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CECÍLIA BRUM DE MORAES

CONCEITUANDO

CONTOS
Conceitos, exemplos e exercícios

Material didático interativo resumido

Novembro de 2022
CONCEITUANDO
CONTOS
Conceitos, exemplos e exercícios

Universidade do Vale do Itajaí


Licenciatura em Letras - Língua Portuguesa,

Literatura e suas respectivas tecnologias


Disciplina de Pesquisa e Conhecimento
Orientação: Profª Adriana Stela Bassini Edral

Autora: Cecília Brum de Moraes


2022

2
Como usar este livro?

Este material didático interativo pode ser aproveitado por

estudantes desde o Ensino Médio até a graduação.


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3
O que conta o Conto?

O que conta o conto? 5

Gêneros textuais 6

Tipos Textuais 6

Índice Estrutura Narrativa

Conto em conceito

Podcast
7

11

Exemplos e sugestões de leitura

O dia em que Urano entrou em Escorpião 12

Ardente 21

Dois Corpos que Caem 24


Micro-contos 25

Contos Clássicos 28

Exercícios

Questões 30

Gabarito 36

Referências

Referências 37

4
O que conta o conto?
Antes de conceituar um
conto, é necessário com-
preender o que são gêneros
textuais, afinal, o conto é
apenas um dentre as tantas
possíveis estruturas narra-
tivas, e as estruturas
narrativas são um dos
muitos tipos textuais
estudados.
Este primeiro momento
pode parecer confuso, e para
tornar mais tranquila a
compreensão, vamos
afunilando os conceitos um
a um, começando por
gêneros textuais, estreitando
o caminho até o conceito de
conto, foco deste material,
onde nós vamos detalhar,
estudar e trabalhar esta
estrutura narrativa que têm
complexidade construída
em sua simplicidade.

5
Gêneros textuais

De forma geral, os gêneros textuais se referem às


diversas aplicações do fenômeno da linguagem em
formato textual.
É importante não confundir gênero textual e gênero
literário. Enquanto o textual busca estudar e categorizar
todos os possíveis formatos de aplicação da língua em
texto, o literário abrange apenas os textos de caráter
mais artístico, ou seja, textos de função literária,
literalmente.
O conto, que estudaremos ao longo deste material,
pode ser estudado tanto dentro dos gêneros textuais,
quanto dentro dos gêneros literários. Mas uma bula de
remédio ou uma receita culinária, por exemplo, não são
gêneros literários, mas podem ser estudados dentro de
tipos e gêneros textuais.

Tipos Textuais

Enquanto gêneros textuais costumam ser


categorizados segundo seus fenômenos sociais e estilos
de escrita, os Tipos Textuais, por sua vez, "são definidos
pelo seu critério textual e linguístico, isto é, por meio da
sua natureza linguística (elementos lexicais, sintáticos,
tempos verbais, etc.)" (Bizello, 2020, p. 11).

6
Os Tipos Textuais são divididos entre Narrativo,
Argumentativo, Expositivo, Descritivo e Injuntivo. Como
estamos focando em contos, falaremos sobre o tipo
narrativo.

Estrutura Narrativa

O tipo textual narrativo constitui de textos corridos


(ou seja, escritos em prosa), mas há alguns elementos
essenciais para a sua devida caracterização.
Segundo Flach e Gonçalves (2020, p.100), para que
um gênero textual seja considerado do tipo narrativo,
um dos principais elementos que deve apresentar é a
relação temporal dos fatos que estão sendo contados e
a possibilidade de se constituir uma linha do tempo
destes fatos, por mais que eles sejam narrados de forma
não cronológica. Outros elementos que constituem o
tipo narrativo são narrador (que pode ser em primeira
ou terceira pessoa), personagem (que pode ser apenas
um ou diversos, pode ser o próprio narrador, podem ser
objetos personificados...), enredo e espaço, além do
tempo já mencionado.
O gênero Romance, por exemplo, é considerado do
tipo narrativo, mas há algumas diferenças com relação
ao conto. O Romance é, em geral, um texto mais
extenso, e possui uma grande quantidade dos
elementos narrativos mencionados.

7
Conto em conceito

Para começar a compreensão do conto, elencamos


alguns significados atribuídos à esta palavra.
O dicionário Oxford define, dentro de literatura, a
palavra conto (2022) como uma "narrativa breve e
concisa, contendo um só conflito, uma única ação (com
espaço ger. limitado a um ambiente), unidade de
tempo, e número restrito de personagens".
Flach (2018, p. 81) entende que o conto é "uma
narrativa curta em torno de acontecimentos que
despertam interesse no público leitor pela
problematização de questões e situações".
Podemos alinhar esta definição de Flach com a
compreensão de Gotlib (1990, p. 17) de que o conto é
diferenciado dos demais gêneros narrativos pela forma,
ou modo, como a história é narrada, e que "a ordem dos
fatores altera profundamente o produto" ao se tratar de
contos literários (QUIROGA apud. GOTLIB, 1990, p. 17).
Desta forma, é possível compreender o conto como
um texto rápido, que se diferencia do romance por
focar em um único fato e que dispõe da organização do
tempo como principal recurso para prender a atenção
do leitor.
Apesar do tempo ser este recurso tão valioso do
conto, que pode ter suas perspectivas alteradas,
distorcidas, moldadas, recortadas e coladas pelo autor
em função da história, Cortazar (2006, p. 152) afirma que

8
um conto deve ser "incisivo, mordente, sem trégua
desde as primeiras frases". Sendo assim, além de
recurso, o tempo também é o maior obstáculo do
escritor de contos.
O conto, como gênero textual e literário, pode
parecer simples pelo seu tamanho, quantidade de
elementos e conteúdo, mas é justamente nesta
aparente simplicidade que reside a complexidade, onde
ganha a apreciação dos leitores mais críticos e desafia a
técnica dos escritores mais experientes.
E falando em desafio, o conto também nos desafia
nesta tarefa de conceituá-lo. Os conceitos até então
elencados, parecem limitados ou mesmo abrangentes
demais, e recorrem à comparação e diferenciação de
outro gênero (como o romance) ou a sua caracterização
(curto, em torno de um único fato, etc). Cortazar (2006,
p. 150) trata desta dificuldade ao afirmar sobre como é
complexo conseguir uma "ideia viva" do que seria um
conto, visto que conceituar o conto poderia limitá-lo e
encarcerá-lo numa categoria, porém é de extrema
importância que encontremos uma "ideia viva" do que é
este conto, e para Cortazar, nada define melhor um
conto do que o próprio conto.
Até mesmo Mario de Andrade (apud. GOTLIB, 1990,
p. 9) afirma que, na busca para encontrar e definir a
forma do conto, apenas encontrou o conto "indefinível,
insondável, irredutível a receitas".
Então como conceituar algo tão "indefinível", como
afirmam Mario de Andrade e Cortazar? Ou ainda, como
estudar uma "Teoria do Conto", como Nadia B. Gotlib
bus 9
estudar uma "Teoria do Conto", como Nadia B. Gotlib
busca estudar, se não conseguimos nem mesmo definir
o objeto de estudo?
Esta problemática parece ser comum no meio da
teoria literária. Eagleton (2019, p. 16) afirma que
"qualquer ideia de que o estudo da literatura é o estudo
de uma entidade estável e bem definida, tal como a
entomologia é o estudo dos insetos, pode ser
abandonada como uma quimera". Esta afirmação se
complementa com o que Souza (2018, p. 40-41) fala
sobre a definição do objeto de estudo em literatura:

"Para definir o objeto da teoria da literatura, a


primeira dificuldade diz respeito à significação instável
da palavra literatura. Delimitar o sentido desse
vocábulo é uma tarefa prévia indispensável, pois a
teoria da literatura, como as demais ciências humanas
ou sociais, não tem uma terminologia especializada
estabelecida por convenção universal."

Os mesmos dizeres de Eagleton e Souza sobre


literatura poderiam ser afirmados em relação a tudo
que está dentro da literatura, como é o caso do conto e
sua teoria.
Assim retomamos o pensamento de Cortazar: a
melhor forma de definir um conto é com o próprio
conto. Por este motivo, neste material, você encontra
uma série de diferentes exemplos de contos e sugestões
de leitura, escolhidos criteriosamente, para representar
as mais diversas manifestações do conto.

10
Podcast
O que conta um conto?

11
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O dia em que Urano entrou em Escorpião

Estavam todos mais ou menos em paz quando o


rapaz de blusa vermelha entrou agitado e disse que
Urano estava entrando em Escorpião. Os outros três
interromperam o que estavam fazendo e ficaram
olhando para ele sem dizer nada. Talvez não tivessem
entendido direito, ou não quisessem entender. Ou não
estivessem dispostos a interromper a leitura, sair da
janela nem parar de comer a perna de galinha para
prestar atenção em qualquer outra coisa,
principalmente se essa coisa fosse Urano entrando em
Escorpião, Júpiter saindo de Aquário ou a Lua fora de
curso.
Era sábado à noite, quase verão, pela cidade havia
tantos shows e peças teatrais e bares repletos e festas e
pré-estréias em sessões da meia-noite e gente se
encontrando e motos correndo e tão difícil renunciar a
tudo isso para permanecer no apartamento lendo,
espiando pela janela a alegria alheia ou tentando
descobrir alguma lasca de carne nas sobras frias da
galinha de meio-dia. Uma vez renunciado ao sábado, os
três ali ouvindo um velho Pink Floy d baixinho para que,
como da outra vez, os vizinhos não reclamassem e
viessem a polícia e o síndico ameaçando aos berros
acabar com aquele antro (eles não gostavam da
expressão, mas era assim mesmo que os vizinhos, o
síndico e a polícia gritavam, jogando livros de segunda

13
mão e almofadas indianas para todos os lados, como se
esperassem encontrar alguma coisa proibida) ― renun-
ciando pois ao sábado, e tacitamente estabelecida a
paz com o baixo volume do som e a quase nenhuma
curiosidade em relação uns aos outros, já que se
conheciam há muito tempo, eles não queriam ser
sacudidos no seu sossego sábia e modestamente
conquistado, desde que a noite anterior revelara
carteiras e bolsos vazios. Então olharam vagamente
para o rapaz de camisa vermelha parado no meio da
sala. E não disseram nada.
Aquele que tinha saído da janela fez assim como se
estivesse prestando muita atenção na música, e falou
que gostava demais daquele trechinho com órgão e
violinos, que parecia uma cavalgada medieval. O rapaz
de camisa vermelha percebeu que ele estava tentando
mudar de assunto e perguntou se por acaso ele já tinha
visto alguma vez na vida alguma cavalgada medieval.
Ele disse que não, mas que com o órgão e todos aqueles
violinos ao fundo ficava imaginando um guerreiro de
armadura montado num cavalo branco, correndo
contra o vento, assim tipo Távola Redonda, a silhueta de
um castelo no alto da colina ao fundo ― e o guerreiro
era medieval, acentuou, disso tinha certeza. Ia continuar
descrevendo a cena, pensou em acrescentar pinheiros,
um crepúsculo, talvez um quarto crescente mourisco,
quem sabe um lago até, quando a moça com o livro nas
mãos tornou a baixar os óculos que erguera para a testa
no momento em que o rapaz de camisa vermelha
entrou, e leu um trecho assim:
14
Os homens são tão necessariamente loucos que não
ser louco seria uma outra forma de loucura.
Necessariamente porque o dualismo existencial torna
sua situação impossível, um dilema torturante. Louco
porque tudo o que o homem faz em seu mundo
simbólico é procurar negar e superar sua sorte grotesca.
Literalmente entrega-se a um esquecimento cego
através de jogos sociais, truques psicológicos,
preocupações pessoais tão distantes da realidade de
sua condição que são formas de loucura ― loucura
assumida, loucura compartilhada, loucura disfarçada e
dignificada, mas de qualquer maneira loucura.
Quando ela parou de ler e olhou radiante para os
outros, o que tinha saído da janela voltara para a janela,
o rapaz de camisa vermelha continuava parado e meio
ofegante no meio da sala enquanto o outro olhava para
o osso descarnado da perna de galinha. Disse então que
não gostava muito de perna, preferia pescoço, e isso era
engraçado porque passara por três fases distintas: na
infância, só gostava de perna, na casa dele aconteciam
brigas medonhas porque eram quatro irmãos e todos
gostavam de perna, menos a Valéria, que tinha nojo de
galinha; depois, na adolescência, preferia o peito,
passara uns cinco ou seis anos comendo só peito ― e
agora adorava pescoço. Os outros pareceram um tanto
escandalizados, e ele explicou que o pescoço tinha
delícias ocultas, assim mesmo, bem devagar, de-lí-ci-as-
o-cul-tas, e nesse momento o disco acabou e as palavras
ficaram ressoando meio libidinosas no ar enquanto ele
olhava para o osso seco.
15
O rapaz de camisa vermelha aproveitou o silêncio
para gritar bem alto que Urano estava entrando em
Escorpião. Os outros pareceram perturbados, menos
com a informação e mais com o barulho, e pediram
psiu, para ele falar baixo, se não lembrava do que tinha
acontecido a última vez. Ele disse que a última vez não
interessava, que agora Urano estava entrando em
Escorpião, ho-je, falou lentamente, olhos brilhando.
Ele estava lá há uns cinco anos, acrescentou, e os
outros perguntaram ao mesmo tempo ele-quem-
estava-onde? Urano, o rapaz de camisa vermelha
explicou, na minha Casa oito, a da Morte, vocês não
sabem que eu podia morrer? e pareceria aliviado, não
fosse toda aquela agitação. Os outros entreolharam-se e
a moça com o livro nas mãos começou a contar uma
história muito comprida e meio confusa sobre um
garoto esquizofrênico que tinha começado bem assim,
ela disse, a curtir coisas como alquimia, astrologia,
quiromancia, numerologia, que tinha lido não sabia
onde (ela lia muito, e quando contava uma história
nunca sabia ao certo onde a teria lido, às vezes não
sabia sequer se a tinha vivido e não lido). Acabou no
Pinel, contou, é assim que começam muitos processos
esquizóides. Olhou bem para ele ao dizer processos
esquizóides, os outros dois pareceram muito
impressionados e tudo, não se sabia bem se porque
respeitavam a moça e a consideravam superculta ou
apenas porque queriam atemorizar o rapaz de camisa
vermelha.

16
De qualquer forma, ficou um silêncio cheio de becos
até que um dos outros se moveu da janela para virar o
disco. E quando as bolhas de som começaram a
estourar no meio da sala todos pareceram mais
aliviados, quase contentes outra vez.
Foi então que o rapaz de camisa vermelha tirou da
bolsa um livro que parecia encadernado por ele mesmo
e perguntou se eles entendiam francês. Um dos rapazes
jogou o osso de galinha no cinzeiro, como se quisesse
dizer violentamente que não, olhando para o que estava
na janela, e que já não estava mais na janela, mas sobre
o tapete, remexendo nos discos. Parou de repente e
olhou para a moça, que hesitou um pouco antes de
dizer que entendia mais ou menos, e todos ficaram
meio decepcionados. O rapaz de camisa vermelha falou
baixinho que não tinha importância, e começou a ler
um negócio assim:
"La position de cet astre en secteur situe le lieu ou
1’être dégage au maximum son individualité dans une
voie de supersonnali-sation, a Ia faveur d’un
développement d’énergie ou d’une croissance
exagerée qui est moins une abondance de force de vie
qu’une tension particulière d’enérgie. lei, l’être tend à
affir-mer une volonté lucide d’independence qui peut
le conduire à une expression supérieure et originale de
sa personalité. Dans Ia dissonance, son exigence
conduit à 1’insensibilité, à Ia dureté, à 1’excessif, à
1’extremisme, jusqu’au boutisme, à 1’aventure, aux
bouleversements."

17
Parou de ler e olhou para os outros três devagar, um
por um, mas só a moça sorriu, dizendo que não sabia o
que era bouleversements. Um dos rapazes lembrou que
boulevard era rua, e que portanto devia ser qualquer
coisa que tinha a ver com rua, com andar muito na rua.
Ficaram dando palpites, um deles começou a
procurar um dicionário, o rapaz de blusa vermelha
olhava de um para outro sem dizer nada.
Depois que todos os livros foram remexidos e o
dicionário não apareceu e o outro lado do disco
também terminou, ele repetiu separando bem as
sílabas e com uma pronúncia que os outros, sem dizer
nada, acharam ótima:
"L’être tend à affirmer une volonté lucide
d’independence qui peut le conduire à une expression
supérieure et originale de sa personalité."
Então perguntou se os outros entendiam, eles
disseram que sim, era parecidinho com português,
lucide, por exemplo, e originale, era super fácil. Mas não
pareciam entender. Aí os olhos dele ficaram muito
brilhantes outra vez, parecia que ia começar a chorar
quando de repente, sem que ninguém esperasse, deu
um salto em direção à janela gritando que ia se jogar,
que ninguém o compreendia, que nada valia mais a
pena, que estava de saco cheio e não apostava um puto
na merda de futuro.
O rapaz de camisa vermelha chegou a colocar uma
das pernas sobre o peitoril, abrindo os braços, mas os
outros dois o agarraram a tempo e o levaram para o

18
quarto, perguntando muito suavemente o que era
aquilo, repetindo que ele estava demais nervoso, e que
estava tudo bem, tudo bem. A moça de óculos ficou
segurando a mão dele e passando os dedos no seu
cabelo enquanto ele chorava, um dos rapazes disse que
ia até a cozinha fazer um chá de artemísia ou camomila,
a moça falou que cidró é que era bom pra essas coisas,
o outro falou que ia colocar aquele disco de música
indiana que ele gostava tanto, embora todo mundo
achasse chatíssimo, só que precisou botar bem alto
para que pudessem ouvir do quarto. O chá veio logo,
quente e bom, apareceu um baseado que eles ficaram
fumando juntos, um de cada vez, e tudo foi ficando
muito harmonioso e calmo até que alguém começou a
bater na porta tão forte que pareciam pontapés, não
batidas.
Era o síndico, pedindo aos berros para baixar o som e
falando aquelas coisas desagradáveis de sempre. A
moça de óculos disse que sentia muito, mas
infelizmente naquela noite não podia baixar o volume
do som, não era uma noite como as outras, era muito
especial, sentia muito. Tirou os óculos e perguntou se o
síndico não sabia que Urano estava entrando em
Escorpião.
Lá no quarto, o rapaz de blusa vermelha ouviu e deu
um sorriso largo antes de adormecer com os outros
segurando nas suas mãos.

19
Então sonhou que deslizava suavemente, como se
usasse patins, sobre uma superfície dourada e luminosa.
Não sabia ao certo se um dos anéis de Saturno ou uma
das luas de Júpiter. Talvez Titã.

20
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de
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ar
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e
Mo
ra
es

21
Ardente

Eu lembro de você tocar meu rosto com as duas


mãos, sorrindo, ambos nus, quando me dirigiu a
pergunta:
“Onde você estava este tempo todo?”
Onde você estava este tempo todo? Como eu não
pude te encontrar antes? Ou ao menos te direcionar o
olhar? Como nossos corpos não estremeciam apenas
com a presença um do outro, apenas com a mera
proximidade da nossa energia? Como não prevemos
que seria tão explosivo?
Minhas pernas bambeiam no mais breve flash de
lembrança daquele momento.
Tão único. Tão incrível.
Nossos corpos nunca haviam se tocado antes, mas
era como se nós soubéssemos o caminho exato a anos.
Era como se eu estivesse visitando um lugar que
conheço a muito tempo...
Eu sabia como te tocar. Onde te tocar. A intensidade.
Todos os trejeitos que te enlouquecem.
Você sabia como me tocar. Onde me tocar. A
intensidade. Todos os trejeitos que me enlouquecem.
O fogo foi tamanho, que nos queimamos à exaustão
completa.
Completamente suados, apaixonados, surpreendidos.

22
Eu estava entregue. Era totalmente sua e eu podia
sentir que naquele momento único você foi
completamente meu. O prazer e a paixão eram nítidos
em seu olhar, no seu sorriso, na forma como você me
tocava e eu posso afirmar, meu amor! Ninguém jamais
me tocou da forma como você me tocou! E como tocou!
E me tocou não apenas no meu íntimo físico mas
também no íntimo de minha alma! No âmbito da vida,
da paixão verdadeira. Aquela paixão verdadeira, que flui
de um espectro extremamente carnal ao puramente
espiritual. Você me possuiu nua de verdade. E juntos
experimentamos como o amor realmente deveria ser.
Foi intenso. O fogo ardeu extremo. E não nos queimou
apenas até a exaustão...

Nos queimou até que não restasse nada de nós.


E este foi nosso maior erro...

23
Dois corpos que

caem
João Silvério Trevisan

Interpretado por
Antonio Abujamra

24
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co
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s

25
Ernest Hemingway

Vende-se: sapatos de bebê, sem uso.

Augusto Monterroso

Quando ele abriu os olhos, o dinossauro ainda estava


lá.

Ulisses Matos

O novo governo achou a solução em um livro de


Orwell: uma nova língua, em que certas palavras não
existiriam. Ela apoiou, pois era contra palavras que
gente que desprezava usava. Mas o líder foi além: um
limite de palavras que alguém poderia usar durante a
vida. Foi protestar mas

26
José Maria Merino

O homem estava invisível, mas ninguém percebeu.

Marcelo Rota

Morreu.

Zak Nelson

Eu ainda faço café para dois.

Marcio Markendorf

– Machucou?
– Quê?
– Quando você caiu em si?

27
Contos Clássicos

Machado de Assis- O alienista

Edgar Allan Poe- Gato Preto

28
Contos Clássicos

Filme - O Alienista

29
Exercícios
Questão 1 (Unifil 2020 - adaptada)

Escolha a alternativa que melhor se aproxima do


conceito de conto:

a) É uma narrativa longa, que pode ser comparado a um


romance, apresenta complicações no enredo, análises
minuciosas, tempo e espaço limitados.

b) É uma narrativa curta, comparada a um romance,


que apresenta um flagrante sem tantas análises
minuciosas ou complicações no enredo e apresenta
tempo e espaço delimitado.

c) É uma descritiva, com uma amostragem da vida real,


incertezas, dúvidas, mistérios e analogias feitas para
aguçar o senso crítico.

d) É uma narrativa intermediária, apresenta enredo


linear, predomina ações sobre as análises e as
descrições são selecionados nos momentos de crises
para impulsionar a narrativa para o final.

e) É uma narrativa curta que, da mesma forma que um


romance, possui elementos de tempo, espaço e
personagens, sem possuir um único fato central.

30
Questão 2 (UEA - SIS - Adaptada)

Em “O alienista”, o narrador machadiano dirige-se,


inúmeras vezes, diretamente ao leitor. Esta é mais uma
técnica que pode ser utilizada pelo contista para
imersão do leitor no conteúdo da obra.
Em qual trecho da obra podemos observar a
aplicação desta técnica?

a) “Era a vez da terapêutica. Simão Bacamarte, ativo e


sagaz em descobrir enfermos, excedeu-se ainda na
diligência e penetração com que principiou a tratá-los.”

b) "Respondiam-lhe ora uma coisa, ora outra; afinal


disseram-lhe a verdade inteira.”

c) "Agora, se imaginais que o alienista ficou radiante ao


ver sair o último hóspede da Casa Verde, mostrais com
isso que ainda não conheceis o nosso homem.”

d) "No fim de cinco meses e meio estava vazia a Casa


Verde; todos curados!”

e) "Neste ponto todos os cronistas estão de pleno


acordo: o ilustre alienista fez curas pasmosas, que
excitaram a mais viva admiração em Itaguaí."

31
Questão 3

Sobre o gênero conto, assinale a alternativa falsa:

a) É um tipo textual narrativo, que possui um enredo


com um espaço e um tempo definidos, mesmo que seja
contado em ordem não-cronológica.

b) É uma narrativa curta, que pode ser consumida de


maneira rápida pelo leitor, que não precisa pausar suas
leitura e dissipar o seu foco da narrativa devido o tempo
demandado.

c) Esta forma de narrativa nunca apresenta um fato em


sua ordem cronológica, sendo o enredo não-
cronológico a principal característica que justifica a
capacidade do conto de reter a atenção do autor.

d) O conto é uma narrativa cujo enredo costuma focar


em um único acontecimento ou problemática, com
ambientação limitada.

e) Em geral, contos clássicos prendem o leitor devido a


constituição da tensão, clímax e resolução em um
enredo curto, com pouco espaço para descrições e
analogias complexas.

32
Questão 4

A respeito da obra "Ardente", de Clarice Moraes,


assinale a alternativa que justifica corretamente que
esta narrativa se trata de um conto:

a) É uma narrativa curta que, mesmo com poucos


personagens, trata dos múltiplos conflitos e de fatos
individuais das vidas de cada personagem a fim de
contextualizar o enredo.

b) É uma narrativa dramática, com uma ambientação


complexa e aprofundamento dos diversos conflitos que
os personagens vivem.

c) É uma narrativa com muitos personagens e diversos


conflitos em focos, mas com um enredo curto e
sintetizado.

d) É uma narrativa relativamente longa, mas com


poucos personagens, focada em um único
acontecimento.

e) É uma narrativa curta, com poucos personagens,


baixa complexidade de ambientação, com foco em um
único conflito central.

33
Questão 5

Das alternativas a seguir, assinale a única que


apresenta características comuns entre os gêneros
literários romance e conto:

a) Foco em um único conflito ou problemática.

b) Ações ocorrem num determinado tempo e espaço,


dentro de um enredo com personagens.

c) Narrativas com enredos igualmente complexos, com


uma série de conflitos e vários focos de ação que são
descritos com profundidade.

d) Textos escritos em versos, com métrica altamente


valorizada, e temática subjetiva.

e) Narrativas curtas, com número reduzido de páginas.

34
Questão 6 (FLACH; GONÇALVES, 2018, p. 78)

O escritor Cortázar (1993, p. 152) compara a leitura a


uma luta de boxe: “[...] nesse combate que se trava entre
um texto apaixonante e o leitor, o romance ganha
sempre por pontos, enquanto que o conto deve ganhar
por knock-out [...]”. Essa metáfora leva em consideração:

a) a tensão dramática.

b) o tipo de narrador.

c) a origem erudita do romance e a popular do conto.

d) a maior violência presente nos contos.

e) o maior reconhecimento do conto em comparação


com o romance

35
Gabarito
Questão Alternativa

1 a

2 c

3 c

4 e

5 b

6 e

36
Referências

ABREU, Caio Fernando. O dia que Urano entrou em


Escorpião. In: _____. Morangos mofados. Rio de janeiro:
Editora Agir, 2005
ASSIS, Machado de. O Alienista. Rio de Janeiro : Nova
Aguilar 1994. Disponível em: <http://www.dominiop
ublico.gov.br/download/texto/bv000231.pdf>. Acesso
em: 29 de Novembro de 2022.
BIZELLO, Aline, et. al. Gêneros textuais didáticos e
análise de materiais didáticos de letras. Porto Alegre:
Sagah, 2020.
CASOS ESPECIAIS: O ALIENISTA; Direção: NANINI,
Marco. Rio de janeiro: Globo Filmes, 1993 (44 min).
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?
v=Cu7QifQPrgc>. Acesso em: 03 de Dezembro de 2022.
CONTO. In: Dicionário de Português da Google:
Oxford Languages, 2022. Disponível em:
<https://www.google.com/search?q=defina+conto>.
Acesso em: 5 de Dezembro de 2022.
CONTOS DA MEIA NOITE: CORPOS QUE CAEM;
Direção: SANTOS, Eder. São Paulo: TV Cultura, 2003 (4
min). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?
v=rT7Ql3gXPlM>. Acesso em: 29 de Novembro de 2022.

37
CORTAZAR, Júlio. Alguns Aspectos do conto. In: ____.
Valise de Cronópio. São Paulo: Perspective, 2006, p. 142-
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<https://edisciplinas.usp.br/mod/resource/view.php?id=
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