmann morrendo de FOME, em uma quarta-feira de cinzas do
carnaval de Floripa!!! (Caracol-caramujo com dois pares de antenas e cabeça
Técnicos secretos de la pintura de J. Bontcé [sem autoria]
O homem e seus símbolos, concebido e organizado de ser humano)
por Carl G. Jung Tempo perdido, de Lausimar Laus (Galo com coração na barbela e muitas penas nas pernas)

O humanista Vítor Meireles, de Wolnet Milhomem Tempo reverso, de Paulo Bomfim — Por que será que a U.F.S.C. vem, desde 1960, ignoran-
— O pintor Meyer Filho jamais procurou imitar Victor do o talento e a arte de Meyer Filho?
O Kerb em Santa Catarina, organizado por Zuleika Uma menina de Itajaí, de Rachel Liberato Meyer
Meirelles, morrendo, também DE FOME, em uma
Lenzi, Nilce Massignan Salvador e Victor Konder (Bicho comprido com cabeça de galo, outra cabeça
Uma voz na praça, de Silveira de Sousa quarta-feira de cinzas do carnaval de Floripa…
com chapéu com cabelos loiros pendurado no rabo,
O livro dos médiuns [sem autoria] Viagem norte, de Pedro Garcia (Galo magrela e pequeno com barbelas grandes com quatro pernas, sendo uma delas com sapato de
e rabo fino) salto, outra de pata de galo)
O menino e o presidente, de Wilson Galvão do Rio Apa

O ornamento e suas aplicações artísticas, 3. SELEÇÃO DE DECLARAÇÕES SOBRE O ARTISTA — Um abraço para o Zury Machado, Carlos Muller,
— Falou pintor artista!
de Hoffmann-Harnisch Jr.
E OS FATOS REGISTRADOS NO ACERVO SEGUNDO Celso Pamplona e todos os jornalistas que me apoiaram…
(Bicho comprido com rabo de guarda-chuva, chifres e
O pequeno príncipe, de Antoine Saint-Exupéry SEUS PERSONAGENS — É mesmo!
asas curtas, seis pernas, sendo uma delas com sapato
Obras completas de Monteiro Lobato, de salto, uma de galo e outra carregando uma flor) (Boca de um bicho com duas faces, com chapéu de
de Monteiro Lobato — Quanto mais atrasado e subdesenvolvido é um povo,
olho que as une e coração nas bochechas. Uma das
MAIOR é o número de tolos que dão palpites errados
— O desenhista, caricaturista, chargista, tapeceiro e pin- bocas tem uma flor como se fosse um cigarro)
O destino de redondinho, de Maria de Lourdes Krieger sobre ARTE!!!
tor Meyer Filho, em reunião (secreta) realizada à noite
Os fidalgos da casa mourisca, de Júlio Dinis (Galo com rosto de ser humano e coração nas asas) de ontem (4.9.1986) foi convidado (e aceitou) para desfi- — O PINTOR Meyer Filho já foi chamado de “maluco” em
Os milagres do cão Jerônimo, de Péricles Prade lar como DESTAQUE na famosa Escola de Samba Protegi- “língua de gringo”...
— O pintor Meyer Filho só sabe pintar galos!!!! dos da Princesa no belo Carnaval de Florianópolis, 1987!!!
Pássaros do Brasil, de Eurico Santos (Galo com chapéu de arabescos e pescoço de corações
(Bicho comprido com rabo de cavalo, com laços nos (Galo com quatro antenas e coração pontudo na bar- empilhados, com pés de ser humano e esporas pretas)
Perfis e retratos em vários tons, de Nereu Corrêa chifres, quatro trancinhas na cabeça, asas curtas, seis bela)
Petite Histoire de la peinture et des peintres, pernas – sendo uma delas com sapato de salto, uma de — É verdade! É tudo verdade!
de Fernand Nathan galo e outra carregando um buquê de flores)
— Eu adoro dar notáveis palpites nas partidas de dominó (Cabeça de ser humano com sobrancelhas enroladas
Princípios de sociologia, de Fernando de Azevedo — Eu adoro dizer que os galos do Meyer Filho já estão efetuadas pelos meus companheiros do Bar do Eliseu!! usando um chapéu de caralho gigante)
Prodigios de las aves, de J. Otero Espasadin MUITO MANJADOS!!! (Peru chato de chapéu)
Psychological commentaires, de Maurice Nicoll – (Burro com orelhas colocadas em suporte)
volume I e II — Todas as verdades do mundo podem ser ditas na base
— Papagaio come milho, periquito leva a fama…
da gozação. E é isto que procura fazer o pintor Meyer
Razas de gallinas, de Horacio D. Rosso (Papagaio com chapéu de plantas) Filho nas suas aparições na TV!
Regresso ao admirável mundo novo, de Aldous Huxley
— FALOU!!! (Galo com rabo de plumagem viçosa com vários
Respeitável público, de Hiedy Hassis Corrêa miniolhos nas pontas, coração estampado no peito,
(Boi-de mamão-com chifres bem compridos e estampa 1 Gabi Bresola (Joaçaba,1992) é artista visual. Mestre em Processos Artís-
calça social preta e sapatos) ticos Contemporâneos pelo CEART/UDESC. Atua no campo das publicações
Retrato de Portinari, de Antonio Callado de círculos)
de artista e cinema. É conselheira estadual de Cultura de Artes Visuais em
Revolution and tradition in modern american art, Santa Catarina. É editora na Editora Editora, produtora cultura na Ombu
— FALOU PINTOR!!! — É verdade, e dou fé pública! produção e coordenadora da Flamboiã – feira de publicações de artista.
de John I. H. Baur
(Bernúncia com coração na testa) (Cabeça com chapéu baixo e ramo de planta fincado)
Seleta, de Mário Palmério
MEYER FILHO – roda / Tocando seu violão / Vem de lá seu delegado / E Pai
Francisco foi para a prisão” ou “Lá vai, lá vai / Vai dando
341

ENTRE A ESQUERDA “murro” / E põe tudo em seu lugar”3.


Para Meyer, que realizava charges desde fins da década trabalhadora, já nos anos 1960 Meyer Filho enxergou com

PRESCRITIVA E O “DIREITO Foi no início daquela década que, em 1951, Meyer Filho
realizou seu primeiro desenho de boi-de-mamão, a ver-
de 1940, publicando-as em revistas e jornais de orienta-
ção socialista, o engajamento com tal projeto guardava
clareza as diferenças de classe que, igualmente presentes
na arte como noutros âmbitos da sociedade, passaram a
DE DEFESA QUE NÃO são catarinense do boi. Em nanquim, os traços firmes ares críticos e até mesmo satíricos, atento que estava aos informar uma espécie de programa estético-político que
representavam detalhes dos ornamentos, expressões, limites éticos das relações entre alteridade, representa- tinha, como disparadora, sua identificação como um tra-
PRESCREVE JAMAIS” figuras e instrumentos da manifestação, denotando o ção e representatividade. Incomodado com a perspectiva balhador: um sujeito social pertencente ao imaginário do
interesse antropológico do artista cujas interlocuções burguesa que faria com que a maioria dos artistas de en- empregado, e não do empregador.
CLARISSA DINIZ 1
estéticas e literárias de então se filiavam ao imaginá- tão figurassem o “povo” quase sempre miserabilizado ou
Funcionário do Banco do Brasil ao longo de três décadas,
rio folclorístico que em Santa Catarina vinha se organi- exotizado em suas práticas sociais e culturais, Meyer Filho
desde sua aposentadoria, Meyer Filho passou a repetir,
zando desde fins dos anos de 1940, tendo como marco se autorrepresentará como trabalhador carregando um
quase como um mantra, que conseguiu se “aposentar sem
a realização do 1º Congresso de História Catarinense caçuá e buscará afastar-se dessa espécie de “protocolo
nenhuma falta ao serviço, nenhuma úlcera no estômago e
O bumba-meu-boi era um assunto importante naquelas (1948), voltado à valorização dos legados culturais aço- socialista” da arte moderna brasileira.
nenhuma promoção por merecimento”. Inversamente às
décadas. Considerado uma espécie de bandeira nacional rianos na região.
aspirações comuns ao regime de trabalho burguês-capita-
por parte dos folcloristas – que, na virada para os anos *
Do conjunto de desenhos, chama a atenção a escolha lista, não ter sido promovido era motivo de orgulho. Fazer
1950, tentavam validar cientificamente o seu campo de No texto autobiográfico Respeitável público, Meyer relem- somente o necessário para obter o sustento de sua família
de Meyer em figurar os momentos em que os persona-
pesquisa – e constantemente feito tema de discussões bra como as diferenças sociais se faziam sentir no campo era seu objetivo exclusivo e horizonte ético-político para
gens estão correndo, se esquivando, sendo capturados,
entre artistas, músicos, sociólogos, antropólogos, escri- da arte catarinense em fins dos anos 1950, quando pas- um vínculo empregatício que produzia uma ácida crítica
apanhando. Se é inegável que o boi-de-mamão performa
tores etc., já naquele momento, as representações do boi sa a se aproximar dos temas e interesses que o conduzi- às ideologias da “colaboração” nas relações de trabalho
e ritualiza a violência, fica claro, por outro lado, que o
começavam a estampar livros, jornais, revistas e álbuns riam pelas décadas subsequentes: “Na opinião de ilustres altamente hierarquizadas – como no cínico lema do “vestir
artista acuradamente notou esse tão vertebral aspecto,
Brasil afora. membros do PARTIDÃO e não menos ilustres intelectuais a camisa da empresa” – e seus subsequentes adoecimen-
desenhando a Maricota atingindo as pessoas, o vaqueiro
Boi-bumbá, boi-de-mamão e bumba-meu-boi eram, assim, laçando o boi e os bastões sempre em riste, dentre ou- da ESQUERDA FESTIVA, eu, trocando os (belos) desenhos tos, da úlcera temida por Meyer ao mais atual burnout,
termos crescentemente ouvidos da boca do povo e, em es- tros detalhes. de operários e “gente do povo”, pelos galos e personagens patologia social de crescente recorrência no meritocrático
pecial, das tintas de seus autodenominados “intelectuais”. fantásticos, e surrealistas, havia, simplesmente, pratica- e uberizado século XXI.
O boi-de-mamão de Meyer Filho não adere, desse modo,
Por entre regiões diversas do país, a narrativa tão insurgen- do um “crime” tipicamente capitalista!!! Logo EU!!, que ao
à docilização tantas vezes atribuída à dita cultura popular. Fazendo questão de sublinhar ter sido um bom funcio-
te quanto mágica dessa manifestação performava e simbo- aposentar-me como bancário no, para mim, dia histórico
A percepção da violência que constitui as coreografias e nário, sem faltas ao serviço, por outro lado estabelecia
lizava os conflitos raciais, sociais, políticos e de gênero da de 22 de julho de 1971, após trabalhar durante 30 (trinta)
as narrativas do boi se afirmava para além dos horizontes claramente os limites do emprego de bancário em sua
história brasileira, em razão do que Mário de Andrade – que anos e 61 dias, não recebi nem um único centavo extra,
da folclorização, cumprindo o projeto político dos artis- vida – na qual, ademais, possuía outro trabalho. Ser artis-
desde fins dos anos 1920 vinha se dedicando à sua observa- por não ter optado pelo FUNDO DE GARANTIA!!”
tas reunidos em torno do Círculo de Arte Moderna (CAM) ta além de ser bancário não foi, para Meyer, uma forma de
ção e estudo – atribuiria ao boi uma força “unanimizadora”, escape ao labor, romantizando a atividade criadora como
de Santa Catarina, para os quais “o poeta moderno não Incomodado com o caráter estética e politicamente pres-
elegendo-o “o bicho nacional por excelência”2. diletante ou amadora. Ao contrário, dobrou o imaginário
mais se encerra na torre de marfim e, de lá, afastado do critivo de seus colegas da “esquerda cultural”, Meyer – um
A abrangência e a diversidade do boi-bumbá de Norte a mundo, canta à lua e às estrelas. Ele, agora, vive entre o artista que, na contramão da história de privilégios sociais empregatício sobre sua prática artística, estendendo a ela
Sul do país intrigavam seus estudiosos, fascinados com povo, sente as suas dores e as suas alegrias, canta e sofre da arte, não era herdeiro e, por isso, tornara-se bancário – o papel de trabalhadora. Ser bancário e artista tornaram-
a força mítica e social do “auto” que narra uma situação com ele” .
4 apontava suas contradições. Denunciava o quão paradoxal -se duas formas de inscrever-se socialmente no universo
de poder, desejo, subversão e aliança entre um senhor e era a posição de escritores, jornalistas e pintores que, po- laboral, em razão do que fazia questão de identificar-se
É encarando a perspectiva traumática das experiências do
um empregado, um marido e uma mulher, um médico, um dendo sê-los exclusivamente por suas condições de classe, duplamente como “cidadão e artista”.
“povo” que Meyer Filho e seus companheiros catarinenses
padre e um pajé. supunham, todavia, serem capazes de orientar e/ou san-
se aproximarão não só de manifestações como o boi-de- Se, desde suas tradições elitistas, a arte foi historicamen-
cionar, principalmente, os artistas que não gozavam dos
Por entre o bailado e as toadas do bumba-meu-boi, as me- mamão, como também documentarão trabalhadores e te ficcionalizada como uma atividade de exceção à eco-
mesmos privilégios. Como irritada e ironicamente apon-
mórias e os traumas coloniais são elaborados, sublinhan- outras situações cotidianas. Como então ocorria noutras nomia laboral, interessava-o profanar essa fabulada cisão
ta Meyer, tal situação chegava ao cúmulo de condenar os
do tanto os saberes afro-indígenas – quando, por exemplo, partes do Brasil, a arte buscava distanciar-se de seu ine- sacralizadora e devolvê-la à condição ordinária e trabalha-
artistas-trabalhadores à representação de sua classe quase
após as fracassadas tentativas do médico e do padre, é o gável elitismo, dirigindo-se “às massas” no anseio de re- dora da qual, por fim, ela nunca se desvencilhou. Não sen-
que exclusivamente sob a ótica do trabalho: preceito que,
pajé que ressuscita o boi –, quanto ritualizando a dimen- presentá-las e aliar-se às suas lutas, organizando clubes do herdeiro ou latifundiário, tampouco um artista da corte
devedor das projeções dos ricos, era, por fim, um nutriente
são conflitiva das relações de uma nação escravocrata. É de gravura, revistas operárias, brigadas, centros de cul- ou da igreja – senão cidadão, artista e bancário – Meyer
necessário à consciência política dos mesmos.
o que evidenciam os termos bélicos do bumba-meu-boi, tura popular e outras iniciativas com vistas a transbordar heterogeneamente reuniu, sem, todavia, fundir a plurali-
comumente chamado de “batalhão” ao passo que evoca e suas eurocêntricas (portanto, coloniais) fronteiras sociais, Provocativamente acusando de “festiva” a esquerda cul- dade de suas inscrições sociais que, por fim, encontravam
atualiza memórias de violência: “Pai Francisco entrou na raciais e culturais. tural socialmente privilegiada que não se inscrevia como correspondências em sua dimensão trabalhadora.
342 343

Muitos foram os seus gestos para denotar essa condição. desenhos – muitos deles produzidos nos intervalos do tra- jogos e experimentos. Como rememora a filha Sandra, seu Além de promover exposições em sua casa, em bares
A principal delas, tão performativa quanto silenciosa, ope- balho, os “estudos rápidos e rapidíssimos” – vemos sua “pai agia não somente através do traço, mas também do de Florianópolis e mesmo em sua mesa de trabalho no
rou cotidianamente durante décadas e se deu em torno do datação inserir-se num carimbo de despacho ou sua ico- gesto e da fala. E não num tom qualquer: sua voz era agu- Banco do Brasil, Meyer fez uso de outro espaço público
âmbito da assinatura do artista. nografia ser composta por timbres de liquidação, câmbio da, estridente, quase cacarejante. Em uma luta incansável pouco utilizado pela arte: o outdoor. Diferentemente de
e compensação, dentre outras operações. Além de incluir para provar a si mesmo e aos outros que era um artista, projetos como a “1ª Exposição Internacional de Art Door”
* índices de seu trabalho bancário em suas assinaturas, suas estratégias de sobrevivência e de visibilidade não se (1981) – proposta em Recife pela dupla Bruscky&Santiago
Meyer Filho legou desenhos elaborados com carimbos (al- davam apenas pelos meios pictóricos, mas também por es- (formada pelos artistas Paulo Bruscky e Daniel Santia-
Funcionário da burocracia bancária – cujas atividades in-
guns deles, galos cujas linhas curvilíneas são substituí- critos e por atos de fala, de certa forma, performáticos”6. go) –, a Meyer não interessou ocupar o outdoor como
cluíram, por exemplo, codificar e traduzir telegramas –,
das pela conjunção de angulosas carimbadas) e um rico janela para sua arte, ampliando sua visibilidade, senão
Meyer esteve desde cedo atento às dimensões legais e Exemplares da vocação performativa de sua obra, por
conjunto de desenhos inscritos dentro de formulários, ta- fazer uso desse espaço de protagonismo para enunciar
contábeis de sua inscrição social e simbólica como ar- duas vezes Meyer incluiu em suas exposições a presença
belas, gráficos e outras planilhas, tensionando os rígidos críticas, provocações e autodefesas diante da cena artís-
tista, sagazmente notando que a assinatura, capaz de de galos e galinhas. Primeiramente na Bienal do Grupo de
protocolos da burocracia com a presença de galos e outros tica catarinense.
performar a história das supostas distinções e fetichiza- Artistas Plásticos de Florianópolis (GAPF), na Assembleia
seres que parecem dançar ou implodir sua racionalidade
ções sociais da atividade artística, poderia ser um profí- Legislativa Catarinense (1978) e, depois, no Museu de Arte É o caso do outdoor projetado em 1976 como questio-
de controle expressa em grades destinadas a dados e con-
cuo terreno para sua ação, em razão do que lhe concedeu de Santa Catarina (1979), seu gesto ampliou a corporei- namento público às políticas de fomento da Universidade
ferências diversas.
grande protagonismo. dade dos pássaros de seu universo poético para o espaço Federal de Santa Catarina (UFSC), que havia sido procurada
Mais adiante, em 1973, Meyer registrou em cartório uma público. Se os galos de seus desenhos já possuíam índices pelo artista em busca de apoio para uma exposição em
Primeiramente, numa dura crítica às ambições de distin- assinatura na qual, junto ao seu nome, está também o de explícita corporeidade, como esporas salientes ou falos São Paulo. Recebendo uma resposta negativa à sua soli-
ção epistemológica e social da arte, passou a assinar com desenho de uma cabeça de galo – signo que então já havia desproporcionais e humanizados, uma vez inseridos nos citação, indignado, Meyer saiu pelos corredores da reito-
a impressão da digital de seu dedão direito. Trazia, para se tornado ícone de sua obra e presença na cena cultu- ambientes estética e socialmente higienizados das gale- ria vociferando um brado crítico ao caráter socialmente
o campo autodenominado “ilustrado” da arte, o modo de ral catarinense. Assinando com um desenho e, portanto, rias de arte, as galináceas os perturbavam com seus caca- privilegiado que, por ele atribuído à figura do reitor, evi-
identificação da população iletrada do país, cujos índices desenhando com sua assinatura, o artista fez equivaler rejos, odores, penas e fezes. dentemente estendia-se às políticas culturais da institui-
de analfabetismo chegava a 50,6% na década de 19505. identitariamente as várias camadas de sua vida, muitas ção: “O reitor é um cafeicultor! O reitor é um cafeicultor!
Assinando como um analfabeto, simbolicamente ombrea- Posto que profundamente identificado com os galos, em
vezes complementando a heterogênea assinatura com os O reitor é um cafeicultor!” Pouco tempo depois, projetou
va-se às condições das classes menos privilegiadas, ocu- cuja imagem e força Meyer espelhava seu próprio retrato
termos “cidadão” e/ou “artista”. e instalou um outdoor figurado por uma espécie de cen-
pando o elitista campo da arte com o “dedão” que se – “No meu caso particular, o galo representa toda a minha
tauro com cabeça de galo e pernas humanas de cujo bico
Esse gesto encontra um de seus ápices de irônica e críti- luta para chegar a ser desenhista e pintor, com a ajuda de
tornou um doloroso e incontornável índice das desigual- saía a pergunta que não queria calar: “Por que será que
ca complexidade quando Meyer assina um cheque com o Deus, dos anjos e dos bons espíritos do além, bem como
dades sociais e étnico-raciais de um Brasil construído por a UFSC vem, desde 1960, ignorando o talento e arte de
“valor simbólico” de Cr$ 1.000,00 com sua autenticada as- dos meus esforços. Eles são, honesta e verdadeiramen-
meio da escravidão. Meyer Filho?”.
sinatura-desenho, o que potencialmente o retira da eco- te, meus retratos psicológicos, artísticos e espirituais”7 –,
Ao fazê-lo, avizinhava-se também ao drama vivido por nomia financeira corrente para inseri-lo na economia sim- dessas operações de Meyer depreendemos outra camada Da mesma forma, em 1990, em comemoração aos seus
Chico da Silva. Filho de um indígena peruano e uma cea- bólica e altamente especulativa da arte, na qual somente de sua consciência crítica acerca das políticas do campo 70 anos, instalou um outdoor que, diante de sua alegada
rense, a partir da década de 1960, foi vítima da violência sua assinatura já seria passível de salvaguardar o valor do social das artes. exclusão e apagamento no campo local da arte, promovia
do mercado de arte branco e aristocrático que, alvejando- cheque-desenho para além dos Cr$ 1.000,00 nele conta- um autoelogio de caráter satírico. Sob um gigantesco “AR-
Se, de um lado, sublinhava o caráter de trabalho da práti-
-o publicamente por, tal como fizera Heitor dos Prazeres, bilmente inscritos. Lúdica e sarcasticamente jogando com ROMBASTES, FLORIPA!”, uma figura mítica antropozoo-
ca artística, de outro, dedicou-se a desmontar a presun-
haver constituído uma escola em torno de seu trabalho, as estruturas de poder econômico e social – também da mórfica enunciava, num balão, que “O pintor Meyer Filho
ção da arte de ser um ambiente socialmente harmônico.
os “pintores do Pirambu” – incluindo outros sujeitos afro- arte – Meyer diariamente gozava com tais experimentos, só sabe pintar galos!!!!”. Ao fazê-lo, irônica e zombetei-
Experimentando as dificuldades de legitimar-se e de viver
-indígenas pobres que, como ele, buscavam na arte um ciente de que, para além de seu público e na condição de ramente o artista se apropriava das críticas comumente
como artista, Meyer foi um crítico feroz dos modos como
caminho para seu sustento e ascensão social –, produziu um funcionário que nunca faltou ao trabalho, estava tam- atribuídas à sua obra – principalmente a alegação de que
os poderes se distribuem no campo das artes, produzindo
linchamentos simbólicos sob a acusação da “falsificação bém performando desde dentro e para a burocracia de seu ele “só sabia pintar galos” –, transformando suas acep-
situações que, ao longo de toda a sua trajetória, desas-
de sua própria obra” que levaram Chico da Silva a, em emprego e do mundo. ções pejorativas em assunções de autoempoderamento
sossegaram os protocolos e as etiquetas de silenciamen-
resposta, fazer uso de suas digitais como assinatura e ga- cujo público não era somente as pessoas familiarizadas
* to e disciplinamento tradicionalmente aplicadas sobre os
rantia de autenticidade de seus trabalhos. com a arte, mas os catarinenses em geral.
corpos desse território social: dos públicos educados a
Além da digital, enquanto esteve funcionário do Banco do Mas sua consciência performativa transbordava o dese- guardar as mãos e falar baixo nos ambientes expositivos “Pessoal, a cana tá dura! Os poderosos não me dão o apoio
Brasil (entre as décadas de 1950 e 1970), a assinatura de nho. Extremamente perspicaz quanto às formas de circu- aos próprios artistas, levados a convergir e pactuar com que eu mereço e, da esquerda, eu só recebo censura. Fui
Meyer Filho foi frequentemente acompanhada de carim- lação e publicização da arte, Meyer explorou dispositivos contradições diversas. Importunar tais normas o interes- massacrado porque os caras achavam que eu era um gabo-
bos apropriados da burocracia bancária. Em centenas de incomuns para enunciar suas inquietações, indignações, sou especialmente. la, que eu me promovia, que eu devia ser modesto”, diag-
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nosticava Meyer em uma de suas croniquetas. Sua percep- ícones centrais de uma abordagem proficuamente fabula- Mais adiante, a consciência histórico-política que o levou um artista disposto a enfrentar e a politizar as dimensões
ção de estar numa encruzilhada entre os tradicionais lócus tória em Meyer Filho. De cenas bíblicas a desenhos eróti- a fabular realidades por meio de sua obra traduziu-se num conflitivas, contraditórias e antagônicas que trespassam
de poder da arte se completava nos endereçamentos feitos cos, pululam no imaginário do artista em tons estridentes, projeto de enorme centralidade em sua trajetória: os ar- a cultura, marcam a prática artística e, em especial, esti-
pelo artista à sociedade catarinense, comunicando-se por formas profusamente ornamentais e infinitas singularida- quivos implacáveis. veram presentes em sua experiência como criador. De tal
meio de outdoors, jornais e mesmo performances radio- des, acompanhados por variações antropozoomórficas de intencionalidade também estavam prenhes as galináceas
Enquanto a oralidade foi um profícuo campo performativo
fônicas, a exemplo de sua emblemática entrevista de qua- seres como humanos, centauros, pássaros, lagartos, rino- que tanto identificaram sua trajetória.
explorado por Meyer, quando o catarinense se defrontou
tro horas de duração para o programa de rádio de Manoel cerontes, cavalos, onças, jacarés e tartarugas.
com as estruturas de poder que colonizam a história por Autorretratando-se no corpo de um galo num desenho
de Menezes (1963), quando narrou “com grande riqueza de
Como denotam os múltiplos sóis, que repetidas vezes apa- meio da produção e da detenção dos arquivos, esmerou- de 1960, o simbolismo e a história social desse pássaro
detalhes, como era a vida no Planeta Marte”8.
recem em seus desenhos e pinturas, Meyer elaborava um -se programaticamente em autoarquivar-se. Ao longo de em sua tensa relação com os humanos parecem ter ser-
Ombreando-se a Orson Welles, que em 1938 anunciara, universo que não se restringia à hegemonia das repre- décadas, colecionou os índices de sua experiência como vido como ícones dos muitos desafios vivenciados por
via rádio, que Nova Iorque estava sendo invadida por mar- sentações naturalistas das tradições eurocentradas. Seu artista (jornais, convites, fotografias etc.) e, ao invés Meyer. Distante da interpretação usualmente conferida
cianos, desde meados da década de 1960, Meyer passou a imaginário complexificava as supostas fronteiras entre o de atribuí-los um unívoco valor de verdade, tomou-os às galinhas em sua simbologia dadivosa, o caráter fálico
confessar suas relações com Marte, de cujos nativos se real e o fantástico, aproximando-se de memórias e sabe- como objeto e memória para um contínuo exercício de e bélico dos galos foi largamente sublinhado pelo artista
tornara embaixador no Planeta Terra. Incontáveis vezes res que não se subordinavam à racionalidade civilizatória atrito e crítica. catarinense, incansável narrador de suas brigas, feroci-
relatando suas experiências entre os marcianos, ilustran- que, no caso brasileiro, é eminentemente colonial. dades e rinhas.
“Implacável” foi o adjetivo eleito por Meyer para definir
do suas formas de vida e dela extraindo lições morais, so-
Por meio de sua iconografia, o catarinense elaborava um seu gesto político de questionar os arquivos, rasurando-os, Ainda que muitas cenas de ataque – com pessoas empu-
ciais e políticas destinadas aos terráqueos. Para o artista,
imaginário que se passava em regimes espaço-temporais sobrepondo-os, comentando-os, reclassificando-os. Per- nhando facas ou lançando flechas, seres fálicos violando
que se sentia deslocado e excluído do elitista campo da
não devedores do tempo cronológico ou do espaço eucli- formando para o tempo, o futuro e os leitores que sabia mulheres, animais devorando uns aos outros, seres míti-
arte de Santa Catarina e, de certa forma, do Brasil, Marte
diano. Buscava suas razões e sentidos noutros esquemas que por fim chegariam. Repetidas vezes voltou aos mes- cos sendo capturados etc. – tenham habitado sua obra, foi
se tornou um território ao qual pertencer.
cosmológicos, ontológicos e epistemológicos e, ao fazê- mos documentos com novas questões, reproduzindo-os ao decerto à violência dos galos que o artista mais dedicou
Filiar-se a outro planeta foi sua radical e fabulatória estra- -lo, se avizinhava às muitas pesquisas latino-americanas infinito, sobre cada cópia acrescentou questionamentos atenção. Em especial em seus desenhos, desenvolveu um
tégia para seguir contradizendo a marginalização prescri- que, especialmente na literatura, foram, a partir da déca- em forma de desenho e texto. Foi aos poucos conforman- vocabulário formal para a um só tempo aludir à ostensiva-
ta a artistas como ele, cuja desidentificação crítica com o da de 1960, agregadas sob o nome de “realismo fantásti- do uma versão insubmissa não só de sua própria história, mente adornada beleza dessas aves enquanto as colocava
modus operandi do sistema das artes tantas vezes levou a como também da arte produzida em Santa Catarina, to-
co”, “mágico” ou “maravilhoso” e que programaticamente em movimento de ataque e defesa.
que se lançasse, sobre suas obras e subjetividade, a pecha mando o anacronismo de seu contínuo arquivar-se como
configuravam, nas palavras de Homi Bhabha, uma “lin-
de ser outsider, primitivo, puro, naif, dentre outras adje- estratégia de constante revisão crítica. Formal e politicamente, Meyer Filho enfrentou as ambi-
guagem emergente do mundo pós-colonial”.
tivações. Catapultar-se para Marte e inscrever sua obra valências entre beleza e guerra, adorno e conflito, conju-
Assim, se sua obra fantástica poderia levar um desavisa-
num horizonte cósmico foi, assim, um giro capaz de es- Como parte dos movimentos de descolonização dos terri- gando-as de modo a evitar os binarismos que costumeira-
do espectador a, sob a égide do primitivismo que tanto
gueirar-se por entre o binômio marginal / primitivo: nova- tórios e povos “latinos”, as artes que davam a ver outros mente as segregam. Nesse sentido, cotidianamente des-
marcou os horizontes da arte moderna, supor ser Meyer
mente, Meyer conseguia desvencilhar-se dos cárceres que regimes de realidade, desvencilhando-se da hegemonia montou a edenização e a docilização que a moderna, eu-
Filho um artista voltado à negação da realidade históri-
a vida e a arte lhe impunham. do realismo histórico conforme pautado pelas tradições rocêntrica e elitista história da arte do século XX atribuiu
ca, seus arquivos são a incontornável evidência de que
europeias, ansiavam encontrar formas narrativas e es- ao ornamento, fazendo a radicalidade gráfica e cromática
não lhe faltava interesse pelos regimes e discursivida-
téticas para produzir uma historicidade própria, cujos de sua adornada obra escapar à pejorativa categoria do
* des da historicidade então hegemônica. Ao contrário: é
marcos temporais e linguísticos não permanecessem “decorativo” ao inundá-la como um imaginário tão bélico
justamente entre a fabulação cosmológica de sua obra
Aproximadamente a partir de 1957, os galos passaram a colonizados. Se tal movimento produzia disputas entre quanto erótico, tão escatológico quanto enfeitado, tão vio-
e a fabricação de sua própria memória através de seus
habitar a obra de Meyer Filho. Em que pese que a pre- continentes, não é menos verdade que esses conflitos lento quanto poético.
implacáveis arquivos que o artista não deixa dúvidas de,
sença desses pássaros possa ter inicialmente parecido encontravam suas correspondências mesmo dentro das
ao longo de sua vida, ter estado crítica e politicamen- Sua vertebral subversão às prescrições culturais parece
uma continuidade das pesquisas de caráter antropoló- fronteiras nacionais.
te desafiando o poder que define o que pode ou não ser ter sido esta, afinal: A de conseguir torcer os delicados
gico que informavam tanto seus desenhos “socialistas” considerado real e, portanto, legítimo e relevante para as
Assim, é inegável que as problemáticas sociais enfrenta- esquemas gráficos que em sua obra inicial retratam bu-
quanto “folcloristas”, sua rápida conversão em seres mí- muitas coletividades que formam a dimensão pública da
das por Meyer ao posicionar-se como trabalhador e irrom- cólicos quintais e paisagens em cenas prenhes de conflito
ticos e cósmicos revela serem mais do que “testemunhos arte e dos significados sociais.
per o cínico pacifismo da arte não estavam distantes das que, por sua vez, igualmente se ancoravam numa cuida-
da vida do povo”.
lutas próprias não só à colonialidade global, como também dosa, paciente e ornamental figuração. Entre as folhinhas
*
Já naquele ano figurados com pés humanos e, nas décadas ao colonialismo interno e suas versões particulares a cada individualmente desenhadas e seus emblemáticos – e por
seguintes, compondo arrojadas cenas que envolvem paisa- território, como o coronelismo cuja história sustentava o Como já anunciavam os desenhos do boi-de-mamão do co- vezes solenes – galos cujas penas eram também delinea-
gens e outros seres fantásticos, os galos se tornaram os brado meyeriano de ser, o reitor, um cafeicultor. meço da década de 1950, Meyer Filho constituiu-se como das singularmente, se imiscui, quase camufladamente, um
346 MEYER FILHO, Em um exercício de atribuição errônea, substituindo gatos
por galos, poderíamos ler nos versos de “Como se passa

vocabulário formal que faz com que as mesmas linhas e OS GALOS SÃO TELEFONES1 ao lado”, do escritor argentino Julio Cortázar, que “os ga-
los são telefone”. O conto passaria a ser lido assim:
pontas sirvam tanto às cristas quanto às esporas, às flores
quanto às garras. BIANCA TOMASELLI 2

Os descobrimentos mais importantes acontecem nas circuns-


Entre seus desenhos e gestos performativos, dos museus tâncias e nos lugares mais insólitos. A maçã de Newton, veja
aos bancos, entre a história e o arquivo, Meyer Filho cons- se não é algo a se pasmar. Aconteceu comigo que, no meio de
tituiu uma obra que enunciou e documentou sua vocação uma reunião de negócios, pensei sem querer nos galos – que
Muito se falou sobre os galos de Meyer Filho. Dizem que
política ao antagonismo, mesmo à contrapelo de uma his- nada tinham a ver com a ordem do dia – e de repente descobri
há alguma semelhança entre os galos de Meyer Filho e
toriografia que a tomou por quase que exclusivamente que os galos são telefones. Assim, sem mais nem menos, como
a antiga lenda do galo de Barcelos, cujo bibelô se multi-
bela, lúdica, decorativa, harmoniosa e “pura”. Como diz geralmente ocorre com as coisas geniais. [...]. Toma tempo en-
plicava pelas residências nos anos 1980, aquele famoso
em nota de 2 de abril de 1986, cuidadosamente salvaguar- tender que se trata de telefones especiais, como os walkie-
galinho que mudava de rosa para azul quando agourava
dada nos arquivos implacáveis, ainda que silenciosa ou de- -talkies que não têm cabos e, além disso, que também nós
mau tempo e que o próprio Meyer recordava ao falar de
moradamente, Meyer sabia que era preciso posicionar-se somos especiais, já que até agora não havíamos entendido que
seus desenhos. Parece que o artista, que era espírita,
criticamente e fez, dessa consciência e desejo, uma força os galos eram telefones e, portanto, não havíamos pensado
ficou interessado no galo da Missa do Galo. Conta-se que
motriz para seu imaginário e obra: “Quem cala, consente!!! que poderíamos usá-los. Dado que essa negligência remonta à
em algumas aldeias portuguesas e espanholas costuma-
Este é um exercício de liberdade!!!! E o direito de defesa mais longínqua antiguidade, pouco se pode esperar das comu-
va-se levar um galo à igreja durante a celebração do 25
não prescreve jamais......”. nicações que possamos estabelecer a partir do meu descobri-
de dezembro. Se ele cantasse, era sinal de boas colheitas
mento, pois é evidente a falta de um código que nos permita
Que possamos seguir o rastro de suas defesas – e, eviden- no ano que se adentrava. (“Se o galo não canta ao ama-
compreender as mensagens, a sua procedência, e a índole de
temente, ataques. nhecer, é a morte que espreita.”)
quem as enviam para nós. Não se trata, como já se deve ter
Viram nos galos de Meyer Filho uma homenagem às rinhas notado, de atender uma coisa que não existe, nem de discar
de galo da ilha do Desterro. Disseram que o próprio Meyer um número que nada tem a ver com nossas cifras. Muito me-
era feroz e bom de briga como um galo. Verônica Stigger, nos se trata de entender o que possam estar nos comunicando
por sua vez, acredita tratar-se da emergência do galo-ho- do outro lado ou o motivo, igualmente confuso. Que o telefone
mem. Repara, em uma fotografia do início da década de funciona, todo galo se sente honrado em comprovar, ainda que
1 Clarissa Diniz (Recife, 1985) é curadora, escritora e professora 1980, o galo à vontade no colo do artista. É que o galo está sejam bastante mal correspondidos pelos bípedes que são por
de arte. Graduada em artes plásticas pela Universidade Federal de antes do homem, afirma. Em uma perspectiva reversa, eles agraciados [...]. Todo galo é um telefone, mas todo homem
Pernambuco (UFPE), mestre em história da arte pela Universidade
todo galo, como todo animal, é antes de tudo um homem. é um pobre homem. Vá saber o que continuam a nos dizer, que
Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e doutoranda em antropologia
pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é professora da Sabe-se que o galo é também um dos animais sacrificados direções nos apontam...; de minha parte sou capaz apenas de
Escola de Artes Visuais do Parque Lage. Entre 2006 e 2015, foi editora a Exu. E se os desenhos de Meyer Filho atestam a trans-
da revista Tatuí. no meu telefone banal discar o número da universidade para
formação do galo em gente, “o flagrante de uma possível a qual trabalho e anunciar, quase que envergonhadamente,
2 Cf. SOUZA, Gilda de Mello. O tupi e o alaúde. São Paulo:
metamorfose”, como diz a escritora, trata-se, igualmente,
Duas Cidades; Ed. 34, 2003. o meu descobrimento. Parece inútil mencionar o silêncio de
de uma inversão da ordem ofertante-oferenda. Nessa fu-
3 Mané Onça, Bumba-meu-boi da Madre Deus. Citado em tapioca congelada que recebem os sábios que atendem a esse
As toadas do bumba-meu-boi: sobre enunciados e um gênero são galo-homem é o homem (no corpo do animal) quem se
tipo de chamadas4.
discursivo. Tese de doutorado de Joelina Maria da Silva Santos.
entrega em sacrifício.
UNESP, 2011.

4 VIEIRA, Fulvio. Progresso e evolução. Revista SUL, Florianópolis, Georges Bataille dizia que a experiencia poética, artística, Os galos são telefones. Passagens, fantasmagorias, dupli-
n. 2, fev. 1948. catas bancárias. Em um estudo de Meyer Filho datado de
é o familiar dissolvendo-se no estranho e nós mesmos
5 Cf. BRAGA, Ana Carolina; MAZZEU, Francisco José Carvalho. 1966 e realizado justamente sobre o verso de um formulá-
com ele. Esse não-saber, no entanto, nunca nos desapossa
O analfabetismo no Brasil: lições da história. RPGE – Revista online de
Política e Gestão Educacional, v.21, n.1, p. 24-46, 2017. Disponível em: totalmente, pois as palavras e as imagens nele dissolvidas rio de duplicata, uma figura um tanto infernal (tem as asas
https://periodicos.fclar.unesp.br/rpge/article/download/9986/6590/27531. são carregadas de emoções já sentidas, fixadas a objetos e as orelhas chifradas como as de um anjo caído) segura
6 MEYER, Sandra. Meyer Filho performa desenho. In: ABACV, SJEAG, que as ligam ao conhecido. Tal processo que, para Batail-
3 um galo e um par de flores. Ela sustenta um terceiro olho
SIZEZ, SOCYO, SNEPA, MABUI & MACAC: arquivos implacáveis de
le, se relaciona ao sacrifício, implica em considerar que as no meio da testa como se enxergasse através das coisas,
Meyer Filho. Florianópolis: Instituto Meyer Filho, 2017.
imagens são passagens. Menos do que importar um signi- emblema característico da sua série de figuras de Marte
7 FELDMANN, Carlos Alberto. Ernesto Meyer Filho fala sobre sua
arte, sucesso de crítica e público. Jornal Bom Dia. Florianópolis, ficado, as imagens transportam semblantes. Assim são os (há uma série de galos que sustentam igualmente esse
15 jan. 1978, p. 10. galos de Meyer Filho. Na verdade, os galos de Meyer, os de terceiro olho). Na biblioteca de Meyer Filho está uma edi-
8 Excerto de Respeitável público. Exu, o bibelô de Barcelos e os cacarejos do Natal cristão, ção de 1965 de A vida no Planeta Marte, psicografado por
9 BHABHA, Homi K (org). Nation and narration. London: Routlegde, 1990, p. 7. são, todos eles, mensageiros. Hercílio Maes, na qual o espírito Ramatis lhe transmite os
348 349

conhecimentos marcianos. Em um trecho sublinhado pelo *** *** A contrapartida das medidas desenvolvimentistas elaboradas
artista, Maes narra o encontro com o espírito que lhe apa- pela CEPAL (Comissão de Desenvolvimento Econômico para
rece por entre uma luz refulgente, cuja aura, de um ama- Kafka dizia que a modernidade se efetiva com o desenvol- A relação do realismo e do surrealismo na obra de Meyer a América Latina e o Caribe da ONU) iniciadas no governo de
relo-claro, puro, com nuanças douradas, era circundada vimento das tecnologias de transporte e de comunicação, Filho denuncia uma questão mais ampla que é a do esta- Juscelino Kubitschek, sejam elas: a distribuição de renda e
por uma franja de filigranas em azul-celeste. Entre frag- já que elas implicavam a aprimoração dos modos da ci- tuto dado à visão e ao inconsciente (o sintoma) no inte- a centralização da economia, foram postas de lado durante
mentos de paisagens egípcias, chinesas, hindus e gregas vilização apoderar-se do espaço-tempo. Walter Benjamin rior da leitura desenvolvimentista do país, ancorada nos o militarismo frente às políticas do livre mercado. Em 1978,
veste uma túnica de seda branca, imaculada e brilhante, bem compreendeu os efeitos desse aprisionamento do primórdios do visível e da razão (o signo). No âmbito des- após quase quinze anos de ditadura militar, violência, censu-
tal como o espírito endemoniado de Meyer Filho. Ramatis, espaço-tempo pela civilização e por isso disse que todo se problema, a focalização antropológica de uma crítica ra e supressão de direitos civis (o AI-5, de 1968, seria revoga-
demônios, galos, todos são mensageiros, telefones. documento de cultura é também um documento de barbá- como Marta Traba era criticada por Frederico de Morais
8
do somente em outubro daquele ano), o Brasil era assolado
rie. A história do universo é, para Benjamin, uma história (em texto de 1978 chamado “A vocação construtiva da arte por uma grande crise de estagnação econômica aliada a altas
A esse respeito, vale lembrar o que dizia o poeta José
que caminha para o desastre. A única dialética possível latino-americana (mas o caos permanece)”), como coloni- taxas de inflação, a níveis crescentes de concentração de
Bergamín sobre os demônios, essas figuras infernais que
seria o progresso das imagens: zada, atrasada e, portanto, economicamente dependente. renda e à pobreza extrema. Para Morais, no entanto, não era
abundam nos desenhos e nas pinturas de Meyer Filho no
Do mesmo modo, no campo literário, a radicalização do certo inferir que o fim do “sonho desenvolvimentista” fosse
movimento de metamorfose do galo e do homem. Antes de
sujeito levada a cabo por Clarice Lispector, que há muito também o “fim do sonho construtivo” das ideologias artísti-
tudo, para Bergamín, o demônio encarna o não-saber. Pois, Todo o presente é determinado por aquelas imagens que lhe
é lida por Raúl Antelo (e, mais recentemente, por Georges cas dos anos 1940 e 1950. Pois a arte construtiva não seria
como já dizia Santo Agostinho, o demônio expressaria uma são sincrônicas: cada agora é o agora de uma determinada
Didi-Huberman) como ato de subversão da repressão tri- para nós, latino-americanos, manifestação cultural de socie-
vontade de não ser, uma vontade de nada. Tanto quanto o cognoscibilidade. Nele, a verdade está carregada de tempo
butária do liberalismo (capitalismo), foi, no âmbito acadê- dades industriais, terciárias ou avançadas, mas de socieda-
Deus de Moisés se define como aquele que é, o demônio diz até o ponto de explodir. [...] Não é que o passado lança sua
mico, por muito (se não continua sendo) tida como uma des em fase inicial de arranque econômico cujos projetos
ser o que não é. E toda a arte poética, conclui o poeta, seja luz sobre o presente ou que o presente lança luz sobre o pas-
elaboração puramente existencialista (a obra como uma político e econômico aliam-se a uma vocação construtiva.
pintura, música, poesia, não é arte poética caso não seja, sado; mas a imagem é aquilo em que o ocorrido encontra o
operação de fundo psicológica). Retomo Frederico de Mo- Ainda que Morais identificasse uma segunda etapa do mo-
igualmente, uma arte de furtar e enganar o diabo, como um agora num lampejo, formando uma constelação. Em outras
rais, no texto supracitado: vimento construtivo que incluía um processo de antropofa-
jogo que oscila do ser ao não-ser, do tudo ao nada saber. palavras: a imagem é dialética na imobilidade.
6

gia – a adaptação do construtivismo a uma realidade diversa,


No entender de Juan Acha […], o geometrismo (eu preferia di- contraditória e lúdica, como é o caso do neoconcretismo no
Todo o Universo, diziam os filósofos gregos, está cheio de al- Recordemos que o pessimismo de Benjamin se relacio-
zer, a arte construtiva) latino-americana é uma manifestação Brasil e do Grupo Madí na Argentina –, afirmava a necessida-
mas e de demônios, ou seja, de espíritos. Porque para que haja na com o entendimento de que a promessa da Revolução tardia, mas desejada, das forças racionais. Em uma comunica- de de um estágio inicial de assepsia em que a arte constru-
espiritualidade tem que haver espíritos, como dizia Nietzsche, Francesa não se cumpriu (estamos falando do período da ção que fiz ao Seminário sobre Política e Processos de Amos- tiva atua como um “corretivo saudável” aos excessos místi-
“para que haja divindade tem que haver deuses”. Nisso que primeira metade do século XX, que abarca as duas grandes tragem em Arte [...] em novembro de 1977, procurei mostrar cos e mágicos, emocionais e irracionais. Em resumo, a arte
é a plenitude espiritual do Universo, havia para os gregos três Guerras Mundiais) e o progressismo e o historicismo so- como as grandes exposições internacionais do tipo Documen- construtiva se realiza na América Latina em detrimento das
ordens ou mundos de distintas natureza: o dos deuses, o dos cialdemocratas sufocavam os movimentos da história em ta de Kassel, bienais de Veneza e Paris, exercem uma forma manifestações surrealistas, tachistas, as formas automáti-
homens e o dos demônios. A diferença entre estes mundos nome da previsibilidade contínua das ações. de colonização sobre a arte mundial, como que determinando,
era uma distinção ou distância simplesmente elemental: o
cas da arte e o expressionismo (“contra o caos e os excessos
juntamente com as multinacionais de mercado, o tipo de arte
mundo dos homens era a terra, o dos deuses o céu etéreo, Meyer Filho dizia que o galo é o símbolo da França e do reinantes na nossa paisagem física e cultural”)10.
a ser realizado por países e continentes. De acordo com essa
e o dos demônios o ar. Se tomamos esta que seria a interpre- Planeta Marte – em 1982, confessou: “Vocês podem me
divisão de tarefas, por exemplo, a América Latina deve per- Desnecessário frisar que essa leitura evidencia uma dialé-
tação clássica do demônio, nós o encontraremos, então, pri- chamar de gozador e tudo: na Terra o símbolo oficial da
sistir na prática de uma arte figurativa, emocional, fantástica, tica subdesenvolvido-desenvolvido, colonizado-emancipa-
meiramente pelo ar: ou pelos ares, povoando a atmosfera de França é o galo. E o galo é também o símbolo w do pla-
mágica, ficando as tendências analíticas e abstratas para os do cuja resolução se apoia numa perspectiva civilizatória
invisíveis presenças espirituais. Esta natureza aerada do De- neta Marte. E o meu símbolo também”7. Na trajetória do
anglo-saxões. E, se no plano teórico, Marta Traba insiste no de desenvolvimento técnico sempre deslocada (o progres-
mônio, ou dos demônios, tinha, para os gregos, o sentido de artista, 1963 marca o ano de sua primeira viagem ao pla-
“tom predominantemente mítico da sociedade latino-ameri- so). Nela, o trabalho artístico é tomado em seu aspecto
intersecção ou mediação divina: esses demônios eram cria- neta vermelho. E 1957, o ano em que se autoproclamara o
cana”, a Bienal de São Paulo, como sempre funcionando a produtivista. As vanguardas de cunho surrealistas, por
turas aéreas destinadas a mediar e a transportar mensagens primeiro artista surrealista do Sul do Brasil. O surrealis-
reboque das demais bienais internacionais, estimula o com- outro lado, introduzem uma abordagem não produtiva,
entre os homens e os deuses: portanto, podemos dizer que mo atravessa o conjunto das suas obras no automatismo
portamento acima mencionado. A próxima edição da Bienal inoperante do trabalho de arte que se baseia na sua re-
eram indiferentemente bons ou maus em relação ao êxito de dos seus desenhos, subtraídos das rédeas do pensamento
paulista, a primeira inteiramente dedicada ao exame da arte lação com o inconsciente. As forças do inconsciente que
suas mediações ou intervenções celestes; porque eram uma abstrato, no erotismo de suas figuras, na intenção meta-
produzida no nosso continente, terá como tema Mitos e Ma- o surrealismo se dedica a estudar não são suscetíveis de
espécie de agentes da correspondência ou do intercâmbio es- física dos emblemas, no hibridismo que tange o método
gia. Por isso tudo, Acha entende que o geometrismo implica evocação voluntária e introspecção concreta e, portanto,
piritual dos homens com o céu. E, portanto, estavam sujeitos da paranoia crítica de Salvador Dalí. A dimensão onírica
na América Latina, um saudável corretivo de toda uma tradi- enfatizam uma realidade-sonho que, no entanto, é tão ou
[…] às mesmas paixões humanas; de fato, muitos acreditavam está presente mesmo na fase de desenhos e nas charges
ção individualista e emocionalista da arte e da cultura.9
mais verdadeira do que qualquer outra. Como dizia Marcel
que eram os homens quem contaminavam os demônios com dos anos 1940 e 1950, de caráter eminentemente realista,
Proust, a imaginação cria fantasmas que são, para nós,
suas paixões e seus vícios.5 norteados pela crítica social.
seres mais preciosos que os reais.
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Nesse sentido, há duas formações iniciais e distintas das mais variados, pelos escritores do grupo: “as obras desse filosofia do telefone, do transitório. É verdade que Meyer ninguém. B e eu. Eu preciso de B porque não posso ficar
vanguardas surrealistas que precisamos considerar. A pri- círculo não lidam com a literatura, e sim com outra coi- Filho se orgulhava de não ter precisado de gente rica para sozinho. A não ser quando eu durmo. Aí, eu não posso ficar
meira vertente diz respeito ao entendimento que André sa – manifestação, palavra, documento, bluff, falsificação, realizar suas pinturas, diferentemente do artista nova-ior- com ninguém. Eu acordo e telefono para B”18.
Breton realiza na década de 1930 de que o surrealismo se se quiser, tudo menos literatura – [...] são experiências quino. Mas pintava galos, que eram telefones. Desenhava
O universo onírico de Meyer Filho, o galo aparece como
é o equivalente superestrutural da luta de classes, cujo que estão aqui em jogo, não teorias” . 14 galos em formulários bancários, em pedaços de Eucatex,
índice dessa experiência. Prestes a anunciar o momen-
fim seria abolir as contradições sociais e econômicas. A em outdoors e em geladeira de bar. Aliás, muitos dos as-
to oportuno de uma transformação radical do sujeito e
atividade surrealista, e não o realismo ou o construtivis- *** suntos de Meyer, seus desenhos eróticos, por exemplo,
da história onde a revolução se faria possível. No interior
mo, seria a contrapartida artística genuína da revolução eram igualmente assuntos de boteco, derivados de expe-
dessa experiência, Marte se define menos como utopia do
social. A segunda vertente, dissidente da primeira, levada riências brahmísticas (ao mesmo tempo sagradas e rega-
No final dos anos sessenta do século passado, Guy Debord que como uma heterologia que alia à elaboração imaginá-
a cabo por Bataille e o Colégio de Sociologia, desenvolve das a cerveja).
introduziu sua leitura do capital em A sociedade do espetá- ria de Meyer Filho uma extensão do comum.
uma noção de comunidade baseada em uma focalização
culo. Como os surrealistas na primeira metade do século Em 1975, Andy Warhol publicou, pela Andy Warhol Enter-
antropológica da cultura. Nessa leitura, o erotismo, tanto
XX, os artistas do situacionismo, movimento ao qual De- prise, o livro A filosofia de Andy Warhol. De A para B e de
quanto o sacrifício nas comunidades arcaicas, implicam
bord se vinculava, compreenderam que a coerção capi- volta para A. Um livro de filosofia de boteco que é, ao mes-
em uma reconfiguração radical do sujeito capaz de dele
talista gira em torno da alucinação do consumo. O valor mo tempo, um romance escrito a partir dos fragmentos
desvincular as amarras do tempo cronológico da técnica11.
de troca da mercadoria, abstraído do trabalho e da maté- de uma conversa telefônica, cujos capítulos são introduzi-
A essa vertente se associa Meyer Filho.
ria que a constitui, daria lugar ao seu valor de exposição. dos por enunciados como:
1 Aula inaugural do curso “Meyer Filho, terra em fuga”, ministrado
Contra o aprisionamento da vida às imagens e aos padrões
*** em novembro de 2021, disponível no canal do Instituto Meyer Filho,
vigentes, os situacionistas tomaram as ruas e as institui- B e Eu: Como Andy assume seu Warhol. no YouTube.
ções. Em 1988, contudo, ao revisar A sociedade do espetá- A: Eu nunca telefonei para a minha central de mensagens. (p. 15) 2 Bianca Tomaselli (Florianópolis, 1979) é artista e pesquisadora de artes
À ruptura do tempo cronológico da técnica correspondem culo, Guy Debord reconhece que longe de ser destruído, visuais, arquitetura, urbanismo, cinema e literatura. Pesquisadora no
o caráter intempestivo da visão e as imagens do Programa Oficial de Doutoramento em Estudos Literarios da Universidade
o espetáculo se fortaleceu no período que transcorreu às da Coruña, Espanha. Doutora em Literatura pela Universidade Federal de
inconsciente. Não à toa, Walter Benjamin encontrou no 1. Amor
manifestações de 1968. A vida passou a ser mediada pelas Santa Catarina (UFSC), com período de pesquisa na Faculdad de Filosofía
surrealismo um equivalente da imagem dialética. A imagem A: Gosto do seu apartamento y Letras da Universidad de Granada, Espanha.
imagens em prol dos interesses especulativos do capital.
surrealista conforma uma tentativa de compreender a B: É gostoso, mas só dá para uma pessoa – ou duas pessoas 3 STIGGER, Veronica. In: NUNES, Kamilla et ali. ABACV, SJEAG, SIZEZ,

reviravolta da rememoração, uma técnica do despertar Meyer Filho, em depoimento ao Jornal Santa Catarina, em muito próximas. SOCYO, SNEPA, MABUI & MACAC. Arquivos implacáveis de Meyer Filho.
Florianópolis: Instituto Meyer Filho. p.35, 42.
que abre caminho a uma iluminação profana12. setembro de 1980, afirmou: “Todos pensam que nós vive- A: Você conhece duas pessoas que sejam muito próximas? (p. 33)
4 Cf. BATAILLE, Georges. A experiência interior. São Paulo: Ática, 1995.
mos o século da bomba atômica; isto é uma mentira, nós
Trata-se, portanto, de uma experiência do êxtase e do 5 CORTÁZAR, Julio. Un tal Lucas. Disponível em:
vivemos o século da propaganda”. Já nos idos de 1973, em http://www.textosenlinea.com.ar/cortazar/Un%20Tal%20Lucas.pdf
transitório que, por sua vez, não é alheia ao fetiche, à 6. Trabalho
entrevista para o Jornal A Cidade, lemos: (tradução minha)
mercadoria e ao capital. Muito pelo contrário. Quero afir- B: Hospitais são inacreditáveis.
6 BERGAMÍN, José. La decadéncia del analfabetismo. La importáncia del
mar que a potência revolucionária da obra de Meyer Fi- A: Quando eu estava morrendo, tive de assinar meu nome Demonio. Madrid: Siruela, 2000. p. 61-62. (tradução minha)
“Você se importa se alguém lhe disser que não gosta da sua
lho está não no ultrapassamento da alienação capitalista, num cheque. (p. 105)
7 BENJAMIN, Walter. Passagens. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado/
pintura, ou mesmo que ela não serve como elemento de arte,
mas em sua subversão. Isso implica em habitar a fantas- UFMG, 2006. p. 505.
por uma razão?”
magoria, o delírio. E quem melhor para fazer isso do que 8 Meyer Filho em entrevista ao Jornal de Santa Catarina, Florianópolis,
10. Clima
7 jun. 1981.
um “pintor fantasiado de bancário”, que desenha em no- “Sabe, tudo depende da pessoa [...] Não perco mais tempo em B: Eu queria fazer um filme que mostrasse como é triste e
9 Filha de imigrantes galegos, estudou Filosofia e Letras na Universida-
tas promissórias, em duplicatas e em folhas de cheque? discussões. Só não gosta quem não tem sensibilidade. E isso lírico aquelas duas velhinhas estarem morando naquelas salas de de Buenos Aires e História da Arte em Paris e em Bogotá, onde foi
(Meyer Filho foi funcionário do Banco do Brasil de 1941 a não se compra em supermercado nem em farmácia. Mostro cheias de jornais e gatos. professora de História da Arte e fundou o Museu de Arte Moderna. Na
A: Você não devia fazer o filme triste. Devia simplesmente Argentina, trabalhou para revista Ver y Estimar, coordenada por Romero
1971, época em que diz ter realizado 30 mil desenhos “rá- meus quadros e não obrigo a gostar. A Coca-Cola também faz
Brest, e em Bogotá, realizou uma série televisiva sobre Arte Contem-
pidos rapidíssimos”, grande parte de cunho erótico, 26 mil uma propaganda desgraçada e você não é obrigado a tomar. dizer: “É assim que as pessoas hoje estão fazendo as coisas”.
porânea para a Televisora Nacional e emissoras culturais como HCJK e
(p. 161)17 foi colunista dos periódicos Semana e El Tiempo de Bogotá. No governo
deles destruídos.) Mas ela está ali, goste você ou não.”15
de Carlos Lleras Retrepo, se exilou em Montevideo, Caracas, San Juan,
Em seu texto de 1928 sobre o surrealismo, Benjamin subli- Washington, Princeton, Barcelona e Paris. Publicou El museo vacío (1961),
Meyer, como Andy Warhol, o artista-emblema da consu- Em A filosofia de Andy Warhol, de A a B e de volta a A, o
La pintura nueva em Latinoamérica (1961), Dos décadas de vulnerabilidades
nhava a subversão do capital nos trabalhos dos artistas do mismo norte-americano, era tributário do pessimismo sujeito da exposição (do espetáculo) se realiza enquanto en las artes plásticas latinoamericanas (1950-1970) (1973), Arte de América
grupo ao dizer: “o processo pelo qual a embriaguez abala surrealista, desconfiado de todo o tipo de acomodação alteridade, numa experiência meta-antropológica que, ao Latina 1900-1980.

o eu (a fantasmagoria) é ao mesmo tempo a experiência entre classes e entre indivíduos. (“A lua foi palmilhada conjugar o sono e o despertar, alia os mundos da fanta- 10 MORAIS, Frederico. A vocação construtiva da arte latino-americana
(mas o caos permanece) In: PONTUAL, Roberto (org.). América Latina –
viva e fecunda que permitiu a esses homens fugir ao fas- várias vezes e aviões caíram no céu por falta de gasolina”, sia e da razão: “Eu acordo e telefono para B. B é alguém Geometria Sensível. Rio de Janeiro: Jornal do Brasil/Museu de Arte
cínio da embriaguez”13. Destacava o uso dos materiais, os dizia Meyer Filho em 1974)16. Eram ambos tributários da que me ajuda a matar o tempo. B é alguém e eu não sou Moderna do Rio de Janeiro, 1978. p. 18.
352 RESPEITÁVEL LEITOR certas autoridades eram alguns dos atos de superfície
de meu pai, que, tais como icebergs, se escondiam em
11 Idem. E LEITORA um mar profundo, impossível de ser percebido por olhos
12 Cf. TOMASELLI, Bianca. A potência da comunidade em José Val del Omar
acostumados ao trivial.
– surrealismo e imagem. Tese de doutorado. Florianópolis, Universidade SANDRA MEYER 1
Federal de Santa Catarina, 2020. Se você chegou a esta página, provavelmente deve ter
13 Cf. ANTELO, Raúl. O sono/sonho da razão. Conferência na Escola Brasi- visto dezenas de imagens e textos selecionados pela
leira de Psicanálise, Seção SC, out. 2019. equipe curatorial. Caso não, pare, retroceda algumas pá-
14 BENJAMIN, Walter. O Surrealismo, o último instantâneo da inteligên- ginas e procure por indícios das marcas do bom combate
cia europeia. Magia e técnica, Arte e política –Ensaios sobre literatura e Esta escrita se inicia em 22.02.2022, numa tela em bran-
história da cultura. Obras Escolhidas. vol 1. São Paulo: Brasiliense, 1987.
do cidadão-artista nas várias ilhas. Agora, você pode ima-
co, onde cabem narrativas compossíveis: a da filha do
pp. 22-23. (parêntesis meus) ginar um pouquinho as motivações deste texto. Aqueles
artista, a da artista, a da professora, a da pesquisadora,
15 Idem. documentos são rastros do que o artista viveu em sua
a da produtora de eventos, a da presidenta do Instituto
16 Entrevista a Jânio Moskrz, Jornal A Cidade, Joinville, 30 de abril de época, por ele arquivados e comentados. Já este texto
1973, p. 18.
Meyer Filho e a da coordenadora geral do projeto Arqui-
é um testemunho encarnado, cuja memória tangencia
17 MEYER FILHO, Ernesto. O estalo de Vieira. In: NUNES, Kamilla et ali.
vos Implacáveis. Todas essas facetas reúnem formas de
processos ficcionais.
ABACV, SJEAG, SIZEZ, SOCYO, SNEPA, MABUI & MACAC. Arquivos implacáveis comprometimento que coexistem umas com as outras,
de Meyer Filho. Florianópolis: Instituto Meyer Filho. p. 28.
nos atravessamentos dessas possibilidades de atuar no O eu de Meyer Filho está presente ostensivamente nes-
18 WARHOL, Andy. A filosofia de Andy Warhol, de A a B e de volta a A. Rio
mundo da arte e da cultura. E quando se trata de um te livro-arquivo e apresenta uma história própria, que é
de Janeiro: Cobogó, 2008. p. 15, 33, 105, 161.
acervo de artes visuais da envergadura do deixado por também a história de um conjunto de relações. Judith
19 Idem. p.17.
meu pai, a complexidade aumenta. Butler nos adverte: “Quando o ‘eu’ busca fazer um rela-
to de si mesmo, pode começar consigo, mas descobrirá
Começo contando sobre o desejo de realizar um evento
que este ‘si mesmo’ está implicado numa temporalidade
à altura do legado deixado pelo artista, por meio de um
social que excede suas próprias capacidades de narração;
projeto que durou de 2018 a 2022. Fazer conhecer a vi-
[...]”2. É este o convite que lhe faço: perceber as tempo-
da-obra ou obra-vida de Meyer Filho, investigar o acervo
ralidades da trajetória de Meyer Filho no campo da arte,
[Arquivos Implacáveis de Meyer Filho] por ele deixado e
fazer dele um patrimônio acessível era o que nos movia. da política, da ética, da economia, da família, da cultura

Por muitos anos, presenciei cenas e relatos indignados e da sociedade. E o que dele excede.

de meu pai sobre as dificuldades de apoio, não somen- De minha parte, não há como ignorar o conjunto de re-
te à sua trajetória artística, mas em relação à falta de lações que constituiu meu pai, tampouco quem/como
sensibilidade e de entendimento da importância da arte sou implicada nestas relações. Frequentei, desde meni-
na vida em sociedade. O que eu não imaginaria era que na, junto com meus pais, minha irmã e irmão, exposi-
algumas das situações que ele viveu em sua época ainda ções de arte que marcaram momentos do surgimento
vigorariam. Senti na pele o que meu pai sentiu. Indignei- e da consolidação da arte moderna na Ilha de Santa
-me tal qual ele. Para continuar a jornada, precisei me Catarina desde o fim dos anos 1950, sem ter noção
fortalecer inspirada em sua resiliência, em seu humor
ainda da relevância histórica de tais acontecimentos,
refinado, em suas inventivas estratégias de sobrevivên-
como é possível vislumbrar na ilha HORA DE UM CERTO
cia, por vezes performáticas, em sua batalha incansável
CAFEZINHO. Posamos para muitas fotografias ao lado
por dias melhores para a humanidade, nem que fosse em
das obras, em ocasiões diversas em que meu pai exibia
outro planeta, e no caso dele, em Marte.
orgulhoso um novo desenho, até mesmo quando o su-
As marcas de seu inesgotável combate se tornaram espé- porte do desenho era um grande coco verde colhido em
cies de marcadores somáticos em mim, persistentes des- nosso quintal. Sentávamos ao seu lado no atelier para
de minha infância. Muitas vezes não entendia os porquês, desenhar, inspirados pela sua iconografia, e ele não foi
mas havia ali uma coerência implacável em seu compor- indiferente a isso; guardava em seu acervo desenhos de
tamento não normativo e questionador. Tentar entrar barcos, casarios e animais domésticos feitos por nós,
num cinema com paletó, exigência nos anos 1960, mas nos quais assinava “Pai”. Ele levou para São Paulo, em
trajando bermuda, comparecer de smoking e sandália de umas das exposições que realizou, os desenhos de meu
dedo no ambiente bancário, cacarejar em um programa irmão Paulo. Depois, nos anos 1980, expusemos juntos –
de TV aberta, expressar dolorosamente seu desconten- Paulo, nosso pai e eu – mais de uma vez em espaços de
tamento em casa, manifestar-se corajosamente contra arte na capital catarinense.
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A transformação da nossa casa na rua Altamiro Guima- forma, traumática, pois o impacto que sua arte provoca- para desenhar quando lhe foram tiradas, de sua mesa de herdaria um arquivo de artes visuais – o de meu pai –, ou
rães numa galeria de arte foi externada no banner por va nos ambientes de circulação nacional não encontrava trabalho no banco, as canetas que costumava usar em formaria um acervo da dança catarinense por conta de
ele pintado com os dizeres: Galeria Meyer & Filhos. reverberação na pacata Florianópolis. Ele voltava ao seu seus estudos, na hora do cafezinho. Para angariar fundos uma trajetória na área de mais de quarenta anos como
Definitivamente, não era o tal “cubo branco” o modelo emprego de bancário até preparar uma nova investida para a manutenção do meu grupo de dança, ele fez um bailarina, coreógrafa e professora. Nesse sentido, nos
modernista de espaços para exposição, com fundo neu- como artista para além da Ilha. As correspondências desenho escrito Ballet Desterro para que imprimíssemos, últimos anos tenho vivenciado experiências que proble-
tro e livre de excessos. A galeria expandida meyeriana trocadas com amigos de São Paulo e do Rio de Janeiro, em serigrafias, em camisetas. matizam a ideia de arquivo na arte por meio de dispositi-
tomava os dois andares da casa, a garagem, o quintal, como Theon Spanudis, crítico da Revista Habitat, revelam vos que acionam acervos, permitindo que estes “falem”,
Como artista visual, participei, nos anos 1980, do circui-
desacomodando o público e o privado. A arquitetura os esforços de meu pai em criar um circuito de arte para inclusive poeticamente, em um contexto contemporâneo.
to local de mostras coletivas, algumas delas junto com
modernista da casa acompanhava uma tendência que si e, consequentemente, para a arte catarinense.
meu pai, por exemplo, na Galeria do Zeca D’Acampora e O questionamento sobre como a trajetória de meu pai
surgia naquela época na cidade. Meu pai se orgulhava na Galeria Max Stoltz, ocasião em que expusemos juntos,
Os anos 1970 foram mais profícuos culturalmente na e a convivência familiar teriam impactado minha vida e
de ter podido construir a casa com o seu trabalho como Ilha de Santa Catarina. Novos ares transformavam ca- ele, eu e meu irmão, Paulo, paisagens inspiradas em sua a arte que produzo gerou uma performance apresenta-
bancário e como artista. Diferentes pessoas entravam beças e corpos num movimento comportamental que iconografia, alimentadas desde os tempos em que dese- da no Memorial Meyer Filho em 20163. Michel Foucault
e saíam da casa-galeria, com destaque para alunos do remetia a uma tropicália ilhoa. Após mergulhos na ainda nhávamos a seu lado no atelier. Quando decidi abando- descreve o arquivo como o sistema geral da formação e
grupo Escolar Silveira de Souza; dezenas de crianças e deserta praia da Joaquina e passeios na recém-aterrada nar o curso de Direito para ingressar na licenciatura em da transformação dos enunciados, e menos um lugar de
jovens, na saída da escola, atravessavam a casa sem ne- avenida Beira-mar Norte, a cidade comparecia em peso Educação Artística, meu pai me apoiou, discordando de conservação perene de documentos do passado4. Com a
nhuma cerimônia para ver o artista pintar. — Ôh, jovem, ao Studio A2, uma galeria capitaneada pelo jornalista minha mãe, que era filha de desembargador, argumen- performance Sem título, ativei cineticamente corpos-ar-
tá bonito? Repetia ele a mesma pergunta que me fazia Beto Stodieck e pelo produtor cultural Paulo Peixoto, tando: — Deixa Ruth, ela quer ser artista! quivos, o meu, o de meu pai e o dos espectadores pre-
alguma vezes enquanto pincelava suas telas em euca- um espaço democrático inigualável de encontro e de sentes. Retomo aqui a provocação de Jacques Derrida:
Àquela altura, eu já não me surpreendia mais com a sua
tex, por ele confeccionadas. valorização da arte local. E meu pai teve suas noites de “Em que se transforma o arquivo quando ele se inscreve
ousadia, nem quando ele incomodou certas senhoras da
gala, ou melhor, “de galo”, como descreveu Beto, em sua diretamente no próprio corpo?3.
Esses tempos de convívio lúdico entre tintas e papéis alta sociedade local e até mesmo o arcebispo da cidade,
coluna no jornal O Estado, em muitas das concorridas
eram entremeados de arroubos de indignação por conta ao expor, em 1982, desenhos e pinturas eróticas no Stu- No Memorial Meyer Filho, desta vez em um espaço for-
vernissages no Studio A2. Eu era jovem e curtia o mesmo
de acontecimentos que impediam ou adiavam o sonho dio de Artes, galeria dirigida por Rosa Correa. Algumas matado como um “cubo branco”, convoquei, em Sem
ambiente de abertura cultural que meu pai. Paradoxal-
dele de ser artista. Morador de uma provinciana cidade bradaram: — Como se pode apoiar este tipo de arte? No título, memórias de seu lado irreverente e reinventei pro-
mente, em tempos de ditadura.
que não havia ainda aberto os olhos para seu talento, ele que Meyer Filho respondia, mais ou menos assim: — Pa-
cedimentos de composição por ele utilizado carimbando
fez abrir “na marra” os ouvidos incautos dos florianopo- Por volta dos 20 anos, convencida de minha condição de blo Picasso também teve sua fase erótica. Vocês visitam
meu corpo, coberto de tinta, no chão e nas paredes da
litanos, berrando nos quatros cantos cardeais quem ele artista – e não mais de filha de artista, apenas –, as coi- museus na Europa e o aplaudem, por que não eu?
galeria. Os arquivos borraram-se literalmente.
era e o que pretendia, com sua verve discursiva estriden- sas começaram a mudar e, com meu companheiro, Pedro
Não era o momento de ser modesto, de fato. Ainda mais
Alípio, passei paulatinamente a atuar como produtora Lembro-me que a cada vez que posávamos para uma
te. Para a adolescente, que eu era na época, nem sempre que a artista e crítica de arte russa Pola Rezende havia
das exposições de Meyer Filho. Junto com amigos/as, foto com as obras, em grande parte pinturas e desenhos
era fácil compreender os seus gestos intempestivos, mas publicado na Folha de S. Paulo, em 24 de agosto de 1963,
sentava ao seu lado nos bares da cidade, ocasião em que de galos, éramos orientados por meu pai a permanecer
eu intuía que havia algum sentido naquela aparente cir- que “Ernesto Meyer Filho é o Picasso da América do Sul”.
conversávamos sobre assuntos diversos e sobre arte, en- ao lado delas, sem jamais tirar a sua plena visibilidade.
cunstância nonsense. Neste livro, é possível conferir que não se tratava de
quanto ele sorvia “aquela gelada” e rabiscava desenhos Elas eram como parte da família, aves soberanas que
mais uma das declarações bombásticas do artista, mas
As primeiras exposições no eixo Rio-São Paulo-Belo Ho- “rápidos e rapidíssimos”. Eu não expectava mais um adornavam nossa existência. Na performance citada,
de um fato consumado.
rizonte, no começo dos anos 1960, foram de muito entu- modelo ideal de pai. Agora eu o compreendia, porque ele reativei essa lembrança, solicitando aos presentes que
siasmo para meus pais. Éramos pequenos, e minha mãe, era, definitivamente, o artista admirado por muita gente, Após o falecimento de Meyer Filho, em 1991, algumas fotografassem sem nenhum corte de imagem o galo vivo
Ruth, o acompanhava nas viagens. Ficávamos na casa e também por mim. questões surgiram: Como cuidar de seu acervo? Como dentro de uma gaiola que eu carregava, pois ele teria
de tios em troca de uma obra de arte. Dê uma espiada fazê-lo chegar ao maior número de pessoas? que estar íntegro no visor das câmeras de celular, en-
Na época, eu dirigia um grupo de dança chamado
nos recortes de jornais na ilha EMBAIXADA DE MARTE NO quanto eu posava a seu lado. Na ilha PLANTANDO DÁ,
Ballet Desterro e coreografei Visões (1989), um espetácu- Tornar-me uma espécie de “guardiã da memória”, ini-
PLANETA TERRA para entender a extensão de seu esfor- PESSOAL! você pode ver fotos de gaiolas com galos em
lo em que transformava em gesto dançado não somente cialmente, não foi uma escolha, mas uma condição,
ço para romper com o absoluto isolamento do estado de algumas exposições, trazidas por Meyer Filho como for-
a obra-vida de meu pai, mas a de Eli Heil e de Rodrigo posto que o acervo por ele deixado impunha demandas
Santa Catarina em relação aos centros maiores. Em uma ma de manifesto.
de Haro. Ao som de Asi era el tango, uma das músicas fa- próprias. Aos poucos, essa condição transformou-se em
das ocasiões, em São Paulo, perguntaram para meu pai voritas de Meyer Filho – muito ouvida enquanto ele pinta- interesse de pesquisa acadêmica e de experimentação A constante figura do galo em suas obras, seu outro eu,
onde se localizava a ilha dele, imaginando que moráva- va –, as dançarinas traduziam no corpo gestos que evoca- artística, tanto nas artes visuais como na dança. Fui me estava sendo questionada, afinal, ele provou que não pin-
mos como Robinson Crusoé, numa deserta ilha, com re- vam a ação de carimbar. É contado e recontado por quem dando conta de que havia em mim uma pulsão arquivista tava somente galos, mas seres híbridos surpreendentes,
des entre coqueiros. A volta dessas viagens era, de certa conheceu Meyer Filho o fato de que ele utilizou carimbos que iniciou antes mesmo que eu me desse conta de que e outras temáticas fantásticas. Usou, inclusive, outdoors
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espalhados na cidade para afirmar isso, se apropriando O enfoque curatorial de Kamilla Nunes e Gabi Bresola, 3 A performance é uma das ações do Projeto Corpo, Tempo e Movimen-
to, idealizado pelas artistas da dança Diana Gilardenghi, Milene Duenha,
de uma estratégia de comunicação inusitada para um com assessoria de Aline Natureza, revelaria preciosidades Paloma Bianchi e Sandra Meyer. Para mais informações:
artista. Na ilha RESPEITÁVEL PÚBLICO, há fotos do artis- formais no que aparentava ser apenas a obsessão de um https://www.revistas.udesc.br/index.php/urdimento/article/view/21284
ta ao lado de um desses outdoors. artista-arquivista pela repetição. O manuseio de quanti- 4 FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense
dades infindáveis de documentos / desenhos fotocopia- Universitária, 2004.
Os Arquivos Implacáveis de Meyer Filho, nome que ele
dos, colados, datados por mais de uma vez, rabiscados, 5 DERRIDA, J. Mal de arquivo: uma impressão freudiana. Rio de Janeiro:
deu ao seu acervo guardado por décadas, não são so- Relume Dumará, 2001.
comentados e recomentados por ele revelaria modos
mente documentos acomodados numa reserva técnica, 6 PINHO, Luiz Celso. A vida como uma obra de arte: esboço de uma ética
próprios de tornar um arquivo uma obra de arte implacá-
são também inscrições no corpo, adquiridas no convívio foucaultiana. Disponível em: http://www.ufrrj.br/graduacao/prodocencia/
vel. A pesquisa de Bianca Tomaselli contribuiu para publicacoes/etica-alteridade/artigos/Luiz_celso_Pinho.pdf
em um longo processo de feitura de uma vida “como
o entendimento dos meandros do circuito de arte no
uma obra de arte”, como na ética foucaultiana, no que
país, e as formas com que Meyer Filho buscou esmurrar
ele denominou de “artes de existência” e “práticas de
os padrões estéticos vigentes na época e encontrar suas
si”. Para o filósofo, “o que importa é transformar nossas
fissuras. Para um surrealista-fantástico-onírico-cósmi-
vidas numa espécie de obra de arte. Trata-se ao mesmo
co-sideral adentrar num mundo da arte ocupado por
tempo de desenvolver um estilo, como o faz um artista, e
neoconcretismos era mais difícil que viajar a outro pla-
de nos tornarmos admiráveis aos olhos daqueles que nos
neta. Marte foi o planeta que ele elegeu (ou foi eleito?)
rodeiam”6. Meyer Filho buscou incansavelmente pela ad-
como o seu lugar utópico. Tentei acompanhá-lo em suas
miração de seu trabalho em sua terra e no circuito nacio-
viagens interplanetárias algumas vezes, e acho que con-
nal, e para isso criou uma estética visual e performativa
segui quando, de fato, o compreendi, e nas vezes em que
singular em sua comunicação com o mundo, que envolvia
vislumbrei um outro mundo possível, ou melhor, com-
as mídias de sua época, a saber: rádio, TV, outdoor, pla-
possível em meio à intolerável realidade terráquea.
ca e jornal impresso. Afinal, “quem não se comunica se
trumbica”, dizia Abelardo Barbosa, o Chacrinha, ao que Ele reinventou a si mesmo, escapando do estabelecido
meu pai somou com outra premissa: “Se a Coca-Cola faz pela tradição, na arte e na vida. O que apontei no início
propaganda, por que eu não posso?”. do texto, no sentido de buscar um significado no que não
aparentava ter, penso ter encontrado preciosas pistas,
Diziam que Meyer Filho em seus momentos de farta iro-
não sem a cumplicidade dessas mulheres que toparam
nia e verve comunicativa poderia compor um trio imbatí-
entrar nesta grande nave intergaláctica. Na medida em
vel com Chacrinha e Dercy Gonçalves. Procure pela foto
que o trabalho de pensar a história de Meyer Filho avan-
que consta na ilha RESPEITÁVEL PÚBLICO. Você consegue
çava, me permiti pensar de outro modo naquilo que jul-
imaginar a entrevista da atriz e vedete com o artista em
gava conhecer sobre ele e suas temporalidades sociais.
um programa da extinta TV Barriga-Verde na primeira
Fica aqui o convite para que você também se permita
metade dos anos 1980?
pensar o não pensado sobre o artista, e também sobre a
O novo mergulho no acervo para a composição do projeto arte e sobre a vida.
100 anos de Meyer Filho e seus produtos nos causou per-
plexidade, exaustão, surpresa e encantamento, sensações
geradoras de mudanças profundas no meu modo de olhar
para a sua vida como obra. Já no primeiro contato com
Clarissa Diniz, que assina um dos textos desta publicação,
em sua pesquisa no acervo, sentimentos, lembranças e
percepções vagas ganhavam outras dimensões. Consta-
tar, pelos olhos de Clarissa, a perspectiva dele como um 1 Sandra Meyer (Florianópolis, 1957) é artista, professora e presidenta
cidadão implicado visceralmente no contexto social, um do Instituto Meyer Filho. Doutora em Artes, Comunicação e Semiótica
pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2006). Professora
artivista, me fez entender melhor os porquês das noites
titular aposentada pelo CEART/UDESC. Atua nas áreas de dança e artes
acordadas e dos espinoteios de meu pai com relação ao visuais. Publicou e co-organizou livros sobre dança e artes visuais.
circuito de arte e de vida em Nossa Senhora do Desterro, 2 BUTLER, Judith. Relatar a si mesmo. Crítica da violência ética.
por mim presenciadas de forma desconcertada. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2017.
M E M Ó R IAS
I STÓ R I A SE
H
DE UM ARTISTA
ILHÉU E
L
UNIVERSA

Pela primeira vez reunidas essas crônicas de Meyer Filho


foram escritas entre os anos 1970 e 1985. Elas seriam agrupa-
das pelo artista, como se pode ler nas notas que as antecedem,
uma espécie de prefácio às crônicas publicadas nos jornais
da época: “de uma série de crônicas inéditas de Ernesto Meyer
Filho, que serão, oportunamente enfeixadas em livro, sob o
nome de ‘Memórias de um artista ilhéu’”. Já em 1985, Meyer
Filho escreveu um manuscrito-croniqueta, atualizando o título
de seu futuro livro: “Histórias e Memórias de um Artista Ilhéu
e Universal (a serem publicadas oportunamente)”. Tomamos a
liberdade de reunir neste livro todas as crônicas pertencen-
tes aos Arquivos Implacáveis de Meyer Filho, inclusive as que
não continham a referida nota, pois entendemos que elas fazem
parte de um mesmo processo criativo e literário e, juntas,
nos ajudam apreender a vida e a obra deste artista.
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RESPEITÁVEL PÚBLICO po, de Péricles Prade, entre outros... Mas, para vocês não mostrei-lhes alguns desenhos que marcianos e animais do Em minhas numerosas viagens de ida e volta ao nosso queri-
Manuscrito do autor, s.d. pensarem que minha vida de artista tem sido, sempre, distante planeta. A língua humana continua sendo um dos do planeta vermelho, muitas coisas me entusiasmaram e me
um imenso “Mar de Rosas”, morando na então pequena mais rápidos meios de comunicação. Dia seguinte e em muitos intrigaram. Mas, o maior mistério, para mim, durante muito
e burguesa Florianópolis, terra de Sol, Mar, Vento Sul e outros dias, o jornalista Manoel de Menezes, proprietário da tempo, foram os seus jardins. Sim, os seus maravilhosos e
Moscou, 1962: Ao sair de uma exposição de arte contempo-
Chuva, centenas de quilômetros do eixo Rio-São Paulo, em estação de rádio “A Verdade”, em seu programa diário “Mesa misteriosamente sempre verdes e sempre floridos jardins.
rânea, NIKITA KRUSCHEV, o coveiro do stalinismo, soltou os
verdade, em verdade, vos digo: “Durante anos os floriano- Quadrada”, fazia insistentes pedidos para comparecer em sua Como você sabe, as plantas são como os animais e os homens.
cachorros: A julgar pelo que acabo de ver, disse o secretário
politanos olharam Meyer Filho com o mesmo olhar irônico rádio, a fim de contar minhas aventuras no referido planeta. Nascem, crescem, murcham e morrem. Como, então, explicar
geral do PCUSS aos artistas: “Vocês não passam de um bando
que se dá aos “loucos mansos”. Durante todo esse tempo Expedi, então, um telegrama nos seguintes termos: Qualidade o perene verdor dos extraordinários jardins marcianos?
de pederastas e por isso mereciam pegar dez (10) anos de
só ele acreditou no seu talento” (Flávio de Aquino, Revista embaixador Planeta Marte de todo o território Brasileiro, do
cadeia”. O coveiro acabara de exumar seu mais ilustre cadá- Como bom caipira, eu não queria passar por tal e perguntar
bilíngue Módulo, número 19, 1960). Sim, durante muitos Rio Oiapoque ao Arroio Chuí, somente comparecerei acompa-
ver. E, mais uma vez, o realismo socialista voltou à moda, na aos meus amigos marcianos a solução do mistério. Conheço
anos me perguntaram: nhado dos “Mugnatas” que era um conjunto de jovens e talen-
URSS. Não foi a primeira, nem seria a última.... No afã um amigo que, ao visitar pela primeira vez a “grande São
Ernesto, se tu és, realmente, o artista que vives dizendo, tosos músicos, entre eles meu filho Paulo Meyer, que abrilhan-
de tudo “democratizar”, os soviéticos nivelaram a arte por Paulo”, tomou um táxi e sentenciou gravemente: “Teatro
por que não pedes demissão do teu trabalho de bancário tavam as noites dos clubes de Florianópolis e outras cidades
baixo, tornando-a “socialmente útil e educacional.....”. Os ar- Municipal!” Após percorrer, ida e volta, umas vinte quadras,
e procuras viver de tua “arte”, assim, provares que és, do interior. E, finalmente, em uma ensolarada tarde de sábado,
tistas que não foram embora, morreram ou se mataram (caso o táxi parou, exatamente a 50 metros do ponto de partida.
realmente, um artista? Quase fiquei afônico, porque, du- chegou o dia do tão esperado “Show”. Com a ajuda dos “Mug-
de MAIAKÓVSKY) de desgosto etc., etc., etc. (Sérgio Augusto, Afinal, não ficaria “nada bem” se os paulistanos soubessem
rante muitos e muitos anos, dei, sempre, a mesma res- natas” que executaram muitos números de seu variado reper-
repórter da Folha de São Paulo, 2.3.1986). que ele não conhecia a cidade.
posta: Não faço isso, por duas importantes razões: 1) Sou tório musical, e a participação da equipe de “A Verdade”, em
Florianópolis (Ilha de Santa Catarina), 1957: Foi a partir dessa pintor, mas não sou burro; 2) Só porque Victor Meirelles de um programa de mais de 4 (quatro) horas de duração, reprisa- Disposto a desempenhar brilhantemente o papel de detetive
época, 5 (cinco) anos antes do acima citado affaire de Mos- Lima, o mais famoso pintor catarinense do passado, mor- da via cassete várias vezes, com grande riqueza de detalhes, cósmico, visitei, sozinho, numerosos jardins marcianos em
cou, que, na qualidade de ilustrador do jovem movimento reu de fome em um domingo de carnaval do Rio de Janeiro, como era a vida no Planeta Marte e sua imensa superioridade todas as estações do ano e em “quase” todas as horas. Mas
literário e artístico da Revista Sul, editada em Florianópolis, não tenho a menor obrigação de imitá-lo, morrendo, tam- em relação à vida em nosso Planeta Terra, onde, até hoje, a solução do mistério estava exatamente no “quase”. E veio,
comecei a “ver” filmes deste tipo. Na opinião de ilustres bém de fome, em uma quarta-feira de cinzas do carnaval campeiam, infelizmente, a fome, a vulgaridade, a safadeza, a de repente, inesperadamente, tal qual a descoberta da
membros do PARTIDÃO e não menos ilustres intelectuais de Florianópolis. Inúmeras vezes fui, com meus Hum metro miséria e a incrível burrice e estupidez em relação à vida... penicilina. Por acaso.
da ESQUERDA FESTIVA, eu, trocando os (belos) desenhos e sessenta e cinco centímetros, apresentado a estranhos,
Os resultados “práticos” e “imediatos” destas 2 (duas) “PER- Em uma de minhas viagens de volta, a poderosíssima nave
de operários e “gente do povo”, pelos galos e personagens como “um alto” funcionário de banco. Ao que replicava,
FORMANCES”, realizadas por artistas de nacionalidades dife- sideral, por motivos técnicos, partiria rumo a Florianópolis,
fantásticos, e surrealistas, havia, simplesmente, praticado sempre: “Sim, sou bancário pelas circunstâncias da vida,
rentes, em hemisférios e décadas diferentes, sobre o mesmo em plena madrugada marciana. E, pela vez primeira,
um “crime” tipicamente capitalista!!! Logo EU!!!, que ao apo- mas, tão logo termina o expediente bancário, VIRO, como
tema (Marte), mas equacionadas sob ângulos e condições levantei-me na alvorada do dia marciano, três horas antes da
sentar-me como bancário no, para mim, histórico dia 22 de que por um “passe de mágica”, o pintor Meyer Filho!!! E
absolutamente diversas, não poderiam, logicamente, ser indi- partida da nave. Rápido, vesti-me, fiz um ligeiro desjejum e
julho de 1971, após trabalhar durante 30 (trinta) anos e 61 as raríssimas “alternativas” de um cidadão “PROVAR” que
ferentes: O cineasta, teatrólogo e desenhista ORSON WELLES, parti, imediatamente, em visita ultramatinal aos misteriosos
dias, não recebi um único centavo extra, por não ter optado era um artista, eram: ter um “diploma” oficial de artista
promovendo-se, diretamente nos microfones de uma famosa jardins. Tão logo cheguei, ao maior e mais belo deles, uma
pelo FUNDO DE GARANTIA!! (de preferência da Escola Nacional de Belas Artes); pintar
estação de rádio novaiorquina, adquiriu, imediatamente, a enorme surpresa quase me fez morrer de susto. No lugar
centenas de medíocres e repetitivos retratos de políticos
Em meu belo catálogo-pôster, intitulado Meyer Filho – fama e o status mundial de “gênio”. E o desenhista, chargista dos numerosos canteiros de flores, havia enormes buracos
e autoridades civis, militares e eclesiásticas e, finalmente,
60 anos, de 1979, citei entre outras coisas, que desenho dedicar os catálogos das exposições às referidas autorida- e pintor Meyer Filho, comunicando-se pelos microfones de circulares, retangulares e de outras formas mil. Teria havido
desde que me conheço por gente; fiz milhares de desenhos des, e “homenagear” com seus quadros, as excelentíssi- uma modesta estação de rádio de Florianópolis, capital do um terremoto ou rebaixamento geométrico do terreno,
rápidos e estudos, em uma certa “hora do cafezinho”; fui, mas esposas da burguesia local..... então quase desconhecido Estado de Santa Catarina, aumen- naqueles locais?
entre os artistas residentes em Santa Catarina, o primeiro tou, enormemente, sua fama regional de um “maluco” que
Para terminar essa despretensiosa crônica, vos direi quais as Atônito, sentei-me no primeiro banco. Mas não demorou
a expor, individualmente, em museus e galerias de arte de trabalhava em um banco oficial e tinha a mania de dizer para
estranhas e fantásticas diferenças entre o CINEASTA, ORSON muito e eu, esperto detetive sideral, havia deslindado o es-
Florianópolis (O Museu de Arte de Santa Catarina, 1958), todo o mundo que era um artista!!!
WELLES, o pintor MEYER FILHO e as cidade de NOVA IORQUE tranho e maravilhoso mistério. Sim, ao ouvir bem acima de
Rio de Janeiro (Galeria Penguim, 1960), Belo Horizonte
e FLORIANÓPOLIS........ Confirmo e dou fé pública. minha cabeça um já tão meu conhecido zumbido de “overcra-
(Museu de Arte de Belo Horizonte, 1961), São Paulo (Casa
ft” marciano, olhei para cima e vi numerosos deles, que, sua-
do Artista Plástico, 1963, 1964) e Buenos Aires (Galeria Acontecia o ano da graça de 1938. Orson Welles, utilizando-se vemente iam descendo exatamente nos locais onde estavam
Lagard, 1976). Fiz 24 exposições individuais, Florianópolis, de textos do célebre romance de H. G. Welles, A guerra dos localizados os canteiros de flores desaparecidos! A troca dos
Porto Alegre, Cascavel, Curitiba, São Paulo, Rio de Janeiro, mundos, causou enorme pânico, monstruosos congestiona- OS MARAVILHOSOS E MISTERIOSOS JARDINS
canteiros era feita durante a madrugada, para evitar proble-
Belo Horizonte, Buenos Aires e Mar Del Plata, e participei mentos de veículos e até suicídios, ao anunciar, pelos micro- DO PLANETA MARTE
mas de trânsito e de tráfego!
de mais de 80 (oitenta) exposições coletivas. Tenho elogio- fones de uma poderosa estação de rádio de NOVA IORQUE, A Gazeta (Florianópolis), Suplemento D, 1970
sos “verbetes” no Dicionário de Artes Plásticas do Brasil, que os MARCIANOS haviam invadido os Estados Unidos da Você, atônito e incrédulo, naturalmente indagará: “E porque
de Roberto Pontual; Grande Enciclopédia Delta Larousse, América, e se aproximavam rapidamente de Nova Iorque!!! (De uma série de crônicas inéditas, de Ernesto Meyer Filho, não acontecem estas coisas maravilhosas em nosso pobre e
Dicionário Brasileiro de Artistas Plásticos (com uma bela Eu também, devidamente “autorizado” por meus superiores que serão oportunamente enfeixadas em livro, sob o nome sofrido planeta Terra?” A resposta é ao mesmo tempo muito
foto) do I.N.L – MEC; 22 páginas em Mito e Magia na Arte hierárquicos do Planeta Marte, no final da década de 60, de “Estórias de um pintor ilhéu”) simples e muito complexa. Nos dicionários, nas enciclopédias
Catarinense, de Adalice Maria de Araujo; 4 páginas na His- anunciei, em alto e bom tom, em uma noite de sexta-feira, e nos jornais daquele planeta, há muito foi riscada uma “pa-
tória de Santa Catarina, edição Grafipar, Curitiba; Santa aos incrédulos e estupefatos frequentadores dos 4 (quatro) Para início de crônica, eu te direi, assustado leitor, que a es- lavra” que, entre nós, “consome” muitos milhões de vidas
Catarina – Terra e Gente, de Marcos Konder Reis, Hoyêdo mais famosos butecos e lanchonetes dos 4 pontos cardeais tória que vou te contar é absolutamente verdadeira. Sim, ela humanas e muitíssimos bilhões de dólares e outras moedas
de Golvêa Lins e Domingos Cavalcanti; e Espreita no Olim- da cidade, que havia estado no Planeta Marte!!! Em seguida, é totalmente verídica, acredites ou não. menos nobres: “guerra”...
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CÍCERO DE ALMEIDA, MEU COLEGA DE BANCO guerra do Vietnam, entre outras. A lua foi palmilhada duas tar o primeiro rato, quando bem como era, apoderou-se dele Como vai o meu amigo Katicipa? Amigo, retrucava-lhe: Eu
E COMPANHEIRO DE BOEMIA, SUA ESTRANHA E, vezes e aviões caíram, na terra, por falta de gasolina. um grande sentimento de piedade. Rápido, dirigiu-se à sua não sou o Katicipa, eu sou o pintor Meyer Filho! Muito bem,
PARA MIM, MARAVILHOSA PROFECIA... parca dispensa, pegou um pedaço de queijo e outro tanto de pintor Meyer Filho, era a resposta de sempre. E a xaropada
Nasceram muitas milhares de pessoas inteligentes e até gê-
A Gazeta (Florianópolis), 1º fev. 1970 pão dormido, deu ao rato e o soltou... continuou por muitos meses, até que, mais “cheio” do
nios, mas, infelizmente, também muitos milhões de invejosos.
que a bela praia de Camboriú, em linda manhã ensolarada
Picasso e Chaplin envelheceram, tranquilos e ricos. Pelé fez Para mim, pintor catarinense certamente não tão famoso
de domingo-de-verão, apelei para a minha pobre cuca, já
(De uma série de crônicas inéditas, de Ernesto Meyer Filho, seu milésimo “gol” e, muito vivo, prepara-se para ser técni- quanto Victor Meirelles, mas vivo, rato sempre foi praga e co-
não assoberbada em inventar novos modelos de galos, e
que serão oportunamente enfeixadas em livro, sob o nome co. E a televisão surgiu, finalmente, em Santa Catarina. Afora mida de gato e coruja. Assim, para não ver nem sombra de
tracei um plano sinistro e absolutamente original. E fiquei
de “Estórias de um pintor ilhéu”) muitos outros acontecimentos importantes, não citados por tão indesejáveis predadores, eu, em meu quintal, durante mui-
aguardando o dia, ou melhor, a noite de minha vitória. Não
falta de espaço. tos anos, até comprar minha cachorra Diana, sempre dei uma
demorou muito. Certa noite, meu amigo chegou, deu-me
Acontecia o ano de 1946. Eu era solteiro e jovem de carne e “ajudinha de manutenção” para aproximadamente catorze fa-
Na qualidade de modesto participante deste louco, inquie- a costumeira palmadinha nas costas e, pela milésima vez,
de espírito. Acompanhando meu amigo Cícero, estava beben- mintos gatos de telhado, da nova e da velha geração.
tante, maravilhoso e muitas vezes medíocre mundo em soltou a terrível pergunta. Como vai, amigo Katicipa?
do uma “gelada” em um não muito recomendado “cabaret” que vivemos, entre outras coisas, casei, tenho três filhos, Quais serão? – Perguntarão novamente vocês, as diferenças
de Curitiba, frequentado por damos e damas igualmente Rápido, mostrei-lhe minha carteira de identidade, minha
fiz milhares de desenhos (tendo rasgado a maioria) e li práticas de tão antagônicas “filosofias”? Nosso bom Victor
também não mui respeitáveis, salvo raras e honrosas exce- certidão de nascimento e ele leu: Ernesto Meyer Filho nasceu
muitas páginas de livros de arte, história natural e outros Meirelles, vítima da injustiça dos brasileiros de seu tempo,
em Itajaí, Santa Catarina, no dia 4 de dezembro de 1919.
ções que, felizmente, sempre as há, quando, como sempre assuntos não menos interessantes. morreu de fome, em pleno carnaval, festa máxima do povo
Em seguida, estendi-lhe um mapa-múndi, onde, com traços
fiz peguei um pedaço de papel e minha caneta e comecei a brasileiro. E eu? Vou muito bem, obrigado. E, se Deus quiser e
Neste exato momento, tenho certeza, uma dúvida surgiu em vermelhos estavam assinaladas a Grécia, pátria dos ancestrais
fazer esboços rapidíssimos dos dançarinos que bailavam ao o diabo não atrapalhar, dentro de menos de dez meses esta-
vossas inteligentes e irônicas mentes. Terá o nosso pintor do nosso bom amigo Katcipis, e Berlim, cidade onde nasceu
som de melancólicos tangos. rei aposentado, quando terei bastante tempo para cuidar dos
conseguido tornar a profecia do seu amigo? De alma limpa meu avô paterno, de saudosa memória. E, para fechar com
meus desenhos, pinturas, passarinhos, pescarias e outras coi-
Surpreso, meu amigo, também desenhista, exclamou: Ernes- e consciência tranquila, eu vos respondo: Se não consegui, chave de ouro meu maquiavélico plano, soltei, em alto e bom
sas boas da vida. Amém.
to, é incrível a tua facilidade para desenhar. Se estudares se- culpa alguma me cabe, pois me esforcei bastante. Tchau, som, as seguintes terríveis e psicodélicas palavras cabalísticas:
riamente desenho, em dois anos serás um grande desenhista! incrédulos ilhéus. E de mais e mais, Terereco, reco, Leto, leto, letoletinha, bitú,
bitú, Bitú-Biriba! Amigos vou vos contar. Após um pequeno e
O novo “estalo” de Vieira, que certamente aconteceram A ALEMANHA, A GRÉCIA E EU...
insignificante gesto de surpresa meu amigo bateu novamente
muitos, desde que nosso famoso padre faleceu, explodiu em
A Gazeta (Florianópolis), Suplemento D, 25 jan. 1970 em minhas costas e proferiu a terrível sentença, que por
minha jovem cuca. Teria eu, finalmente, descoberto minha VICTOR MEIRELLES, OS ABOMINÁVEIS MURÍDEOS E EU...
pouco-pouco, não me fuzilou: Tu és grande, Katicipa!
verdadeira vocação? A Gazeta (Florianópolis), Suplemento D, 11 jan. 1970 (De uma série de crônicas inéditas, de Ernesto Meyer Filho,
que serão oportunamente enfeixadas em livro, sob o nome de Diante de tão retumbante derrota, fiz exatamente como
Mas ai de mim, ai de mim, caros leitores, pois no espaço
(De uma série de crônicas inéditas, de Ernesto Meyer Filho, “Estórias de um pintor ilhéu”) vocês, fariam, caros leitores, caso estivessem na minha pele.
decorrido entre a profecia de meu colega e o momento em
que serão oportunamente enfeixadas em livro, sob o nome de Dei-lhe, de todo coração, o direito de me chamar de Katicipa
que escrevo esta modesta crônica, inúmeras chuvas caíram,
“Estórias de um pintor ilhéu”) Caros leitores, para início de conversa, vocês naturalmente até o resto de sua vida. E, para ser honesto comigo mesmo e
muitas secas e numerosos relâmpagos riscaram e iluminaram
ficarão muito intrigados com o título desta despretensiosa para com esta crônica, em verdade, em verdade vos digo, fiz
as escuras e profundas noites de minha vida. Sim, muitís-
crônica. Afinal-de-contas, que relação poderá haver entre a muito mais. Rezei e pedi ao Bom Deus que lhe desse muitos
simos milhões de metros cúbicos de água doce desceram, Meus caros leitores, não vos escreverei uma nova aventura no
Alemanha de seus fuscas, suas maravilhosas autoestradas, anos de vida, sem descontar, naturalmente, nenhum deles
inexoráveis, rumo aos mares e oceanos do mundo vindos das planeta Marte, mas sim duas estórias bem terrenas, floriano-
seu poderoso futebol, sua trepidante Berlim, sua indústria dos meus. Tchau, caros ilhéus.
nascentes e dos afluentes do rio Amazonas, do meu querido politanas mesmo.
poderosíssima, a Grécia com sua enorme tradição cultural,
rio Itajaí e dos outros milhares de rios não menos respeitá-
Como vocês sabem, os ratos e baratas domésticas, bem como o seus olivais, suas cabras, seu surpreendente escrete de
veis e ativos. O LOBO DA FLORESTA E OUTROS BICHOS
irrequieto pardal, séculos atrás confinados aos países da Ásia, futebol que eliminou as esperanças de Portugal brilhar no
Muitos navios afundaram e esqualos famintos devoraram trazidas pelos cruzados e descobridores de novas terras, adqui- próximo campeonato mundial da bola, suas ruínas históricas e O Estado (Florianópolis), 25 ago. 1972
muitos náufragos e banhistas descuidados. Em contra- riram fama e cidadania universais. Por mais incrível que pare- um pintor de Santa Catarina?
partida, um número muitíssimo maior de tubarões virou ça, eles são muito mais conhecidos do que nosso famoso Pelé… (De uma série de crônicas inéditas, de Ernesto Meyer Filho,
Explicarei, mas, por favor, caros leitores, não me gozes,
caldo, sopa de atleta e óleo de fígado “de bacalhau”. que serão oportunamente enfeixadas em livro, sob o nome de
Os ratos domésticos, dentre os quais se destacam a ratazana, pois o que aconteceu comigo poderia ou poderá acontecer a
Muitos inocentes gatos-de-telhado e cavalos velhos fo- “Estórias de um pintor ilhéu”)
e o rato negro, têm sido, há muitos séculos, um dos maiores qualquer mortal.
ram “nobremente promovidos” a “couros-de-tamborins”,
inimigos da humanidade. Devoram e destroem, pela contami-
assados de “coelho” e linguiça de “vaca”. Foram coroa- Na zona norte da nossa cidade, compreendida entre o Já sei, bichos, que vocês, ao lerem o título desta crônica irão
nação, milhões de toneladas de alimentos, todos os anos, em
das muitas “misses” municipais, estaduais, nacionais jardim Lauro Müller e o estádio da federação catarinense levar o negócio na base da gozação.
um mundo onde milhões de pessoas passam fome. E ainda dis-
e universais. Muitos presidentes foram eleitos e alguns de futebol, existem dois bares tradicionais. A Casa Venizellos
seminam doenças, dentre as quais a peste bubônica e o tifo.
assassinados. Os demagogos continuaram a agitar as e o Bar Topázio. E, como sabem perfeitamente uma meia Nada mais errôneo. É uma crônica séria, e até figurará, se
massas. Homem virou mulher e homem casou com ho- E daí? – Perguntarão vocês. Amigos, o nosso bom pintor Vic- dúzia de florianopolitanos e amigos mais chegados, eu, uma Deus quiser, e o diabo não atrapalhar, em meu livro “Estórias e
mem. Milhões de jovens, homenageando seus ancestrais, tor Meirelles já estava na lona, despedido, por intrigas, do vez ou outra, e raramente, aliás, tomo minha “gelada” no memórias de um artista ilhéu”, a ser editado oportunamente.
deixaram crescer seus cabelos e barbas. Os cronistas so- cargo de Diretor do Museu Nacional de Belas Artes, do Rio Bar Topázio. E durante muitos e muitos meses, um amigo Como vocês sabem, o totem é um objeto da natureza, geral-
ciais continuam, tranquilamente, a escrever suas fofocas de Janeiro, quando descobriu que abomináveis murídeos circunstancial de cujo nome não me recordo e que, parece, mente um animal, que na mitologia de algumas tribos selva-
em numerosas aldeias do mundo. O Brasil foi bicampeão estavam roendo suas telas. Tomado de justa ira, nosso grande não mais residir nesta cidade, bateu em minhas costas de gens se toma como emblema protetor da tribo ou do indiví-
do mundo. Milhares de jovens morreram tragicamente na pintor histórico armou uma ratoeira. Já estava prestes a ma- ilhéu, fustigadas pelo e o vento sul da terrinha, e me disse:
duo, e, às vezes, como ascendente ou progenitor.
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O totemismo é, pois, a crença professada por certas socieda- Quanto à hiena, vem a ser o bicho mais conformado e feliz va. E chegou o grande dia. Assim que se aproximou de mim, E os juízes continuaram a roubar, sistemática e criminosa-
des rudimentares, segundo as quais seus indivíduos acredi- do mundo. Come carne podre e ossos ressequidos pelo sol do dei-lhe tamanho pontapé que o bicho passou feito bólido por mente contra todas as seleções brasileiras, tanto nos cam-
tam sejam descendentes de um animal cuja espécie, pela sua deserto a vida inteira e vive rindo as galhadas. Conta-se que cima do primeiro muro que encontrou e nunca mais o vi. peonatos sul-americanos quanto nos mundiais. O Brasil tinha
astúcia, velocidade, coragem ou ferocidade, tem a missão de certo sultão, ou sheik, sei lá, extremamente condoído pela sempre a melhor seleção, mas os juízes roubavam e a gente
Às pessoas sensíveis e os adeptos da Sociedade Protetora dos
protegê-los. E todos temos ainda algo de selvagem dentro de sorte de tais animais mandou capturar uma meia dúzia deles ficava roendo as unhas e mandando os juízes e todos os grin-
Animais, que admiro, garanto que o safado não morreu, pois
nós mesmos. e soltou no imenso e maravilhoso parque cheio de tamareiras gos do mundo para a Sibéria, o Vietnam e outros lugares não
a Dona Domingas, preta velha que a gente chamava de Bá, me
e com nascente cristalina. E ordenou, sob pena de morte, a “menos perigosos”...
O que, aliás, não é de causar espanto, pois em um mundo ajudou a criar e foi escrava da família de meus avós maternos,
seus fiéis serviçais, que fossem servidos às hienas somente
onde o homem já atingiu a Lua, muitos milhões de indianos sempre me dizia: “Nestinho, a currequinha é um passarinho De repente surgiu o milagre. Nosso selecionado partiu, des-
filés de ovelhas, de cabras e de camelos, dos melhores ani-
ainda consideram a vaca um animal sagrado e recusam-se a abençoado por Deus, o linguado ficou com a boca torta por moralizado e sem esperanças para a Suécia. Mas, eis que sur-
mais de seus rebanhos. Passados uns vinte dias, o bondo-
comer sua carne. arremedar Nossa Senhora e o gato bicho do diabo tem sete gem Pelé, Garrincha, Vavá, Zagalo, Didi, Nilton Santos, entre
so sultão, seguido de todos os seus ministros e cortesões,
vidas e sete fôlegos”. outros, e, como por encanto, os juízes “não roubaram mais”.
Na mesma Índia, durante muitos séculos, milhões de maca- embarcou com sua comitiva em vários luxuosos automóveis
E o Brasil tornou-se merecida e pela vez primeira, campão do
cos considerados sagrados, até recente decreto hindu, que de sua real caravana e foi observar a grande felicidade que Espero que o Branquinho, a esta altura, esteja comodamen-
mundo! E, posteriormente, bicampeão!
resolveu acabar oficialmente com essa superstição, causaram estaria estampada nas faces de suas protegidas. E quase caiu te instalado na casa de um florianopolitano amigo, que não
incalculáveis prejuízos à agricultura daquele país. duro ponto estavam, todas elas, mais imóveis e mais duras passou, como eu, pela desventura de conhecer um gato mal Durante mais de quatro anos, nosso futebol brilhou inten-
do que múmia de faraó. Tinham morrido de fome, simples- agradecido. samente em todos os cantos do mundo. Mas, como não
Por falar em símios, não desenho macacos, pois eles não são
mente. O bondoso senhor do deserto, que nascera herdeiro há mal que sempre dure, nem bem que não se acabe, a
bichos e sim homens que permaneceram subdesenvolvidos grande maioria de nossos jogadores, de maiores cabeças-
de milhões de dólares provenientes dos poços de petróleo do
na longa e árdua estrada da evolução das espécies, e eu de- O JUIZ ROUBOU, O JUIZ ROUBOU, O JUIZ ROUBOU……
seu augusto reino e estudara nas melhores universidades da -de-bagre aos melhores craques, começou a querer provar,
testo “gente” atrasada. A Gazeta (Florianópolis), Suplemento D, s.d. exaustivamente, que éramos os melhores futebolistas
Inglaterra, ainda não conhecia esta grande verdade: pobre,
Ocorre que, há mais de 20 anos, vi meu “retrato” no jardim quando vê muita esmola, desconfia... mundiais e os “gringos” não passavam de uns grandessís-
(De uma série de crônicas inéditas, de Ernesto Meyer Filho,
zoológico de Buenos Aires, na figura de um lobo, um pobre simos pernas-de-pau.
Para terminar esta crônica, direi porque não me atraem os que serão oportunamente enfeixadas em livro, sob o nome de
lobo enjaulado. “Estórias de um pintor ilhéu”) Estacionamos e os nossos jogadores chegaram ao cúmulo de
gatos, estes felinos misteriosos que são animais de estima-
Observando-o durante mais de meia hora, fiquei profunda- ção de milhares de pessoas respeitáveis e até já foram consi- levar uma hora com a bola nos pés, dando “balões” e outras
mente impressionado pela quantidade de voltas que o pobre derados animais sagrados no Egito dos faraós. Sim, desde pequeno que, pulando o muro da Federação Cata- bossas mais. Enquanto isto, o jogo acabava e o time perdia.
animal dava em sua jaula. Pelo guarda do zoológico foi in- rinense de Futebol, ou acompanhando um eventual “pagante”, E tudo isto fazendo somente para provar que o Brasil tinha o
Sim, com um deles tive uma terrível experiência, que relata- melhor futebol do mundo…
formado de que ele era um dos raros animais que jamais se venho acompanhando o futebol catarinense, brasileiro e inter-
rei a seguir.
conforma com a perda da liberdade. Logo ele, um dos mais nacional. E venho escutando esta lenga-lenga: O juiz roubou e Mas acontece que a “gringalhada” não dormiu no ponto.
andarilhos animais da criação. Antes de comprar minha cachorra Diana, mandava colocar o Brasil perdeu. Aprendeu muitas de nossas bossas (as melhores, natural-
em uma vasilha os restos de comida, para repasto dos gatos mente) e apelou para outras, mais modernas, como o preparo
Eu também, por força das circunstâncias, tornei-me um ban- Durante os muitos anos em que fomos fregueses de cadernos
de telhado que frequentavam o meu quintal. No fundo, havía- físico apurado, a velocidade e a troca rápida de passes. O re-
cário “na marra” durante trinta anos e sessenta e um dias, e, dos argentinos, todos os juízes sul-americanos se uniram pra
mos feito um contrato. Eu lhes dava uma “ajuda de manuten- sultado, já pôde muito bem ser visto no último campeonato
embora tenha aposentado sem nenhuma falta ao serviço ou roubar o nosso poderoso e sem rival futebol brasileiro.
ção” e eles retribuíram devorando e assustando os ratos. mundial, na Inglaterra. Só não viu, quem não quis ver.
qualquer restrição funcional, jamais me acostumei ao cativeiro, Rememorando minhas longínquas lembranças futebolísticas,
tal qual meu irmão-lobo que conheci na Argentina. Certa manhã um bichano branco, desesperado, dava saltos Para terminar, na qualidade de um dos oitenta milhões de
lembro-me até que certo cidadão argentino ou uruguaio, se
incríveis para livrar-se de uma lata-de-conserva vazia e havia componentes técnicos de futebol do Brasil, quero responder,
A raposa, por sua astúcia Inteligência, é minha prima-irmã. não me engano residente em nossa cidade, escapou por um
entalada na cabeça. Penalizado, resolvi livrar o coitado de ta- triz de levar uma surra dos inflamados torcedores florianopo- por intermédio desta crônica, a um amigo que um dia destes
Também aprovo inteiramente meus primos gambás, zorrilho
manho embaraço, mas recebi uma vigorosa unhada na mão, litanos, que queriam vingar a roubalheira de um juiz, dando à me perguntou qual será o próximo campeão mundial da bola:
e porco-espinho, quando lançam suas catingas e seus dardos
o que me fez soltar aquele tremendo palavrão tão conhecido Argentina um novo campeonato continental. Amigo, se eu fosse adivinho, não trabalharia quase trinta anos
nos focinhos de seus atacantes. Afinal, estão defendendo
de todos vocês e até muito usado nas peças teatrais de Plínio dentro de um banco. Ganharia, todos os dias, no jogo do bicho
suas vidas, e até nós, humanos, sabemos que para o inimigo Mas a minha primeira desilusão sobre as tais “roubalheiras”
Marcos e outros autores da vanguarda pornográfica, deixan- e, às quartas e sábados, na loteria.
não se mandam flores. dos juízes e que, todos, unidos, estavam contra nosso futebol,
do o miserável entregue à sua sorte, pois não se deve fazer o
veio quando assisti no cinema o jogo Brasil-Polônia, referente Tchau…
Odeio a orca, também chamada baleia assassina, e o tubarão, bem sem saber a quem.
ao campeonato mundial de 1938.
pela maneira fria e diabólica como trucidam suas inocentes
Pois no dia seguinte, para surpresa minha, mas tava ele, todo
vítimas. Pelo rádio, nosso locutor gritara, esganiçadamente, que o juiz
lampeiro, à procura do grude. Assaltou-me repentinamente, um
horrível pensamento. E se o “Branquinho” estivesse raivoso? roubara e os jogadores poloneses tinham massacrado os nos-
Com o leão e a hiena não tenho nenhum parentesco e não
sos pobres e indefesos jogadores. Eu havia gazeado o ginásio
quero conversar. O primeiro só é rei da floresta nos livros
Foi aí que começou o meu drama. Durante um mês, contando e ficara revoltado. Mas o filme do jogo mostrou, entre outras
e filmes de Tarzan, pois mora mesmo é no campo, nas re-
dia-por-dia, fiz-lhe mil agrados, Só faltou dar-lhe comidinha coisas, um ponteiro direito brasileiro, crioulo de quase dois
giões semidesérticas e na Savana. Trata-se, ademais, de um
na boca... Tornei-me, sim, um mísero puxa-saco de um ralé metros de altura, que dava cada encontrão e cada botinada
grande mandrião. Só quer dormir e quem caça são suas espo-
gato de telhado. Ainda se ele fosse angorá... nos “assassinos” poloneses que era de arrepiar até os pelos
sas. Ele só dá o berro e manda a caça aterrorizada em direção
Decorridos os trinta dias, o bicho estava mais sadio e feliz de um bode empalhado…
das garras das leoas. Eu também dou meus berros, mas sou
um grande trabalhador. do que campeão olímpico de qualquer modalidade esporti-
PODEM RIR
MAS EU RIREI
POR ÚLTIMO!!!!

Para a publicação da segunda edição do livro “Uma menina de


Itajaí”, de Rachel Liberato Meyer, mãe de Meyer Filho, foi
publicado um manuscrito do artista, no qual ele descrevia o
momento em que contou à sua mãe que seria artista. Ela, sur-
presa, exclamou: “Netinho, por amor de Deus, não diga isto
a ninguém, pois eles irão rir de ti!!!!”. Meyer Filho então
retrucou: “PODEM RIR, MAS EU RIREI POR ÚLTIMO!!!!”. Foi por
conta desta “sentença” que essa ilha passou a agrupar textos
de críticos e jornalistas de sua época, publicados em jornais,
catálogos e revistas, entre 1959 e 1987. Seleção que só foi
possível devido ao hábito arquivista de Meyer, que organizou
sua própria fortuna crítica, permitindo a realização de uma
retrospectiva crítica e histórica de sua obra.
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DA IMPOSSIBILIDADE expõem o que fizeram, pintando e dese- do Brasil: horror, ruptura, desconfiança,
DE SER DIABÓLICO nhando, e o que sentiram impulsionados indiferença, compreensão discursiva,
João Evangelista de Andrade Filho, pela cultura vivente que deles é própria aceitação parcial e finalmente partici-
O Estado (Florianópolis), 9 out. 1959 e projetados na cultura vivente da cidade pação emotiva. Em Florianópolis, feliz e
que os acolhe, que se recusa a esclerosar surpreendente o processo começou pelo
A nós florianopolitanos por virtude de e a estratificar as suas forças interiores. fim, isto é: pela aceitação emotiva, pela
escolha, afinidade e integração faz-nos Sim, por que muito esclarecedor foi ver contaminação do sentir. Deve haver uma
prazer presenciar numa mesma semana o povo ir visitar estas exposições e ir-se razão para isso. Sem dúvida e possivel-
duas exposições de artistas novos, e, comunicar diretamente com os artistas, mente mais de uma, mas a definitiva
mais prazer nos causa encontrar entre compreendendo que ali estava apenas uma parece ser a seguinte, e a hipótese surgiu
eles artistas de qualidade superior que, parte dele mesmo e que a linguagem que numa palestra entre Hugo Mund Júnior e
pelo menos dois, tendo algo a dizer sa- falavam os outros era simples e era a sua Ilmar Carvalho, de qual eu tomava parte:
bem dizê-lo como convenciona e de for- própria linguagem. E não passou pela ca- Em Florianópolis não houve academismo.
ma convincente. beça de tal povo pôr o problema: arte-na- Quer isto dizer que em Florianópolis nun-
Como cultura não é – todo mundo sabe tureza. Sem saber que é este um problema ca houve uma escola oficial que se ensi-
disto – digestão livrística nem erudição superado desde Hegel, ele, o povo, numa
nasse fórmulas de desenhar e de sentir,
nem acúmulo de esquemas e muito me- atitude bem contrária à da estranha ca-
nunca houve alguém que fosse, com fria
nos atitudes tomadas de personagens turrice de certos meio pseudointelectuais,
paixão, apaixonado pelos feitos virtuo-
literários, como cultura do homem não nem sequer pensou em formulá-lo.
sísticos e fotográficos da pintura verista.
é isto, mas sensibilidade, humanidade, E disto tenho prova provada porque ob- Por um abençoado provincianismo não
compreensão humana, esquecimento de servei as reações de mais de quatrocen- houve mestres locais que achassem não
si e encontro com o invisível, como não tas pessoas numa visitação de domingo. dever a pintura fazer sacrifícios e dever
se mede pelos livros que o cidadão leu Aquela gente ignorou sem perceber o contrariamente, esgotar-se. Vitor Mei-
no semestre, mas por seu enriquecimen- antipático problema, para apenas viver relles, que por sinal foi em sua época o
to intrínseco, assim também a cultura de perto e não através de esquemas ou melhor acadêmico do Brasil e cujo dese-
da cidade (do Estado) não se mensura preconceitos, a arte. A aceitação em mas- nho enquanto desenho não deixa de ser
pelo número das atitudes externas, sim- sa deve ter surpreendido aos caturras (se interessante, aqui teve mais uma atuação
plesmente propagandescas, que assume tomarem conhecimento dela), aos snobs histórica que propriamente direta, pictó-
durante certo prazo administrativo. Já e talvez inclusive aos artistas mesmos rica. Era o pintor célebre nascido na Ilha,
que as comunas deixaram de ter a chama pois estes às vezes têm a ideia de esta- a glória nacional do tempo da pintura
guerreira, que na Idade Média fazia delas rem fazendo bicho de sete cabeças e já épica, mas que forjou esta glória lá fora
núcleos de paixão construtiva e de mo- contam, antecipadamente, com uma boa e lá fora deixou as suas obras marcan-
vimento orgânico, seria triste se o fogo dose de incompreensão que no fundo os tes e a sua atuação. O muito excelente
interior das comunas ficasse reduzido, lisonjeará um pouquinho. Pois inventou- Eduardo Dias, pintor que merece melhor
numa pequena capital contemporânea -se um preconceito de que não é bom memória e que está à espera dum ensaio
como a nossa, a simples mecânica de que todo mundo goste.
crítico que o revele ao Brasil, enquanto
relações, exterior e inorgânica, separada
viveu recusou-se a deformar algum alu-
e afastada do homem, no que este tem
DA IMPOSSIBILIDADE no. É uma figura ímpar e solitária. Seguro
de mais autêntico, e que esta capital se
DE SER DIABÓLICO (continuação) na sobriedade dos seus momentos felizes
preocupasse mais com as instituições do
que atinge o ponto alto em alguns re-
que com o próprio homem, mais com a João Evangelista de Andrade Filho,
O Estado (Florianópolis), 10 out. 1959 tratos e algumas marinhas, Martinho de
pequena alquimia dos acertos e desacer-
Haro, que teve uma formação parisien-
tos em vez de compreender que o que de
Interessante é notar que a adesão do se bem contemporânea, remontando a
melhor há em si não é a politicagem e a
povo a artistas que mesmo apenas mo- Othon Friez, com quem estudou, de volta
literatice, mas a Polícia e a cultura, as
deradamente e com “guacherie” própria à Ilha, preferiu também pintar sozinho
forças do coração e do espírito. Nem será
das primeiras tentativas de afirmação e sem formar escolas nem alunos. Nem o
a culta a cidade simplesmente pela quali-
ainda desarvoradas pela inexperiência acadêmico Vitor, nem o original e vigoro-
dade numérica das escolas que possui ou
podem já perfeitamente entrar, para fins so Dias, nem o sóbrio Martinho fizeram
pelo número das pessoas que ostensiva-
mente falam em cultura. classificativos, temível, escandalosa, alguma coisa boa ou má, para a pintura
pejorativa e obsoleta rubrica de “pintores da cidade. Acredito que poderiam ter
É, pois, um pouco de ar que se respira, modernos”, esta adesão aqui foi imedia- feito bem, especialmente os dois últimos,
um pouco de confiança no homem que se ta e direta sem ter passado pelo círculo que qualidades positivas possuíam, mas
adquire ao ver-se, de repente, pessoas costumeiro por que passou em outros preferiram o isolamento. Foi pena porque
que com sinceridade humana e poética centros maiores e mais intelectualizados eles nada tinham de acadêmicos.
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E assim fomos poupados, graças aos deu- era vida e era vontade. Embora composta magnífica humildade o valor do seu juízo universo inteiramente rico e fantástico, da, o lápis de cor e a têmpera para colorir, porção de galos, de passarinhos de bichi-
ses, de uma “educação” artística, embora por literatura, ela teve um papel decisivo mais experimentando o seu gosto certeiro cujo lirismo é desborde e imaginação. avivava de vez em quando com branco e nhos de quintal. E de vez em quando, em
ameaçadoramente, as exposições de Willy para a atual formação de artistas plásti- de artista sensível, ficando cada um den- usava de preferência papel pardo ou acin- certos desenhos (árvore seca com passa-
Zumblick, arquétipo do academismo assa- cos, não só pela criação do Museu, inicia- tro do seu caminho. Era Hugo Mund Júnior zentado. O que me chamava a atenção rinho em tarde sombria) se dava o sorti-
DA IMPOSSIBILIDADE
nhado e tradicionalista, se partissem com do com o auxílio de Marques Rabelo e que que voltava à cidade. Mais feliz que o gru- naqueles desenhos, mas especialmente légio e tudo passava para o outro mundo
DE SER DIABÓLICO (continuação)
regular frequência. mais tarde iria enriquecer-se bastante na po literário que pelo mesmo que voltava à os primeiros, nos fundos de quintal, era para outra dimensão fantástica, carregada
João Evangelista de Andrade Filho,
época em que Martinho de Haro foi dire- cidade. Mais feliz ainda que o grupo literá- a ingenuidade consciente no dosá-lo. de lirismo mágico. A cor participava na
O Estado (Florianópolis), 28 out. 1959
DA IMPOSSIBILIDADE tor ali, mas também pela afirmação cora- rio que pelo mesmo tempo iniciou, estes O desenho em si, paradoxalmente, sem trama daqueles desenhos onde coman-
DE SER DIABÓLICO (continuação) josa de um gosto que era novidade na pai- artistas plásticos estão no caminho certo Por hoje ficamos com Ernesto Meyer ser solto, livre e seguro no conceito tra- dava o aspecto de filigrana ou de renda
sagem da Ilha. A perplexidade que trouxe ou pelo menos no caminho interessante e Filho. Ele é de fato alguém diferente que dicional considerado abstratamente como bordada, de crochê. Havia gritos de ver-
João Evangelista de Andrade Filho,
O Estado (Florianópolis), 11 out. 1959 era boa e de boa semente. Há quatro ou são eles e não os literatos que tomaram produz algo diferente. desenho, era, na obra, de uma segurança melho sobre as roupas nos varais pobres,
cinco anos, então o novo grupo começou a das mãos da geração anterior que tinha técnica e demonstrava um domínio pleno e aquele mundo que parecia tão alinhado,
Florianópolis livrou-se então de uma de- O primeiro contato que tive com o seu
desenhar e depois a pintar. Não é preciso Aníbal Nunes Pires o seu melhor repre- na forma minuciosa e analítica. E havia matematicamente alinhado, se rompia
formação acadêmica difícil de ser recupe- desenho foi em Porto Alegre, numa expo-
dizer como foram as primeiras tentativas. sentante, o dever de mostrar que aqui lá uma grande poesia. O verdadeiro tema em toques estrepitosos como na mesma
rada por causa do peso oficial que sempre sição pan-americana. Entusiasmou-me.
Mas quem tem talento tem possibilida- dentro há conflitos necessários fecundos, não era a narração, mas a sua enorme roupa dependurada ou no fluir de ternura
reveste uma verdadeira instituição desta Em seguida projetamos juntos uma ex-
de de vencer, e vai vencendo. Através de há sentimento e agitação que não morrem ternura pelas coisas simples no seu as- que escapava de algum pormenor parti-
ordem, tanto entre as camadas bem si- posição no Museu de Arte Moderna em
todos os passos em falso, de todas as na preguiça. E são eles que podem salvar, pecto complicado e mais a sua carga solta cularmente lírico como a cauda florida
tuadas da sociedade e na aceitação fácil que eu, vencendo uma dúvida interior que
barbaridades que fez, de todo o mau gosto no momento, Florianópolis artística, já que de fantasia poética que parecia inesgo- de um galo. Os passarinhos, os caracóis,
do povo a quem não se deu melhor para começava a torturar-me, resolvi deixar
e desorientação por onde se emaranhou, a arquitetura está empenhada criminosa- tável. Ela parecia maior do que o próprio as borboletas que povoam os desenhos,
ver. Também não teve tempo e oportu- falar o sentimento que, em geral, é quem
um do grupo, justamente o que mais pa- mente em acabar com o que havia de belo desenho. A natureza captada por Meyer tal como nas naturezas mortas dos incrí-
nidade de cair, felizmente ainda, noutro mais certo fala, e tomei inteiramente o
recia perdido, mas possivelmente o mais e autêntico na ilha, para levantar mons- ou imposta pela sua íntima natureza era veis pintores holandeses do século XVII,
academismo, o academismo do “moder- partido. Mas contava com os riscos, por
ardente e inquieto, o mais cheio de coisas trengos multicolores que desvirtuam em a caseira, humanizada, animada, paciente, a gente ia descobrindo aos poucos e com
no” que é tão mau quanto o outro (o dos não estar plenamente convencido. Mas
para dizer, ele que parecia ter sido o últi- todos os sentidos a esplêndida paisagem como a de algumas miniaturas góticas surpresa. Formavam um mundo minús-
chamados “clássicos” (!)) por que, como de quê? Convencido estava de que grande
mo a unir-se à turma, em um ano apenas natural e a humildade da comuna. com os seus tapetes de flores, mas sem culo de poesia, um mundo narrativo, mas
ele, se implanta irredutível se julga oficial parte daquilo que expunha era bom, era
dá um salto que apenas parece crível. A os voos lineares destas últimas. Lembrava cheio de unidade. No “Boi-de-Mamão”
e faz da intolerância e do esquema de fór- Hugo Mund Júnior expõe desenhos e gravu- excelente, mas não sabia e não podia sa-
sua pintura pode estar ainda cheia – se florestas de Broceliante, bem da Ilha: (Museu de Arte Moderna), depois de sub-
mulas a sua bandeira. Trocando somente ras no Hotel Querência. O grupo de artistas ber se, decorrido algum tempo ou muito
posso dizer – de barbarismos, mas tenho a meter o assunto familiar a uma verdadeira
de idolatria e receituário, não se preocu- plásticos de Florianópolis comparece com tempo eu já teria deixado de gostar do …le temps ou le lapins – se posant sur
certeza absoluta que será mais brevemen- culinária – empregou ali conjuntamente
pando com o mais importante – o movi- pinturas e desenhos no salão do IAPC, são: desenho e receava que ele, Meyer, esgo- les feilles – assouplissaint d’un lys le poil
te do que possa esperar, um pintor seguro o nanquim, a têmpera, o lápis de cor etc.
mento da alma – deixar de lado a sensível Ernesto Meyer Filho, Hiedy Hassis, Tercio tasse as suas possibilidades que pareciam de leurs bebines, le temps ou du sol vert
e excelente, já que artista ele demonstrou –, ele mantém tudo sob uma resultante,
parte de Maria para cegar-se no duro Gama e Jair Platt. De todos, Hugo Mund e estar encaminhando para a estrutura su- aux cimes argentines, comme le papillon,
ser. Não importa que por enquanto ele surdamente econômica, desafiada em
trabalho da parte de Marta. Livrando-se Meyer Filho são os que até agora parecem perficialmente virtuosística que precede veltigealt l’écureuil;
não tenha sabido dizer tudo porque vê-se tons quentes e baixos que interrompe de
de tudo isso, o povo pode sentir agora os ter atingido indiscutivelmente amadure- à estratificação e à fórmula. Tenho duas
que tem consciência de que para se dizer, les licornes aussi volaient sans repente por frieza verde-azuis ou por um
seus artistas e a cautela um tanto insegu- cimento, por isso, aqui, só me ocuparei confissões a fazer: a primeira é que ainda
mesmo alguma coisa apenas, é preciso d’autres alles que branco festoso próprio do caráter folclóri-
ra destes está de acordo com a virgindade deles. Pode ter parecido estranho a escolha continuo gostando do desenho de Meyer
tempo, trabalho e sacrifício. É Jair Platt, co do assunto.
e boa vontade daqueles. do meu título, mas ele seria justificável se Filho, exatamente como ou mais do que jois et que désir de plaire,
ia me esquecendo de dizer o nome. Na
a introdução não tivesse ficado tão longa. então; a segunda é que ainda não posso étsat si belles, aux Segunda série de Meyer Filho era aquela
Há uns quatro anos apenas surge o novo impetuosidade esteve a perdição de ini-
É que pretendia falar logo de Meyer Filho dizer se continuarei a gostar dele. Darei que em alternativa ou fazia desenhos de
grupo de artistas plásticos, gente que no ciado inexperiente, o mal de sua tentativa yeux e la rosée et des paons
e, assim como ao escrever sobre Hugo razões disto a seguir, e o que aqui eu dis- galos ou de flores. De todas as formas, de
início muito distante tinha ouvido falar chucra, mas também está nela a salvação sur les branches, comme aux
Mund me ocorre logo a ideia de serenidade ser vale e fica valendo pelos dois anos e todos os tamanhos. Os galos brigavam,
em Gauguin e Van Gogh e rara vez havia da sua futura linguagem. Outro chegou
criadora ao pensar nos atuais desenhos de meio que eu e o desenho de Meyer Filho yeux étonnes de l’Aube,
do Rio já escolado, mas escolado num era pretexto para fazer um luxo de rendas,
visto uma reprodução de Klee, de Miró, étant si blanches… etc.
Meyer, vêm-me de imediato a consciência fomos fiéis um ao outro. de penas que eram fogos de artifício cain-
e de Léger, que possivelmente não sabia bom sentido. Já sabendo uma porção de
da impossibilidade do ser diabólico. do; uma fase suntuosa e rica que parecia
quem era Jacques Villon e Hans Erni, Max coisas úteis e proveitosas, dominando o Na atual exibição, Meyer só expõe produ- Não havia esquilos, o unicórnio aparecia
Ernst e Stroni, Zadkine e Bram van Velde, “métier” com serenidade e mão forte que É bem possível que Mund e Meyer não en- tos de sua última série. Mas eu gostaria num só desenho (o Idílico fantástico), não haver descanso numa natureza muito
mas gente que tinha sensibilidade e con- não gostava de deslizar facilmente, guia- tendam um o mundo poético do outro. E, de encontrar, ao escrever, o Meyer dos mas a poesia era a mesma de Paul Fort: o mais preciosa que a anterior e aparen-
flitos, gente que tinha vontade de fazer da não pela imitação, mas pelo contato no entanto, são ambos artistas, se por ar- períodos anteriores. Portanto, vamos para pavão virava galo, mas o désirer do plaire temente também mais fria e friamente
alguma coisa fosse lá o como fosse. Havia frutificante com o mundo parcimonioso e tistas compreendermos gente cuja riqueza trás. A primeira sequência de desenhos a o mesmo. As árvores eram extremamen- lúcida. Tudo se repetia e era diferente. As
o Museu de Arte Moderna criado pela ge- expressivo de Goeldi e pela honestidade interior consegue por meios convenientes de Meyer era composta principalmente, te civis, bem comportadas, cuidadas como flores se misturavam aos sóis que eram
ração vibrante, que também com sacrifício pela retidão, pela alta compreensão que e autênticos tornar-se forma e expressão. quanto à temática exterior, de uns fundos os cabelos das moças que antes da festa um, dois, três e mais num só desenho.
imprimiu por longo tempo a revista Sul, tinha o ofício e respeito que tinha à arte Os dois temperamentos se aplacam, um de quintal muito líricos, de umas cenas de são cobertos com uma rede para não sair Mas o desenho de Meyer continua micros-
única que levava para fora a certeza que sentida em seus dedos como algo quase na síntese, na poupança expressiva num folclore Ilhéu – especialmente do boi-de- do lugar. E havia centenas, milhares de cópico; dando a impressão de ter nascido
cá dentro se fazia, nem sempre bem, mas físico e concreto, ele veio trazer um pouco humanismo interior que é tudo controle -mamão – e, de uns tipos populares. Di- folhas microscópicas, mas cada uma com sem dor, de um só golpe. As linhas, coisas
sempre como élan e honestidade, algo que de disciplina no grupo desordenado, mas e profundidade. Este é Mund. O outro na ga-se de passagem, estes bem inferiores a sua vida particular. E no meio daquelas como certos bordados à máquina, lembra-
era arte porque era sobressalto e sossego, ávido por produzir. E o grupo aceitou com análise formal por onde se expressa um àqueles. Usava a pena e o nanquim, agua- árvores caprichosas tinha também a vam milhares de micro-organismos jun-
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tados em colônias ou então um prato de como tinha jeito de parecer? Quando ía- Porque a originalidade e o mérito de mais difícil e laborioso justamente porque DA IMPOSSIBILIDADE dissuade e reparte, do que arremete para
creme de sagu se se pudesse tirar raio-X mos acreditando nisto, vinha um toque Meyer estão em projetar imagens que tira a nova série parte de uma pretensão in- DE SER DIABÓLICO pontos distantes dentre si a carga da co-
do creme de sagu. A espuma do mar tem de poesia não se sabia de onde que tudo lá de dentro e que, em toda a iconografia telectualista e programática. Ele resolveu municação, não vejo como tomar por dia-
João Evangelista de Andrade Filho,
também aquele embaraço caprichoso e desmancha. Nesta época começa a usar o que conheço, o que mais se assemelha inovar sistematicamente os seus assun- O Estado (Florianópolis), 1982 bólica linguagem que, como a pintura de
ao mesmo tempo ordenado. O desenho papel preto e a têmpera branca com que são os fantásticos animais do Apocalipse tos, mas o que fez foi projetar uma porção Ernesto, se propõe erótica e que, até onde
preparatório a lápis não tinha nada a ver traçava aqueles traços finíssimos e repe- de São Severo. E como no Apocalipse de de imagens fantásticas tiradas especial- Há vinte e três anos, contrariando a in- posso avaliar, erótica se afirma no sistema
com o que cobria, o definitivo. Inseguro tidos de todas as formas, cada vez com São Severo nada há de surrealista também mente do bruxado ilhéu e modificadas por diferença da província que, não obstante de signos. De que modo erótica, porém, se
e hesitante, ninguém poderia supor, ao uma vida nova e articulada ao conjunto. assim em Meyer, embora ele próprio goste sua enorme imaginação. Felizmente sua a renovação do grupo SUL, cedia ao co- no universo dos quadros não há traço da
vê-lo como eu vi que dali sairia a seguran- Mas este material era um tanto perigoso, de batizar sua série atual de surrealista. pretensão, nesta fase, levou Meyer a su- modismo de gruir o aceito e consagrado, sensualidade que convencionamos esperar?
ça, o equilíbrio final. A gente se lembrava, ele soube evitar o caráter ilustrativo e Há muita fantasia, e o que se consegue perar-se. Quis ser demoníaco e fazer algo escrevi umas notas sobre os desenhos de
Segundo penso, apuro na leitura besta
sem querer, da história que nos contavam o risco que se corre facilmente de fazer é criar um clima de mágica que evoca muito original. Não precisava: ele já era Ernesto Meyer Filho. “Da impossibilidade
para revelar a natureza de um erotismo
na infância: O príncipe só se casaria com pensar uma ilustração para a revista Esso. uma certa Idade Média virtual, contida original. Mas serviu para renovar-se, para de ser diabólico” foi o título que resolvi
que se disfarça por trás da brincadeira
a princesa se arranjasse o mais precioso Na própria suntuosidade evitou o refina- menos nas páginas de uma História que nascer de novo, para não estratificar. colocar-lhes, não recordo por que motivo.
e dos malabarismos da imaginação.
vestido para a noiva. mento, o preciosismo amor (sincero) aos se prende em compêndios e que certa- Intrigavam-me uns fundos de quintal, que
De resto, os seus demônios são ingênuos, Lá nos aguarda o eros: o que une, que
galos e às flores principalmente pela força mente ele não leu do que, vivamente, na o artista desenhava a nanquim e lápis de
Grandes costureiros do reino se recusa- bonzinhos, os artistas podem menos que agrega, que persuade, fazendo conver-
popular que guardava em si. O interessan- superação da nossa gente do interior da cor, misturando lirismo com acuidade de
ram, com medo da responsabilidade, a eles e as obras, quando se tem força cria- gir a comunicação para ponto comum
te desta série é que, apesar de todo o ca- Ilha, na imaginação popular que sem me pormenores; surpreendiam-me evocações
aceitar o empenho. Então, já sem espe- dora genuína supera-se o apriorismo for- de arremesso. Contrapõe-se, portanto,
ráter analítico do desenho, não obstante interessar (por agora e para o fim) deste do “boi-de-mamão”, o bumba-meu-boi
ranças, o príncipe carrega os valiosos teci- mulário. Mas é inevitável: o artista tem de diá-bólico ao fundamento do sim-bólico
toda a profusão, o arabesco mantinha um artigo de onde possa ter vindo e como se de Santa Catarina, e admirava o bestiário
dos para a casa miserável de uma macaca pagar para que continuem líricos, inocen- do eros. E até, se quisermos, à função
vigor surpreendente e as linhas de força possa ter originalidade é uma realidade onde sobressaiam os galos, fauna que ha-
que tinha fama boa modista, e que morava tes e manhosos, caseiros como os capetas erótica do símbolo: Eros que tem sede de
regulavam a composição de tal forma que viva, é folclore autêntico. Ora, Meyer Fi- bitava um ambiente de invenção e cuja fa-
numa aldeia distante. Mas quando esta das nossas histórias populares. Se não vida e união, conquanto não cancele as
o conjunto nada perdia em unidade por lho, pensando em fazer surrealismo como tura, rendilhando mais que desenhando, o
picou em mil pedaços os alvos brocados acreditarem, olhem os demônios de Goya. diferenças, não apague as oposições, as
causa dos pormenores. De vez em quando, sugere o título do desenho “Procissão desenhista caprichava como se tencionasse
e sentou-se indiferente, o príncipe amar- complementaridades.
numa linguagem expressionista e solta, Surrealista”, realmente fez folclore poéti- Realmente não entendo Meyer Filho e não espreitar o limite da credulidade de quem
gurado perdeu todas as esperanças. No
deixava-se levar e fazia desenho com ner- co, e também nisto se não afasta da sua me interessa entendê-lo. O desenho não apreciava. Porque nada do gênero me fora Porque não alcança separar, agregar,
dia seguinte devia voltar para o castelo.
vosos e rápidos traços grossos e pincel primeira fase, a do Boi-de-Mamão. Mas é uma apostila de exame ou um ponto dado ver, porém, eu não sabia que o Ernes- compartimentar, e ainda porque reme-
A macaca persuadiu-o a levá-la junto, a
molhado a aguada e dava também leves, a sequência atual surpreende-me apesar de lógica para ser entendido. Limito-me to já se entrevia em explorar as veredas do te as partes ao originário compromisso
ela, e aos mil pedaços a que ficara redu-
diluídos e sérios toques de cor. Mas logo de tudo. Como disse, era difícil crer que a senti-lo. E como o sinto tão bem, só que chama de “produção erótica”. Redes- com o todo, o conjunto de elementos de
zido o damasco nupcial. Abatido e sem
voltava à disciplina e ao desenho implaca- Meyer pudesse superar aquele virtuosis- posso lamentar, para ser coerente com a cobriu o veio, e na exposição que realizou tema e de forma com prova, na pintura
vontade de resistir, o príncipe não se opôs
velmente bordado, torturantemente disci- mo que havia atingido dentro do limite de minha verdade, que outros não o sintam. em Florianópolis e que trará a Brasília, de Meyer Filho, o quanto de símbolo e de
às pretensões. No meio do caminho, po-
plinado na sua minúcia proposital. sua expressão, no entanto, ele se renova Já tive muitas vezes a ponto de pensar reúne pinturas da espécie em questão. eros existe no modo de pelo qual o pin-
rém, os cavalos da carruagem tropeçaram
se muda. Mas para isto foi preciso nascer que o desenho de Meyer era vazio como tor vive as relações com o mundo. Se tal
numa grande pedra e naquele mesmo ins- Se devo manifestar-me de novo, três
A fase atual é menos inesperada pelo as- de novo. Explico: Foi preciso que ele, pen- aqueles trabalhos em asas de borboleta, conjunto de elementos parece o registro
tante a macaca se transforma numa linda questões preciso esclarecer ou, pelo me-
sunto que propõe do que parece à primeira sando ou tentando fazer uma coisa nova, mas de repente estou diante de uma coisa de esforço que reintegra e vitaliza, arris-
princesa e os retalhos picados no mais nos, enunciar. 1) Por que me obrigo, hoje,
vista. Ela já estava contida naquele Idílio partisse novamente do ponto zero; que grande e séria. Por quê? Não saberia dizer. caremos comprová-lo tomando a mitolo-
precioso vestido que se pode imaginar. a conversar o título que dera ao apanhado
Fantástico da exposição do ano passado ele voltasse de novo como nunca tivesse Embora analisasse todos os seus símbo- gia por suporte. Assinalamos, então, que,
e no passarinho com tarde sombria e sua de 1959? 2) Se a indústria do sensualis-
Aquele tropeção é o momento de graça sabido desenhar para dar desde o início os los, todos os seus esquemas, creio que para os gregos do tempo de Hesíodo, Eros
negra cadeia de montanhas ao fundo. mo, difundindo imagens, nos dispôs à
que transforma toda a arte. Arte só é arte primeiros passos deste mundo de criação continuaria sem saber porque. É melhor é o deus que procede os demais. Além ou
O que surpreende é que os atuais dese- expectativa de um clima e se a pintura de
graças ao tropeção maravilhoso, só ele que acreditava novo, mas havia já antevis- senti-lo ou deixar de senti-lo e pronto. aquém das metáforas, ele se confunde
nhos continuem bons de maneira geral, Meyer Filho nada tem do clima que es-
distingue o artista verdadeiro do destituí- to. Assim é que se percebem visualmente A arte de Meyer não se enquadra de fato com o impulso de origem que, saindo do
peramos encontrar, por que garanto que
do. O desenho preparatório de Meyer Filho e tenham conservado a força poética dos todos os tropeços, todas as procuras, em classificação nenhuma e ouso crer que caos, presidente as núpcias do Céu e da
ela é, sem dúvida, erótica? 3) Levando
lembrava os retalhos do vestido: ninguém primeiros, ganhando em inventiva. Inven- dentro da sequência cronológica dos de- seja por isso que não comoveu o júri da Terra. Não é personagem de história (só
Bienal de São Paulo; este muitas vezes se em conta que o pintor não produz ima-
dava nada por eles; mas veio o tropeção, tiva quer dizer poder de invenção, mas não senhos de agora. Os primeiros cheios de tardiamente, na mitologia grega, com-
deixa levar demasiadamente por classifi- gens em abstrato, devo justificar porque,
num momento qualquer. Meyer não sabia sabemos se o termo é adequado: invenire incoerência, de elementos que flutuam põem-se lendas a seu respeito), mas a
cações. Mas para que foram feitas as clas- embora padeça de anacronismo e se dis-
desenhar, pelo menos sentido tradicional em latim queria dizer encontrar e só en- dentro do papel sem se ligar uns com os condição da história, ou melhor, da vida.
sificações e divisões senão para termos tancie de qualquer “política do sexo”, a
que dá ao termo desenho, mas o seu bor- contramos algo perdido e preexistente, e, outros. Há num mesmo desenho três tra- Tampouco é subproduto. Pelo contrário,
o prazer de quebrá-las? Até hoje ninguém produção de Ernesto Meyer Filho parece
dado minucioso tinha vida e ele era um em segundo lugar, não sabemos se, em tamentos diversos de ritmo, de valores é força que gera e transforma, sustenta
provou que uma classificação faça parte não se desligar do político.
artista, um criador. No tempo dos galos pintura, é importante encontrar ou procu- de materiais, de percepção. Nota-se como as dimensões do imanente e assegura
e das flores a genialidade atingiu o seu rar. O apagamento do conflito que sugere foi duro o superar-se comparando duas da essência... E a arte, esta sim, contém Quando entendi que as obras de Ernesto a razão comunitária de cada aspecto da
ponto máximo. Não havia nada para se o encontro, o encontro tira à arte o seu versões do mesmo assunto. Até atingir a uma centelha de essência humana e se Meyer Filho não possuíam caráter “diabó- vida. Como ousei afirmar – sem compro-
comparar às flores e aos galos de Meyer. caráter dramático que é das suas mais coesão final, à lisura dos mais recentes, não pode desligar do homem. lico”, deixei de aludir ao étimo que, depois vações por enquanto – que a pintura de
Possivelmente as miniaturas persas, al- caras essenciais. Deveríamos dizer melhor ele lutou, e os restos da luta são perceptí- o helenista Eudoro de Sousa, aprendi a Meyer Filho assevera a tendência erótico-
gumas? Mas o confronto desenganava. força de fantasia ou, se quisermos, de veis, mas ao fim ele aparece restaurando destrinçar. Assim, posto que diabólico é a -simbólica no jogo de alusões, ainda que
Seria um desenho puramente decorativo plasmação ou, ainda, de informação. e, completo Meyer Filho. Este processo foi qualidade do que separa, do que desune, me tenha servido anacronicamente dos
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gregos para exemplificar, não vejo como tica. Órgão de germinação, pivô do jogo que parecia relíquia e sepultamento o que retorno às raízes. Vago messianismo? O desagregam com falanges de estereóti- funcionalismo pequeno burguês do Banco
deixar de confirmar-lhe a incapacidade de de multiplicar, ele não conhece exauri- ainda há pouco parecia não ter fim. Assim que lhe admiramos nas pinturas é o fol- pos, e, nos sinais que emitem, nota-se a do Brasil, a obra sintoniza com a ideo-
que me dei conta quando da primeira vez mento e jamais deixa de surpreender pelo procede Meyer Filho, por mais que o seu guedo celebrativo de representações que, pressa de perder-se o sotaque. Inscritos logia da classe desfavorecida massa de
a contemplei: a incapacidade de ser diabó- inesperado das aparições. modo de pintar inclua, na superfície, o documentadas em graffiti anônimos de no sistema educativo, os programas ofi- manobra eleitoral que se vinga colocando
lica, quer dizer, separadora. narrativo e o decorativo. Se a representa- todos os tempos e lugares, adquire colori- ciais de cultura, ainda quando patrocinam apelidos nos maiorais. Não há dúvida que
Mas, já numa segunda relação, o falo as-
ção gráfica, de resto, for capaz disso, quer do especial nessa “Ilha dos casos raros”, o popular, definem-se por uma direção: se resiste aos modelos: os trabalhos de
Se, para confirmação do que se afirmou, sume papel agônico. Amor e vida são pe-
dizer, dessa “magia”, ela vale. Ademais, conhecida pela falta de repressão no que impor a cultura de cima. Sem passado Meyer Filho são “ilhéus”.
impõe-se, no mínimo, análise que vise refor- lejas. Tudo luta, já dizia Leonardo da Vinci,
quando se proclama erótico, não passa de respeita aos costumes (desde que se pos- ou presente industrial de monta, carente
malizar o sistema plástico-poético dos qua- e antes dele, os pré-socráticos. Assim,
pornográfico: tornou-se propriedade ab- sa comentar). Ora também Florianópolis de um proletariado, presa aos cordões A história, como não é “coletada de fatos
dros, e o espaço de que disponho não me como instrumento de contenda univer-
soluta e, portanto, mercadoria. Se ficasse não escapou, a pretexto de queimar eta- movidos pela superestrutura política, na mortos” (Marx, apud Pierre Bilar) não se
permite tentá-la, pelo menos não se dispen- sal, nas pinturas de Meyer Filho, aquele
nisso, porém, os trabalhos de Ernesto pas, à mudança de seu comportamento de cidade as classes médias deixam passar o acumula em estratos nem se configura
se apontando sobre o método do artista. símbolo, como quem diz, vai à guerra e
Meyer Filho seriam apenas “arte”. Ora, base. Com o que se enfraqueceu a “con- tempo, preocupadas com butiques e, em numa corrente. Apesar da superestrutu-
se atreve em tantas frentes de batalha. cretude” que foi encarada como traço da
Ainda que há pouco, ao mencionar o ero- “arte” não é mais que um álibi conceitual sua nata, com prebendas e falso prestí- ra que os integra, os resíduos “feudais”
Às vezes voando no céu, em formação de cultura do povo.
tismo das obras de Meyer Filho, referi-me que os intérpretes da burguesia alimenta- gio de cargos de chefia. Na sociedade em presentes na obra de Meyer Filho, mais
“passaralhos”, persegue as “ninfas” que,
ao todo e às partes, itens que considero ram nos tempos modernos, para manter- desequilíbrio, os artistas se voltam com que relíquias, são fatores ativos de cará-
sob ameaça, desarvoram… Ligada, na produção, à subsistência do
matéria congenial a seu modo de relacio- -se à distância… avidez para o mercado de arte. Mercado ter popular. Não se podem dissociar de
agricultor e do pescador interioranos,
nar-se como objeto da pintura. Mas de O falo gera e combate. Todavia, numa ter- cujas cotações não passam da fantas- antigas tradições socioeconômicas que na
Ao contrário de muitos, mas, segundo e a um comércio de mínima capitalização
que partes e de que todo se trata? Pode- ceira instância, põe-se como instrumento Ilha açoriana, antes de forma residual
que foi manipulado pelos interesses dos magoria. Nesse capítulo há exceções e
ríamos dispensar aqui os componentes de creio em boa companhia, declaro-me pelo
de ligação. Daí a série de associações que mercadores do Rio de Janeiro, a capital entre elas notamos, sintomaticamente, a na esfera da cultura, teve sua concreção
forma que reúnem padrões e arabesco, panfleto. A denúncia se presta à função da
o pintor reservou para a protagonista dos pouco se desenvolvia, atrelando-se a uma incidência de temática espacial: os motes no mundo das relações de produção. Há,
valores de espaço, de volume, de cor, de produção de imagens, pois esta é setor de
quadros. Mítico sintagma, o lingam se une oligarquia que saíra do estrato mais “mo- apocalípticos nos enormes painéis e nos por exemplo, traços de terras comuns,
composição. Interessariam, contudo, os região ideológica ligada à luta de classes.
aos elementos. Plana, anda, arde, nada derno” desse comércio. Preservava murais invendáveis de Hassis, pintor que herança dos Açores ligada ao norte de
sinais que, inerentes à premissa Léxico- Recentemente Henfil “cobrava” de Caeta-
e rasteja. Triunfa entre sóis e folhagens. a modorra da economia e, com ela, o começou produzindo pequenas aguadas Portugal e, por intermédio deste, a as-
-sintática, “conduzem” (pura metáfora) no. E porque Henfil, com Tristão de Athay-
Atua em situações que a imaginação qua- compasso das tradições. Hoje, a glorifi- ilustrativas; a mudança do lirismo de Eli pectos feudais do mundo germânico.
a mensagem. Desconfio que o todo, na de, Millôr Fernandes, Abdias Nascimento,
se não alcança. Conduzindo ao destino da cação ideológica da tecnologia, apanágio Heil (artista “incomum”, segundo a últi- Sei que o professor Armen Mamigonian
obra de Meyer Filho, seja a convergência Paulo Freire e poucos mais, compõe o nú-
união a ambiguidade, não há disparate das civilizações cumulativas, já corrom- ma Bienal) para uma parábola de delírios pretende produzir um trabalho nesse
das formas simpáticas que se ocultam ou cleo de brasileiros bem pensantes, muni-
que não termine por integrar-se em con- peu a população, e o desenraizamento, escatológicos que se travam em telas campo de estudo, espero ver para logo
se declaram no mundo; visão não cindida dos daquela coragem que legitima o bem
junção cosmológica. Tudo está em tudo. que a noção de mudança brusca suscitou, de dimensões fora do comum, também
pensar, concordo com ele quando reprova confirmada a minha desconfiança de que,
do grande e do pequeno, do interior e do Na obra de Meyer Filho, o homem não não se pode evitar. J. K., o desenvolvi- invendáveis; e no caso de Meyer Filho, a no regalório patusco que as cenas eró-
exterior, do plausível e do fantástico. Tu- as “curtições” e evasões que flutuam no
é centro do mundo. Não há lugar para a mentista, da penumbra de seu mausoléu, incidência dos tópicos nostálgicos, edê-
do isso fora do surrealismo, pois a ma- ambiente. Assinto também com Roberto ticas de Meyer Filho transcrevem, não
cisão homem-animal. Há panteísmo onde deveria orgulhar-se: não existe trânsito nicos, arcaicos e “eróticos”, imagens que
neira de convergir, aqui não utiliza nem Schwarz em condenar a despolitização da deixam de ecoar antigas tradições vividas
descabe a soberba de Prometeu. mais desorganizado, numa cidade que remetem a um passado de harmonia: uma
o onírico nem o automático: trata-se de análise cultural. por colonos que, na Ilha, à sombra das
podemos facilmente transpor a pé. A se- utopia compensadora. Como se integra
uma “natureza” vista sem sectarismo. A tendência a regenerar, como fatalidade fortalezas militares, puderam “transar
Muito personalizada, a pintura de Ernesto miologia urbana traduz o “progresso” no essa utopia na conjuntura?
As partes seriam os fragmentos que o do eros é, numa quarta instância, condi- numa boa” a terra comum e a comum boa
Meyer Filho não é, certamente, pintura cinturão de asfalto que se plantou à bei-
mundo empírico oferece a toda espécie ção de metamorfose e orgia. Por isso, nas Exemplo sócio-político quase puro daquela safadeza bem arraigada no sagrado onde,
popular, embora guarde um gosto pela ra-mar. Acentua-se o desequilíbrio social,
de decomposição e recomposição, tocados pinturas de Meyer Filho, nada está em re- “sociedade de favor” de que nos falam os aliás, o erótico deve estar. Boa safadeza
complicação, pela fantasia e um horror mas, contraditoriamente, nivelam-se, via
pela mágica do pintor. Se assim o conside- pouso e tudo nasce de tudo. Pássaro, rép- estudiosos, Florianópolis é democrática que, por condicionamentos estruturais,
ao vazio que lembram as produções do propaganda, as aspirações das classes.
ramos, o método, na pintura de Ernesto, til, vegetal, homem (mulher) em contínuo quando se trata de versar as rimas da numa sociedade patriarcal, é incapaz de
artesanato folclórico. Tampouco podemos No campo da pedagogia age, como no
tal qual no jogo de Eros, implica o gerar, transformar, campo de tatuagens, orga- folgança. A obra de Meyer Filho exprime criar um falo não falocrático, o que por
dizer que sua “ideologia de imagem” apre- resto do país, uma universidade burocrá-
o batalhar, o reunir, o transformar, e nismos que se tende entre síncope e ex- essa democracia um tanto de Carnaval, certo não agrada à dupla Pascal Bruckner
sente modo de ver conexo aos interesses tica e burguesa cuja hierarquia mais se
implica essas operações no sentido que pansão, o falo se decompõe e recompõe, que não reponde à realidade das relações e Alain Finkielkraut, patrocinadores da
do proletariado, pois longe de preocupar- deve ao ser instituição do que ao ser co-
levou Doris Lessing a conotar, em epígrafe dispondo-se a todos os estados e a todos sociais. O pintor resiste ao ar-moralismo, “nova desordem amorosa”, mas pelo me-
-se com ser revolucionária, a aspiração de munidade e, assim, ao nível da produção
de romance, uma citação de Mahmoud os gêneros. E agente da conjunctio, da decididamente populista, a que tem su- nos não sucumbem à fatalidade de pene-
retorno às raízes (se de fato houver, ela se cultural, nada tem de popular. “Suporte
Shabistari, sábio de século XIV, e outra da coincidentia oppositorum, mas igualmente trar “no círculo ignóbil da culpabilidade”.
prende mais à pintura que ao pintor) não material do sistema”, a cidade represen- cumbido ilustres nomes das artes brasíli-
bióloga marinha Rachel Carson. Porque, da transfusão. Então, libera e converte. Ernesto Meyer Filho, o descendente de
visa alterar a ordem estabelecida. Apesar ta, com suas contradições, a situação do cas. Sem requentar, como recursos mais
de fato, segundo registrou a romancista, capitalismo brasileiro de hoje. O dinheiro ou menos sofisticados, acervo popular judeus ricos vindos da Europa no Sécu-
Embora, como lembrava Ben Vautier, disso, ao contrário de Rodrigo de Haro,
“em cada grão moram cem colheitas” e do Estrado – o que mais circula – se derra- pré-existente ele capta, usando magias de lo XVIII (como atesta o retrato a óleo da
e entre nós Mário Pedrosa, a arte não por exemplo, cuja obra, confessional, se
na líquida película que envolve um grão ma, encalhando-se por divertículos quase telepata, as pulsões de um sentir que se trisavó) incorporou-se ao tecido desse
seja fundamental, apenas os que produ- liga a certos aspectos de ideologia duma
de areia existe um universo que vive. nunca ligados às necessidades dos des-
zem imagens (pela função “mágica” do seleta fracção da classe média da ter- fecha às assimilações descaracterizadoras mundo social e conseguiu restituir, na
Para ilustrar a convergência de que esta- seu trabalho, reconhecida pelo marxista ra – a elite intelectualizada –, Meyer Filho possuídos; elaboram-se, na especulação, das nossas culturas. Há um “popular”, um capital classicista de hoje, mediante suas
mos falando, o falo é o símbolo que o Fisher?) saberiam conjurar, nesse tom libera um ludus escatológico que é ingre- os empreendimentos turísticos; os “ri- regional, um local que sobrevivem e agem imagens, um pouco da trama comunitária
pintor mobiliza, por fatalidade de nature- de festa, a infinitude do vivente que se diente do sentir popular e arcaico da Ilha cos” funcionários expurgaram os pobres nas pinturas. Embora o autor represente do passado. Por outro lado, se algo lhe
za, ou melhor, de cultura: cultura falocrá- cristaliza no momentâneo, utilizando o de Santa Catarina. Por isso falamos em dos seus lotes; as ondas da TV nivelam e uma categoria típica de classe média, o sobrou das informações receptadas na
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historiografia ilustrada da arte, de que foi outros teóricos que, no decorrer do sé- xuada, que seguimos por incapacidade ARTISTAS DE FLORIANÓPOLIS nenhum traço de ingenuidade ou “gau- o vermelho, Meyer Filho comunica-nos
sempre atento devorador, o que importou culo XVIII, através das categorias gosto e da cultura e, como diria Marta Traba, que chório”. Seus desenhos estão cheios de a verdade do seu mundo interior; uma
Flávio de Aquino, Diário da Tarde
do estrangeiro foi de tal modo digerido prazer, tentaram reduzir a aristocrática nos impomos não como linguagem, mas (Florianópolis), 1959 invenção própria, de uma originalidade verdade-poesia em que os cavalos po-
que nada sobrou para engasgá-lo. atividade às dimensões da nova classe como sinal de rumo, existe um aceno à que espanta, principalmente por ser dem ser asados e os sóis múltiplos. Seus
dominante. Contudo, há muito naquela possibilidade de sermos. Ainda que mais Uma evolução lenta, mas segura, se vem numa época em que parece já ter tudo galos em rinha nem as penas perdem.
O alcance político da “arte” tem limites,
objeção. Porque, ao julgar pelo poder de avisados, desde meados do século passa- processando nas nossas artes plásticas. Já sido inventado e fixado. Seu mundo é Seus desenhos são marcados por uma luz
condicionados pela natureza, ainda obs-
atingir a emoção de todos, devemos lo- do, saibam que é inútil afirmar o homem, agora a renovação não se limita aos gran- povoado de aves solenes e decorativas, permanente, como se representasse o
cura, de atividade que se estudou siste-
gicamente concluir pela superioridade da simplesmente, tentando ser, numa so- des centros, mas se espalha pelas Capitais de galos pomposos, de sóis vermelhos mundo onde nunca se faz noite. Também
maticamente desde o Setecentos, mas
novela das 8 horas sobre uma tragédia ciedade em que o único que pode ser, é menores e pelas cidades do interior. Sob e distantes, de exóticas flores, de en- nos chama atenção a exuberância da flora
sobre cujo núcleo nada de definitivo foi
de Shakespeare, de vez que não podemos o capital. Todavia, isso não bastaria. Não a influência da arte moderna e das pu- cantadoras minúcias. Dentro dos limites e das folhagens que enriquecem tanto os
dito, até porque ao contrário da atividade
comparar uma audiência de 40 milhões de parece absurdo que o político, no caso de blicações especializadas, surgem novos e em que fixou sua arte, é ele um virtuoso seus nanquins e guaches. Este artista tão
científica, seu estudo não tem somado
telespectadores, devidamente comovidos, Meyer Filho, tenha a ver com o fato para- excelentes artistas, legítimos rivais dos interessante que é Meyer Filho será apre-
conhecimento já que uma teoria de 1981 de uma habilidade e paciência inegáveis.
com os poucos fruidores que o MacBeth doxal de suas imagens agradarem a toda a seus colegas do Rio e São Paulo. Sua vida sentado brevemente aqui no Rio, através
– pelo menos por enquanto – não é, por Tudo nele é novo, decorativo. Seus de-
ou o Coriolano consegue estremecer hoje gente. Paradoxal porque a arte é diabólica é dura, pois têm que enfrentar o minúscu- de uma amostra de 40 trabalhos no salão
força, mais avançada que outra de 1781 senhos têm o mesmo encanto, a mesma
em dia. Glauber Rocha que é senão o luxo por natureza: não pode dar-se igualmente lo, mais hostil academicista provinciano, da Escola Nacional de Belas Artes.
ou de 1881. O que mistifica aquilo que se frescura e a mesma imaginação feérica
de uma paróquia perto das enormes filas a todos, aquinhoando-os independente que tem seus heróis locais e a quase geral
chamou de arte ou processo artístico, e das miniaturas persas.
de gente, que vão se emocionar com as dos conjuntos ideológicos que integram a indiferença de todos. MEYER FILHO, O INCÓGNITO
que inclui o “artista”/sujeito, a atividade
proezas de Mazzaropi? A questão do gos- situação social dos grupos. Não podendo Durante anos os florianopolitanos olha-
(arte actum), a obra (arte factum) e o Florianópolis é disso um exemplo típico. Hamilton Alves, O Estado
to e do prazer, quando quantitativos ou ser diabólica, a produção de Meyer Filho ram Meyer com o mesmo olhar irônico
receptor/intérprete, não é só a definição Ali os pioneiros foram os jovens da revista (Florianópolis), 18 fev. 1963
qualitativos, só nos pode conduzir a um nos coloca um problema. Bem considera- que se dá aos loucos mansos, durante
teórica devida, em parte, ao excesso de “Sul” e o Museu de Arte Moderna, ideali-
impasse, caso afastemos da problemática das as coisas, novela das 8 não satisfaz todo esse tempo só ele acreditou no É curioso como se possa viver numa cida-
teorias conflitantes que se acumularam. zado por Marques Rabêlo e oficializado no
o item classes sociais. Por mais que, por a toda gente, pois sempre haverá uma seu talento. Agora já tem por si a peque- de tão pequena e desconhecer-se quase
Essa mistificação decorre sobretudo da governo Aderbal Ramos. Uma nova etapa
exemplo, a “alta cultura” e a classe que elite refratária aos seus encantos. Nem na minoria inteligente e culta que forma que inteiramente seus valores nos diver-
ambição essencialista, da pretensão que agora se inicia na arte catarinense, uma
ela representa tivesse imposto, para re- Roberto Carlos satisfaz a todos, Eu, por a elite de sua terra. Sua arte, realizada, sos setores da vida, quer cultural ou cien-
leva à a-historicidade porque se baseia etapa em que as artes plásticas têm um
verência de todos, os modelos racionalis- exemplo, não me encontro entre o milhão já permite que ele seja visto e julgado tífico. Pensamos muitas vezes em ter-nos
numa suposta unidade de experiências lugar principal, uma vez que o grupo da
tas travestidos na forma metafórica dos e oitocentos mortais que compraram um pelos centros mais adiantados. Por isso, na conta de profundos conhecedores de
sociais. Desde que, revendo a história da “Sul” dava mais ênfase à literatura, à poe-
edifícios de Oscar Niemeyer, o que conta disco seu no último ano. Então, deveria dentro em breve, Meyer Filho vai expor uma cidade porque, simplesmente, co-
noção, Roger L. Taylor demonstrou que a sia e ao teatro. Esta nova fase iniciou-se
para o povo, além dos “puxados”, são Meyer Filho dar-se por muito satisfeito no Rio e temos certeza que seus dese- nhecemos suas casas, suas ruas e seus
arte, feição categorial que assumiu a par- com a transformação que se deu no Museu
as fachadazinhas personalizadas de suas porque agrada gregos e troianos ao invés nhos revelaram artista de alta significa- lugarejos. Mas isto não significa conhecer
tir do século XVII, é um inimigo do povo, de Arte Moderna durante o governo Jorge
casas, ou a maravilhosa rodoviária de São de tentar nos convencer, com insistência ção. Será uma revelação igual à que foi uma cidade. Só se conhece bem uma ci-
não seria apropriado, sem refutação de Lacerda, que colocou à frente do “MAM”
Paulo, mais próximos da sua vida. incansável, que seus trabalhos, longe de Aldemir Martins, cuja família artística dade quando se toma contato com seus
todas as suas hipóteses e argumentos, um jovem entusiasta e trabalhador: João
ser “ingênuos”, “ínsitos”, “incomuns” ou Meyer Filho pertence, pelo seu dom de habitantes, com o homem, e, sobretudo,
continuar atribuindo a ela, arte, um va- É exatamente nesse momento que as Evangelista de Andrade Filho, e os resulta-
o que seja, estão ligados à corrente da invenção própria, imaginação rica e o com seus valores culturais.
lor universal, perene, ou seguir devotado imagens de Meyer Filho representam uma dos já podem ser facilmente notados.
“grande arte”? Pensar em “intercomuni- aproveitamento inteligente e sensível
respeito irrestrito à parafernália institu- entalada, porque elas agradam a todos. Hoje, por tudo quanto ignoro a esse res-
cações” seria menos do que utopia. Não Há pouco tempo visitamos o II Salão de motivos folclóricos.
cional e organizativa que a sustenta. Há Que motivo me teria levado a afirmar que, peito, não ouso dizer que conheço minha
vimos o fato do Festival do Cinema de Anual do “MAM” de Florianópolis. Nele
dias, numa palestra em que eu tentava embora não seja revolucionário, e até se cidade natal, onde vivo quase toda a mi-
Brasília, 1981, em que os dois filmes pre- dois excelentes artistas já se revelam:
reproduzir alguma coisa do ataque des- revele saudosista e quem sabe, messiâ- MEYER FILHO: UM DESENHISTA nha existência.
miados pelo júri de intelectuais foram os Hugo Mund e Ernesto Meyer Filho. Hugo
ferido pelo professor de Sussex, afim de nico, o trabalho do pintor parece não se DE FLORIANÓPOLIS
dois menos votados pelo público? De certo Mund já esteve por algum tempo no Rio, Aqui tenho alguns amigos de certo modo
retirar de arte o seu status paradigmático desligar do político? Poderíamos deslocar Rosa Pessoa, Shopping News
modo concedo a Campos da Paz ao repetir onde estudou Gravuras com Oswaldo supérfluos [...]. Não me aprofundo no ín-
já que ela não passa de um estilo de vida a resposta e, seguindo a natureza do que (Rio de Janeiro), 17 abr. 1960
Dionélio Machado, que afirmou: “A arte dá Goeldi. Apesar da sua pouca idade já en- timo dos meus amigos, da maioria deles,
do grupo social dominante que detém estamos tratando, dizer nesse tempo a
prazer para quem faz”. Uma questão, sem controu seu caminho e superou a fase Parece até uma redundância dizer que mesmo porque com respeito a si mesmos
os recursos financeiros e que pode, por vanguarda falida, nesse mundo onde o
dúvida, de afirmação pessoal (o número escolar, convertendo-se num dos nossos são, em geral, reservados.
conseguinte, impor a sua aura, fui sur- indivíduo foi banido pelos processos di- Ernesto Meyer Filho vive ilhado quando
um conta na sociedade) e também de melhores desenhistas e gravadores. Tem seu <<habitat>> é a Ilha de Santa Catari-
preendido com uma objeção que tendia a rigidos e planificados da propaganda, os De uns poucos sei bastante e quase tudo.
comunicação. Goste quem quiser ou pu- a mesma gravidade e o mesmo sentido na na verdade, porém, podemos dizer ser
recolocar de novo as coisas nos devidos sinais emitidos pelas cenas eróticas do Mas da maioria não sei nada ou sei muito
der. É aqui, então, que o paradoxo Meyer dramático do Goeldi, mas não deixa de este desenhista uma ilha dentro de outra
lugares. De acordo com o aparte, a arte pintor são símbolos simbólicos das forças pouco. É o caso, por exemplo, de Meyer
Filho me parece tocar uma dimensão polí- ter um conteúdo próprio.
seria uma atividade eterna, universal, geradoras que estão em nossos corpos e ilha. Seu desenho pessoal, mostrando uma Filho. Minhas relações com ele datam de
tica. Não por tentar mudar a natureza das realidade própria foge à compreensão do
ligada à natureza humana. Sua virtude em nossas cabeças, forças que deviam nos Ernesto Meyer Filho nasceu em Itajaí, pouco tempo. Nosso conhecimento nasceu
coisas na sociedade, mas por desnudar ambiente tipicamente burguês da cidade.
própria consistiria no poder que tem de tornar senhores e não escravos da auto- em 1919, e hoje é alto funcionário do numa palestra no Ponto Chic, onde há
uma contradição: Quando todos gostam Ilhado nesta realidade particular, o dese-
comover a todos. Espero não estar detur- mação. Brecha de lirismo por onde não se Banco do Brasil. Desenha desde a infân- algum tempo atrás se reuniam pintores,
da mesma coisa, algo está errado. E tudo
pando o pensamento do Dr. Aluísio Cam- perderia, esvaziado em catarse o nosso cia, mas foi só nos últimos quinze anos nhista vai vivendo seu mundo de fábula escritores, intelectuais, artistas e toda a
tem de ser repensado…
pos da Paz, autor da réplica, mas esse foi poder de decisão. Deste modo, além da que a arte se tornou para ele, verdadeira alheio à rotina circundante de Florianó- fauna semelhante. Travamos algum tem-
precisamente o argumento psicologista persistência do “nosso”, daquilo que nos obsessão. É um autodidata consciente polis. Trabalhando sempre em preto e po. Meyer, de vez em quando, me levava
da estética burguesa de Shaftsbury e de distingue, seja como for, da moda asse- que explora a realidade fantástica sem branco e algumas raras vezes empregando para uma cervejinha, na Associação do
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Banco do Brasil, de cujo estabelecimento referência, não aos de sua fase surrealis- outro artista que se lhe assemelhe. E Três são as temáticas-clichês nos dese- o poético, o humor. Há também os que o entrelaçamento do bem e do mal em
é já há uns anos funcionário e, parece, ta, da qual sinceramente, não consegui quis, no fim do nosso encontro, deixar- nhos de Meyer Filho: 1) o folclore, insis- se esmeram na busca das vertentes in- um fabulário misterioso, a crença nos
frio funcionário, no sentido apenas de ainda gostar. Seus galos, igualmente, não -lhe bem claro sua consagração como tindo mais no Bumba-meu-boi; 2) certa fluenciadoras: os pintores holandeses do deuses de épocas imemoriais, a paixão
que sua atividade só se justifica porque me despertaram ainda um vivo interesse, artista advirá de buscar aperfeiçoar-se maneira surrealista; e 3) um grafismo século XVII, as miniaturas, uma temática pelo desconhecido, o gosto obsessivo
Meyer tem uma família e, por isso, precisa porque não vejo que na retratação pura de nas suas paisagens em cores ou em disponível a serviço da linha, da textura à Chagall. pela síntese.
do emprego. Mas se ele pudesse escolher, bichos, só, um artista possa atingir a sua preto e branco, esboçadas a traços, que e do arabesco.
Muitos são os detalhes, quase sempre Trata-se de um artista sem rótulos.
seria só pintor, se devotaria unicamente maior plenitude. Não entendo, ademais, são singelas, ingênuas, cândidas, como Em qualquer desses setores de invenção discutíveis. Que importa saber, por exem- O galo que o popularizou é apenas mera
aos seus desenhos. Nada mais faria neste uma arte que se bitole a um único estilo, se fossem feitas, concebidas e sentidas e composição, Meyer Filho demonstra, plo, se a ingenuidade é ou não conscien- referência. Referência de um desenho
mundo, estou certo. Mas lá no Banco ele à exploração de um só tema ou uma só por um menino. Depois tomou forma, em além de perícia manual, de gosto autên- te, sendo ingenuidade? As afirmações, rico de sugestões, cuja única regra é a
tem grandes amigos e sente-se feliz. Sua escola. Arte, para mim, é plural, múltipla, mim, a noção de que é através da pintu- tico e sensibilidade aguda, algo de maior afinal são perigosíssimas. Não vejo como liberdade formal intimamente controla-
vocação é a sua arte, à qual se dedica, cheia de mil possibilidades, com pers- ra que Meyer consegue o milagre de ser importância, que é uma personalidade localizar as influências europeias e orien- da por uma experiência que obteve, do
nas horas livres. pectivas amplas e não estreitas. Julguei um menino. O “Fundo de Quintal” é, sem marcada, sui generis, que se distancia tais. O próprio Meyer Filho demonstra, mundo a cercá-lo, o reconhecimento da
que Meyer brincava de ser artista ou que dúvida, sua principal obra. Para dizer do desenho figurativo dos demais artistas frequentemente seu interesse pela arte função sempre mais crescente entre o
Vou contar agora uma passagem. Não
tentasse a arte como um esporte. Esta tudo sobre ela, confesso, com a maior em voga assim como “swing” e o “bop” dos povos aborígenes. Esta informação, homem e a natureza.
tinha eu ainda travado com o Meyer,
impressão me ficou daquela sua exposição honestidade, que, se minha fosse, dela se distanciam do “blue” e do “ragtime”. sem dúvida, é correta: o artista, com
nem nunca fora informado que era ar-
numa sala térrea do prédio do IAPC, há não abriria mão por nada, por dinheiro Isto é, acordes tonais consignados pelos todo seu potencial imaginativo, foi se in-
tista, quando, um belo dia, passando por OS TARTARINS DE MEYER FILHO
já uns bons anos atrás. algum. O tempo mostrará que tenho pigmentos quentes e suaves, pelos rit- sinuar, não raras vezes pelo clima belo e
perto do edifício da IAPC, dei com uma João de Santa Anna, A Gazeta
razões neste otimismo. mos de batida alta e baixa, enfim, por simples dos índios Hopi, do Novo México,
exposição dele. Entrei. Olhei com alguma Do nosso encontro resultou que nos de- (Florianópolis), 4 mar. 1970
Do Meyer recebi de presente um dos seus uma especial maneira de dispor a sua que com as representações esquemáticas
demora seus quadros. Ao sair, lembro-me liberamos a ir à casa. Meyer mora numa
mais valiosos trabalhos, que é bem uma capacidade virtuosística segundo uma e estilizadas do corvo americano deram Cavalheiros, o meu bom dia:
que me olhou, meio interessado em co- das mais bonitas ruas da cidade, numa
palpável revelação de valor. cadência nova, pioneirística. formas verdadeiramente admiráveis ao
nhecer minha reação. Não havia gostado das mais aprazíveis ruas desta ilha, onde Num desses dias delirantes em que vive-
animal totêmico.
de seus quadros. Achava-os até horríveis. o panorama é colorido e alegre. A entrada mos, fui acordado em sobressalto. Meu
Nada lhe comuniquei. E de propósito evi- de sua casa, à esquerda, estoquei. Ali es- ERNESTO MEYER FILHO O UNIVERSO PLÁSTICO Os seus “galos”, também, apresentam a despertador foi o galo do vizinho. Tem
tei trocar qualquer palavra com ele, pois tava o primeiro indício de que meus juí- DE MEYER FILHO variedade de concepções, constituindo-se uma voz estridente, terrível. Há um mês
José Geraldo Vieira, Folha de S. Paulo, 1963
se tivesse perguntando minha opinião, zos sobre o artista eram improcedentes. Péricles Luiz de M. Prade, o que de melhor se faz no Brasil ultrapas- que venho acordando em sobressalto, e
lhe teria sido franco. E evito ser franco O quadro que se me deparava era lindo. A Casa do Artista Plástico apresenta Jornal O Universitário (Blumenau), 1968 sando Aldemir Martins, inclusive, com as a cada dia sou vítima de novo martírio. O
quando minha franqueza é ferina e mor- Lindo! Logo a seguir, um outro, na sala, grande quantidade de desenhos e algu- suas aves multicores. galo trepa no muro e com o peito erguido
[Publicado posteriormente como MEYER
tal. Mas quando sou solicitado a revelar a meu ver, reabilitou o artista em meu mas aquarelas de Ernesto Meyer Filho, desafia o sol, desafia o mundo e, além
FILHO: UM ARTISTA SEM RÓTULOS, O Estado, Sem querer tomar uma posição crítica
minha opinião, revelo-a cruamente, doa conceito. Reabilitava-o integralmente. Era artista residente em Santa Catarina. Tra- disso, esmurra-me os tímpanos.
Florianópolis, 1972.] conciliadora eclética e abrangente, pois
a quem doer. Prefiro não enganar, prin- uma paisagem delicada de Coqueiros. Pe- tam-se de dois conjuntos homologados
para muitos é maneira mais fácil de ver as Mas falei em galo. Acode-me logo a
cipalmente quando se trata de arte. Ma- di-lhe que me mostrasse seu “Fundo de como valor, porém diversos como temáti-
Toda cultura é limitada. A VIVÊNCIA da coisas, a verdade é que o universo plásti- lembrança do pintor Meyer Filho. Entre
nifesto claramente minhas preferências, Quintal” (o de n.2, porque há o de n.1) so- ca e processo.
individualidade, quer tenha por fulcro a co de Meyer Filho não pode, em hipótese parênteses: para os que não cuidam de
sejam pró ou contra. Mais tarde, antes bre o qual se fazia tanto elogio. Meyer foi Nas aquarelas, Meyer Filho aplica com íntima experiência, quer se vincule ao alguma, ser compreendido como fruto arte, quero esclarecer que Meyer Filho
de tornar-me amigo de Meyer Filho, ouvi ao interior de uma peça da casa, de lá veio excelente resultado cores quentes à terra, complexo dos conhecimentos adquiridos exclusivo dessa ou daquela corrente ou conseguiu generosos aplausos quando de
falar a seu respeito. E em geral se falava sobraçando um pacote. Abriu-o e, minutos junto com certos cambiantes suaves do por estudos intensos, ou mesmo seja expressão pictórica, sugerida por quase uma sua passada exposição em São Paulo.
mal dele, não lhe davam crédito, muitos após, tinha sob os olhos o original que impressionismo naturalista de Rousseau resultante da soma desses elementos todos os que convivem, esteticamente, E São Paulo não é o arraial do pendura a
até, ainda hoje, o consideram cabotino. mais fundamente me tocou à sensibilida- Le Douanier. Paisagem de litoral, onde céu formadores, não tem o mágico condão de com seus desenhos. A paisagem íntima e saia. Para Florianópolis isso é o que há
Ele é, sabe disso, tem consciência disso. de. Obra de excepcional conteúdo artís- e mar se contrastam com fachadas impe- abranger a plenitude da atmosfera cria- exteriorizada de Meyer Filho é complexa, de melhor. É promoção. O próprio Estado
Mas é um cabotino original. É um cabo- tico e poético. Outro trabalho da mesma riais e muros de bairros. Efeitos singelos, dora sugerida pela obra de arte. A simpli- infinitamente complexa. A um tempo per- deveria patrocinar essas exposições. Só
tino consciente de seu chão, sabe onde coleção me foi mostrado e novo espanto porém sinceros, com timbre e impostação cidade da conclusão aflora: Meyer Filho passa o fio condutor da poesia, conjugado por isso Meyer Filho já fez mais por nossa
pisa. É um cabotino lírico, simples e bom. me deslumbrou. Horas mais tarde saí de no gênero primitivo. Volpi, por exemplo. sempre foi examinado, através dos seus ao contexto de um surreal fantástico, que terra do que muito medalhão de papo es-
Diria mais: É um cabotino poeta. Assim sua casa convencido que Meyer Filho é Em geral, processo plástico. desenhos, com uma visão unilateral fruto se apresenta, ora em um figurativismo de tufado que só é herói, que só é gênio, que
seu cabotinismo não desagrada, não irri- outro artista catarinense que, dentro em da idiossincrasia dos observadores. contagiante beleza, ora em um mitologis- só é o tal até os limites da Ponte Hercílio
Já nos desenhos, porém, se apresenta
ta, não aborrece. É um cabotino a quem pouco, se projetará na pintura brasileira, mo criador (não apreendido), tudo resul- Luz. A esses tais, o meu amigo Olegário
outra face da capacidade extraordinária Uns críticos se entusiasmaram com a
se pode dedicar um pouco de simpatia e, se, principalmente, repudiar sua teoria e tante de uma imaginação poderosíssima, costuma chamar de Pavões de galinheiro.
dum artista que por certo não demorará segurança (domínio técnico), a fantasia,
no fim das contas, com quem se tem pra- sua linha surrealista e abandonar-se, por solta, livre e dinâmica. Chama, e ainda ri cinicamente.
a vir para a primeira linha da geração a ingenuidade consciente, a narração
zer em privar porque principalmente é inteiro, ao desenho paisagístico.
atual – a de teor gráfico. Pois se nas aqua- de um mundo minucioso, analítico e de- Assim, situar Meyer Filho em comparti- Mas convém dizer que o bom Meyer Filho
um cabotino inteligente.
Dizem que Meyer é um seguidor do estilo relas já admiramos a vocação espontânea corativo; outros apontaram o primitivis- mentos, viseiras e recipientes estéticos, pintando é uma coisa, e falando é outra.
Sábado passado, encontrei-me com Meyer de Rousseau, do Henri Julien. Mas, não. do artista de Florianópolis mormente mo, a limpeza de expressão, a invenção é retirar-lhe o que é mais sagrado: a Há muito tempo, desde os dias que os
Filho. Há algum tempo acertamos que Flávio de Aquino já lhe disse que não há sua figura pós-impressionista na paisa- o virtuosismo, a exploração da realidade dimensão de um cosmos por vezes in- cães lambiam os furúnculos de Lázaro,
qualquer dia visita-lo-ia em sua casa para nada de Rousseau em seus desenhos. E gem, é no desenho que se entremostra, fantástica, o grafismo, certa maneira definido, a manipulação nervosa e habi- que ele vem julgando que eu sou surdo. O
ver alguns de seus desenhos, sobre al- eu, de minha vez, digo que o estilo dele vislumbram e se afirmam as suas melho- surrealista, o exercício originando-se líssima do traço, o sopro de uma ironia que é um equívoco, um lamentável equí-
guns dos quais me haviam feito muito boa é de sua criação exclusiva. Não sei de res perspectiva. no instinto, o irreal e o real, a fábula, trespassante, o íntimo prazer de humor, voco. Ele me soqueia, ele me agride os
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ouvidos sem o mínimo dó, sem a menor aliás, um homem de poucas palavras. coisa, e falando é outra. Ele não fala, ele É isso, é isso. Foi picada pela tsé-tsé. Felizmente, foi desfeito o meu lamentável um monte de Tartarins, ôôôô!”. Mal empre-
piedade. É como o galo do muro. Além grita. Estridentemente. E se repete como equívoco. O que o outro quis dizer é que o gado o empréstimo que fiz do livro.
Como todos sabem, desde a verde infân- Naquela época emprestei para o homem
disso, me repete três, cinco, vinte vezes o uma metralhadora, ou por outra, como uma bom Meyer estava vendendo os seus qua-
cia que escutamos nomes que são tabus. da amnésia o livro de Alfonse Daudet inti- O que é bom ele esquece. Mas chego nele.
mesmo episódio. Mas é uma grande alma. araponga. Comumente sou a sua vítima, e dros na base dos mil cruzeiros novos. Sus-
Fulano é o máximo nisso, Sicrano é genial tulado “Tartarin de Tarascon”. Nessa oca- Chego nele.
E é uma grande garganta. ele é o meu algoz. Depois que leu o livro, pirei de alívio.
naquilo, e tais notáveis, e tais luzes sagra- sião o bom Meyer, que já andava na com-
passou a me repetir: “Conheço aqui uma
Um dia eu lhe emprestei uma extraordiná- das – que sempre formaram uma igrejinha panhia da nona garrafa de cerveja,
porção de Tartarins, ô ô!” Isso oito, dez, O TUBARÃO DE JONAS, O PROFETA
ria obra, “Tartarin de Tarascon”, de A. Dau- – carregam diariamente a sua grandeza da fez a promessa que na boca de todo artista XXX
vinte vezes por dia, e em qualquer lugar. João de Santa Anna, A Gazeta
det. Que notável é esse Daudet! O perso- esquina do antigo Chiquinho até o Café assume a dimensão de um juramento: “Um
Nas calçadas, nas ruas, nos batizados. No (Florianópolis), s.d.
nagem é uma caricatura magnífica e, não que lhe fica defronte. A maioria, inacessí- galo é teu, um galo é teu”. Disso foi teste-
ônibus. E até nos velórios. Em certo velório Aliás, sob esse aspecto, um indivíduo há
sendo cômico, é, contudo, profundamente vel. Até humilham, até humilham. Depois, munha a garrafa, o Donga, e Deus. Cavalheiros, o meu bom dia:
o Meyer já por quinze vezes havia me repe- dias virou-se para o Meyer no interior do
hilariante para quem o lê. É o mentiroso qual não é o nosso espanto quando desco- Já não ligo para garrafa e para o Donga.
tido a mesma coisa. Sou de uma paciência antigo Bar do Donga e acusou-o de vender Eu andava por aí, já nem sei por onde
honesto, é o sonhador guerreiro, vivendo brimos que a sua glória jamais ultrapas- Mas o testemunho do Ser Supremo é
infinita. Quando já ia repetindo uma dé- muito caro os seus quadros. E disse: “O
entre provincianos tão pacatos quanto sou a Ponte Hercílio Luz, jamais atingiu andava, quando alguém me estende a voz:
cima sexta vez, eu por mim ainda aceitei, coisa seríssima. verdadeiro artista não deve dar valor ao
crédulos, gente heroica e imaginativa, sem o continente. Cruz e Sousa, o negro tu- — Ei, demônho! Há quanto tempo!
apelando para as reservas. Mas o defunto, Pensando melhor, esse juramento foi feito dinheiro. A História nos aponta uma série
ausentar-se, entretanto, do quotidiano. berculoso, é conhecido no Brasil como o Virei-me. Era um velho conhecido. Esse
este não aceitou. Levantou a cabeça e, num antes do empréstimo do livro, bem antes. de artistas famintos”. Se o Meyer não fos-
Cidade que pede, que exige um Tartarin, grande catarinense. Nos meus dezesseis conhecido, aliás, tem a particularidade de
espasmo, soluçou: “por favor, bom homem. Para ser mais exato, foi ainda anterior a se, secundariamente, funcionário do Banco
e somente onde um Tartarin impera. anos, quando fui ao Rio, toquei com justo exclamar, a respeito de tudo, a expressão
Deixe-me em paz, com a minha morte”. E sua exitosa exposição de pintura em São do Brasil, o gajo gostaria de vê-lo morren-
orgulho no nome de um nosso semideus “ôô, demônho!”. Vive com a boca cheia de-
Meyer Filho leu. E daí para a frente, a mi- entregou-se novamente à Parca, para usar Paulo. Lá o homem saiu nos jornais, con- do de fome. Digo “secundariamente” com
tradicional. Para minha perplexidade, les. Até hoje eu não entendo porque pro-
nha existência ficou arruinada. Onde quer de uma linguagem arcadiana. cedeu entrevistas à TV, saiu no Gibi, e o respeito ao banco porque estou falando do
ninguém o conhecia. Julguei aquilo impos- nuncia “demônho” ao invés de “demônio”.
que me encontre, o bom homem repete chamaram de “Picasso” brasileiro. Só não Meyer-pintor e não do Meyer-bancário. O
sível, na minha inocência. Comecei então O curioso é que, depois de tanta repeti-
com a mesma ênfase de uma primeira vez: concordei com isso. Picasso é Picasso; que o indivíduo queria, mesmo, era con- Correu para mim com os braços esten-
a perceber como o meu mundo era peque- ção, o Mayer conseguiu esse fenômeno:
“Conheço por aqui um bocado de Tarta- Meyer Filho. Sem querer comparar. Um templar o bom Meyer magrinho, faminto, didos. Acontece que, no meio da corrida,
no. Cruz e Sousa, o negro tuberculoso, to- eu próprio comecei a ver Tartarins por
rins, ô ô!” Assim é no cinema, assim é no dia chamaram Gigli de “novo” Caruso. O roendo pão seco nas escadarias da Cate- deu uma topada no tijolo. Voltou atrás e,
dos conheciam; já o semideus referido era toda parte. Bandos, alcateias, legiões
jogo de futebol. É na praia, é no clube, as- célebre tenor ergueu a fronte tomado de dral, e com a roupa mais esfarrapada do sem piedade, desferiu no tijolo o maior
mais ignorado do que bilheteiro de circo de de Tartarins. Nas esquinas, nas repar-
sim como também nos casamentos e nos brios. E respondeu: “É engano. Admiro o que a túnica de Diógenes. O Meyer deu
beira de estrada. tições, nos cafés. Nos dias alucinantes chute do século. Em seguida, esfregando
batizados. Até nos velórios, quando me dois tapinhas nas costas do fulano e alçou
em que vivemos, os meus delírios fazem gênio de Caruso, mas pretendo ser apenas no chão o dolorido pé, exclamou — ôô,
encontra, diz a mesma coisa. E no ônibus, A essas ilustres estampas, a essas lumino- a estridente voz: “Bitu-bitu-bitu-biriba. És
com que eu esbarre a todo instante em um bom Gigli”. E como foi. demônho!
e nas ruas. Sem o saber, e com a melhor sas aparências o Olegário chama de pavões um grande malvado, nossa amizade”. E o
montanhas de Tartarins. E devo isso ao Abraçamo-nos, e só faltou chorarmos um
das intenções, ele vem me assassinando de galinheiro. Porque têm pose, barbarida- outro, o tal malvado, ficou filosofando so-
Meyer Filho. XXX no ombro do outro. O curioso é que, ape-
em dose homeopática. de. Uma grande pose que vai da Praça XV zinho sobre o artista antigo e sobre a fome
até a Ponte Hercílio Luz. milenar do artista antigo. sar de toda a cena comovente, nem eu
Ainda quinta-feira passada, quando eu E afinal concluo que, para sairmos da
De arte eu nem entendo. Se me falarem em lhe tenho tanto afeto e nem ele a mim.
apreciava uma excelente cerveja no an- província, tem que haver uma explosão
quadros de Rubens, eu sou até capaz de Nem somos sequer grandes amigos. Mas
tigo bar do Donga, o Meyer Filho me XXX cultural e artística. Com agressividade, XXX
julgar que o nosso caro Dr. Rubens Cunha sempre que nos encontramos é a mesma
encontrou. Aguardei a cacetada, e ele no bom sentido empregado pelo professor
Celestino Sachet. passou a pintar quadros. coisa, o mesmo abraço, o mesmo dengo,
não me fez esperar muito: “Conheço em Mas quero falar de Meyer Filho. Pergun- Mas volto ao meu quadro. Quero dizer, ao
o mesmo choro. E depois disso separamo-
Florianópolis uma porção de Tartarins, ô taram-me, um dia, o que é que eu achava Mas já na memória não sou tão ruim e quadro que o homem da amnésia prometeu
Verbas para a difusão de nossa arte, opor- -nos, simplesmente, cada qual para o seu
ô!” Minhas lágrimas rolaram abundantes. dos seus quadros. Minha resposta foi breve: costumo acossar os meus devedores, assim e que ainda não deu. Vou levá-lo, nem que
tunidades para se mostrarem os artesãos. lado, sem qualquer assunto a tratar. Inte-
Insensível ao meu pranto, ele ainda repe- “Pouco ou nada entendo de pintura”. Acres- como sou acossado pelos meus credores. para isso tenha que apelar para a violência
ressante, isso. Muito interessante.
tiu três, cinco, dez vezes a mesma frase. centei, entretanto, que em São Paulo, entre Acabar com as igrejinhas é fugir do Sim, eu não perdoo os meus devedores – física. Alguém poderá pensar que estou
E cada nova chicotada tinha, para ele, a gente que entende, Meyer Filho recebeu provincianismo. Não podemos concordar apesar do Padre Nosso. fazendo promoção do homem. Pois pense
novidade de uma primeira vez. montanhas de elogios. Da crítica especiali- por mais tempo com os Tartarins como quiser. O que reclamo é um de seus XXX
Acompanho com vivo interesse a ascensão
zada. O que é ótimo, o que é ótimo. É pro- do Meyer Filho. galos triunfais.
do homem da amnésia nos nossos meios
AINDA OS TARTARINS DE MEYER FILHO moção para nossa terra. Só com isso ele já Desta vez, porém, foi diferente. Ele tinha um
artísticos. Um dia um intrigante achegou-se E, no entanto, só o que faz o Meyer, quan-
fez muito mais do que muito pavão de gali- TARDA O QUADRO DO MEYER FILHO
João de Santa Anna, A Gazeta e, baixando a voz, inteirou-me: “O Meyer do me encontra, é repetir: “Conheço em assunto. Enquanto caminhávamos, com o
nheiro. O Olegário é que diz que entre nós
(Florianópolis), 7 mar. 1970 João de Santa Anna, A Gazeta está fazendo a nota”. Como eu acabara de Florianópolis uma porção de Tartarins, braço cingindo os ombros do outro, ele me
há uma igrejinha de pavões de galinheiro.
(Florianópolis), 17 set. 1970 ler, momentos antes, uma notícia de jornal ôôô!” Apenas o que me deu, até hoje, foi perguntou: — Soubeste do tubarão? Respon-
Cavalheiros, o meu bom dia: Claro que, particularmente, eu faço algu-
dando conta de que a polícia havia desba- essa exasperante repetição. E ninguém, no di-lhe que eu não soube do tubarão. E ele:
mas ressalvas. Mas repito que quero falar é Cavalheiros, o meu bom dia:
O Olegário é de uma crueza sem igual. ratado uma quadrilha de falsários, indaguei mundo, sabe como ele repetir tantas vezes — Foi capturado, ontem, na ilha do Arvoredo.
do bom Meyer Filho e de seus Tartarins.
É daqueles que diz o que pensa, e com Já são decorridos oito anos, não, sete – tornado de justo espanto: “E a polícia? E a a mesma coisa. Em qualquer lugar, seja no Eu o vi, na praia. Pesava duas toneladas.
as primeiras palavras do vernáculo que Um dia eu emprestei a obra “Tartarin de talvez oito, mesmo – que a memória do polícia?” foi a vez do intrigante se espantar: campo de futebol, seja no ônibus, nos ba-
Parei, perplexo. —Duas toneladas?
os ocorrem no momento. Refiro-me ao Tarascon”, do excelente A. Daudet, para o bom Meyer Filho anda torpedeada. Foi “que é que tenha polícia?” E eu: “a polícia tizados, nos velórios. Numa voz estridente
Olegário Cavalão, um amigo meu. Que é, Meyer Filho. Meyer Filho pintando é uma picada pela tsé-tsé. já meteu as mãos nele?” que dá medo: “Conheço em Florianópolis — Sim, duas toneladas.
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Foi adiante: — E tiraram, de sua barriga, — Não tiraram nenhum galo? e a de outros críticos brasileiros, que nele de exposições no Brasil todo e alguns profunda e adormecida dos homens. nópolis. Autodidata, começou a desenhar
duas toninhas enormes. também viram um dos melhores desenhis- convites do exterior. bastante tarde, lá por 1957. Uma cultura ar-
— O galo fica por tua conta, nossa amizade. Outra coordenada da pintura meyeriana: o
tas brasileiros do real que se fundamenta tística, que apurou no convívio de leitura as
— Duas toninhas? Então era mesmo tubarão Assim, a permanência fiel à vocação, tor- mergulho no sub-insconsciente coletivo e
no irreal. Pois, para Meyer Filho, o real e o correntes e atualizadas, nada pode contra a
colossal! na-se a primeira e grande coordenada de histórico das criaturas.
XXX irreal confundem-se em seus sonhos. Além sua visão poética inteiramente naive, a sua
Mayer Filho, coordenada esta imprescin-
— Colossal, só? muito mais do que isso. dos galos, heroicos, orgulhosos e decora- sensibilidade original (primordial), a since-
dível para a elaboração de qualquer outra IV
Era um demônho! tivos, Meyer Filho lança nesta mostra uma ridade e a simplicidade de expressão. Já a
Depois de tudo fiquei cismado no Profeta obra no campo estético. E quando é real,
série de paisagens extraídas da natureza, forma não é tão simples assim: a pintura,
Afastou-se três passos, a fim de que me- Jonas. O tal que viveu por uns tempos na como no presente caso, nada pode des- Uma preocupação com a paisagem ime-
mas de uma natureza arrumada e recriada decorativa no melhor dos sentidos, é feita
lhor pudesse abrir os braços, e exclamou: barriga de um peixe. Bem que o comedor truí-la nem silenciá-la. diata, circundante, pode ser considerada
por ele, segundo suas próprias regras. Um de brilho intenso de cor chapada de apuro
— Era deste tamanho. Um demônho! Um poderia ter sido um tubarão, e não uma outro fundamento significativo para análi-
fundo de quintal existente é transposto estrito de forma cloison-née, de obsessiva
verdadeiro demônho! II se da obra deste artista, que se leva entre
baleia; na minha fantasia, lá estava o ex- para uma floresta também existente, mas enumeração de elementos, arranjados de
as mais importantes no cenário nacional.
celente profeta caminhando impaciente de localizada na natureza em local inteira- modo diabolicamente variado, mas dosados
Despedimo-nos em seguida, em novo abra- Os fundos de jardim, a maravilhosa meta-
um lado para o outro dentro do estômago Regido por uma visão mágica e uma fanta-
ço comovente. Quase choramos na despedi- mente diverso. Com isso ele elimina certos no equilíbrio impecável. O olho minucioso e
sia cujas raízes desembocam em arquéti- morfose de luz e silêncio em que transfor-
da. Gozado, isso. Muito gozado. do animal, os braços cruzados às costas. elementos que não interessam à sua visão analítico balança com a vontade de síntese
pos fantásticos e míticos da humanidade. ma as antigas casas açorianas do interior
E viajou, viajou. Sempre de carona dentro criadora e introduz outros (reais, mas não que revela grande sofisticação.
A ave, símbolo da força e do domínio dos da Ilha de Florianópolis, o domínio de um
do peixão. Imaginei uma série de episódios existentes no mesmo local), que enrique-
XXX ares, a tendência para a conquista de no- desenho essencialmente pessoal aplicado Da temática não precisamos falar. As repro-
e de peripécias. cem e completam os primeiros. Nascem
vas paisagens, novos tempos. A ave cósmi- às vegetações e às paisagens, que através duções dão um exemplo: é um luxo contí-
florestas fabulosas, coloridas de pura ima-
Foi quando entrou no bar um crioulo. Fala- ca, convivendo com as flores, as árvores, de sua sensibilidade sofrem uma meta- nuo de sóis repetidos (ocorrência típica da
A grande notícia do dia era o tubarão. ginação, sobre as quais os arcaicos pássa-
ram-lhe do tubarão. E das oito toninhas, e os rochedos do mar atlântico sul. morfose cromática informal de alta linha- pintura ingênua), de galos que não acabam
Cheguei no Bar do Donga e já o Carlito ros metálicos voam calmamente. E tudo se
das tartarugas, e dos leões-marinhos, e das gem artística. mais, de plantas e flores, bichos de toda a
atropelou os demais, que possivelmente torna coerente, converte-se numa visão A ave e seu canto decomposto em cores
focas. Acrescentei, no meu delírio, ainda o sorte, reais ou inventados, quintais onde
também queriam dar a notícia e foi dizen- total perfeita, que só os artistas bem dota- puras, primárias em formas definidas, Meyer Filho é o diário lírico-plástico de
Profeta Jonas. O crioulo arregalou os olhos. vegetações e animálias heráldicas se con-
do: — Soubeste do tubarão? Pegaram na ilha dos e já com inteiro domínio de seus meios simplificadas. uma vida inteira. Instaurou o reino mágico
— Quem? Caí em mim. — Ninguém. Esqueça frontam num desperdício bizantino, pás-
do Arvoredo. Pesava uma tonelada e meia. conseguem realizar. da imaginação e constrói um imenso acer-
o que eu disse. A ave num vocabulário pictórico-simbólico saros que voam e conversam, imprevistas
vo de beleza.
— Uma e meia? Eu soube que eram duas. Concretização de sonhos obstinados e ao elaborado num espaço e num tempo onde cenas do mar. Isto tudo sem perspectiva ou
E fui embora.
mesmo tempo transposição desses sonhos o presente desemboca no passado, num atmosfera, congelando momentos da reali-
— Não, não. Uma e meia. Eu estive lá, e vi.
para realidades existentes; e novamente convívio e uma significação de possíveis dade (ou da surrealidade) numa consistên-
E tinha, na barriga, três toninhas muito DUAS OPINIÕES
O REAL E O IRREAL EM MEYER FILHO recriação de sonhos e realidades, gerando interpretações múltiplas. cia atemporal. A pintura de Meyer Filho é
grandes. O clima fantástico da Ilha de Santa Catari-
Flávio de Aquino, texto para catálogo da uma síntese perfeita dentro de uma visão uma alegria contínua.
O tempo e sua estrutura fugidia, outra na, encoberto embora pela modernização
Ficamos batendo papo, falando sobre a exposição na Galeria Marte 21, no Rio de lírica surrealista e realista, eis a definição
coordenada na obra de Meyer Filho, que da cidade, não é invenção de turistas ro- Se entre os critérios para se julgar uma
fauna marinha. Alguém já aproveitou o Janeiro, 1974 da arte deste catarinense de 54 anos, cuja
o artista procura captar e fixar numa ve- mânticos nem de navios jactanciosos. Em boa obra de arte tiver, como julgo que este-
embalo e disse que um o seu tio certa vez vida enclausurada de bancário não lhe fez
Há 14 anos, quando conheci os desenhos locidade determinada pelo sentir profundo Florianópolis, capital muito tempo mantida ja, o interesse que desperta, o seu poder de
capturou um bagre de noventa quilos. Fui perder os dons criativos que sempre teve.
de Ernesto Meyer Filho, fiquei fascinado das origens localizadas além da fronteira fora da curva do fluxo econômico, lugar apresentar-se sempre nova, sem desgaste
ouvindo.
pela rara vibração de seu colorido e pela temporal. que cultiva subterraneamente os seus do estímulo que exerce no sentido da for-
Depois, o pessoal saiu. Eu também me sua imaginação fantástica: misto de pri- ERNESTO MEYER FILHO: malização interior do maior número de es-
duendes, tudo pode acontecer. Numa cur-
dispunha a tanto, quando entrou o pintor mitivismo, mitologia e futurologia. Seus REGISTRO DE UMA VISÃO MÁGICA III pectadores, da legibilidade direta e franca,
va de estrada periférica, no braço de mar
Meyer Filho. E mal chegara, já me foi di- galos, seus estranhos pássaros arcaicos, Lindof Bell, Jornal de Santa Catarina, salpicado de pedras, num desvio de grande então a pintura de Mayer Filho, desprezada
zendo: — Soubeste do tubarão? parentes dos remotos animais do Pleis- (Florianópolis), 4 maio 1975 Meyer Filho mergulha ainda na incons- a questão de ser ou não ingênua, é das me-
morro, numa esquina da cidade, debaixo da
tocênico, isso misturado a um sensível ciência do homem, na sua primeira convi- lhores que se têm visto no Brasil. Afinal ele
figueira da praça numa noite de carnaval.
— Sim, soube. Pesava uma tonelada e meia. Mesmo sob a pressão de um emprego bu- vência com os animais do paraíso (ou do
senso da composição na qual os brancos Esse fantástico é o clima da casa do pesca- deve pensar numa Liliane Lijn, uma artista
rocrático até a aposentadoria por tempo de inferno?), cujas formas híbridas localizam-
— Nada disso, ôôôô. Qual nada, nossa ami- funcionavam como cor, tudo o que o ar- dor, o alimento da imaginação dos meninos que, no entanto, se expressa mediante os
serviço, Ernesto Meyer Filho permaneceu -se numa memória mais antiga que a his-
zade. Pesava, bem contadinho, duas tone- tista reunia fez-nos prever que estáva- e das rendeiras de rosto enrugado pelo meios da tecnologia: “To make people ha-
fiel à sua vontade interior, à sua vocação tória, num tempo onde o universo estava
ladas e meia. Um tubarão anequim, desse mos diante de uma das mais reveladoras vento, de falar rápido, cantado e sibilan- ppy, that is what art is for”.
de artista plástico e à sua necessidade de no tempo de ensaios, e o homem fazia
tamanho. Quem me garantiu foi um senhor promessas do realismo fantástico, uma te; ele vive, como resíduo, alternando-se
participar do universo, acrescento-lhe uma João Evangelista de Andrade Filho (in Re-
muito distinto que presenciou o bichão. parte dos projetos globais da natureza. Daí com a sensibilidade irônica e zombeteira,
espécie de surrealismo em que a fantasia vista Cultura, jul/set. 1974)
perspectiva nova. A perspectiva de seus uma série de trabalhos, onde surgem se-
se abre inteiramente, mas sem o impacto no comportamento supersticioso de toda
Nessa altura eu já não sabia o que pensar. desenhos, seus quadros, a busca do triunfo res de formas humanas e animais, numa
freudiano da libido e deixando que o so- a gente. Esse clima, escarninho e crédulo *
Continuou o bom pintor: da beleza sobre o cotidiano castrador. estranha e aparente, mitologia individual.
nho se mescle à realidade. ao mesmo tempo, flui para o trabalho dos
— E ainda tem mais, nossa amizade. Pelo Paralelamente às suas funções de empre- Mas as formas humanas e animais, devol- artistas da terra. Ernesto Meyer Filho, o “Nas aquarelas, Meyer Filho aplica com ex-
que me disseram, tiraram de sua barriga Agora, nesta exposição, Meyer Filho, intei- gado público, durante anos, ficou inven- vem-nos a inúmeras artes da antiguidade, terceiro deles em ordem cronológica, o celentes cores quentes à terra, junto com
cinco toninhas enormes e dois filhotes de ramente entregue à sua tarefa de artista, tando e guardando projetos, a maioria em e assíria, a egípcia, a babilônica, cuja sim- demonstra plenamente. Nasceu em Itajaí, certos cambiantes suaves do impressionismo
leão marinho. realiza com brilhantismo nossas previsões execução definitiva agora, para uma série bologia tantas vezes expressa a natureza mas vive desde os quatro anos em Floria- naturalista de Rousseau Le Douanier. Paisa-
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gens do litoral, onde o céu e mar se encon- própria explosiva de cores, poética sem- sendo ingenuidade? As afirmações, afinal, na Europa, onde passei dias e dias metida os mitos como as divagações dos discur- o seu valor dimensional. Talvez aí esteja
tram em efeitos tonais de equilíbrio. É nas pre. Seus galos, elevados à infinita pos- são perigosíssimas. Não há como locali- dentro dos mais importantes centros de sos liberados das regras de verossimi- representado o sentido do lar, nessa ave
paisagens de mediações domésticas, onde sibilidade da cor e da forma, não encon- zar as influências europeias e orientais. O arte, como os museus. Além de tudo isso, lhança. E não se deve esquecer que todos doméstica tão conhecida, tão máscula,
fundos de quintais e pomares contrastam tram paralelos no desenho brasileiro. A próprio Meyer Filho demonstra, frequen- era tradutora de O Mundo dos Museus, a os mitos do mundo inteiro se parecem, tão expressiva em nossos terreiros da
com fachadas imperiais e muros de bairros. constância dos temas não impede a cons- temente, seu interesse pela arte dos povos melhor e mais bem feita revista de arte da e, no fundo, testemunham com rigor. É infância, quando ainda a tecnologia não
Efeito singelos, porém sinceros, com timbre tante reinvenção. Atestado de um domínio aborígenes. Esta informação, sem dúvida é Europa. Como jornalista profissional, en- mais legítimo supor que eles obedecem a havia invadido a vida das populações de
e empostação no gênero primitivo. Volpi, por de seus instrumentos de trabalho, nunca correta: o artista, com todo seu potencial trevistei e convivi com grandes pintores, regras próprias, muito mais gerais que os nossas cidades. Os galos, em Meyer, são
exemplo. Em geral, processo plástico. sujeitos a modismos ou escolismos. Há imaginativo, foi se insinuar, e não raras as com o delírio de conhecer, pesquisar e contextos diferentes segundo as culturas, reis. Figuras superiores de um tempo mo-
quem atenda ao chamado mais profundo vezes, pelo clima belo e simples dos índios compreender essa grande arte da vida. onde eles aparecem”. numental de uma burguesia que fracassou
Já nos desenhos, porém, se apresenta ou-
que as passageiras solicitações do fácil. Hopi do Novo México. diante de novos tempos. Por que não dar
tra face da capacidade extraordinária de Há pouco, quando estive em Florianópolis, Ora, Florianópolis é um manancial de be-
um artista que por certo não demorará a Meyer Filho sabe disto. Seus desenhos são o sentido dos mitos de Lévi-Strauss, estu-
Péricles Prade (in: História de Santa Cata- numa rápida passagem, visitei Meyer Filho. leza cênica, de grandeza plástica e de toda
vir para a primeira linha da geração atual a sua própria justificativa”. dando o selvagem como ponto de partida
rina, edições Grafipar, 1970). Autodidata, com uma imensa biblioteca de inspiração artística, com seus peixes, seu
– a de teor gráfico. Pois se nós aquarelas da linguagem, à arte plástica?
O sem número de títulos demonstra por si arte, esse homem criou um primitivo di- colorido do mar, sua fonte de sugestões
de admiramos a vocação espontânea do ferente de tudo que é primitivo que se vê místicas e folclóricas, uma das mais in- Por que teria um Van Gogh largado
só, a imaginação do artista: ballet surrea- CON LOS OJOS DE HAMLET
artista de Florianópolis, mormente sua por aí. Sua pintura tem a marca própria de teressantes e vivas. O boi-de-mamão, a sua aspiração ao ministério religioso
lista galo cósmico, idílico fantástico, duelo
fatura pós-impressionista na paisagem, César Magrini, texto para exposição na um estilo de inegável beleza e um colorido Bandeira do Rosário, a Cabrinha, as dan-
assassino, ave ferida, pégaso ferido, o dra- e descambado para a arte, representando,
Galeria Lagard, Buenos Aires, 1976
é no desenho que se entremostra, vis- criado sob a origem de uma personalida- ças em torno do boi, suas figuras exóticas em seus quadros, os tipos mais humildes,
gão assassino, anjo da paz, a sereia namora-
lumbram e se afirmam as suas melhores de que é o homem simples, certo do que como a Abernúncia, tudo isso que conheci com desenhos de camponeses, de minei-
deira, falconeiro sideral, satã e seu lugar-te- Y curiosa, y asombrosamente, esta pintu-
perspectivas. faz, passando por fases bem distintas e quando menina no Instituto de Educação, ros e pescadores? Depois chega a fase que
nente, tragédia no reino de Neptuno, caça- ra tan compleja en lo formal, tan múlti-
ple y hasta rabelesiana, se manifiesta de altamente interessantes, para quem não onde o professor Barreiros Filho, suplente decididamente desenvolve o fauvismo?
Três são as temáticas-clichês nos desenhos dor sideral e galo continental da paz nº1.
manera clara, directa, sin necesidad de vê a pintura somente sob o ângulo do exu- de português do Curso Normal, explicava Não fosse o pensamento mítico ligado ao
de Meyer Filho: 1) o folclore estilo mais no
Toda cultura é limitada. A vivência da berante, moderno, que muitas vezes não ou buscava uma explicação para a palavra sofrimento e às angústias do homem, não
Bumba-meu-boi; 2) certa maneira surrea- interpretaciones o de intermediaciones
individualidade, quer tenha por fulcro a que a menudo, lo único que consiguen, es transmite se não um signo particular. Abernúncia, que o inculto chamava de haveria grandes artistas. As representa-
lista; 3) um grafismo disponível a serviço
íntima experiência, quer se vincule ao embrollar innecesariamente su sentido. “Bernúncia”. Ele dizia que o bicho era de ções do pensamento mítico são questões
da linha, da textura e do arabesco. Desde que criou os seus célebres galos,
complexo dos conhecimentos adquiridos Es vital, pujante, llena de música, de rit- tal modo disforme e absurdo, uma boca sem respostas. É um caminho inteiro e
de um ingênuo fascinante e cheios de
Em qualquer desses setores de invenção e por estudos intensos, ou mesmo seja mo, de pasión, de fuego. Arde por fuera, enorme de peixe, num pescoço inteiriço longo, percorrido há anos e não chegamos
colorido alegre, até hoje, Meyer Filho vem
composição, Meyer Filho demonstra, além resultante da soma desses elementos crepita e inflama, pero también – y esto de cima abaixo, engolindo os guris que nem à metade do trajeto. O sentido do
fazendo sua trajetória nas artes plásticas,
de perícia manual, de gosto autêntico e de formadores, não tenho mágico condão de es quizás lo más importante – incandesce andavam acompanhando o boi-de-mamão mito é inconsciente. Faz parte do mistério
sem interrupção de beleza.
sensibilidade aguda, algo de maior impor- abranger a plenitude da atmosfera cria- por dentro. Lo que dicho en otras pala- e botava por baixo, aos berros da criança- dos homens primitivos.
tância, que é uma personalidade marcada, dora sugerida pela obra de arte. A simpli- bras, metáfora aparte, significa cuidado y O nosso crítico de arte, Flávio de Aquino, da: Olha que a Bernúncia te engole! E era
sui generis, que se distancia do desenho já disse uma vez que a imaginação fan- só aquela correria desabrida. Dan Sperber, comentando Claude Lévi-S-
cidade da conclusão aflora: Meyer Filho celoso trabajo interior, reflexión, control
figurativo dos demais artistas em voga, tástica de Meyer: “misto de primitivismo, trauss, diz: “ele mostrou que, nos nume-
sempre foi examinado através dos seus y dominio de los propios medios. Alegre O professor Barreiros explicava que rosos casos ou meios, o entrelaçamento
assim como o “swing” e o “bop” se distan- desenhos, com uma visão unilateral, fruto mitologia e futurologia tem em seus galos,
y trágica, ya que reconoce que en la vida “abernúncia” devia ser uma corruptela de
ciam do “blue” e do “ragtime”. Isto é, acor- seus estranhos pássaros arcaicos, parentes das alianças matrimoniais tem uma estru-
da idiossincrasia dos observadores. germina también, incansable, la semilla de “abrenauncia”, palavras com que os san- tura própria. Do mesmo modo, as trocas
des tonais conseguidos pelos pigmentos dos remotos animais do pleistocênico”. E
la muerte. Pero no tremendista. Ni dual, tos afastavam o demônio. Claro que era
quentes e suaves, pelos ritmos de batida Uns críticos se entusiasmaram com a é exatamente isso. Na nova fase do pintor, econômicas, na medida em que levam
pintura vista y entendida con eso tan difí- um homem por debaixo daquela armação
alta e baixa, enfim, por uma especial ma- segurança (domínio técnico), a fantasia, suas gravuras têm sua marca definida. Vai sobre os valores homogêneos, podem
cil de traducir, que Shakespeare pone en coberta de pano branco, estranha figura
neira de dispor a sua capacidade virtuosís- a ingenuidade consciente e inconscien- de um realismo fantástico a um realismo- depender de uma estrutura de entrelaça-
boca del esquivo Hamlet: the mind’s eyes, engolindo crianças, durante a dança do
tica, segundo uma cadência nova, pioneirís- te, a narração de um mundo minucioso, -surrealista. Busca a natureza. Não é uma mento: as regras da troca podem ser in-
que no son sólo los ojos del alma, o de la boi-de-mamão.
tica”. [N.E.: trecho citado do texto “Ernesto analítico e decorativo; Outros apontaram pintura ingênua, onde se vê a paisagem dependentes da natureza diversa de obje-
mente, o del intelecto, sino todo eso, sí,
Meyer Filho”, de José Geraldo Vieira, na o primitivismo, a limpeza de expressão, do nosso folclore, já tão explorada. Ele Meyer Filho me fez um boi-de-mamão, tos trocados”. Mas ele não fica aí. Mostra
pero también muchísimo más.
Folha de S. Paulo, 1963] a invenção, o virtuosismo, a exploração mistura pássaros, galos, imagens huma- uma gravura, enquanto se conversa sobre todas as formas de pensamento míticos,
da realidade fantástica, o grafismo, a nas jamais vistas que lembram, ora tipos arte. Isso em alguns minutos apenas. Esse não só a política, mas todas as demais,
Inúmeras foram as manifestações críticas. MEYER FILHO, O GRANDE MÁGICO
maneira surrealista, o exercício origi- gregos, fenícios ou egípcios, flores, marga- homem já nasceu artista. Foi bancário inclusive a linguagem, os meios de comu-
O poeta Lindolf Bell, proprietário da gale- DAS CORES
nando-se no instinto, o irreal e o real, a ridas, árvores, tudo o que inspira verdade até se aposentar, mas, nas horas vagas, a nicação, enfim, até que nos faz pensar nas
ria Açu-Açu em Blumenau, quando o artis-
fábula, o poético, o humor. Há, ainda os Lausimar Laus, Correio do Povo e fantasia. As cores de Meyer são únicas, pintura era a sua fuga para natureza. artes plásticas, que desde o totemismo
ta expôs nos salões da AABB (Associação
que se esmeram na busca das vertentes (Porto Alegre), 1976 explodem em mitos que falam e cantam, eram formas de representação plásticas
Atlética do Banco do Brasil), sob o patro- Criou o primeiro dos seus célebres galos.
influenciadoras: os pintores holandeses mexem-se, fazem vibrar os mais céticos. de comunicação. É só ler Le Totémisme au-
cínio do Governo do Estado, observou que Não sou crítica de arte, mas uma pessoa Galos de porte altivo, coloridos e vivos.
do século XVII, as miniaturas persas, uma jourd’hui et la Pensée Sauvage. Nada mais
“Meyer Filho apoderou-se dos mistérios ligada à pintura, que é um misto de li- Ao lembrar-me de Dan Sperber, em seu Não há dúvida que essas aves domés-
temática à Chagal. que um código de um sistema de comuni-
criativos, misturando elementos da ve- teratura, poema, romance, plasmado no Le Structurialisme en Anthropologie, pos- ticas de Meyer Filho são um mito. Mito
cação eram os modelos totêmicos.
getação, do mundo animal, do universo Muitos são os detalhes, quase sempre dis- psicológico e, sobretudo, fator de comuni- so recordar-me de um parágrafo em que representativo de senso mitológico, como
submarino. Recria o folclore barriga-verde cutíveis. A que importa saber, por exemplo, cação da presença da etnologia. Tudo isso afirma mais ou menos isto: “De um ponto na linguagem dos povos selvagens, estu- O interessante é que Claude Lévi-Strauss
do Desterro, revestindo-o de linguagem se a ingenuidade é ou não consciente, me fascina, não fossem os anos vividos de vista etnocêntrico, pode-se considerar dados por Claude Lévi-Strauss que têm estuda os nhambiquaras do Brasil, os evi-
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dencia, em sua obra, e reconduz a antro- Heil no que diz respeito à simbiose de Características principais lugar de patas apresentam rodas, pés de b) fauna / flora permanentemente peculiar “a aranha tem sete olhos, por
pologia ao estudo de seu principal objeto: uma atividade criadora oriunda das gente ou de galo; camelos/centauros em presente; isso vê o mundo de forma diferente”, “o
De sua reação diante do mundo advém:
a natureza humana. raízes populares, unida a uma narrativa cuja corcova e rabo explodem palhaços; c) pedras de beira-mar, como se automóvel é a continuação do homem”,
transcendente de conotação surreal. 1) O símbolo usado como epifania do tartarugas com cabeça de mulher coroada, fossem altares totêmicos; ou ainda “cultivo o 2 de junho, dia do
Essa mesma natureza que é universal, que mistério – Totemização de elementos, cujo de mãos e rabo que finalizam em cabeça de meu nascimento e de minha alforria
se comunica através de códigos, na arte, Porém, Meyer Filho lança aos nossos d) coração: entre os ornatos, o
significado ultrapassa o aspecto aparente, homem*, unicórnios e cavalos alados etc. (aposentadoria no Banco)”. Realidade e
na sociologia, numa diversidade cultural, olhos problemas existenciais. Diz constante uso do coração é bastante
manifestada principalmente através: sonho se confundem e acumulam na obra
captada das cultuas primitivas. gentilmente “arranque a máscara do 6) Renovação do folclore – Sente-se na simbólico, já que ele representa a
a) do galo / símbolo emblemático deste artista, que se bifurca entre o ins-
desespero e submerja em fantasia e sua obra que a cultura local, até recente- imagem “centro” do ser humano,
A arte de Meyer Filho é um primitivo tivismo típico da arte ínsita e o realismo
primavera; descubra a face oculta do b) da ilha heurística / palco imaginário mente isolada, sofre uma carga de infor- bastando lembrar que era a única
que fixa a natureza de modo tão mágico, mágico que evoca a presença do mito,
mundo, dos dias sem fim, dos carnavais c) dos personagens metafóricos mações, resultado: víscera que os egípcios conservavam
como um poeta que estrutura a sua poe- apreendendo a realidade em estado puro
cósmicos, da micro e macropoesia”. no interior da múmia.
sia. Artista nato, sem diplomas e escolas 2) Atemporalidade – Partindo do real a) folclore que transita pela – caminhos comunicantes e comunicáveis
complicadas, ele dá, a quem tem o prazer Verdadeiro propósito do folk mágico de Meyer Filho recria-o, porém, de maneira cibertécnica; 9) Frontalidade e visão dupla simultânea de uma raiz comum: “o surrealismo”. Na
Nossa Senhora do Desterro, nele tudo é a fantástica. Consequentemente a sua b) folclore renovado pela science- origem de tudo está o uso metafórico
de admirar seus trabalhos, uma espécie a) lembrando a lei áulica, os persona-
poesia colorida de pássaros, unicórnios, narrativa parte da natureza ilhoa, mas fiction. da “presença”: galos, paisagens e até
de euforia vivencial, uma fuga da máqui- gens são geralmente representados
na, um sentido de beleza tão exuberante, cavalos alados, seres fabulosos… é sempre intemporal – como se os irônicos “fuques” constituem-se em im-
de perfil com olhos de frente;
dias não tivessem manhãs, tardes ou 7) Técnica pressões vivenciadas e liberadas pelo
como um retorno à natureza e às nossas (na) ilha mítica (dos) galos extragalos
noites – fossem simplesmente dias, sem a) artista, essencialmente gráfico, b) à maneira de Picasso, pode ocorrer micro e macrocosmo seu e do universo.
origens de sensibilidade e paz.
(na) ilha mágica (dos) galos extractores a visão dupla ou simultânea, onde por
indeterminação física da hora, no céu Meyer Filho é um artista de linha. Sua Folclore e paisagem mesclam-se numa
(na) ilha amor (dos) galos extra mundos azul o sol pode brilhar branco como a destreza gráfica oscila entre minúcia exemplo uma cabeça daria a sensação
concepção futurológica / sincrética. Sua
MEYER FILHO: O FOLK MÁGICO lua, o sol vermelho pode surgir em céu que está de frente e de perfil ao
(na) ilha sonho (dos) galos extras sóis elaborativa quase artesanal, espírito memória de sonho metamorfoseia o real
Adalice Maria de Araujo, em Mito e magia amarelo como se brotasse rutilante das mesmo tempo.
analítico-narrativo e inventividade; em irreal, seus animais aspiram raios e
na arte catarinense – Tese (Doutorado)
areias das praias – no todo a sensação b) contornos negros encerrando cores expiram flores, seus galos cantam músi-
apresentada no curso de História da Processo elaborado 10) Temática – Meyer Filho joga principal-
Arte, Ciências Humanas, Letras e Artes, de intemporalidade. cas eletrônicas, suas paisagens são trans-
que explodem; mente com quatro linhas temáticas, cons-
na Universidade Federal do Paraná, 1974. Para compreendermos o processo
tantemente retomadas, o que não impede, formadas por um espaço psicofisiológico
criativo de Meyer Filho, precisamos 3) Projeção de um mundo mágico irreal – c) espaços que interreogram o grafismo;
contudo, a sua constante renovação: subjetivo, frequentemente povoadas por
Visão global tentar compreendê-lo dentro de algumas Na proposição de um mundo aberto d) tendência da linha à ondulação.
dois ou mais sóis; imagens conceituais com
características que lhe são inerentes ao sonho, passado e futuro confundem- a) o “real” fantástico – recriação
Tudo está negro, Cores olhos sempre frontais; ou ainda por uma
e essenciais. A descoberta da vocação se como se descobríssemos com Van mágica de paisagens bucólicas da ilha,
Hiroshima e Nagasaki a) os espaços tradados com cores fauna mitológica toda sua, que gentilmente
artística representou, para ele, um Däniken desenhos de astronautas fixos onde fixa: fachada de casas açorianas,
Explodiram no amanhã vibrantes; se cumprimenta ou se entrega a ocupação
verdadeiro triunfo sobre o cotidiano em pinturas rupestres pré-históricas. fundos de quintais, minuciosa
Tenho que chamar as sereias lúdica. Nas composições bidimensionais,
opressor. Autodidata, passaria a desenhar b) detalhes formados em partículas de vegetação e flora;
Verdes / violetas de Meyer Filho 4) Bidimensionalismo – Operando sobre- a linha flui em sua carícia decorativa num
exaustivamente a fim de escapar à estímulo visual (cores tratadas como b) o “real” emblemático totêmico –
Para colorirem com tudo num sentido gráfico, a ausência de detalhismo mágico, onde pode surgir
monotonia da função de bancário. fragmentos vibrantes / à maneira de galos desfilando ou em combate, com
sombra não criada, a sensação de volume. apenas o traçado negro ascético, ou numa
Arco-íris estereofônicos, caleidoscópios, vitrais ou mosaicos).
A base toda de uma obra está em Não existe em suas obras a perspectiva a pompa de heróis; organização inventiva de cor, vibrante
O meu prisma defeito.
constante RE-CRIAR o real. Nela mesclam- ótica / ou tradicional introduzida pelos Método operacional c) a tradição folclórica contrastante, explodindo os amarelos /
Tenho que esquecer,
se: magia, naturalismo, ficção e intuição. artistas do Quattrocento. Como nas mis- transubistanciada – capta, violetas / vermelhos, azuis / laranjas.
O choro ululante, a) desenhos com tinta nankin
Afirma e admite: turas persas, os detalhes de fundo são reinterpretando, a tradição folclórica
Do gélido vento sul, (acrílica) preta aplicada com pincel Particularmente famoso como pintor de
tão bem elaborados quanto os de primeiro da ilha, particularmente o “Bumba
Do tétrico vento morte, a) a ilha como fonte de inspiração ou caneta, sobre papel branco; galos, neles está o mito arcaico e futuro-
plano. À maneira oriental, nas pinturas meu Boi”.
Para sonhar nas constante lógico. Remanescentes do pleistoceno e
não só a organização do espaço se pro- b) pintura com tinta acrílica em d) proposição de um folclore
Pastagens cósmicas. b) ler ficção científica cessa em faixa de cor, como também o diversas cores, sobre dois tipos de do orgulhoso máximo latino-americano,
cósmico – com raízes na subterrânea
“horror vacui” leva-o a “bordar” minucio- suporte: papel branco, ou duratex são sempre heroicos, suas lutas cerimô-
c) assistir TV mitologia ilhoa, a proposição de um
O nivelamento do cimento, da técnica, samente certas áreas. Registra-se no todo nias medievais, que se desenrolam na
marítimo / previamente preparado folclore cósmico, ao mesmo tempo
do consumo, da razão, da massificação d) sentir fascinação pelo desconhecido ambientação florida de um tapete persa
o triunfo do sentido bidimensional. com tinta branca. Neste último caso, do pleistoceno e sideral, surgindo um
faz com que esqueçamos o mundo e) ser espírita Kardecista, doutrina metamorfoseado pela cibernética. Analí-
em fase final de acabamento, a fantástico fabulário já referido, onde
mítico da infância; a magia que vive que mistura ao relativismo de Einstein 5) Mitologismo criador – No seu misterio- tico e sintético, cria sempre um mundo
pintura sofre uma proteção de verniz. as mulheres transubstanciam-se em
subterraneamente em nós. Meyer Filho e ao Budismo de Çákia Muni. so fabulário, a proposição de uma Pasár- mágico e iconográfico, memória do mun-
centauros, jacarés podem ter mãos e
– servindo-se de retalhos: paisagens e gada cósmica. 8) Constância dos elementos do, espaço intemporal / puramente poéti-
f) Grande parte de sua inspiração pés humanos etc.
raízes culturais de Florianópolis – propõe- co, que é seu e é nosso.
vir após as 23:00hs como se fosse Propõe uma curiosa mitologia onde estra- a) sol – Podem surgir vários sóis e luas
nos: poesia, amor e sonho.
algo sobrenatural nhos seres, simbiose de animais e homens, na mesma composição. Meyer explica: Crítica
Repetem-se as características já g) convivência pacífica de ontem, constituem-se num desafio à imaginação, O GALO / MITO – Tema e totem
“apenas um dos sóis é real, os outros Dotado de uma personalidade sui-gene-
observadas em Franklin Cascaes e Eli hoje e amanhã podendo surgir: cabras cósmicas, que no
são astros iluminados”;⁴ ris, o linguajar de Meyer Filho é bastante Dizem que Meyer Filho, por encantamen-
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to dos bruxos, é um galo que aprendeu a Karl May, autor de “Winnetow”, No meu caso particular, ele representa MEYER FILHO: UM GALO CÓSMICO grande artista e cuidar da minha família”. Ilha, “recriando-a, porque eu não sou
falar nossa língua e aprendeu a se vestir, em três volumes. toda a minha luta para chegar a ser o dese- De fato, se tivesse intenção de seguir inventor. Dou à paisagem um sentido
Carlos Damião, Jornal de Santa Catarina
porém de vez em quando desfila suas co- nhista e o pintor que, com a ajuda de Deus, (Florianópolis), 14 e 15 set. 1980 carreira, Meyer poderia, hoje, exercer mágico, já que a nossa Ilha de Santa
Desde mocinho leio sofregamente tudo o dos anjos e dos bons espíritos do além, altos cargos na administração do Banco. Catarina é fantástica e pode me fornecer
res exuberantes e canta bem alto, traindo
que me chega às mãos sobre a natureza, bem como dos meus esforços, que hoje Meyer Filho, depois de um intervalo de “Alguns coleguinhas meus, que entraram muitos elementos. Então, eu procuro este
sua antiga fala.
seus bichos, suas plantas e suas rochas. felizmente sou. Eles são, honesta e verda- nove meses em sua produção, retorna à depois de mim, hoje são ministros de Es- sentido mágico, eu procuro este sentido
Meyer Filho diverte-se, aceita a propaganda Somente mais tarde é que me interessei deiramente, meus autorretatos psicológi- atividade artística com toda a sua força tado (caso de Ernani Galveas) ou diretores fantástico e surrealista para a pintura
e sua afinidade com a psicologia com o galo, vivamente pela história da arte em geral. cos, artísticos e espirituais”. criativa, desenhando, redesenhando e pin- de bancos (caso de Osvaldo Colin, presi- da minha paisagem”. Meyer diz que foi o
que para ele representa ânsia de libertação, Mas desenhar, desenho desde que me tando. Sua casa, à rua Altamiro Guimarães, dente do Banco do Brasil e Elmar Heineck, primeiro pintor fantástico-surrealista do
procura de espaço e amplidão. Serve-se do conheço por gente. Na natureza, salvo [...] é uma eterna festa de fantásticos galos diretor do BESC)”. Meyer Filho aposentou- Sul do Brasil, “e quem achar que estou
galo como argumento referencial. Os galos raros exemplos, que são a exceção à cósmicos pendurados na varanda, e que -se no dia 2 de julho de 1971, pelo INPS, errado, que diga, porque eu darei um belo
meyerianos são frontais, vibrantes, picas- regra, como o puma e o gambá, que fazem a alegria do próprio artista, dos vizi-
Primeiro desenhos – Até há poucos anos, “para ser pura e simplesmente pintor”. quadro de presente, se conseguir provar
seanos, bruxólicos e bucólicos. Em seus enlouquecidos pelo cheiro do sangue, nhos e dos passantes.
Meyer Filho conservava um desenho de Não guarda mágoas destes 30 anos de o contrário”.
desenhos e pinturas ele os mostra sempre matam mais animais do que necessitam
sua autoria executado aos quatro anos trabalho, mas diz que “ex-coleguinhas
ostentosamente coloridos, em lutas heroi- para sobreviver; todos os animais
de idade, que representava uma pesca de MEYER FILHO: UM GALO CÓSMICO hoje fazem questão de não reconhecer o
cas, em posição de vitória. Batizou-os com a somente atacam e matam estritamente MAIS APOIO
tainhas na praia dos Ingleses. Aos sete pintor e a arte”.
denominação geral de galos cósmicos. Efeti- o necessário para saciar a fome, defender Foram longos nove meses sem criar ab- A arte de Santa Catarina, ele considera
anos já desenhava galos, pássaros, auto-
vamente são terráqueos ilhéus, mas tocam as crias, a vida ou pela posse das fêmeas. solutamente nada, a não ser pequenos tão boa quanto a de qualquer outra parte
móveis etc. Entre estes desenhos, feitos
o universo. Desejo de vitória! rabiscos em placas de Eucatex. Há uma PIONEIRO
É sabido que as girafas, as zebras e os em cadernos de colégio, há também re- do Brasil. “Agora, se o Governo patroci-
semana, Meyer Filho retomou os traba- Sua técnica é diversificada, mas, “como nasse, nós poderíamos fazer muito suces-
Segundo Sorel: antílopes pastam tranquilamente a poucos gistros de acontecimentos que então aba-
lhos, pintando arduamente durante horas todo artista, costumo desenhar primeiro, so em todo o país. Nós temos que acabar
metros de um bando de leões, desde que laram a opinião pública com o “Naufrágio
“É um mito toda ideia que tem o poder e restabelecendo seus contatos com o para pintar depois”. Dispensa elementos com essa palhaçada de que o sujeito, pra
os mesmos tenham saciado a sua fome. do Princesa Mafalda”, um dos maiores
suficiente para estimular a ação.” planeta Marte, do qual manteve-se pra- acessórios para a criação, e mostra a ser artista, tem que ser carioca, paulista
transatlânticos de viagens intercontinen-
E o galo? Considero o símbolo de bravura ticamente afastado no período de “greve inutilidade de uma série de quadros em ou mineiro. Está faltando apoio do Gover-
tais, que, vindo da Itália, naufragou nas
Ora, para Meyer Filho o galo é não só espontânea”.
ele brigar a qualquer hora, esteja ou não costas da Bahia; ou ainda seus “heróis” que procurou aproveitar conchas de mar no do Estado, para que a gente possa rea-
um estímulo, como uma razão de ser,
com o papo empanturrado de milho. da época, “mocinhos” do cinema ame- Quem chega à sua casa, à rua Altamiro mescladas com a pintura, na composição lizar uma exposição fora daqui e mostrar
um símbolo totêmico. Assemelha-se a
ricano como: Hot Gibson, Tom Mix, Tim Guimarães, tanto pode encontrá-lo regan- de galos. Como as conchas, coladas, não que a nossa arte tem tanto valor quanto
um “manna”⁸ dos tempos primitivos, É ele de todos os animais, o mais universal
Mac-Coy, Buck Jones etc. do sua pequena e bem cuidada horta, ou ficam fixas, ele diz que prefere pintar e o que se faz no resto deste Brasil”. Meyer
transformando-se, para ele, numa espécie símbolo da arte. Nos países onde se pratica
cuidando de seus pássaros, quanto encer- desenhar, “porque desenho e pintura não lamenta, também, que a arte não seja
de mito cosmogônico. a tauromaquia, o touro representa o sím-
[...] rado no estúdio, ou desenhando e pintan- caem do quadro. E eu tenho necessidade popularizada no país, “porque o brasileiro,
bolo da força e da bravura. O elefante, o
do – para alegria dos vizinhos e passantes de utilizar outros elementos para mostrar de modo geral, passa fome, é subdesen-
tigre, o leão e as demais feras, também, Conclusão – Embora diferenciando-se de
Depoimento – na varanda de casa, no primeiro andar. que sou criador. A minha arte existe para volvido e, por isso, tem horror à arte”.
nos países onde habitam. Franklin Cascaes, que se identifica como
ficar. Se eu morrer e virar pó, a arte que
Num depoimento, de 71, Meyer explica Ao contrário dos animais citados, o galo um verdadeiro mitológico, ou de Eli Heil, “Se eu sou pintor”, diz Meyer Filho, “eu
eu produzi vai perdurar. Por isso prefiro o POLÍTICA E RELIGIÃO
as razões pelas quais escolheu o galo seu é encontrado, com exceção dos dois polos, que representa o delírio vivo da Ilha, o tenho o direito de pintar e desenhar o
desenho e a pintura”.
animal totêmico e símbolo de sua obra: em todas as regiões do globo, em estado nome de Ernesto Meyer Filho impõe-se que eu bem entendo e quando eu que- Meyer Filho considera-se politicamente
como um dos mais típicos representan- ro. Na minha vida, só fiz o que gostei – a Galos, ele pinta há muitos anos e estão neutro, pois rejeita a esquerda – “que me
de animal doméstico ou silvestre, pois to-
“guardados por minha mãe, autora do livro presentes nos primeiros desenhos, inclu-
das as raças de galinhas descendem dos tes da arte fantástica catarinense, cujas única coisa que fiz na marra foi trabalhar massacrou anos a fio” – a direita e o cen-
de crônicas “Uma Menina de Itajaí”, tenho sive da década de 20, coletados por sua tro. “Os poderosos não me dão o apoio
primitivos galos selvagens. A domesticação raízes estão plantadas no mito e na ma- durante 30 anos no Banco do Brasil, para
vários desenhos, datados de 1927, quando gia. A persistência de símbolos arcaicos mãe e conservados pela família. “Mas eu que eu mereço e, da esquerda, eu só re-
do galo perde-se na noite dos séculos. ganhar a vida. O resto eu fiz por prazer”.
tinha sete anos e era aluno do grupo es- ligados à natureza ilhoa e a um mundo pinto galos porque o galo é um símbolo cebo censura. Fui massacrado porque os
Neste período em que trabalhou no Banco,
colar “Lauro Muller”, desta capital. Neles É simplesmente impressionante a bravura, visionário, carregado de significados universal da arte. E, modéstia à parte, é caras achavam que eu era um gabola, que
Meyer confessa ter produzido cerca de 30
estão representadas figuras de galos, ani- a determinação e a ferocidade que os cósmicos justificam sua inclusão nesta mil desenhos – 26 mil dos quais ele jogou o símbolo do pintor Meyer Filho”. Explica eu me promovia, que eu devia ser modes-
mais domésticos, pássaros voando, navios, galos-de-briga demonstram nas rinhas. grande tendência da arte catarinense fora. Isto, segundo ele, daria uma produ- que, em Portugal, existem sete milhões de to. Então eu digo: há um erro muito gran-
aviões e, importante: um menino tangendo contemporânea; ao mesmo tempo, o uso ção média diária de 3 desenhos, rabisca- habitantes e que, cada casa conserva em de no nosso século. Todos pensam que
com a vara um bando de aves domésticas, Crivados de esporas, banhados de sangue,
persistente das linhas temáticas, o sen- dos no verso de cheques, talões de depó- seu interior, seja na parede ou na forma nós vivemos o século da bomba atômica;
constitutivo de um galo, galinhas e gansos. cegos das duas vistas, muitas vezes já se
tido decorativo poético e a exuberância sitos, fichas e outros papéis utilizados em de estatueta, um galo. “Não tem turista isto é uma mentira: nós vivemos o século
Não terá este desenho sido o primeiro au- tem visto galos ganharem lutas nos “rebo-
criativa fazem dele o verdadeiro propósi- sua atividade bancária. que vá a Portugal e não traga um galinho da propaganda”.
torretrato psicológico? los” a eles destinados.
to do folk mágico. de lembrança. Além do mais, o galo é um
“Quando eu tinha cinco anos de Banco “A bomba atômica é uma estupidez”, diz
Li, quando menino e adolescente, toda Os meneios amorosos do galo silvestre nor- símbolo nacional informal da França. Está
do Brasil e 27 anos de idade, descobri Meyer Filho, “e não passa de uma intimi-
a Coleção Terramarear, os livros de aventu- te-americano inspiram a dança de guerra presente no peito de tudo quanto é joga-
que meu negócio era a arte. A partir daí, dação política. Será que eu estou errado?”
ra de Júlio Verne, Jack London, autor entre dos pele-vermelha. dor da seleção Francesa.
passei a encarar o Banco – que eu adoro, Ele acha que a bomba jamais seria usada,
outros, de “Caninos Brancos”, e de um O galo é brasão heráldico, símbolo da Fran- mas que tem uma raiva desgraçada de Meyer não cria apenas galos: trabalha porque “a humanidade é imbecil e muito
importante escritor alemão de aventuras, ça e quase de Portugal. mim – como um meio de eu me tornar um também com a paisagem do interior da burra, mas não imbecil e burra para se
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autodestruir. A bomba é igual à polícia, à Catarina estava fora do mapa, do mundo Aires, Mar del Plata e outras cidades). É galo do pintor. Por isso mesmo, durante — Bem-vindo ao nosso mundo surrealista, cies mais notáveis das fantásticas criatu-
igreja e à religião: serve pra amedrontar o e do Brasil. Nenhum jornal comentou uma considerado um dos grandes representan- muito tempo, mantive o alentado desejo galo Meyer. ras e vibrantes paisagens. Embora gráfico
cidadão”. linha sobre a nossa viagem. Hoje, um idio- tes da arte fantástico-surrealista brasilei- de escrever uma estória em que ele, o por natureza, Meyer Filho faz uso inten-
Quando gente, foste um dos maiores ar-
ta qualquer da Tailândia, da Venezuela ou ra, juntamente com outros dois catarinen- Meyer Filho, se transforma rigorosamente so e sábio da cor, aplicando-a, como os
Meyer confessa-se religioso, diz que já tistas do Brasil. Ao longe, dois patinhos,
sei lá de onde, ganha as primeiras páginas ses: Eli Heil e Franklin Cascaes. em um galo. Não num desses cuja exis- orientais, em faixas, para definir espaços
foi católico e ateu e hoje é um espírita à saindo do escuro do porão de uma casa
de todos os jornais do mundo porque diz tência é marcada por algumas dúzias de e fazendo-as interagir de modo dinâmico,
sua maneira. “A religião é uma coisa ne- Faz parte de sua atual fase de produção branca, caudas tremelicantes, aplaudiriam.
que viu um disco voador. Nós não vimos – exercícios galantes com macias carijós, pela complementaridade, favorecendo o
cessária porque o mundo é tão estúpido uma coleção de desenhos eróticos-cós-
nós estivemos em Marte, e ninguém, além elegantes legornes, tenras polacas e, che- aparecimento de nuances óticas.
que, se você só olhar o lado material, micos, que ele pretende reunir para uma
de Tijucas, tomou conhecimento da nossa gada a senilidade, já com o canto rouco CATÁLOGO DA EXPOSIÇÃO MEYER
acaba entrando numa fossa desgraçada, futura exposição. Esse processo é reforçado por um horror
fantástica aventura”. e o peito murcho, quando poderia gozar FILHO (REALIDADE GALERIA DE
pensando: pô, mas como é possível só intenso ao vácuo, levando-o a colocar
do merecido direito de fenecer no harém, ARTE, RIO DE JANEIRO)
se pensar em dinheiro, e em enriquecer, elementos sobre elementos, em áreas dos
MEYER FILHO junto ao cacarejar das esposas e o piar dos Georges Racz, 1982 (Primeiro parágrafo
enquanto a maioria é miserável? E neste GALOS ERÓTICOS quadros, trabalhos tão minuciosamente
filhinhos, acaba esquartejado e ensopado publicado na coluna “Panorama”,
mundo de tecnocracia em que vivemos, Franklin Jorge, O Mossoroense no segundo plano quanto no primeiro.
E assim vive Meyer Filho, em sua casa da em panela de barro. Não. Aquele em que o A Gazeta, 1º maio 1963)
cada vez temos mais miseráveis e uma (Mossoró), 1980
rua Altamiro Guimarães, rodeado de qua- pintor se transforma seria um galo esfu- O universo meyeriano, além de ser inédito,
minoria de milionários que não traba- dros, rabiscos e recortes de jornal. Fan- Meyer Filho é um dos artistas brasileiros
Em Florianópolis vive um homem que ziante, luzidio, altivo e multicor, de causa tem como ponto importante o compromis-
lham. A vida é isso?”. mais fascinantes, criador de uma obra
tástico, cidadão do mundo, mítico, mago, aprendeu a domar os dragões. À sua apro- apavorada, generosas asas floridas, crista so com a vida e a alegria, no qual o lúdico
louco, Meyer desenterra lentamente de pessoal, na qual coloca universo poético
ximação, coisas esquisitas acontecem: as coroada e policrômica; um galo misterioso e um verde irreverente humanizam o que
COMUNISMO próprio, veiculado por intermédio de lin-
seus arquivos desenhos feitos durante maçãs sangram e tombam dos galhos; as e mágico, como que emigrado da própria poderia ser solene ou sobrenatural, e, ao
guagem plástica autodesenvolvida, sem
— Tem que haver política e religião, tem trinta anos de Banco do Brasil. De uma rosas, assustadas, se volatizam em perfu- prancheta e fantasia do Meyer Filho. mesmo tempo, oferece resposta a respeito
por isso situar-se fora das vertentes
que haver até o Partido Comunista, que é pasta, cuidadosamente escondida, ele tira me; o mar transforma-se em música pe- das possibilidades de uma arte brasileira
Cheguei até mesmo a imaginar que a me- universais.
pra raça aprender. Uma vez meu pai falou: outra pilha de desenhos – estes vedados netrante, doída; a música avança sobre as enraizada e cultivada na terra, além de
tamorfose ocorreria. Não seria, claro está,
o mundo atual tem dois campos: o co- ao público infantil, que tanto aprecia seus criaturas perplexas com uma vaga imensa, Meyer Filho soube colocar uma obra de contribuir com as linguagens das manifes-
em um pobre e improvisado galinheiro
munismo e o capitalismo. Então, o nosso galos cósmicos. São outros galos, dese- terrível; os velhos mudam-se em árvores nítido sentido universal e perene, apesar tações contemporâneas e “internacionais”.
urbano. Tampouco numa grande gran-
capitalismo é a moderna exploração do nhados a nanquim sobre papel “cham- antigas. Coisas misteriosas irrompem das de ter assimilado, em profundidade, a cul-
ja, industrial e organizada, onde todos
homem pelo homem; é o tal do capitalis- bril”: carregados de forte dose de “ero- profundezas da terra; as crianças nascem tura da Ilha de Santa Catarina e sua carga
os pintos, frangos e galos são gêmeos. MEYER FILHO:
mo selvagem. Concordo como que dizia tismo cósmico”, estes desenhos mostram enrugadas dos ventres de suas mães e os de mística medieval, de bruxaria e magia,
Muito menos em um cenário tenebroso, PARTÍCULAS MIGRATÓRIAS
meu falecido pai, o senhor Ernesto Meyer. seus bichos ávidos de prazer, atacando peixes, felizes, fogem voando até que o herança da migração açoriana, com o fan-
tenso, kafkiano. Nada disso. O ambiente,
mulheres, idem. Por enquanto, o artista Sol os derreta. tástico e o real ocupando o mesmo espaço Jornal Telesc (Santa Catarina), 1982
Ele disse que o comunismo é um mal ne- a atmosfera, o lugar de transformação,
cessário, porque os capitalistas exploram não pretende comercializar esta série de sensitivo e intelectual.
Tudo é novo e é velho, encantado e terrível. seria um fundo de quintal sombreado de Só alguém que jamais reparou na atitude
miseravelmente os pobres. Não é dema- trabalhos eróticos (que ele chama de “sa-
mangueiras, amoreiras, ingazeiros, pés de Autodidata e embasado em ricas tradições dos artistas que trabalham em Santa Ca-
gogia, porque eu não sou político, mas já canagens fantásticas”). Mas, em breve, Em Florianópolis vive Meyer Filho como
romã e bananeiras. No céu, ametista ou regionais, nem por isso tornou-se um tarina pode desconhecer o pintor Ernesto
imaginaste se não existisse o Partido Co- poderá fazer uma exposição reservada a o único sobrevivente do dilúvio universal.
abóbora, haveria mais de um sol e quatro primitivo ingênuo ou regionalista limitado, Meyer Filho.
munista pra brecar essa cambada? adultos – embora ache que os desenhos, Esse homem é um “brujo”, isto é, um
luas em que voejariam sereias aladas, como seria natural. Arrastado pelo ímpeto
diante da atual onda de liberalização, “já artista. Ou, se preferir, um mágico cujo Singular, seu papo descontraído envolveu,
— A polícia tem que existir, porque senão cavalos com cara de coruja e cauda de de criar e pelas obsessões que nunca o
são coisas de jardim de infância”. nome foi adorado pelos feiticeiros caldeus. durante duas horas, diferentes aspectos
todas as manhãs veríamos centenas de leão, flores e enormes andorinhas verde- abandonam, ele levou a sua arte, quase
de seu atual momento criativo, sem dei-
pessoas amanhecerem em todas as esqui- -amarelas. A metamorfose não seria len- intuitivamente, aos níveis expressivos
UM ROTEIRO DO ARTISTA xar de mencionar outras considerações,
nas com um punhal nas costas e a boca A METAMORFOSE NADA KAFKIANA ta: jamais me permiti imaginar enormes mais altos.
outros conceitos que serão aproveitados
cheia de formiga. Se a vida é o que é, uma DE MEYER FILHO unhas e esporões furando os sapatos do
Nascido em Itajaí, em 4 de dezembro de A obra meyeriana tem inegáveis conota- e concluídos pelos leitores. Marcamos a
roubalheira total, imagina se não existisse pintor, generosas asas floridas rasgando
1919, veio para Florianópolis com quatro Jair Francisco Hamms, O Estado ções surreais, fazendo surgir mitologia ponte na sua casa, de tarde. O encontra-
polícia e cadeia. (Florianópolis), 1982 a camisa, o crânio rompendo e o cabelo
anos de idade. Datam desta época, seus original e misteriosa, em mundos habita- mos lendo seu jornal e depois de esclare-
caindo ao advento da crista coroada, olhos
primeiros rabiscos, conservados por sua dos por seres estranhos, iluminados por cer que sua intenção era ficar à vontade,
Certo dia, indaguei ao Meyer Filho qual viajando para as laterais, óculos se equili-
MARTE família até hoje. Em 1941, entrou para o vários sóis, que não produzem sombras, espalhou-se numa poltrona para abrir um
a sua mais remota lembrança: brando sobre o córneo bico amarelo. Não.
serviço público, através de concurso, e nos quais o galo guerreiro é rei, as folhas jogo franco, decididamente veloz e, de
Meyer Filho é cidadão honorário do Plane- Na minha cabeça a estória, a transfor-
começou a trabalhar no Banco do Brasil — A minha recordação mais antiga é das árvores são vitrais coloridos e o fol- qualquer jeito, especial.
ta Marte. Por isso, define-se como “cida- mação seria rápida, súbita, um momento
– onde permaneceu até 1971, quando se dois patinhos saindo do porão de uma clórico “Boi-de-Mamão” transmuta-se no
dão espacial”. Para quem pensa que essa mágico, sem testemunho humano. Subi- No fim, convidou-nos a tomar uma Brah-
aposentou. casa branca. mais puro sortilégio.
história é brincadeira, Meyer esbraveja: “é tamente, o pintor seria um galo (não um ma num boteco perto da Mauro Ramos,
verdade, eu já estive umas 20 vezes lá. In- Participou de cerca de cem exposições, — Patinhos ou galos? desses cuja existência é marcada…), um Em Meyer Filho, a linha comandada na contou que o último livro que leu foi “El
clusive, nos bons tempos da Rádio Jornal entre individuais e coletivas, em pratica- galo esfuziante, altivo e multicor, de cau- pintura, sublinhando as cores usadas, túnel”, de Ernesto Sábato; desenhou al-
— Não. Galos, não. Patinhos.
A Verdade, há uns 18 anos, eu e o Manoel mente todo o Brasil e no exterior. Possui da apavonada, generosas asas floridas. E sempre puras e fortes, e seu “fabulário guns animais que escolhemos e estava
de Menezes falamos durante quatro horas obras nos principais museus de arte e em Quem conhece o Meyer Filho sabe que ele terminaria com um fauno oferecendo um totemizado” revive a lei da frontalidade, visivelmente conformado com o percurso
e meia sobre nossas incríveis aventuras coleções particulares de todo o país e do já pintou tantos galos que é quase impos- molhe de flores ao mais novo habitante do apresentando, bidimensionalmente, no da conversa.
no planeta Marte. Naquele tempo, Santa exterior (New York, Lisboa, Paris, Buenos sível, hoje, separar o pintor do galo ou o universo meyeriano e dizendo: desprezo à falsa perspectiva, as superfí-
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Sem entrar em pseudoanálises ou críticas O primeiro pintor moderno que nós tive- Fundador e presidente do Grupo de Ar- REGENERADO sunto. Durante anos foi presidente da páginas e no fim eles assim: é possível
deficientes, a obra de Meyer Filho está aí mos aqui foi o Eduardo Dias. tistas Plásticos de Florianópolis – GAPF. saudosa Associação Catarinense de Avi- que vocês achem o Meyer Filho doido,
para ser consultada, analisada, criticada “Tem dinheiro aí, Paulo? Se não tiver, cultura. Sabe que papagaio é papagaio, mas é possível também que vocês
Ele se encheu de trocar um prato de co- Organizou os dois primeiros Salões de Arte
ou esquecida por quem quiser. pendura”, anuncia ele ao entrar no sejam mais doidos do que ele” (risos e
Moderna Coletiva em Santa Catarina, em urubu é urubu. “Aliás um bicho muito útil,
mida por um quadro no mercado; ele era primeiro boteco do rodízio etílico, para
1959, e a primeira coletiva de Artistas Ca- funcionário da Prefeitura e da Saúde Pú- cacarejos).
“Florianópolis não tem peso político. Em pobre. Esses fatores sempre devem ser o pavor do proprietário do bar Banco
blica”, elogia.
Santa Catarina, para apoiar os artistas, tomados em conta; o negócio é que hoje o tarinenses fora do Estado (Curitiba, 1958). Redondo. Paulo é filho único, também Portanto, não vista a carapuça. Ser doido
o negócio é propaganda e propaganda é cara não é valorizado pelo que ele é – se é pintor, companheiro de boemia ao “Tomei até muito porre, mas nunca ou não, diz é uma questão de relatividade.
dinheiro. Um dos desenhos mais bonitos bom escritor, tal – senão pelo que ele tem; entardecer. Taciturno e submisso, é confundi.” “Para mim tudo é relativo. Se tu fosse
A ILHA TAMBÉM TEM SEU
que eu fiz demorou um ano para ser rea- isto é indubitável. consultado sempre que a memória falta uma sequoia de 500 anos (que é uma
ANTI-HERÓI: MEYER Também nunca cumprimentou a estátua
lizado; comecei ele em 25 de dezembro de o pai, no que também sempre acaba árvore gigante da família das coníferas),
Eu gosto de responder com fatos. Nas en- Raquel Wandelli, O Estado do Jerônimo Coelho pensando que fosse
1956 e vim acabar exatamente um ano de- dispensado. “Dizem até que eu sou um perto de um sequoião de três mil, toda
trevistas que dou procuro fazer gozação; (Florianópolis), 19 out. 1986 o governador. Mas em compensação, deu
pois. O que eu não gosto, rasgo. Na minha personagem”... como é mesmo que a raça vez que ele olhasse diria: que belo broto
eu não digo “sou embaixador do planeta uma entrevista de mais de quatro horas
fase de desenho social os caras posavam Lá vem o cidadão de Marte. A cabeça se anda me chamando, Paulinho? Matuta e tenho ao meu lado!”. Essa é a teoria da
Marte”, é uma imagem bonita, até poé- para a rádio A Verdade sobre Marte, seu
na rua para mim sem eles saberem; isto movimenta em ângulos retos e curtos cinco minutos depois, lembra sem a ajuda relatividade, à maneira do pintor Meyer
tica; mas daí fazer, aproveitar, especular planeta de origem. Daí a fama de maluco
acontecia lá por 1956 e eu era chamado de para todos os lados, como a ciscar algum do filho: “Ah! Personagem folclórico da Filho, intérprete de Albert Einstein.
com isto para deixar-me como incoerente, que ele refuta, mas não faz nada para
comunista. Quisera retomar agora de novo Ilha, um exagero”, corrige depressa para
confuso, tal, é sacanagem. Eu considero causo raro. Interrompe o andar sacudido provar o contrário. Relativamente, Florianópolis mudou para
minha querida fase de rua. Uso principal- despertar uma ponta de orgulho.
que tenho o direito de ficar milionário, e fixa o olhar: Parece que vai aterrissar pior, reclama. “Mudou aquela mentalidade
mente as cores primárias; só misturo o Certificando-se de que tá gravando,
como eu disse, com a pintura, e se pos- no Ponto Chic, café que conhece desde o Meyer começa cedo e cedo se deita para, rançosa, mas a arquitetura da cidade
que tem que misturar; rosa, cinza e roxo. nomeia uma cobaia para sua experiência.
sível, eu quero ficar mesmo. Se morro, tempo em que se chamava Bar Rio Branco. de madrugada, “dar o canto da liberdade”. está terrível”. Se ele fosse arquiteto,
quando morra, faz mal algum meus filhos Em outras épocas, o personagem foi alto “Escreve aqui nessa folha: Fulana de
A ilha tem basicamente uma tradição de Dezessete horas e o galo já fugiu pelo preservaria o Miramar, e à sua margem,
ganharem uma nota nas minhas costas; funcionário do Banco do Brasil, apesar de Tal, pedi às 9 horas da noite, em frente construiria uma lagoa de água salgada,
pesca e magia. Foi uma premonição que terreiro da boêmia. Atualmente, porém, se
isto é pecado? Se eu fosse inspetor ou ter somente 1,65 de altura. É Bacharel em ao Ponto Chic, que o artista Meyer não mais para ser frequentada pelos
me fez saber que meu negócio é a arte. considera regenerado. “É uma troca”, diz.
Será que um artista não é mais impor- diretor do Banco do Brasil, minha situação Contabilidade, mas entende mesmo é de Filho desenhasse os seguintes bichos. elegantes rapazes e moçoilas da sociedade
“Eu escolhi a profissão de artista e não
tante que um bancário? Se eu continuas- seria extremamente cômoda. O ministro bichos. Revistas de alta categoria de todo Pode pedir três bichos quaisquer”, florianopolitana, como no passado, mas
posso sacrificar um quadro para beber
se trabalhando no Banco do Brasil estaria da Fazenda, Ernane Galveas, ou o atual o País já o chamaram de maluco, o que explicou. “Modéstia à parte, fiz esta pelos patos marinhos. Manteria ainda,
até tarde’’. Quando a vontade de pintar
ganhando uma nota muito maior que presidente do Bco. do Brasil, o Osvaldo experiência com uma centena de gente a Ilha do Carvão, que foi destruída para
não chega a desagradá-lo, embora prefira não pinta, é dela (a boêmia) que ele gosta
recebo agora como aposentado, e que Colin, eles entraram no Banco como fun- e não teve quem me pegasse”. Contudo, passar a segunda ponte. “Destruíram a
atender por Galo, ou artista Meyer Filho. mais. “Já passei dois anos só tomando
não é pouco: meio milhão de cruzeiros. cionários, quero dizer: eu estou dizendo cerveja, agora estou no ritmo violento, fez costumeiramente ressalva: “Só não tradição”, revolta-se, preocupado com as
É um raciocínio que eu faço; tem aquela alguma bobagem, fazendo alguma goza- De repente, encolhe e estica pescoço escrevendo minha autobiografia”. pode ser macaco. Ui, eu tenho raiva recentes ameaças do Portal Turístico e
frescura, o artista é louco, ninguém com- ção? Meu negócio é o seguinte, agora que curto para cacarejar, ou melhor, anunciar de macaco!”, xinga chacoalhando as lembrando os tempos áureos de paquera
sua chegada. No poleiro do Senadinho, Autobiografia de Meyer Filho? Hilariante, bochechas. “Macaco não é bicho, é um
prava um quadro meu, mas necessitava tenho uma certa solvência econômica, no Miramar, antes da decadência.
no mínimo. Especialmente se ele homem subdesenvolvido”, justifica,
da arte, foi opção. Era constantemen- minha preocupação com a arte é maior, algumas rodas se desfazem feito bomba Um momento que coincidiu com seu
confessar por que gosta tanto de galo. convencido dessa tese.
te chamado de maluco. Digo que fui o maior a responsabilidade de fazer coisas, no galinheiro e outros se ajeitam na casamento com Dona Ruth, a quem se
Quem não tiver paciência de esperar o
primeiro surrealista de Santa Catarina pelo menos não inferiores das que fiz. arquibancada, animados com a chegada do refere como “filha do Desembargador
livro, pode acompanhar seu itinerário TEORIA DA RELATIVIDADE
porque naquele então, 58, 59, não tinha maestro que vai reger a orquestra durante Silveira de Souza”.
A homenagem que o governo me faz agora durante ao menos uma noite. Advogando
ninguém pintando com aquela temática. boa parte da noite, entre um e outro gole
teria sido mais justa há 10 anos, porque em causa própria ou fazendo sua Três bichos, os mais exóticos possíveis,
Talvez só o Martinho de Haro, mas ele se da cerveja (não de café). GALINHA
naquela época eu era tão bom quanto ago- propaganda, o Galo senta-se nas rodas foram enumerados, com a má-intenção de
isolou uma porção de tempo; aliás aquele
ra. De todas maneiras não me considero dos bares, fala alto e faz folclore de si quebrar o encanto do artista, urso polar, “Do jeito que estão levantando arranha-
negócio, talvez se eu tivesse ficado no Enquanto os senadores mal têm chance
uma pessoa mal agradecida e reconheço a mesmo. “Toda gente importante tem quati e albatroz. Longe de se dar por céu aqui e ali, um dia essa ilha afunda”,
Rio, seria hoje um pouco mais famoso. de se manifestar, Meyer inicia o falatório
intenção deles. Desde 1962 que uma expo- um apelido. Eu já tive o apelido de Gato vencido, Meyer atracou-se rapidamente alerta. Ele próprio já foi assediado quando
Minha primeira exposição foi em 1957, com sua voz esganiçada, capaz de acordar
sição sobre o folclore com desenhos meus (quando imitava o felino atrás do balcão na esferográfica, sem parar de falar alto lhe propuseram a compra de sua casa, em
com o Hassis, e deu rolo. de sobressalto o mais sonolento boêmio. E
está programada, apareceu recém no 81. do banco) e de Lampião, embora contra e chamar atenção de todo o bar. “Tu tens que mora há 20 anos, na avenida Altamiro
conta mais uma vez aquele velho causo de
Até faz pouco tempo era, dos artistas minha vontade”. Porque o seu predileto que dizer aí no teu jornal (tá gravando?) Guimarães. E avisa às imobiliárias: “Elas
Todo mundo fala que Santa Catarina não quando era funcionário do Banco do Brasil
conhecidos, o mais barato. é Galo, ave que encarnou espiritual e que eu desenhei com caneta esferográfica vão morrer de velhas, porque enquanto
tem apoio cultural, mas o governo tá dan- e 30 dias antes de se apresentar pediu
fisicamente, numa verdadeira psicose. e, portanto, não posso consertar. Se eu estiver vivo desgraçado nenhum vai
Quando fiz a exposição no Rio recebi um do; é claro que poderia dar mais, incentivar demissão. Que perguntado ao gerente
os novos. É uma questão até de honra polí- quantas faltas tinha. Que ele respondeu eu tivesse lápis desenhava os bichos destruir minha bela e gostosa casa, onde
conselho: “Agora deves vender menos e
MACACO dereitinho, dereitinho”. eu faço meus desenhos, planto minhas
mais caro”. É um lance muito sutil, com- tica, agradecer, apoiar, divulgar o fazer do 61. “Então vou trabalhar 61 dias para
plexo, isso de botar preço na pintura, por- artista que trabalha em Santa Catarina.” poder dizer em qualquer boteco de verduras e minha arte, para construir um
Quando o garçom serve demais a água Perguntar por que gosta tanto de galos
que não tem consenso, inclusive depende Florianópolis que eu trabalhei 30 anos e 61 arranha-céu.”
que passarinho não bebe, a grande maio- faz o artista dar muitas voltas e franzir
*
muito, por exemplo, se o sujeito tem a dias no B. B. e me aposentei sem falta no ria dos boêmios começa a chamar urubu a testa: “Isso é uma conversa muito Passam-se apenas 15 minutos e os
proteção do “marchand” e está sendo Bacharel em Ciências Contábeis e Atua- serviço, nenhuma úlcera no estômago e de meu louro. O Galo jamais cometeria comprida. Certa vez uma revista me fez desenhos já estão prontos. Meyer volta a
badalado no Rio ou São Paulo. riais pela Universidade Federal do Paraná. nenhuma promoção por merecimento…”. esse erro. Ele conhece muito bem o as- essa pergunta. Eu cambiei um bocado de acentuar a falta de lápis e subscreve as
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gravuras, com a mesma assinatura que, Brotando como fonte rutilante dos re- fetiches fálicos, bruxos, sereias, galos e riante com seus tons quentes e aveludados se surpreende, por exemplo, quando pinta de olho na lua e peito estufado. Em sua
nas vésperas de se aposentar, surpreendia cônditos mitomágicos da Ilha, sua arte, centauros e semideuses misturam-se en- remete-nos a uma sensualidade que os até alta madrugada: “Faço o que era proi- passagem por Marte, andou coletando
o gerente do B.B. “Esse cheque eu não melhor que ninguém, personifica os sorti- tre si numa grande sarabanda sideral. O artistas ocidentais só conseguiram quando bido no banco. Sou completamente desor- mais algumas histórias que passará a ou-
aceito’’, afirmou ele, olhando atravessado légios com que estão impregnados os ele- céu brilhante e o sol resplandecente são se debruçaram sobre a arte do oriente. A ganizado, sem regras, nem horários”. vidos atentos nas passagens por sua em-
para o ex-chefe de conta corrente, mentos da cultura popular ilhoa, misto de os demiurgos deste microcosmo. Como elaboração formal de Meyer Filho é de um baixada, instalada no povoado terráqueo
Árvores e aves e porque não sonhos fan-
frouxo de rir num canto. “Isso é gozação influências ibéricas, açorianas, indígenas deus-pássaro das comunidades ancestrais, extremo requinte plástico e gráfico. do Ponto Chic. Meyer Filho tem paixão em
tásticos, jamais se deram mal no universo
do Meyer”. Não era. A rubrica com uma e africanas. A pintura de Meyer Filho, dada a figura do Galo pontifica hierática e sem- curtir a visão destas excursões, pois a Ilha
Seu trabalho, que tem suas raízes embe- colorido de Meyer Filho. Os animais, para
crista de galo já estava registrada em à clareza de sua linguagem, praticamente pre renovada, verdadeira personificação de transforma-se cada vez mais num painel
bidas na alma do povo, não é de maneira ele, pensam e imaginam; as árvores re-
cartório. Naquele dia, Meyer deixava de não carece de mediação alguma para ser uma divindade desafiadora e matreira que amável que segura suas fantasias.
alguma um mero registro da mesma. Cria- presentam grandeza e abundância. São
ser bancário apenas após as 18 horas, entendida e desfrutada. Carece, porém, preside este éden tropical moldado à ima-
dor de uma mitologia própria, Meyer, com invariavelmente telas ricas em detalhes Os galos do artista, provavelmente, irão
para ser artista 24 horas por dia. Beber e de um olhar limpo e espírito nobre, que gem e semelhança deste grande contador
sua arte e sua figura, enriquece sobre- e todos os pontos postos com extrema e mais além do que Buenos Aires, único país
pintar, conforme desse na telha, “porque possam apreender o apetite de vida e o de fantásticas aventuras que é Meyer Filho.
maneira a expressiva galeria dos grandes carinhosa harmonia. Talvez até por isso, estrangeiro que viu suas obras. No futuro,
de fazer as coisas obrigado bastaram os desejo aberto de curtir integralmente as
A poética visual deste artista inicialmente criadores plásticos de Santa Catarina. O iluminado por manhãs deliciosas na va- sem ser pretensioso, podem até invadir
30 anos que eu fui funcionário do…” delícias de um paraíso no qual tudo é pos-
chocou a acomodada sociedade de Flo- vigor, a vitalidade, a juventude e a con- randa de seu ateliê, atualmente ousa levar outras galerias sofisticadas para exibir suas
sível e no qual não conseguem penetrar
rianópolis da década de cinquenta. Hoje, temporaneidade de sua linguagem podem seus pincéis à riqueza de amostragens cores primárias sem choques. Meyer Filho,
O relógio do Calçadão aponta 22 horas. aqueles cujas frustrações e amarguras
porém, desfruta da consagração popular, ser apreciados na mostra que junto com eróticas, transformando atos e palavras certamente, avança dia a dia em busca do
O Galo diminuiu o ritmo de conversa e enrijecedoras transformaram-se em cou-
desfilando à frente de uma alegoria que seus dois filhos está sendo apresentada em telas irreverentes. fôlego de humor que o faz um rei no terreiro
baixou as pálpebras dos olhos irrequietos raças espinhentas, impedindo qualquer
reproduzia um dos seus Galos Cósmicos, no Espaço de Arte D’Acampora ou no Pa- destes galos siderais maravilhosos e encan-
e miúdos. Boceja, recolhe as asas e se possibilidade de participação num festim De todos os temas na obra do artista, um
Meyer participando do desfile de uma das norama da Pintura Catarinense do Masc. tadores. Um artista que jamais se dissociará
prepara para alçar o voo de partida. Antes dionisíaco como este que é mostrado nas é inevitável: galos. Os galos povoam a vida
mais tradicionais escolas de samba de Flo- de seus bichos em suas telas, porque tudo
de se despedir, porém, responda, porque telas e desenhos de Meyer. de Meyer Filho desde menininho. E o galo
rianópolis, deve ter sentido a alegria que “é um grande prazer que pode me consumir
o senhor gosta de ser chamado de Galo? PRESENTE DO 1º ANIVERSÁRIO garboso, vaidoso, corajoso e impertinen-
Um paraíso onde tudo é sensualidade e poucos experimentaram de ter realizado durante horas sem que eu me canse ou me
Dessa vez ele não hesitou: te que ele descreve em cores soberbas
esplendor nos é revelado com a maior uma obra que, sem fazer a menor conces- Rose Delfino, Diário Catarinense desvie”, diz, com muitíssimo prazer.
não reflete a personalidade do autor. Sua
— Olha, todos nós brasileiros somos galos (Florianópolis),1987
naturalidade. são ao gosto provinciano, conseguiu se semelhança com o galo é fina, sutil, ele-
à nossa maneira. Temos de ser, como identificar totalmente com o modo do seu UM MESTRE DA ALEGRIA
Transbordante de amor e alegria como a Sempre foi um manipulador de pincéis, gante. E este bicho o acompanha em toda
eu, naquele outdoor em que denunciei a povo. Já vi uma reprodução de um galo de
dança do Boi-de-mamão, que muitas ve- como uma criança que vai descobrindo parte, até em letra de escola de samba, Se o mundo desabar enquanto Meyer Filho
despreocupação da Universidade para com Meyer colado na parede de um casebre do
zes serve de tema, a obra de Meyer Filho seu espaço no mundo, alegre e sossegada. como a da Protegidos da Princesa, que estiver pintando, ele só vai se dar conta
os artistas. Desenhei o primeiro galo com interior de Ilha. Por certo as mentalidades
é um Auto de Vida dançado no cenário Nem se lembra bem de quando começou, este ano prestou ao artista grande ho- depois que o quadro estiver pronto. “Eu
oito anos. Adoro esse apelido. Agora eu colonizadas que padecem da europeite ou
luxuriante da Ilha de Santa Catarina. Num mas em seu coração o prazer dos belos menagem, como se fosse “manchete em não penso em absolutamente nada com
ficaria horrorizado é se me chamassem novaiorquite aguda não veem com bons coluna de jornal”.
universo anímico, seres, plantas, animais, momentos deu o rumo certo. E em sua um pincel na mão. Vou reunindo as cores,
de Galinha. Eu tenho 56 anos e nunca olhos esta obra de características marcan-
em perfeita comunicação com o ser ho- cabeça apenas renasciam efeitos e mais O bicho, domesticado há 5 mil anos, como pintando aqui e ali até tudo ficar bom. É
aponhei um ovo. É masoutro causo do temente latinas.
mem abrem-nos um leque que percorre efeitos coloridos, claros e sem divergên- ele mesmo lembra, é o símbolo de sua vida um grande prazer que pode me consumir
pintor Meyer Filho.
todas as gamas do maravilhoso, do onírico Como uma Laelia purpurata nativa da Ilha, cias, distribuídos ao longo de 68 anos em e arte. Um companheiro de viagem em durante horas sem que eu me canse ou me
e do lúdico, sem rejeitar o humor, o eróti- a obra de Meyer tem suas raízes forte- suas telas míticas. Um mundo espetacular suas longas fugas siderais? É possível. Afi- desvie”, diz. Esse prazer aparece estam-
UM AUTO DE VIDA PARA co e o grotesco. mente cravadas neste solo, nem por isto de bichos – centauros, faunos, sereias, ja- nal, a Ilha toda sabe destas escapadas do pado nos seus quadros coloridos. Aos 68
SE PENETRAR E DANÇAR sua beleza deixa de ser universal. Sem carés e galos. Galos, é claro, ordem espa- artista a Marte, onde existem “pequenas anos, Meyer Filho trata bem a criança que
Meyer preserva intacto o animismo da
os retoques dos mestres europeus, que cial garantida em sua alma de tantos galos Suécias mil anos mais adiantadas sem o soube conservar dentro de si. Brinca com
João Otávio Neves Filho, mentalidade popular ilhoa, transfigurando
O Estado (Florianópolis), 1987 muitas vezes transformam seus discípulos recolhidos como sensível emoção, desde a menor vestígio de pobreza nem inveja”, no ela e lhe oferece as pinturas ingênuas que
os seres vivos em elementos sobrenatu-
em meros repetidores de receitas pós-im- primeira luz do dia, em Itajaí, onde nasceu. depoimento do próprio Meyer Filho ao re- faz. Mas isto só não bastaria. As crianças
rais, vivificando os elementos e empres-
Meyer preserva intacto o animismo da pressionistas, pós-cubistas, pós-expres- gressar. E ninguém duvida das 20 viagens – no coração de Meyer – sempre querem
tando-lhes os mais curiosos significados. Ernesto Meyer Filho não sabe fazer outra
mentalidade popular ilhoa, transfigurando sionistas ou pós-tudo, Meyer, ao invés que fez, sempre à noite. De lá saiu com mais. Por isso ele descobriu um universo
Em suas telas, tudo se personifica sob a coisa na vida: ter bom humor e pintar um
os seres vivos em elementos sobrenatu- de engrossar as fileiras dos milhares de mais esta impressão: “Todos trabalham mágico que transportou para as telas. E
constante presença do sobrenatural, fa- cenário mágico, selecionado na leitura
rais, vivificando os elementos e empres- artistas que pintam à maneira de, prefe- de acordo com suas inclinações e não há assim figuras míticas como faunos, cen-
zendo-nos abandonar voluptuosamente a diária de sua terra. Na terra ele ainda cra-
tando-lhes os mais curiosos significados. riu buscar suas informações aqui mesmo, exploração de marciano por marciano. Eles tauros, sereias, jacarés, galos e outros
atitude racional da existência. Sob um céu va suas mãos presas eternamente à sua
A poética visual deste artista inicialmente através de leituras e intensa participação vigiam a Terra, pois temem que as armas animais imaginários povoam as paisagens
brilhante cujos raios como chuva de ouro pintura e por onde já deslizaram objetos
chocou a acomodada sociedade ilhoa, no movimento plástico do estado. Centra- atômicas, se utilizadas, possam desequili- formadas por árvores floridas ou cheias de
caem sobre a terra, iridescendo a pluma- estranhos ao seu talento. Agora, longe
hoje, porém, desfruta de consagração. O do em suas buscas interiores, elaborou brar nossa galáxia e outras vizinhas”. Nes- frutos numa festa da abundância.
gem de aves ou a caleidoscópica folhagem do banco onde trabalhou com dedicação
artista preferiu buscar informações aqui uma linguagem própria, absolutamente ta terra de “casos e ocasos raros”, que em
das árvores, personagens surreais execu- até se aposentar em 1976, adora também Raramente o branco ganha espaço em sua
mesmo, através de leitura e intensa parti- única e pessoal. sua opinião é Florianópolis, cidade onde se
tam ritos bárbaros num festival dionisía- cuidar de sua horta: “eu mesmo planto as obra. As cores primárias, sem nuances, são
cipação do movimento plástico do estado. criou, foi aceito embaixador deste planeta.
co, que tem como fundo o aconchego das Seus recursos técnicos são simples, porém couves. Todos dizem que tenho a mão boa preferidas, mas a composição não dá mar-
Nada mais difícil que explicar a um não- enseadas da Ilha com suas pedras, areia, eficientes. Desenho preciso, cores chapa- para lidar com a terra, mas a verdade é Embaixador perfeito do planeta misterio- gem a choques. Às vezes, infinitos detalhes
-iniciado a origem da magia misteriosa água e vegetação características. Divin- das puras, trabalho limpo e acabamento que eu sei plantar, estudei sozinho isso”. E so, onde (quem sabe?) também contou tão pequenos e caprichados parecem salpi-
que se desprende da obra de Meyer Filho. dades das águas, das matas, dos ventos, meticuloso. O esquema cromático luxu- sobra mais tempo para pintar, é claro. Não algumas de suas histórias e expôs galos cados transmitindo vivacidade e alegria.
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Mas ninguém duvida que Meyer foi a Mar- Da coleção Os Bichos, da Editora Abril, até e figuras que, mais tarde, distinguem os
Desde quando começou a desenhar e pin- com uma moça de educação refinada, Ra- TAC – Teatro Álvaro de Carvalho – todas as
te. Nesta terra “de casos e ocasos raros”, complicados compêndios científicos, nada verdadeiros artistas.
tar, ainda nas carteiras do grupo escolar chel Liberato. “Minha mãe não era apenas quintas-feiras. “Eu era o médico”, delicia-
como ele mesmo define Florianópolis, foi que diz respeito aos animais é desprezado
Lauro Müller, a figura do galo já estava bem educada, era inteligente. Admirava -se. Foi também ele quem ilustrou o belís- Sua paixão pela arte é salutarmente doen-
aceito como o embaixador deste planeta. pelo artista que os transforma em verda-
presente. Meyer não sabe quantos galos Eça de Queiroz, Machado de Assis e aca- simo catálogo que apresentava a festa. tia. Há mais de trinta anos vive lendo li-
deiros símbolos místicos em sua pintura.
pintou até hoje, mas tem certeza de nun- bou escrevendo um diário que publicamos O contador de histórias, cheio de tiradas vros, em sua totalidade estrangeiros, sobre
A técnica de misturar as tintas e trabalhar
ca ter feito dois iguais. depois de sua morte,” orgulha-se Meyer. SUA MAJESTADE, O GALO SIDERAL! inteligentes no dia a dia, convive muito pintura, escultura e tudo mais. Seu maior
com os pincéis, Meyer também aprendeu
bem com o pintor consagrado por criar prazer é desenhar, é pintar. Sua grande
Outro tema constante na obra do artista O diário de Dona Raquel conta numa O pintor e embaixador de Marte, Meyer sozinho, experimentando como melhor
figuras de galos garbosos e coloridíssi- preocupação: ser artista consumado.
é a vida no interior da Ilha, com heranças linguagem bem cuidada e espontânea o Filho, expõe no Espaço de Arte uma obra aprouvesse no momento, afinal indepen-
mos. Pois esse bicho – domesticado pelo
da cultura açoriana. Seu casario não se cotidiano de uma moça no interior com cujo tema central são os galos, que o con- dente como sempre foi, lhe seria difícil Admirar os pássaros, os peixes, os ani-
homem há 5 mil anos, segundo explicou mais, enfim, a natureza.
limita às fachadas. Adivinha-se um modo críticas e apreciações. O gosto por contar sagra como um dos maiores pintores cata- prender-se às explicações lineares ou aca-
Meyer Filho – também compareceu ao
de vida também nas sacadas, varandas, histórias, Meyer teve de onde puxar. Já a rinenses e figura fundamental da inventiva dêmicas. O próprio galo garboso, vaidoso,
desfile da Protegidos. Fica seduzido pelo trabalho subtil de
quintais onde os instrumentos de trabalho pintura, não se sabe como veio. “Lembro galeria de artistas e tipos de Florianópolis. corajoso e impertinente foi escolhido por uma borboleta ou pela ferocidade ímpar
e os animais domésticos brigam com as sempre de mim desenhando, desde quan- Desenhado pelo artista e executado na es- ele como tema símbolo da sua vida e arte.
Dentro de um smoking alinhadíssimo, de um cachalote.
plantas por um espaço. Mais uma vez, um do tinha quatro anos”. cola, um imenso galo sideral representou Mas nem por isso Meyer é o típico artista
o pintor Meyer Filho desfilou – em pas-
certo alvoroço se desprende das imagens toda a arte primitiva e fantástica que este vaidoso em busca de plateia. Sua seme- Mas, isso não é tudo. Dedicou-se ulti-
Quando Ernesto Meyer Filho casou-se com sinhos miúdos – muito corretamente,
tão ricas em detalhes e tão harmoniosa- catarinense, nascido em Itajaí, mas criado lhança com o galo é fina, sútil. mamente a desenhar e retratar tipos
Ruth Silveira de Souza em 1949, seus de- cônscio da importância de seu papel, na
mente colocadas ao ponto de uma cerca em Florianópolis, fez teimosamente até populares de nossa ilha dos ocasos
senhos e pinturas passavam por hobby de abertura do desfile da escola de samba Ele é ousado e atrevido, o suficiente para
de arame farpado ser apenas uma cerca, escondido das chefias no Banco do Brasil, (e casos) raros.
um bancário competente e formado em Protegidos da Princesa na Avenida Paulo brigar por seu reconhecimento, mas tão
sem qualquer conotação agressiva. Como onde trabalhou muitos anos até aposen- Primeiramente o folclórico boi de mamão.
Ciências Contábeis com um futuro pela Fontes, no último carnaval. Aceitou o de- bem humorado que troca bicadas e espo-
em Miró, o sutil pintor espanhol, em tar-se em 1976. Depois o garoto do torradinho. O vendedor
frente. Para Mayer, no entanto, a carreira safio da morena dengosa e, diplomatica- radas por tiradas tão simples que desar-
Meyer, a lua é presença garantida, cheia e de laranjas e verduras. O negrinho da la-
no banco nunca foi perspectiva e vida. mente, transformou-se em passista ligeiro Hoje Meyer Filho não tem hora para mam qualquer um.
bondosa ou poeticamente crescendo. Para vadeira com seus sacos de roupas. O dono
Aliás ele trabalhou sempre, a vida inteira, disposto a acompanhá-la nos maneios pintar. Prefere as manhãs, quando o sol
Meyer Filho, os animais, além de sentir, floreados dos pés e da alma exposta na Diz-se socialista “à minha maneira”, pois do carrinho de mão…
mas não se preocupa nada com dinheiro. bate iluminado e caloroso na varanda de
pensam e imaginam. É dessa maneira tão avenida. Num camarote, a mulher, dona quase não acredita em política. “Socialis-
Dona Ruth é quem cuida das finanças, seu ateliê, mas não se surpreende, nem Em todos seus quadros, exceção feita
amorosa e conscientemente cósmica que Ruth e os filhos, Sandra e Paulinho, as- mo é como os índios viviam antes de en-
mais complicadas depois que os quadros foge, quando a vontade de pintar chega de retrato de sua filhinha, nota-se como
a natureza e os animais vão às pinturas. sistiram ao desfile orgulhosos. Afinal, a contrar os brancos. A pesca e a caça para
do artista se valorizaram no mercado com às 3 da manhã. “Faço o que era proibido constante, a tristeza, a amargura, o sem-
loucura do pai, mais uma vez, virava arte consumo comunitário e imediato. Amanhã
Outra face da obra de Meyer, o erotismo, o merecido reconhecimento. Hoje uma no banco. Sou completamente desorgani- blante pensativo e preocupado das figu-
popular. Nos versos Embaixador como seu é outro dia, para que preocupações? Isso é
é recente e intermitente. Seu genro, Pe- obra de Meyer Filho é vendida por preços zado, sem regras, nem horários”, confessa ras. Por tal motivo e conhecendo nossos
galo sideral; e, virou manchete na coluna viver”, filosofa.
dro Alípio, ator de teatro, pediu-lhe que que variam entre Cz$ 20 e Cz$ 40 mil. enquanto busca um quadro antigo perdido tipos populares – pobre gente que ganha
desenhasse um cartaz para a peça O Pas- Uma curiosidade: as crianças são fãs da do jornal, do samba-enredo da escola, entre prateleiras repletas de desenhos verdadeiramente o pão com o suor do
saralho, que é a ameaça de desemprego estava a homenagem da Protegidos ao
pintura do artista. Tanto que um garoto e estudos. UM ARTISTA ILHÉU rosto, segundo o preceito do Altíssimo –,
até então não representada graficamente. artista e ao contador de histórias. ousamos dizer que seus trabalhos são
de Blumenau, apaixonado por um galo Mário Tabajara, O Estado
Meyer desenhou uma série de pênis ala- que viu na última mostra, não desistiu HUMOR (Florianópolis), s.d. expressivos e fiéis.
dos, coloridos, meio ameaçadores e brin- enquanto a mãe não lhe adquiriu o quadro VIAGENS
Entre as horas de trabalho, as conversas Não entendemos muito de arte. Admira-
calhões. A partir de então, vez ou outra, como presente de Páscoa. Quem o vê, andando pelas ruas da nossa
A Ilha inteira já conhecia detalhes de suas mos o que nos parece belo.
fiadas no Ponto Chic, o pintor sempre Desterro, observando os tipos populares,
pinta um quadro erótico que, com ares viagens a Marte. Meyer Filho contou até
Meyer Filho só saiu de Florianópolis para reserva tempo para cuidar do que cha- discutindo política internacional nos cafés Diante de um quadro desse nosso con-
de psicodelismo bem solucionado, expõe no rádio como foi levado por espaçonaves
expor em São Paulo, Rio de Janeiro, Bue- ma sua minifazenda no fundo do quintal. ou futebol nos jardins, não pode imaginá- terrâneo, porém, observando a paciência
escancaradamente o lúdico que permeia ao planeta vermelho. “Os acampamentos
nos Aires. Tem muitas pinturas no acervo Quem chega ao casarão rosa, numa rua -lo pintor, um artista. empregada nos milhares de traços que
praticamente toda sua obra. cósmicos de Marte são pequenas Suécias
dos museus mais importantes das gran- calma, ao lado do Banco Redondo, mal compõem suas aguadas, extasiando-se
des capitais. Outras obras que não vende, mil anos mais adiantadas, sob qualquer pode imaginar que a fachada discreta es- O único sinal externo de seu amor pela
diante da perfeição de formas, embeve-
O MAGO QUE BRILHA NOS MUSEUS aspecto. Lá não existe o menos vestígio arte que imortalizou Van Gogh, Gauguin,
mantém bem guardadas em exposição em conde um quintal vasto o suficiente para cendo-nos pela lembrança que suas telas
E FASCINA AS CRIANÇAS de pobreza, nem inveja. Todos trabalham Raphael e Da Vinci é uma rústica pranche-
casa. Personagem conhecido na cidade, o conter horta, pomar e galinheiro. Meyer evocam da nossa cidade, sentimos que
de acordo com suas inclinações e não há Filho adora cuidar de tudo. “Eu mesmo ta (invenção sua) que carrega sistemati-
Como o pintor Ernesto Meyer Filho gosta pintor participou dos grandes momentos já há real valor na arte de Meyer Filho
exploração de marciano por marciano. planto as couves. Todos dizem que tenho camente sob o braço direito e que contém
de contar aos três netos quando consegue das artes plásticas catarinense. Fundou o (Ernesto Meyer Filho para seus amigos)
Eles vigiam a Terra pois temem que as ar- mão boa para lidar com a terra, mas a seus estudos e esboços.
reuni-los em casa, seu avô, o velho Ro- Grupo de Artistas Plásticos de Florianópo- e que a posteridade lhe fará justiça.
mas atômicas, se utilizadas, possam dese-
dolfo, vindo da Alemanha, andou de Minas lis e organizou os dois primeiros salões de verdade é que eu sei plantar, estudei so- Em sua vida particular é funcionário do
quilibrar nossa galáxia e outras vizinhas”, Talvez, por ser santo de casa, não tenha
Gerais ao Rio Grande do Sul e escolheu o arte moderna de Santa Catarina, em 1959. zinho para isso”, confidencia. E não só Banco do Brasil (dos mais seguros segun-
dispara o pintor. feito ainda milagres.
município de São José para instalar com Com diversas mostras individuais dentro para manter horta e pomar impecáveis e do seus colegas). Como pai de família (dos
um grande armazém. O pai, que também e fora daqui, Meyer Filho nunca deixou de Meyer garante que todas as 20 viagens carregadinhos de frutas – caquis, cerejas, mais extremosos e dedicados) preocupa- Nossa terra tem sido pródiga em exem-
comercializava e até teve navios transpor- participar das manifestações artísticas cósmicas que fez ocorreram à noite. Sua limões, amoras, cocos – Meyer estudou. -se enormemente pelo futuro artístico plos de catarinenses que, fora de S. Cata-
tadores de banana para Argentina e Uru- populares. Entre 80 e 81, esteve no gru- mulher, dona Ruth, no entanto, nunca se Também a anatomia dos bichos – princi- de seus filhos, os quais, como ele quando rina, são reconhecidos e apreciados por
guai, mudou-se para Itajaí onde casou-se po Boi-de-Mamão que se apresentava no surpreendeu sozinha na cama do casal. palmente das aves – mereceu sua atenção. criança, vivem a rabiscar papéis, desenhos seu talento e por seu valor.
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Esperamos, porém, por uma exposição o animaram a pôr em prática, primeiro, Chalreo, Anita Malfati e ainda outros no-
do nosso artista no Rio ou S. Paulo para, seu plano de viagem. Num dia de junho, mes conhecidos no país. De nossa parte,
mais uma vez, orgulharmo-nos de nossos Meyer pegou um ônibus aqui e foi até lá. desejamos que Meyer Filho seja vitorioso
gênios. Encontrou-se com quase todos os grandes em sua exposição e que, em São Paulo,
artistas plásticos da pauliceia, conversou, mostre o grau de adiantadamente e de
------------------------------------ fez entendimentos e deixou marcada a progresso das artes em Santa Catarina.
sua exposição para o próximo dia 16 de
Comentário de Meyer Filho à caneta ver- agosto, estando marcado o encerramento
melha e preta sobre colagem de jornal em para dia 16 de setembro. De volta de São
papel cartão quadriculado: Paulo, Meyer esteve em contacto conosco,
[Mário Tabajara] Pseudônimo de Carmelo falou-nos longamente sobre os artistas
M. Faraco, meu chefe da seção de Câmbio com que teve oportunidade de palestrar.
na agência de Florianópolis. Conclusão: Dos 100 trabalhos que levou,
todos foram aproveitados para a expo-
Importante opinião de um bancário e não de sição, o que significa, de antemão, uma
crítico, que não havia em Florianópolis (SC) vitória para o artista catarinense. O salão
[Assinatura Meyer Filho] onde Meyer vai realizar a sua exposição
é o mesmo onde já expuseram artistas
Ele é proprietário de um desenho colorido
da categoria de Portinari, Di Cavalcanti,
meu, “Vendedor de torradinho”. Volpi, Tarsila do Amaral, Panceti, Djanira,
Di Fiori, a própria Tereza D’Amico e mui-
EXPOSIÇÃO DE MEYER FILHO tos outros. Quer dizer que não se trata de
EM SÃO PAULO qualquer galeria. É preciso que o artista
tenha valor real para que se credencie a
Hamilton Alves, O Estado
(Florianópolis), s.d. expor na Casa do Artista Plástico. Em sua
curta permanência, Meyer vendeu alguns
Depois de ter mantido, durante bastan- de seus trabalhos, sem que tivesse mos-
te tempo, correspondência com artistas trado o menor interesse em vendê-los.
plásticos de São Paulo, principalmente Pola Rezende, que é, parece, a atual di-
Tereza D’Amico, e de se tornar por ela retora da Casa do Artista Plástico de São
conhecido, Meyer Filho, o pintor conter- Paulo e que é quem vai, também, promo-
râneo, que tanto descrédito tem merecido ver a exposição de Meyer Filho, conside-
de nossa parte, tem sido convidado insis- rou-o o Picasso brasileiro.
tentemente por colegas paulistas a reali-
Pola ficou maravilhada com seus dese-
zar, na capital bandeirante, uma exposi-
nhos e, com antecipação, garantiu-lhe êxi-
ção de seus trabalhos. Meyer, entretanto,
to total com a promessa de que, vitoriosa
apesar da reiteração dos convites, não
seja a exposição, ela será levada também
se interessou de expor em São Paulo ou,
ao Rio de Janeiro ainda este ano. Abre-se,
mais precisamente, faltava-lhe, talvez,
assim, não só para o artista, mas para
disposição de arrumar as malas, deixar a
a arte catarinense, principalmente uma
família por umas semanas e, pior de tudo,
oportunidade sem par. A não ser Hugo
deixar o sossego e a tranquilidade de Ilha
Mund, nenhum outro artista catarinense
e lançar-se ao mar. Mas recentemente
expôs num centro grande. Vamos esperar
voltou a ter contatos com o grupo paulis-
pela exposição de Meyer, cujos quadros
ta, com a mesma Tereza D’Amico, que de
conhecemos e cujo sucesso também pre-
novo se interessou em promover, na Casa
vemos, pois notoriamente, seus últimos
do Artista Plástico de São Paulo, uma
desenhos têm categoria suficiente para
expedição dos seus quadros.
projetá-lo de uma vez por todas no âm-
Dessa vez Meyer se entusiasmou um bito da arte plástica nacional. Vale dizer
pouco mais. Havia produzido uma série que, além dos pintores já mencionados,
de bons trabalhos. Considerou mais de- expuseram também, na Casa do Artista
tidamente a oportunidade de lançar-se Plástico, Montuori, Darcy Penteado, Fábio
num grande centro. Talvez, quem sabe, Magalhães, Rebolo Gonsales, Mário Zanini,
seria a sua chance de artista. Amigos seus Takaoka, Osvaldo de Andrade Filho, Sylvia
ESTALO
DE VIEIRA
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CRONOBIOGRAFIA 1951
ALINE NATUREZA 1 O início da década de 1950 marcou o início da produção artística de Meyer Filho,
com seu primeiro desenho sobre o boi-de-mamão – que viraria um dos principais
temas de sua obra. Ele costumava seguir os grupos folclóricos nas apresentações
realizadas nas imediações de sua casa na rua Altamiro Guimarães para captar os
traços das figuras do folguedo popular.

1946 Com pesquisas mais consistentes, veio a consciência de que, sim, ele era um artis-
ta, ao mesmo tempo em que se dava conta de que precisava intensificar os estudos,
e passou a comprar livros de anatomia humana e animal e a treinar incessantemen-
Meyer Filho atribuía a um “estalo de Vieira” o fato de ter se tornado, ou melhor,
te técnicas de composição, de perspectiva, e de luz e sombra.
se descoberto artista, quando já era funcionário do Banco do Brasil. Ele explicou
o evento em algumas ocasiões, como na crônica “Cícero de Almeida, meu colega A Spanudis, ele disse: A gente aprende uma porção de regras para depois, pela defor-
de banco e companheiro de boemia, sua estranha e, para mim, maravilhosa pro- mação artística, mandá-las praticamente às favas, mas o fato é que realmente estudei.
fecia...”, de 1970.

Acontecia o ano de 1946. Eu era solteiro e jovem, de carne e de espírito. Acompa- 1952
nhando meu saudoso amigo e colega de banco Cícero de Almeida, estava sorvendo
O repentino falecimento de Ernesto Meyer, seu pai, fez com que Meyer Filho passas-
uma “gelada” em um não recomendável “cabaret” de Curitiba, frequentado por
se dois anos se dividindo entre as seis horas diárias no Banco do Brasil, o escritório
damos e damas igualmente também não mui respeitáveis, salvo raras e honrosas
de representação comercial que o pai havia deixado e os desenhos. Mesmo assim,
exceções que, felizmente, se as há, quando, como sempre fiz, peguei um pedaço
segundo ele, foi em 1952 que começaram a surgir seus “primeiros desenhos real-
de papel e minha caneta e comecei a fazer esboços rapidíssimos dos dançarinos
mente artísticos”.
ao som de melancólicos tangos.

Surpreso, meu amigo, também desenhista, exclamou: — Ernesto, é incrível tua fa-
cilidade para desenhar. Se estudares seriamente desenho, em dois anos serás um 1953
grande desenhista!
Meyer Filho publicou suas três primeiras charges de cunho político em jornais
Um novo “estalo de Vieira”, que certamente aconteceram muitos desde que nosso de Florianópolis, passando a se utilizar dos veículos de comunicação de massa para
famoso padre faleceu, explodiu minha então jovem cuca. Teria eu, finalmente, des- circular seu trabalho.
coberto minha verdadeira vocação???
As charges políticas foram publicadas de forma contínua até 1956. Contudo, sua
É deste ano, a primeira paisagem do artista autodidata, que havia iniciado seus
verve política continuou a ser expressa em charges e croniquetas publicadas de
estudos de desenho apenas três anos antes: Uma vista do centro de Curitiba, do
forma mais esporádica, em grande parte no jornal O Estado, de Florianópolis.
quinto andar de um hotel, feita a nanquim, material que começou a utilizar em 1944.

Ao psicanalista, poeta e crítico de arte, Theon Spanudis, na sua “primeira autobio-


grafia”, intitulada “Um artista de Florianópolis”2, Meyer Filho comentou que até 1954
seus 27 anos já tendo (a maioria rasgados pouco depois de terminados, alguns, os Continuando a produzir charges, Meyer Filho criou a série “Brasil 1954” – que tra-
mais bonitos, guardados por mim ou amigos), praticamente jamais havia desenhado zia críticas sociais contundentes e uma especial preocupação artística no manejo do
do natural nem com modelos vivos. Todos os meus desenhos eram feitos quase que preto e branco, segundo o artista – e foi publicada de forma recorrente na seção
exclusivamente de imaginação. Não havia sequer desenhado do natural uma simples “Charge da Semana”, na Folha Popular e em outros jornais da capital catarinense.
mão, um copo, uma paisagem. Os jornais locais também reproduziram os sete desenhos que compõem a primeira
série sobre o boi-de-mamão.
Em um currículo de 1983 enviado ao Museu de Arte de São Paulo (MASP), Meyer
relatou que em 1946, visitou uma exposição coletiva em Curitiba com trabalhos ori- Mais tarde, em 1987, em uma das charges da série “Brasil 1954”, que mostrava,
ginais de artistas franceses. Segundo ele, as obras cujos padrões estéticos estavam em um quadro, pessoas miseráveis carregando ferramentas e, na sequência, políti-
muito acima dos quadros acadêmicos que vira até então o impactaram sobremaneira cos engravatados falando sobre aumentar subsídios e fazer acordos, o artista fez
e, provavelmente, contribuíram para que ele pensasse em si próprio como artista. o seguinte comentário a caneta: Brasil 1987 estará diferente?

Voltando a Florianópolis, seguiu os conselhos do “colega de banco e companheiro Meyer contava que a partir de 1954 começou a enriquecer a biblioteca com belos livros
de boemia”, passou a desenhar com mais regularidade, começando o que chamou de arte e história natural. Principalmente de arte. E que, além da boemia, atravessava
de “longo aprendizado”: Continuei desenhando, mês após mês, ano após ano. Progre- madrugadas estudando história da arte desde os primeiros desenhos e pinturas pré-
dia, naturalmente, muito lentamente. -históricas das cavernas da Europa, aos mais recentes “ismos” da arte contemporânea.
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1955 Outra participação em coletiva importante para o artista foi no 1º Salão Pan-Ame-
ricano de Artes, no Instituto de Belas Artes do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre.
A descoberta da cor! Neste ano, o artista passou a experimentar as cores em seus Quando começou a ser visto além das fronteiras de Santa Catarina.
desenhos. Ainda de forma tímida, segundo ele, foram primeiramente sete ou oito
1958 foi também o ano da primeira exposição individual de Meyer Filho, com 17
desenhos, coloridos com lápis de cera, representando figurinhas de barro da cerâmi-
desenhos, realizada no Museu de Arte de Florianópolis – MAMF (hoje, Museu de Arte
ca popular catarinense.
de Santa Catarina – MASC). Sobre essa exposição, o crítico Flávio de Aquino escreve-
Para o artista, seu melhor desenho de 1955 foi a representação de seu filho, Paulo, ria, em 1973, no texto “O real e o irreal em Meyer Filho”, para o catálogo da exposi-
em crayon. ção do artista na Galeria Marte, na cidade do Rio de Janeiro: [...] quando conheci os
desenhos de Ernesto Meyer Filho, fiquei fascinado pela rara vibração de seu colorido
As figuras tradicionais da cerâmica catarinense também serviram de inspiração
e pela sua imaginação fantástica: misto de primitivismo, mitologia e futurologia. Seus
para o artista ilustrar a capa do número 24 da Revista Sul. Meyer Filho foi colabo-
galos, seus estranhos pássaros arcaicos, parentes dos remotos animais do Pleistocê-
rador – respondendo por desenhos de duas capas e outras ilustrações – dessa im-
nico, isso misturado a um sensível senso da composição na qual os brancos funcio-
portante publicação do Círculo de Arte Moderna (CAM), que marcou o modernismo
navam como cor, tudo o que o artista reunia fez-nos prever que estávamos diante de
em Santa Catarina com conteúdo sobre literatura e artes. Sob o comando de Aníbal
uma das mais reveladoras promessas do realismo fantástico, uma espécie de surrea-
Nunes Pires, Eglê Malheiros, Salim Miguel e Ody Fraga e Silva, a Revista Sul reuniu
lismo em que a fantasia se abre inteiramente, mas sem o impacto freudiano da libido
nomes fundamentais para a cultura catarinense, como Armando Carreirão, Silveira
e deixando que o sonho se mescle à realidade.
de Souza, Hugo Mund Jr., além do próprio Meyer.
Neste ano, Meyer Filho participou, ainda, do Concurso Ilustrações de Poesias de
Cruz e Sousa, realizado no MASC. O artista ficou em segundo lugar e doou o prêmio
1956 à família do poeta.

Já mais à vontade no universo das cores, Meyer Filho registrou, em sua “primeira
autobiografia”, que foi deste ano seu mais bonito trabalho sobre o boi-de-mamão.
1959
No 2º Salão do Grupo de Artistas Plásticos de Florianópolis, no MASC, Meyer
1957 dividiu a primeira colocação com Hugo Mund Júnior. Na ocasião, Meyer Filho, que
participou com 15 desenhos, sofreu algumas críticas, entre elas, uma que chamou
O ano da 1ª Exposição de Pinturas e Desenhos de Motivos Catarinenses, realizada
de “pitoresca”, em que um “poeta” e cronista social da terra, que classificou meus
em parceria com Hassis, no Instituto Brasil Estados-Unidos (IBEU), em Florianópolis,
trabalhos como uma “rechonchuda criação de galinhas”.....
foi, de acordo com Meyer Filho, um ano muito fértil. O sucesso dessa exposição
impulsionou a criação do Grupo de Artistas Plásticos de Florianópolis (GAPF),
que seria formalizado no ano seguinte.
1960
São de 1957 as primeiras de suas figuras mais populares, os galos e as paisagens
Podemos dizer ser este desenhista uma ilha dentro de outra ilha, escreveu a crítica
coloridas com lápis de cor e nanquim. A Spanudis, ele contou que “Fundo de Quin-
de arte Rosa Pessoa, no artigo “Meyer Filho, um desenhista de Florianópolis”, no
tais nº1” e “Fundo de Quintais nº2” foram seus desenhos mais trabalhosos, que exi-
Shopping News de 17/04/1960.
giram muitos meses de trabalho: As árvores foram desenhadas, folhinha por folhinha.
Milhares delas. O artigo se referia à primeira exposição individual fora do estado de um artista
catarinense residente em Santa Catarina, na Galeria Penguin, no Rio de Janeiro.
Os primeiros desenhos “fantásticos”, “Árvore seca com passarinhos em tarde som-
O catálogo dessa exposição, produzido por Hugo Mund Júnior, contou com textos
bria”, “Idílio fantástico” e “Paisagem sideral” também foram feitos em 1957.
dos críticos Flávio de Aquino e Rosa Pessoa.

Também a respeito da individual de Meyer Filho na Galeria Penguin, Maura de Senna


1958 Pereira escreveu, na Gazeta de Notícias, do Rio de Janeiro: Desenhos que nos trazem
um mundo surpreendente, com rubros sóis, constantes flores, galos com olhos huma-
A partir do encontro de Meyer e Hassis para a realização da 1ª Exposição de Pinturas
nos, firmes cavalos com asas, num dos quais eu chegaria logo ao País de Rosamor.
e Desenhos de Motivos Catarinenses, outros artistas da capital se reuniram para
formar o Grupo de Artistas Plásticos de Florianópolis (GAPF). No Diário Oficial de 29 “País de Rosamor” foi o título dado a um dos principais livros da poeta (lançado
de agosto de 1958, constam, como fundadores, Hugo Mund Júnior, Ernesto Meyer dois anos depois da exposição de Meyer Filho na Penguin). Nos poemas que com-
Filho (diretor provisório), Pedro Paulo Vecchietti (secretário provisório), Hiedy Assis põem essa obra, Maura deseja, prevê e propõe um novo mundo, mais justo, menos
Corrêa, Rodrigo de Haro, Thales Brognoli, Tércio da Gama (tesoureiro provisório), desigual e com mais harmonia entre seres humanos e natureza. Nesse sentido,
Aldo Nunes e Dimas Rosa. é possível pensar que a primeira mulher a se tornar membro da Academia Catari-
nense de Letras via em Meyer Filho um companheiro de utopia.
Neste ano, foi realizado o 1º Salão do Grupo de Artistas Plásticos de Florianópolis.
Evento que Meyer Filho descreveu como com muitas brigas. Para a disputa de três Em 1960, Meyer Filho foi convidado para expor no Museu de Arte de São Paulo (MASP).
insignificantes prêmios de Cr$5.000,00 cada, foi o diabo. A instituição, porém, não cumpriu o compromisso. Anos mais tarde, em 1986,
408 409

o artista anotou à mão em uma carta com papel timbrado do MASP e assinatura
de Augusto Barboso, então presidente da instituição, a seguinte queixa.
1964
O sucesso alcançado no ano anterior fez com que Meyer Filho fosse convidado
Relembrando......
para fazer uma segunda exposição individual na Casa do Artista Plástico. Na oca-
Eis, como, NENHUM apoio de Santa Catarina, eu me virava para expor fora do Esta- sião, ele conheceu Tomie Ohtake, que inaugurava uma mostra na Galeria São Luís,
do.... Fui, direto, ao MUSEU DE ARTE DE SÃO PAULO, para arrumar uma individual no também em São Paulo. O jornal O Estado de São Paulo registrou o encontro dos
citado MUSEU.... dois artistas na edição do dia seguinte.

Em Florianópolis, eu era considerado um maluco que trabalhava no Banco do BRASIL Meyer e Tomie se encontraram outras vezes. O catarinense foi um dos responsáveis
e tinha mania de dizer para todo mundo que era um artista.... pela exposição de Ohtake em Florianópolis em 1987.

A segunda individual na Casa do Artista Plástico firmou Meyer Filho no cenário da arte
brasileira. Theon Spanudis registrou o crescimento na obra do artista na Revista Habitat.
1961
Esta sua última exposição em São Paulo, principalmente a série de galos e pássaros
Logo em janeiro, Meyer Filho publicou um imponente galo na capa do segundo fantásticos marca um decisivo passo para a frente, um verdadeiro pulo qualitativo.
número da Revista Litoral, criada pelos irmãos Paschoal e Nicolau Apóstolo Pítsica, O seu desenho até então era essencialmente narrativo. Puro, ingênuo, simples e gos-
sob a orientação de Othon Gama Lobo D’Eça. toso, mas essencialmente narrativo, contando os acontecimentos da fantasia. Mas de
No mesmo ano, outra publicação ilustrada por Meyer Filho foi lançada: o livro repente seu desenho vira plástico e essencialmente plástico. Este é o pulo qualitativo.
Uma menina de Itajaí, da mãe do artista, trazia desenhos feitos por ele em 1959. Daqui em diante são as combinações das formas, dos coloridos e ritmos que narram
e não o assunto narrado. A narração desaparece dentro da plasticidade. Narração e
Em sua segunda exposição individual no MASC, Meyer Filho apresentou cem dese- plasticidade uniram-se num amálgama indissolúvel. E com isso revelam-se qualidades
nhos e recebeu críticas importantes de Flávio de Aquino, João Evangelista de Andra- plásticas até então inexistentes em sua obra. Um senso de decorativismo autêntico,
de Filho, Sylvia de Leon Chalreo, Rosa Pessoa e Maura de Senna Pereira. No entan- festivo, de extraordinária beleza, amplitude e luxúria. Não resta dúvida, com esta últi-
to, o artista lamentou, na carta a Spanudis, que por motivos que desconheço, não
ma exposição em São Paulo, Meyer Filho virou um artista autêntico, originalíssimo,
agradou a quase totalidade dos intelectuais de Florianópolis, nem aos responsáveis
de qualidades plásticas extraordinárias.
pela cultura barriga-verde....

Em setembro, 38 desenhos do artista compuseram a individual de Meyer Filho no


Museu de Arte de Belo Horizonte. 1969
A exposição individual no Salão de Arte da Rádio Diário da Manhã, em Florianópolis,

1963 surpreendeu até os mais íntimos da obra de Meyer Filho.

No convite da exposição, entre textos de importantes críticos que legitimaram a


Em 5 de setembro de 1963, uma nota na Folha de S.Paulo anunciou o fim prema-
arte de Meyer Filho ao longo dos anos, como Sylvia de Leon Chalreo, Rosa Pessoa,
turo da exposição de Meyer Filho na Casa do Artista Plástico, na capital paulista.
Theon Spanudis, João Evangelista de Andrade Filho e Flávio de Aquino, Péricles
Motivo: Nada ficou na parede e na pasta. Ernesto vendeu os 100 desenhos e aqua-
Prade classificou Meyer como “um artista sem rótulos”.
relas que trouxe [...]. Vários artistas também adquiriram obras de Meyer Filho, que
regressa empolgado.

Além do sucesso nas vendas das obras, a primeira exposição de Meyer em São Paulo
rendeu muitos elogios da crítica especializada. Ainda na Folha, José Geraldo Vieira
1970
escreveu: Meyer Filho demonstra, além de perícia manual, de gosto autêntico e de Neste ano, além da exposição individual no Salão da Associação dos Magistrados
sensibilidade aguda, algo de maior importância, que é a personalidade marcada, sui Brasileiros (AMAB), em Curitiba, Meyer Filho participou de diversas coletivas, como
generis, que se distancia do desenho figurativo dos demais artistas em voga (assim a Pré-bienal de São Paulo, e o Mini-mercado das Artes, de onde foram roubados
como o “swing” e o “bop” se distanciam do “blues” e do “ragtime”. cinco quadros do artista.

No mesmo ano, Meyer Filho se tornou “Embaixador plenipotenciário de Marte Mesclando deboche e indignação, Meyer redigiu um “COMUNICADO À IMPRENSA FA-
no planeta Terra”, após uma viagem ao Planeta Vermelho. A aventura, contada pe- LADA, ESCRITA E TELEVISIONADA DO BRASIL”, que foi lido em rádios de Florianópolis,
la primeira vez por mais de quatro horas no programa Mesa Quadrada, de Manoel informando sobre o furto e oferecendo uma “recompensa” aos ladrões.
de Menezes, na Rádio Jornal A Verdade, era repetida pelo artista, para quem qui-
Embora já tenha apresentado queixa à POLÍCIA, rendendo uma sincera homenagem
sesse ouvir, nos bares dos quatro pontos cardeais da ilha.
aos meus jovens apreciadores, que, por falta de recursos financeiros para adquirir um
Eram três horas da madrugada quando bateram na porta do meu quarto de hotel. quadro meu de maior valor, AFANARAM os citados quadros, me comprometo, since-
Atendi, olhei, era um cara assim meio diferente. Perguntei “quem és tu, jovem?” Ele res- ramente, a presentear cada um deles com um bonito e rápido desenho meu, até com
pondeu: “eu sou cidadão do planeta Marte”. E quero entrevistá-lo e levá-lo para o meu dedicatória, tão logo me devolvam os quadros roubados, que eu reputo, no mínimo,
querido planeta vermelho, porque tu, espiritualmente, és um cidadão marciano”. Eu fui. em CR$20.000,00 (Vinte mil cruzeiros). Os quadros nunca foram devolvidos.
410 411

1971 1976
Embora tenha realizado uma exposição individual no MASC e participado de cole- Em 1976, “Seu Galo” voou para além das fronteiras do Brasil e mostrou seu traba-
tivas em Florianópolis – Semana de Arte do Instituto Estadual de Educação (IEE), lho em duas exposições individuais na Argentina, na Galeria del Mar, em Mar del
12 Artistas de Florianópolis, Arte Catarinense – e em Blumenau – 2ª Coletiva de Plata, e na Galeria Lagard, em Buenos Aires; além de uma coletiva no Hotel Shera-
Arte Barriga-Verde –, 1971 ficou marcado na vida de Meyer como o ano do “renas- ton, também na província de Buenos Aires.
cimento”, da “liberdade”. Cultivo o 20 de julho, dia do meu nascimento, dizia ele.
O trabalho de Meyer Filho foi bem recebido no país vizinho, como se pode ver no
20 de julho de 1971 foi a data em que o bancário Meyer Filho se aposentou do artigo de Luis Aubele no jornal La Opinión.
Banco do Brasil – sem nenhuma falta ao serviço, nenhuma úlcera no estômago
Los dibujos evocan uma imaginería popular, um bestiario equivalente al de los pri-
e nenhuma promoção por merecimento!!!! – e pôde, enfim, se tornar artista em
meros exploradores, pero con una magia más simple: unicornios-machos, cabríos
tempo integral. devoradores de flores-repollos, ángeles con máscara de diablo, saltibanquis, piedras
Dez anos mais tarde, na exposição de desenhos eróticos, quando comemorou melancólicas o alimañas inimaginables. El artista los cubre con pieles de amuletos:
uma década de aposentadoria, ao Jornal de Santa Catarina, Meyer falou: Trabalhei ojos, corazones, soles, peces; lineales rigorosos. Dicen que dibujar es una forma de
30 anos no BB e vou comemorar minha aposentadoria. [...] Todas as promoções do pensar. En este caso, Meyer Filho, más que un pintor näif, sería un filósofo folklórico
Banco que eu tinha direito ou por antiguidade, eu consegui. Agora, se ninguém me que, como sus antecesores, trata de ordenar el caos.
promoveu por merecimento, isto não é problema meu, né? Eu queria era ser pintor. No ano seguinte, o artista foi convidado para participar da coletiva 4 Pintores Ingê-
nuos, também na Galeria Lagard.

Ainda em 1976, Meyer Filho buscou apoio da Universidade Federal de Santa Catarina
1973 para uma exposição que realizaria em São Paulo. Com a negativa da UFSC ao seu pe-
Este ano foi marcado pela ótima repercussão da individual do artista na Galeria dido, o artista entrou no hall da reitoria gritando “o reitor é um cafeicultor! o reitor
Marte, na cidade do Rio de Janeiro. é um cafeicultor!”.

No catálogo da exposição, um entusiasmado Flávio de Aquino assinou o texto A insatisfação de Meyer com a falta de política de apoio à arte (e principalmente à
“O real e o irreal em Meyer Filho”, em que afirmava: nesta exposição, Meyer Filho, dele) da UFSC vinha de longa data, e ele resolveu tornar pública essa desavença, es-
inteiramente entregue à sua tarefa de artista, realiza com brilhantismo nossas previ- palhando por Florianópolis – na década de 1980 – outdoors que traziam o desenho de
sões e a de outros críticos brasileiros, que nele também viram um dos melhores dese- uma figura híbrida, meio centauro com pernas humanas e cabeça de galo, que dizia:
nhistas brasileiros do real que se fundamenta no irreal. Pois, para Meyer Filho, o real Por que será que a UFSC vem, desde 1960, ignorando o talento e arte de Meyer Filho?

e o irreal confundem-se em seus sonhos.

Já Meyer explicou seu trabalho (em “Os galos fantásticos de Meyer Fº”, texto publi- 1978
cado no jornal O Estado, em 15 de agosto de 1973) como uma mistura de muitas
A coletiva NOVE-Grupo de Artistas Plásticos de Florianópolis – 1958/1978 – 20 anos
coisas. Eu fiz uma fusão do primitivismo, surrealismo, modernismo e tantos outros
depois, que marcou as duas décadas do grupo que transformou a arte catarinense
ismos para um trabalho próprio. À minha maneira, que depende unicamente da minha
foi o ponto alto entre as exposições que Meyer Filho participou em 1978. Estavam
imaginação. Só gosto de coisas bonitas e quando o real é feio, eu o faço bonito. Rara-
nessa exposição, além de Meyer Filho, os artistas Aldo Nunes, Dimas Rosa, Hassis,
mente uma paisagem pintada por mim é o que é na realidade. Justamente porque eu
Hugo Mund Jr., Rodrigo de Haro, Tércio da Gama, Thales Brognoli e Vecchietti.
não sou fotógrafo.
No catálogo, Lindolf Bell, sobre a importância do GAPF para a arte de Santa Catari-
na, escreveu:

1974 Toda comunidade tem suas pulsações, tendência, ritmos, linguagens. Isto não é si-
nônimo de regionalismo nem de limitação. Significa a infinita capacidade do homem,
Meyer Filho expôs individualmente no Studio A2, coordenado pelo jornalista Beto
multiplicar sua riqueza espiritual, cultural, humana.
Stodieck e pelo produtor Paulo Peixoto. A galeria Studio A2 contribuiu para a valo-
rização e a visibilidade da arte catarinense, propondo, inclusive, linhas de crédito Santa Catarina redescobriu isto, coletivamente, com os artistas plásticos de Floria-
bancário para a compra de obras de arte. A vernissage da individual de Meyer Filho nópolis [...].
reuniu grande público para prestigiar a “noite do galo”, uma noite de “muito caca-
Isto pode ser um significado real. Um dado concreto. Uma tomada das nossas ambi-
rejar”, como destacaria Beto Stodieck em sua prestigiada coluna no jornal O Estado
guidades e a instauração de um projeto que, interminavelmente, se projeta no presen-
em 6 de junho de 1974, com destaque para a seguinte frase: “Quem cacareja sem- te. E se projetará no futuro.
pre alcança”.
Nessa ocasião, respondendo a críticas de pessoas que o chamavam de “pintor de
Meyer e Beto tinham uma relação de admiração mútua e de amizade. O artista cos- galos” (algumas chegaram a jogar milho no chão do Museu), Meyer Filho levou
tumava enviar desenhos e charges para serem publicados na coluna do jornalista. galos de verdade para a exposição.
412 413

Fora das galerias e do ateliê, Meyer Filho participou do Projeto Verde Funarte, estreitar os laços entre a arte e o público. Segundo o Jornal de Santa Catarina de
levando sua obra a alunos de primeiro grau de escolas públicas de Florianópolis. 9 e 10 de novembro, a exposição tinha uma proposta que visava romper a barreira
A ideia era promover a integração entre estudantes e artistas e ampliar o acesso dos da contemplação passiva, a fim de propor uma corrente entre criador, criação e con-
jovens à arte. Janga, Eli Heil e Franklin Cascaes também participaram desse projeto. templador. Para isso, Meyer Filho preparou um cortejo do Boi-de-Mamão do Grupo
Folclórico do Morro da Tico-Tico, passando pelo Ponto Chic e ruas do Centro da ca-
pital e terminando com uma apresentação no Museu de Artes de Santa Catarina.
1979
Para comemorar seus 60 anos, Meyer Filho preparou uma exposição individual 1981
no Museu de Arte de Santa Catarina. Neste mesmo ano, participou de coletivas em
Florianópolis, Joinville, Balneário Camboriú e Curitiba. Este foi um ano em que Meyer Filho surpreendeu o público, especialmente, em duas
ocasiões: quando levou o Boi-de-Mamão do Grupo Folclórico do Morro da Tico Tico à
Experiente e consciente, Meyer refletia sobre seu papel político e social de artista exposição no Teatro Álvaro de Carvalho (TAC) e quando lançou o álbum de pinturas e
e, quando perguntado sobre a função política da arte, na entrevista “Os bastidores desenhos eróticos no Studio de Artes.
da arte são uma verdadeira máfia”, publicada no jornal O Estado, em 14/10/1979,
A exposição e o álbum de pinturas e desenhos eróticos de Meyer Filho foram muito
respondeu:
bem recebidos pela crítica e pelo público. Sobre isso, o crítico Georges Racz escre-
Se o artista está de acordo com o poder, é mais fácil para ele vencer, e a maioria está veu: Trata-se na realidade de uma obra lúdica, carnaval de Baco descontraído. Irreve-
nessa, é claro. Eu acho que a arte deve estar acima da política, porque tudo é políti- rente e escancarado, trata-se da abordagem, dignamente inserida na obra do artista,
ca: Se eu faço um bom trabalho estou sintomaticamente elevando o nível cultural de dando-lhe continuidade, elevando-as na universalidade.
quem olha, e isto é um ato político. Quando eu pinto o Boi-de-Mamão estou pintando
No mesmo ano, foi lançada uma publicação do Boi-de-Mamão do Grupo Folclórico
uma obra de arte.
do Morro da Tico Tico com as letras das músicas tradicionais e ilustrações de Meyer
Na Rússia o bom artista é aquele que pinta de acordo com o sistema. Na China é aquele Filho. Na apresentação do livro, em um manuscrito, depois de explicar que o boi-
que pinta uma fábrica, por exemplo. Tem gente que acha que o artista deve, obrigatoria- de-mamão era a denominação florianopolitana do bumba-meu-boi, Meyer afirmou
mente, pintar o povo. Ora, pinta o povo quem está a fim, eu também já pintei o povo. que o BUMBA-MEU-BOI (com todas as suas denominações, naturalmente) é o MAIS
IMPORTANTE auto popular brasileiro, quer pela legitimidade temática e lírica, quer
Na exposição Meyer Filho 60 anos, o artista surpreendeu em mais uma vez, levando
pela genuidade nacional.
um casal de galo e galinha inglesa, de plumagem carijó. Foi a 2ª vez que um galo can-
tou em minhas exposições, escreveu Meyer em uma anotação abaixo da foto sobre o
evento publicada no jornal O Estado.
1983
Em 1983 o artista Meyer Filho passou a dividir espaço com o comunicador Meyer
1980 Filho. Falante e despojado, ele foi convidado a apresentar um quadro – o Papo de
Galo – no Jornal Barriga Verde.
Ser reconhecido por seus pares no Brasil e fora do país era um dos maiores
desejos do artista Meyer Filho e, se ao longo de sua carreira, não foram poucas Quando perguntado sobre a sua “finalidade na televisão”, em uma entrevista ao
suas reclamações por acreditar que não era suficientemente valorizado, também jornal O Estado, Meyer disse Sou invenção do Paulo Ubiratan. Ele foi quem criou esta
não foram poucos os elogios. coisa que está aqui. Televisão não estava no meu programa. Dormi no estúdio da mi-
nha casa e acordei no estúdio da TV Barriga Verde. Esses caras inventam coisas. E eu
Em 1980, o jornal O Mossoroense (do município de Mossoró, Rio Grande do
estou aqui. E não é que estou gostando? Agora tenho a certeza que a minha participa-
Norte) classificou Meyer Filho como o único sobrevivente do dilúvio universal.
ção na tevê aos 64 anos de idade serve como uma lição aos jovens que acham que as
A matéria, assinada por Franklin Jorge, continuava tecendo elogios: Esse homem
pessoas após os 36 anos está...
é um “brujo”, isto é, um artista. Ou, se preferes, um mágico cujo nome foi adorado
pelos feiticeiros caldeus”. Beto Stodieck comentou a nova ocupação do amigo artista em sua coluna no
Jornal de Santa Catarina e narrou um fato pitoresco: Meyer Filho cacarejava ao
Neste ano, Meyer Filho atravessou uma fase de baixa produção. Acostumado a pin-
vivo na televisão: [...] o pintor Meyer Filho que jamais havia sonhado, um dia,
tar vários quadros de cada vez, a pausa criativa surpreendeu quem acompanhava o
cacarejar diante do vídeo – um minuto e meio por programa – um sarro indescritível –
artista, como Carlos Damião, que falou sobre isso no artigo “Meyer Filho: um Galo
só mesmo vendo e rindo.
Cósmico”, publicado no Jornal de Santa Catarina de 14 e 15 de setembro de 1980.

Foram longos nove meses sem criar absolutamente nada, a não ser pequenos ra-
biscos em placas de Eucatex. Há uma semana, Meyer Filho retomou os trabalhos, 1984
pintando arduamente durante horas e restabelecendo seus contatos com o planeta
Em 1984, Meyer Filho listou mais seis exposições coletivas em seu currículo, entre
Marte, do qual manteve-se praticamente afastado no período de “greve espontânea”.
elas a Arte de Santa Catarina, na Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), São
Ainda em 1980, com o fim da “greve espontânea” de Meyer, o GAPF realizou uma Paulo; e a que fez em parceria com seus filhos, Paulo Meyer e Sandra Meyer, na Max
nova exposição. Os artistas Aldo Nunes, Dimas Rosa, Hassis, Rodrigo de Haro, Stolz Galerie, em Florianópolis. Três anos mais tarde, as obras de Meyer e de seus fi-
Hugo Mund Jr., Tércio da Gama, Thales Brognoli, Meyer Filho e Vecchietti pretendiam lhos estiveram juntas novamente, no Espaço de Arte, também na capital catarinense.
414 415

Novamente, neste ano, o artista decidiu dar uma pausa na produção. Dessa vez,
“tirou férias”, como contou ao jornal O Estado, de 23 de agosto, no artigo “Arte,
as “férias” de Meyer Filho”.

Pedi para o relógio da minha casa parar. Sou um pintor que logo após a exposição
no Banco do Brasil, em dezembro, olhou para o espelho mágico da sua casa e disse:
Terá o nosso pintor conseguido tornar a profecia do seu amigo?
preciso de cinco meses de férias! Desde então só estou fazendo desenhos rápidos
De alma limpa e consciência tranquila, eu vos respondo: Se não consegui,
e plantando couve e árvores frutíferas. [...] Nem só de galos vive o pintor Meyer
culpa alguma me cabe, pois me esforcei bastante. Tchau, incrédulos ilhéus.3
Filho; ele vive também de hortaliças e frutas.

1987
A passarela da Avenida Paulo Fontes foi onde Meyer Filho disse ter vivido uma das
maiores emoções de sua vida, momento em que foi homenageado pela escola de
samba Protegidos da Princesa, a convite de Murilo Pereira, diretor artístico da agre-
miação. “Casos e ocasos raros desta ilha tropical” foi o tema escolhido do ano, e
para compor o enredo, a Protegidos trouxe à frente o carro Galo Sideral, criação de
Meyer Filho, que era um dos “casos raros” da cidade, e que desfilou como destaque
pela primeira vez, nos seus 67 anos de idade, de gravata borboleta vermelha e
preta, camisa branca e fraque preto, as cores da Protegidos: Está sendo um dos
maiores prazeres da minha vida, declarava enquanto sambava.

1990
Exposição comemorativa aos 71 anos do artista. Galeria de Artes do Palácio Barriga-
-Verde, Florianópolis/SC.

1991
Meyer Filho faleceu em junho deste ano, deixando uma vasta obra como legado
para a arte brasileira.

1 Aline Natureza (Florianópolis, 1983) cursou Letras – Português na Universidade Federal


de Santa Catarina (UFSC). É pesquisadora, redatora, revisora de textos, editora e cofundadora
da CAIS Editora. É co-organizadora da publicação Escovar a história a contrapelo (ed. Cultura
e Barbárie / Embarcação, 2018).

2 A citações de Meyer Filho ao longo deste texto, quando não especificada a fonte,
foram retiradas da sua “primeira autobiografia”, endereçada a Theon Spanudis.

3 Trecho final de “Cicero de Almeida, meu colega de banco e companheiro de boemia,


sua estranha e, para mim, maravilhosa profecia”, de Meyer Filho, texto publicado no jornal
A Gazeta, em 1º de fevereiro de 1970.
CURRÍCULO MEYER FILHO 1953
– Publicação de sua primeira charge política, intitulada
“Apesar da crise”; no mesmo ano, outras duas charges
1961
– 2ª exposição individual, retrospectiva com cem desenhos. Mu-
seu de Arte Moderna de Santa Catarina (MASC), Florianópolis/SC.
foram publicadas em jornais locais. – 2ª exposição fora do estado de um artista moderno residente
em Santa Catarina. Museu de Arte de Belo Horizonte, Belo
1954 Horizonte/MG.
– Publicação da série de charges “Brasil 1954”, – Lançamento do livro Uma menina de Itajaí, de Rachel Meyer
na Folha Popular. (mãe do artista), com ilustrações de Meyer Filho.
– Primeira série de desenhos com a temática do boi-de-mamão. – 1º Salão de Arte Moderna de Blumenau. Associação Atlética
Banco do Brasil (AABB), Blumenau/SC. [coletiva]
1955
– Primeira série de desenhos coloridos, com destaque 1963
(segundo o artista) para um crayon representando seu – Exposição individual na Casa do Artista Plástico, São Paulo/SP.
filho Paulo desenhando de costas.
1964
1956 – Exposição individual na Casa do Artista Plástico, São Paulo/SP.
– Início da série de figuras populares, com nanquim e lápis
de cor. De acordo com Meyer Filho, seu trabalho mais bonito 1967
sobre o boi-de-mamão foi feito neste ano. – Florianópolis Arte/67. Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC), Florianópolis/SC. [coletiva]
1957
– Primeiras paisagens coloridas, com nanquim e lápis de cor, 1968
como “Fundo de quintais nº 1” e “Fundo de quintais nº 2”, – Exposição individual. Associação Atlética Banco do Brasil
este considerado pelo artista seu desenho mais trabalhoso. (AABB), Florianópolis/SC.
– Surgem os primeiros desenhos fantásticos, como “Árvore – 1ª Feira de Amostras da Indústria e Comércio de Florianópolis
seca com passarinhos em tarde sombria”, “Idílio fantástico” (Fainco), Florianópolis/SC. [coletiva]
e “Paisagem sideral”.
1969
1957 – Exposição individual. Salão de Arte da Rádio Diário da
– 1ª Exposição de Pinturas e Desenhos de Motivos Catarinenses, Manhã, Florianópolis/SC.
com o artista Hassis. Instituto Brasil Estados Unidos (IBEU), – 2ª Feira de Amostras da Indústria e Comércio de Florianópolis
Florianópolis/SC. (Fainco), Florianópolis/SC. [coletiva]
– Mini-mercado das Artes, Florianópolis/SC. [coletiva]
1958
– Exposição individual no Museu de Arte de Santa Catarina 1970
(Museu de Arte Moderna de Florianópolis), Florianópolis/SC. – Exposição individual. Salão da Associação dos Magistrados
– 2º lugar no Concurso Ilustrações de Poesias de Cruz e Sousa. Brasileiros (AMAB), Curitiba/PR.
Museu de Arte de Santa Catarina, Florianópolis/SC. – Pré-bienal de São Paulo. Parque Ibirapuera, São Paulo/SP.
– 1º Salão Pan-Americano de Arte. Instituto de Belas Artes [coletiva]
do Rio Grande do Sul. Porto Alegre/RS. [coletiva] – 1ª Coletiva de Arte Barriga-Verde. Galeria Açu Açu,
– 1º Salão do Grupo de Artistas Plásticos de Florianópolis Blumenau/SC. [coletiva]
(GAPF). Museu de Arte Moderna de Florianópolis (MAMF), – Coletiva Galeria Desterro, Florianópolis/SC.
atual MASC. Florianópolis/SC. [coletiva]
– Itinerante de desenhos e gravuras em cidades catarinenses, 1971
com artistas de Santa Catarina, Rio de Janeiro e São Paulo. – Exposição individual. Museu de Arte de Santa Catarina (MASC),
[coletiva] Florianópolis/SC.
– 2ª Coletiva de Arte Barriga-Verde. Galeria Açu Açu, Blumenau/SC.
1959 – Semana de Arte do Instituto Estadual de Educação (IEE),
– 2º Salão do Grupo de Artistas Plásticos de Florianópolis Florianópolis/SC. [coletiva]
(GAPF). Museu de Arte de Santa Catarina (MASC), Florianópolis/ – 12 Artistas de Florianópolis. Museu de Arte de Santa Catarina
SC. [coletiva] (MASC), Florianópolis/SC. [coletiva]
– Arte Catarinense. Reitoria da Universidade Federal de Santa
1960 Catarina (UFSC), Florianópolis/SC. [coletiva]
– 1ª exposição individual fora do estado de um artista
catarinense residente em Santa Catarina. Galeria Penguin, Rio 1972
de Janeiro/RJ. – Exposição individual. Museu de Arte de Santa Catarina (MASC).
 – Exposição do Grupo de Artistas Plásticos de Florianópolis Florianópolis/SC.
(GAPF). Instituto Brasil Estados Unidos (IBEU), Florianópolis/SC. – 1º Salão de Artes Plásticas da Ilha de Santa Catarina (SAPISC).
[coletiva] Clube 12 de agosto, Florianópolis/SC. [coletiva]
418 419

– 3ª Coletiva de Arte Barriga-Verde. Galeria Açu Açu e Sociedade 1977 – 20 artistas catarinenses. Sala de Exposições do Teatro – A Arte em Santa Catarina II - Mostra de Artistas Catarinenses,
Dramático Musical Carlos Gomes, Blumenau/SC. – Artistas Catarinenses. Galeria SH 316, Curitiba/PR. [coletiva] Guaíra, Curitiba/PR. [coletiva] Brasília/DF. [coletiva]
– Itinerante do MASC no Oeste Catarinense. [coletiva] – 4 Pintores Ingênuos. Galeria Lagard, Buenos Aires (Argentina). – 10 artistas em Araranguá. Araranguá Tenis Clube, Araranguá/ – O desenho em Santa Catarina. Elase, Florianópolis/SC.
[coletiva] SC. [coletiva] [coletiva]
– Ars Artis – Organização Studio A2, Criciúma/SC. [coletiva] – PAN’ARTE 81 - Panorama Catarinense de Arte, Balneário – Coletiva de Natal. Studio de Artes, Florianópolis/SC.
1973
– Ars Artis – Organização Studio A2, Chapecó/SC. [coletiva] Camboriú/SC. [coletiva]
– Exposição individual. Galeria Marte, Rio de Janeiro/RJ.
– 32 Artistas Plásticos. Galeria Açu Açu, Brusque/SC. [coletiva] – 1ª Coletiva de Verão. Bar do Dico, Santo Antônio de Lisboa,
– 1º Festival de Inverno de Itajaí. Banco do Brasil, Itajaí/SC. 1986
Florianópolis/SC.
[coletiva] – Intercâmbio - Associação Catarinense de Artes Plásticas,
1978 – 1ª Mostra de Artes Catarinenses na Eletrosul. Studio de
– Artistas Catarinenses no Atelier Livre da Prefeitura de Porto Rio do Sul, Joinville e Florianópolis/SC. [coletiva]
– Artistas de Santa Catarina. Projeto Arco-Íris, Galeria Funarte, Artes, Florianópolis/SC. [coletiva]
Alegre/RS. [coletiva] – 28 artistas catarinenses. St. Germain Artes e Design,
– Coletiva BESC. Clube 12 de Agosto, Florianópolis/SC. Rio de Janeiro/RJ. [coletiva]
Florianópolis/SC. [coletiva]
– 4ª Coletiva de Arte Barriga-Verde. Galeria Açu Açu e Sociedade – Arte Barriga-Verde. Galerias Domus e Galeria Açu Açu, São 1982
– PAN’ARTE/86 – Panorama Catarinense de Arte. Diversas
Paulo/SP. [coletiva] – Exposição individual. Realidade Galeria de Arte, Rio de
Dramático Musical Carlos Gomes, Blumenau/SC. cidades do estado. [coletiva]
– Arte Barriga-Verde. Salão de exposições Badep, Curitiba/PR. Janeiro/RJ.
[coletiva] – Sinta Santa Catarina – exposição de Artistas Catarinenses.
1974 – Artistas Catarinenses. Galeria VASP, Brasília/DF. [coletiva] Magazine Mesbla, em diversas cidades do país. [coletiva]
1983
– Exposição individual. Galeria OCA, Porto Alegre/RS. – Artistas Catarinenses. Museu de Arte de Joinville/SC. [coletiva] – Meyer Filho no Banco do Brasil. Max Stolz Galerie,
– Exposição individual. Studio A2, Florianópolis/SC. – Exposição de Pintura Contemporânea Brasileira. Assembleia 1987
Florianópolis/SC.
– Coletiva Catarinense de Artes Plásticas. Galeria OCA, São Legislativa do Estado de Santa Catarina, Florianópolis/SC. – Coletiva de Verão – Artistas Catarinenses. Piccolo Spazio Arte
– Mostra Coletiva da Associação dos Artistas Plásticos de
Paulo/SP. [coletiva] e Objetos, Florianópolis/SC.
Florianópolis. Museu de Arte de Santa Catarina (MASC),
– 1ª Coletiva Catarinense de Artes Plásticas, Brasília/DF. – NOVE - Grupo de Artistas Plásticos de Florianópolis (GAPF) – – 1949/1987 – 38 Anos do Museu de Arte de Santa Catarina
Florianópolis/SC.
– Coletiva Artistas de Florianópolis. Assembleia Legislativa 1958/1978, 20 anos depois. Assembleia Legislativa do Estado de (MASC). Florianópolis/SC. [coletiva]
– A Ilha Revisitada. Museu de Arte de Santa Catarina (MASC),
do Estado de Santa Catarina, Florianópolis/SC. Santa Catarina, Florianópolis/SC. [coletiva] Florianópolis/SC. [coletiva] – Meyer Filho, Sandra Meyer e Paulo Meyer. Espaço de Arte,
– Estoque Móbile A2. Studio A2, Lages/SC. [coletiva] – Coletividade da Ilha. Max Stolz Galerie, Florianópolis/SC. Florianópolis/SC. [coletiva]
– 22 Artistas Catarinenses em Curitiba. Centro Cultural Brasil 1979 [coletiva]
Estados Unidos (IBEU), Curitiba/PR. [coletiva] – Meyer Filho 60 anos. Museu de Arte de Santa Catarina, – Inauguração da Galeria do Studio de Artes no Shopping
1988
Florianópolis/SC. Itaguaçu, São José/SC. [coletiva]
1975 – Arte em leilão. Galeria Espaço Mágico, Florianópolis/SC.
– 1º Salão de Artes Plásticas da Telesc. Studio de Artes, – XII Congresso Brasileiro de Biblioteconomia e Documentação,
– Exposição individual. Galeria Acaiaca, Curitiba/PR. [coletiva]
Florianópolis/SC. [coletiva] Camboriú/SC. [coletiva]
– Instinto e Criatividade Popular. Museu Nacional de Belas – Galeria Permanente da Associação dos Artistas Plásticos de – Coletiva de Inverno da Associação Catarinense de Artistas
– Nomes da Pintura Nacional. Eletrosul, Florianópolis/SC.
Artes, Rio de Janeiro/RJ. [coletiva] Florianópolis. Studio de Artes, Florianópolis/SC. [coletiva] [coletiva] Plásticos (ACAP), Florianópolis/SC.
– Primitivos Catarinenses. Casa da Cultura, Joinville/SC. – 7 artistas na abertura da Galeria Victor Meirelles. Clube 12 de – XVI Simpósio Brasileiro de Pesquisa Operacional. Universidade – COPA 65 YEARS - Exposição Comemorativa dos 65 anos do
[coletiva] Agosto, Florianópolis/SC. [coletiva] Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis/SC. [coletiva] Copacabana Palace, Rio de Janeiro/RJ. [coletiva]
– 5ª Coletiva de Arte Barriga-Verde. Galeria Açu Açu e Sociedade – 1º Salão de Arte Contemporânea da Arte Catarinense. Joinville/ – Artistas Catarinenses na Sala de Artes do Terminal Rita Maria. – Mostra e Encontro - 27 artistas catarinenses e gaúchos.
Dramático Musical Carlos Gomes, Blumenau/SC. SC. [coletiva] Florianópolis/SC. [coletiva] Florianópolis Palace Hotel (FLOPH), Florianópolis/SC. [coletiva]
– Ceisa Show Room, Florianópolis/SC. [coletiva] – PAN’ARTE 79 - Panorama Catarinense de Arte. Balneário – Natal Inesquecível. Studio de Artes, Florianópolis/SC. [coletiva] – Art Naïf Bresilien – Place des Arts. Copacabana Palace, Rio de
– Ars Artis 75. Studio A2, Florianópolis/SC. [coletiva] Camboriú/SC. [coletiva] Janeiro/RJ. [coletiva]
– 1º Aniversário da Galeria Acaiaca, Curitiba/PR. [coletiva] – Abertura do Memorial Eduardo Dias. Assembleia Legislativa do 1984 – Coletiva com Hassis, Vera Sabino, Tércio da Gama, Ernesto
Estado de Santa Catarina, Florianópolis/SC. [coletiva] – Max Stolz Galerie. Clube Astrea, São Joaquim/SC. [coletiva] Meyer Filho. Inauguração da Galeria de Arte da Assembleia
– 4º Salão Passarola - Varig e Editora Grafipar. Curitiba/PR. – Arte de Santa Catarina. Fundação Armando Álvares Penteado Legislativa do Estado de Santa Catarina, Florianópolis/SC.
1976
[coletiva] (FAAP), São Paulo/SP. [coletiva]
– Exposição individual. Galeria del Mar, Mar del Plata (Argentina).
– Festa das Cores. Galeria Acaiaca, Curitiba/PR. [coletiva] – Panorama Catarinense de Arte – Pintura/84. Diversas cidades
– Exposição individual. Galeria Lagard, Buenos Aires (Argentina). 1989
– Exposição individual. Salão de Exposições da Comisa, do estado. [coletiva] – Comemoração dos 32 anos da primeira exposição de pintura
1980
Cascavel/PR. – Meyer Filho, Sandra Meyer e Paulo Meyer. Max Stolz Galerie, e desenhos motivos catarinenses. Instituto Brasil Estados
– Exposição Boi-de-mamão. Teatro Álvaro de Carvalho (TAC),
Florianópolis/SC. [coletiva]
– Coletiva Classe A - ano 2. Galeria Acaiaca, Curitiba/PR. Florianópolis/SC. Unidos (IBEU), Florianópolis/SC. [coletiva]
– Encontro do Cone Sul. Museu de Arte de Santa Catarina
[coletiva] – Grupo de Artistas Plásticos de Florianópolis (GAPF). Museu de – Retrato de Florianópolis. Studio de Artes, Florianópolis/SC.
(MASC), Florianópolis/SC. [coletiva]
– Lançamento de serigrafias de artistas catarinenses. Fundação Arte de Santa Catarina (MASC), Florianópolis/SC. [coletiva] [coletiva]
– Coletiva de Natal da Elase / Eletrosul, Florianópolis/SC.
Catarinense de Educação Especial, Florianópolis/SC. [coletiva] – Projeto Poemural. Studio de Artes, com exposições em – Surrealismo Brasileiro. Pinacoteca do Estado de São Paulo/SP.
– Ars Artis – edição comemorativa pelos 250 anos de Camboriú, Itajaí, Blumenau, Joinville, Brusque, Tubarão e [coletiva]
Florianópolis. Studio A2, Florianópolis/SC. [coletiva] Criciúma. [coletiva] 1985
– 6ª Coletiva de Arte Barriga-Verde, Galeria Açu Açu, Blume- – Coletiva Cores de Santa Catarina - Associação Catarinense dos
Artistas Plásticos. Sala da Alfândega, Florianópolis/SC. 1990
nau/SC. 1981
– São Francisco de Assis visto por pintores do Sul. Max Stolz – Exposição comemorativa 71 anos do artista. Galeria de Artes
– Coletiva Galeria do Centro, Florianópolis/SC. – Pinturas e Desenhos Eróticos – lançamento do álbum. Studio de
Galerie, Florianópolis/SC. [coletiva] do Palácio Barriga-Verde, Florianópolis/SC.
– Coletiva Hotel Sheraton, Buenos Aires (Argentina). Artes, Florianópolis/SC.
420
(LIVRO) [PROJETO]

ARQUIVOS
Coedição Coordenação geral Produção executiva
Instituto Meyer Filho e Cais Editora Sandra Meyer Maximus Produção Cultural e Una! Criatividade
e Impacto Positivo
Curadora geral

IMPLACÁVEIS
Organização
Kamilla Nunes
Gabi Bresola e Kamilla Nunes
Curadora adjunta Documentários
Coordenação editorial Gabi Bresola Roteiro
MEYER Gabi Bresola e Kamilla Nunes
Curadora assistente
Aline Natureza
Kamilla Nunes e Sandra Meyer

Supervisão editorial Direção e montagem


Sandra Alves

FILHO
Sandra Meyer Comunicação visual e projeto gráfico
Vanessa Schultz Produção
Assistência de organização e coordenação editorial Vagaluzes Filme
Assistência de coordenação
Aline Natureza
Djuly Gava
Audiovisual
Projeto gráfico Curadora pedagógica
Ilha É VERDADE, É TUDO VERDADE!!!!
Vanessa Schultz Priscila Anversa
Hedra Rockenbach e Sandra Alves
Educativo
Tratamento de imagem Roteiro
Cyntia Werner, Laboratório Interdisciplinar
Leo Romão e Vanessa Schultz Otropicalista
de Formação de Educadores [LIFE/UDESC],
Maria Helena Barbosa, Núcleo de Arte-Educação
Ilustração e capa
[NAE/MASC], Maristela Müller e Priscila Anversa Oficina “Dazibao”
Pedro Franz
Site Ministrante
Preparação de texto Natali Francini Gonzales Pedro Franz
Aline Natureza [Nausicaa Design Digital]

Acervo [tratamento arquivístico] Curso Online


Textos do Arquipélago 1
Anna Julia Borges Serafim [museóloga]; Elisiana Trilha “Meyer Filho, Terra em Fuga”
Aline Natureza, Gabi Bresola e Kamilla Nunes
Castro [historiadora]; Michelle Witkowski [arquivista],
Anna Laura Borges Serafim [auxiliar pesquisa] Ministrante
Textos do Arquipélago 2
e Ana Julia Vieira Patrício [estagiária de Arquivologia UFSC] Bianca Tomaselli
Ilha Arquivos Implacáveis - Kamilla Nunes, Gabi Bresola,
Clarissa Diniz, Bianca Tomaselli, Sandra Meyer e Aline Natureza Projeto expográfico Equipe de transmissão
Kamilla Nunes Casarinha
Reprodução de imagens Intérprete de Libras
Mobiliário expográfico
Acervo Instituto Meyer Filho: Gabi Bresola, Iam Campigotto, Vitória Tassara e Danielle Souza
Bloco B Arquitetura
Kamilla Nunes, Claudio Brandão, Pedro Alípio e Sandra Meyer
Consultoria em iluminação
Material Pedagógico
Impressão Ouse Iluminação
Gráfica Coan Concepção
Marcenaria
Priscila Anversa
Aliatir Silveira e Augusto Mikoszewski
Coordenação editorial
Trilha sonora para redes sociais
Gabi Bresola, Kamilla Nunes e Sandra Meyer
Iaell Meyer
Projeto gráfico
Cenografia e curadoria da ilha
Vanessa Schultz
É VERDADE, É TUDO VERDADE!!!!
Catalogação na fonte elaborada por
Karla Viviane Garcia Moraes – CRB14/1002 Otropicalista Preparação de texto
Aline Natureza
Assessoria de imprensa
A772 Arquivos implacáveis Meyer Filho / Organização Gabi Bresola, Luciana de Moraes
Kamilla Nunes. – Florianópolis : Cais, Instituto Meyer Filho, 2022. Seminário
424 p.: il.
Social media
Aline Natureza Coordenação
ISBN: 978-65-996114-5-2
Produção Clarissa Diniz e Gabi Bresola
1. Meyer Filho, 1919-1991. 2. Artes. 3. Arquivos. 4. Documentos Gabi Bresola, Arturo Valle Junior, Marina Tavares da Cunha Palestrantes
arquivísticos. I. Bresola, Gabi. II. Nunes, Kamilla. III. Título. Melo e Studio de Ideias Gestão e Produção Cultural Bianca Tomaselli, Clarissa Diniz
Assistente de produção e Daiana Schavartz
CDD 750 Ana Roman Registro e edição
Montadores Alan Langdon
Ana Pi, Flávio José Brunetto, Leo Romão, Aliatir Silveira, Acessibilidade
Nadyne Mendes Garcia e Djuly Gava Sansara Buriti
Acervos Agradecimentos Arquivos implacáveis é um projeto que comemora o
centenário de Meyer Filho (Itajaí, 4 dezembro 1919 –
Acervo Sandra Meyer Adriana Martorano, Amaro Lúcio da Silva,
Florianópolis, 22 junho 1991), realizado pelo Instituto
Acervo Helenita Coelho Antonio Fasanaro, Betha Sistemas, Carolina da
Meyer Filho, Museu de Arte de Santa Catarina (MASC),
Acervo Adriano Pauli Silveira, Clarissa Iser, Clarissa Diniz, Curso de
Fundação Catarinense de Cultura (FCC), Governo do
Acervo Fundação Hassis Jornalismo da UFSC, Daiane Dordete, Denise
Estado de Santa Catarina e Governo Federal, por meio da
Back, Edson Lemos, Esperidião Amin Helou
Acervo Ylmar Corrêa Neto Lei de Incentivo à Cultura, com o patrocínio da KREDILIG,
Filho, Estefane dos Santos, Cláudio Brandão,
Acervo José Luiz Nuremberg ORSITEC Assessoria Contábil e Empresarial e CASSOL
Erika Back, Everton Vieira, Fernando Crocomo,
Acervo Jair da Silva Junior Centerlar e apoio cultural do:
Gabriela Fernandes Fávero, Gelci José Coelho
e Eliete Magda Colombeli (Peninha), George Neis, Gustavo Pinto de • Instituto de Documentação e Investigação em Ciências
Acervo Lúcia Rupp Hamms Araújo, Heitor Lins, José Carlos da Silva, Juliano Humanas da Universidade do Estado de Santa Catarina;
Acervo Luiz Ernesto Meyer Pereira Tibola, Luciana Levy Novo, Luiz Ernesto Meyer
• Laboratório Interdisciplinar de Formação de Educadores
Acervo Marcelo Collaço Paulo Pereira, Luiz Moukarzel, Maria Cristina da Rosa
(LIFE) Universidade do Estado de Santa Catarina;
Acervo Museu de Arte de Santa Catarina Fonseca, Marcos Bayer, Magda Maykot Cassol,
Maria Isabel Orofino, Maria Teresa Piccoli, Marta • Laboratório de Representação Social da Universidade do
Acervo Museu de Arqueologia e Etnologia
Moritz, Milena Oliveira, Moldura Minuto, Natália Estado de Santa Catarina;
da UFSC – Oswaldo Rodrigues Cabral
Bacin Morelatto, Neide da Gama, Paula Borges,
Acervo Rafael Mund • Estúdio Brandão Fotografias;
Péricles Prade, Raquel Stoltz Back, Rodrigo
Acervo Simone Bobsin
Sambaqui, Ronaldo Koerich, Sebastião G. Branco, • Centro de Artes da Universidade do Estado de Santa
Acervo Thales Brognoli Silvia Ribeiro Lenzi, Simone Bobsin, Susana Catarina - CEART
Acervo Tércio da Gama Bianchini, Tércio da Gama e Zena Becker.
• Ouse Iluminação

• Bloco B Arquitetura

Projeto 100 anos de Meyer Filho:


Agradecimentos aos/às apoiadores/as
Distâncias mínimas / PRONAC 184679
do financiamento coletivo Catarse

Adriano Schaefer Meyer, Alfredo Meyer Filho,


Aline Carmes Kruger, Alice Bittencourt, Beatriz
Instituto Meyer Filho - http://www.meyerfilho.org.br/
Meyer de Souza, Caroline Porto, Carona Teatro
e Produções Artísticas Ltda, Daniel Olivetto,
Deise Lucy Oliveira Montardo, Débora Richter
Cicogna, Diana Beatriz Gilardenghi, Eliete
Colombeli, Ernesto Meyer Neto, Fabricio Luiz
Peixoto, Felipe Barreto Bergamo, Fernanda
Schaefer Meyer, Fernanda Teixeira Gorski, José
Luiz Lueneberg, José Carlos de Sá Júnior, Juliana
Neves Hoffmann, Julio Cesar Caldas Alvim de
Oliveira, Juliana Stringhini, Luciane Ruschel
Nascimento Garcez, Luciana Ferreira de Moraes,
Luiz Sebastião Araujo Rosa, Lucila Vilela, Lucia
Meyer Kotzias, Marcelo Faria Brognoli, Marcio
Fontoura, Marcelo Seixas, Marcio Dison Silva,
Maria Cândida de Assis Horn, Maria Isabel
Orofino, Mario Pereira, Marco Avila Ramos,
Michelle Moura, Mônica Fagundes Dantas,
Myriam Costa Richard, Nayara Régis Franz, Qiah
Salla, Rafael Pereira Oliveira, Renata Moura,
Raquel Rita, Rosangela Witthinrich, Rogério Rita,
Sandra Regina Ramalho e Oliveira, Silvia Ribeiro
Lenzi, Simone Bobsin, Tarcísio Mattos, Valmor
Beltrame e Vera Collaço.
Apoio Cultural

Patrocínio

Realização

Projeto 100 anos de Meyer Filho: Distâncias mínimas / PRONAC 184679

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