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Do individualismo nos
países democráticos
Não creio, tudo bem pesado, que haja mais egoísmo en
tre nós do que na América; a única diferença é que lá ele é
esclarecido e aqui não. Cada americano sabe sacrificar uma
parte de seus interesses particulares para salvar o resto. Que
remos nos apoderar de tudo e, com freqüência, tudo nos
escapa.
Não vejo em tomo de mim senão pessoas que parecem
querer ensinar cada dia a seus contemporâneos, por sua pa
lavra e por seu exemplo, que o útil nunca é desonesto. Não
descobrirei então, enfim, quem procure lhes fazer compreen
der como o honesto pode ser útil?
Não há poder na terra capaz de impedir que a igualdade
crescente das condições leve o espírito humano à busca do
útil e disponha cada cidadão a se fechar em si mesmo.
Deve-se contar, portanto, com que o interesse individual
se tome, mais que nunca, o principal, se não único, móvel das
ações dos homens; mas resta saber como cada homem en
tenderá seu interesse individual.
Se os cidadãos, tomando-se iguais, permanecessem igno
rantes e grosseiros, é difícil prever até que estúpido excesso
seu egoísmo poderá levar e não se poderia dizer de antemão
em que vergonhosas misérias eles mesmos mergulhariam, com
medo de sacrificar algo de seu bem-estar à prosperidade de
seus semelhantes.
Não creio que a doutrina do interesse, tal como é pregada
na América, seja evidente em todas as suas partes; mas ela
encerra um grande número de verdades tão evidentes que
basta esclarecer os homens para que eles as enxerguem.
Cumpre pois esclarecê-los a qualquer preço, porque a época
das devoções cegas e das virtudes instintivas já vai longe de
nós, e vejo chegar o tempo em que a liberdade, a paz pública
e a ordem social mesma não poderão prescindir das luzes.
CAPÍTULO IX
tempo, o próprio governo. Mas não nego que uma força so
cial centralizada seja capaz de levar facilmente a cabo, num
tempo dado e num ponto determinado, grandes realizações.
Isso é verdade sobretudo na guerra, em que o sucesso de
pende muito mais da facilidade que encontramos em con
centrar rapidamente todos os seus recursos em certo ponto,
do que da própria extensão desses recursos. Assim, é princi
palmente na guerra que os povos sentem o desejo e, muitas
vezes, a necessidade de aumentar as prerrogativas do poder
central. Todos os gênios guerreiros gostam da centralização,
que aumenta suas forças, e todos os gênios centralizadores
gostam da guerra, que obriga as nações a concentrar nas mãos
do Estado todos os poderes. Assim a tendência democrática
que leva os homens a multiplicar sem cessar os privilégios
do Estado e a restringir os direitos dos particulares é muito
mais rápida e mais contínua nos povos democráticos, sujei
tos por sua posição a grandes e freqüentes guerras e cuja
existência pode muitas vezes ser posta em perigo, do que em
todos os outros.
Mostrei como o medo da desordem e o amor ao bem-
estar levavam insensivelmente os povos democráticos a au
mentar as atribuições do governo central, único poder que
lhes parece de per si bastante forte, bastante inteligente, bas
tante estável para protegê-los contra a anarquia. Mal necessito
acrescentar que todas as circunstâncias particulares que ten
dem a tornar o estado de uma sociedade democrática per
turbado e precário aumentam esse instinto geral e levam os
particulares a sacrificar cada vez mais seus direitos à sua tran
qüilidade. •
Portanto um povo nunca está tão disposto a aumentar as
atribuições do poder central do que ao sair de uma revolução
longa e sangrenta, que, depois de ter arrancado os bens das
mãos de seus antigos possuidores, abalou todas as crenças,
encheu a nação de ódios furiosos, de interesses opostos e de
facções contrárias. O gosto pela tranqüilidade pública se toma
então uma paixão cega, e os cidadãos ficam expostos a serem
tomados por um amor desordenado à ordem.
Acabo de examinar vários acidentes que contribuem pa
ra a centralização do poder. Ainda não falei do principal.
372 A DEMOCRACIA NA AMÉRICA