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Glebson Moura Silva1, Deise Patrícia Freitas de Oliveira Carvalho2, Deborah Brandão de Melo2
DOI: 10.1590/0103-11042019S612
RESUMO Este estudo objetivou relatar a condução de um Processo Circular como mediação para reso-
lução de conflitos entre os profissionais vinculados a uma Unidade Básica de Saúde de um município do
interior sergipano. Estudo descritivo, do tipo relato de experiência, que buscou descrever a aplicabilidade
do Processo Circular enquanto ferramenta para resolução de conflitos em uma equipe multiprofissional.
Os resultados evidenciaram que as práticas restaurativas devem ser implementadas rotineiramente, pois
apresentam sucesso não apenas para mediar conflitos, mas para preveni-los; após a efetivação do primeiro
círculo, surgiram colaboradores com perfil conciliador entre os colegas; o Processo Circular forneceu
ferramentas eficazes para a conciliação, motivação e mudança de postura entre os envolvidos; os processos
de trabalho passaram a ser avaliados com uso do círculo por favorecer a escuta empática e a promoção
de cultura da paz; essa ferramenta permitiu aos sujeitos se conscientizarem de suas próprias emoções
e posturas, refletindo positivamente no espaço de trabalho e na produção do cuidado. Dessa forma, os
Processos Circulares se constituem em um meio adequado para a resolução de conflitos interpessoais,
visto que favorece o diálogo entre as pessoas por busca de alternativas de soluções.
ABSTRACT This research aimed to report the mediation of conflicts between professionals linked to a Basic
Health Unit in a city in the state of Sergipe. A descriptive study of the experience report type that sought to
describe the applicability of the Circular Process as a form of conflict resolution with a multi-professional
team. The results showed that restorative practices should be routinely implemented, because they are
successful not only to mediate conflicts, but also to prevent them; after the first circle was held, there were
collaborators with a conciliatory profile among the colleagues; the Circular Process provided an effective
way to reconcile, motivate, and promote a change of attitude among those involved; the work processes began
to be evaluated with the use of the circle to favor the empathic listening and the promotion of a culture of
peace; this process allowed the subjects to perceive their own emotions and postures, reflecting positively
in the work environment and in people’s care. That way, it is demonstrated that the Circular Processes can
1 Universidade
offer an adequate means for the resolution of interpersonal conflicts, once it promotes the dialogue between
Federal
de Sergipe (UFS) – São people in search of alternative solutions.
Cristóvão (SE), Brasil.
glebsonmoura@yahoo.
com.br
KEYWORDS Organization and administration. Interpersonal relations. Primary Health Care.
2 SecretariaMunicipal de
Saúde – Frei Paulo (SE),
Brasil.
Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative
Commons Attribution, que permite uso, distribuição e reprodução em qualquer
meio, sem restrições, desde que o trabalho original seja corretamente citado. SAÚDE DEBATE | RIO DE JANEIRO, V. 43, N. ESPECIAL 6, P. 129-137, DEZ 2019
130 Silva GM, Carvalho DPFO, Melo DB
Convém referir que a participação dos pro- e generoso; em que a comunicação seja enten-
fissionais ocorreu de maneira voluntária, e dida em uma maneira de tratar o outro com
frisa-se a importância desse voluntariado uma o devido respeito que deve existir entre os
vez que, nesses processos, sempre ocorre ex- indivíduos, buscando primeiro o entendimento
posição de pensamentos e experiências, muitas dos fatos despido dos pré-julgamentos, ou seja,
vezes pessoais e subjetivas. Por isso, reitera-se uma forma pacífica de convivência em socie-
a perspectiva do envolvimento das pessoas no dade. Ao se expressar, diferentes maneiras de
PC sem qualquer obrigatoriedade, uma vez que encarar a vida e atuar diante dos problemas
fortalece o sentimento de fazer parte de um emergentes são demonstradas. Por isso, a im-
grupo e o compromisso de cumprir o acordado, portância da convivência, adaptação, diálogo,
evitando, assim, a reincidência do conflito12. interação e cooperação entre os sujeitos em
Em adição à espontaneidade dos indivíduos, prol da criação de vínculos.
A experiência da CNV13 não é habitual para
a Comunicação Não Violenta (CNV) apare- muitos de nós e é de grande relevância para a
ce com os melhores resultados nas práticas vida profissional e social, como trabalhar a au-
restaurativas e orienta como devemos nos ex- toempatia e a empatia na conexão com o outro,
pressar e ouvir as pessoas para que haja um no sentido de entender enquanto ser humano e
bom diálogo7(53). compreender o ponto de vista do outro, uma vez
que trabalhar com pessoas requer estabelecer
Ademais, para sua efetivação, existem contato, comunicar-se, interagir e cooperar, ou
quatro elementos-chave que a estruturam e seja, é muito mais que transmitir uma informa-
que devem ser respeitados, que são: ção, mas se comprometer com o entendimento.
Trata-se de um processo adaptativo, no qual se
observar sem julgar, identificar e expressar as faz necessário compartilhar espaços físicos,
necessidades (do outro e minhas), nomear os compreender e respeitar os espaços cognitivo
sentimentos envolvidos (do outro e meus) e e emocional de cada pessoa14,15.
formular pedidos claros e possíveis13(3). Nos espaços de vida social, como no traba-
lho, o sujeito precisa reconhecer a necessidade
A comunicação entre as pessoas nunca deve do outro, isso o humaniza e o faz compre-
ocorrer por meio de avaliações da pessoa ob- ender com singularidade. Dito isso, infere-
servada, pois a tendência será de resistência, -se que, muitas vezes, essa necessidade é de
de defesa ou de ataque, uma vez que a recep- fala, e quando não lhe é dada a possibilidade
ção da fala pode ser refletida como crítica de se expressar, os conflitos emergem e se
ou julgamento ao pronunciado. Portanto, a sobrepõem nas relações interpessoais. Por
CNV consiste na habilidade adquirida para esse motivo, aprender a enxergar o outro,
se expressar e se comunicar para que haja ouvir e compreendê-lo se constituem em um
entendimento, e isso pode acontecer pela re- dos maiores desafios no desenvolvimento de
formulação da maneira como as palavras são equipes de trabalho, em um contexto no qual a
verbalizadas ao fazer escolhas adequadas com empatia pode exercer um papel fundamental16.
o uso consciente delas, assim como da escuta A figura do facilitador se manifesta enquan-
ativa sem pré-julgamentos ou valorização de to articulador que pode favorecer o desen-
expressões em detrimento de outras ou frag- volvimento dessa relação saudável entre os
mentos de situações sem análise de contexto. indivíduos que refletirá diretamente no am-
A CNV3 é de grande valia ao trabalho co- biente de trabalho. O facilitador12 é o responsá-
laborativo, visto que traz a promessa de que vel por auxiliar na formação e na organização
todos os envolvidos se comportem uns com os do círculo, na criação do ambiente seguro,
outros de um modo mais bondoso, respeitoso para que as pessoas se sintam à vontade para
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Recebido em 24/02/2019
9. Boqué MCT. Cultura da Mediação e Mudança Social. Aprovado em 16/11/2019
Conflito de interesses: inexistente
Porto: Ciências da Educação-Século XXI; 2008.
Suporte financeiro: não houve