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VOTO Nº

Apelação: 1005310-97.2019.8.26.0100
Origem: 42ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo
Apelante: Therry Esther Choulov Atias
Apelada: Zurich Santander Brasil Seguros e Previdência S/A

Apelação Cível. Justiça Gratuita deferida, comprovação


documental. Seguro de vida empresarial, contratação de 3
apólices. Ação de cobrança de indenização securitária e dano
moral. Sentença de improcedência. Insurgência da autora.
Contratos de seguro de vida na qual a segurada falecida era única
sócia. Cláusula das condições gerais do seguro que veda o
ingresso como segurado de pessoas maiores de 60 (sessenta)
anos em relação a uma das apólices, e na outra com mais de 70
(setenta) anos. Segurada que, quando da contratação dos
seguros, contava com 82 (oitenta e dois), 89 (oitenta e nove) e 92
(noventa e dois) anos de idade. Recusa da seguradora quanto ao
pagamento da indenização securitária. A cláusula que limita o
ingresso do segurado por sua idade não é abusiva, porque o fator
etário influi no risco coberto e, consequentemente, no custo do
negócio, desde que seja o contratante devidamente informado
dessa limitação.
Presunção de que a segurada teve ciência das condições gerais do
seguro quando de sua contratação por ser a administradora da
empresa que figurou como subestipulante. Impossibilidade de
recusa da seguradora quanto ao pagamento da indenização
securitária em razão da idade da segurada, única sócia da
empresa.
A seguradora, ao aceitar a proposta de seguro, e receber os
valores dos prêmios, tinha conhecimento da idade da única sócia
da empresa e gerou expectativa no segurado de que a
indenização securitária seria paga no caso de sinistro previsto na
apólice. Prestígio ao princípio da boa-fé contratual. Seguradora,
ademais, que tem o dever de exigir do segurado a documentação
necessária à análise da viabilidade da contratação do seguro, sob
pena de não o fazendo, se presumir que desejou celebrá-lo nas
condições verificadas no caso concreto.
Correção monetária do valor da indenização desde a data em que
houve a recusa da seguradora, ou seja, 31 de outubro de 2018,
incidindo sobre o débito, juros de mora no importe de 1% ao mês
desde a citação.
Sucumbência revertida em 10% do valor da condenação, mantida
a sucumbência devida ao Banco Santander em razão da exclusão.

Sentença reformada. Recurso parcialmente provido.

Vistos, etc.

De início cumpre a análise do pedido de Justiça Gratuita na


fase recursal.
A apelante pugnou pela benesse na petição inicial, que foi
indeferido pelo d. Juízo “a quo” às fls. 78, decisão que foi mantida por este
Colegiado no agravo de nº 2073665-54.2019.8.26.0000, ante a inércia da recorrente
em comprovar o alegado.
Reitera em sede recursal referido pedido, desta vez, instada
a se manifestar acerca da comprovação, a apelante colacionou as fls. 434/467, os
documentos que comprovam a incapacidade financeira e, portanto, justificam o
deferimento da benesse legal.

Trata-se de ação de cobrança de indenização securitária e


reparação de danos morais promovida por THERRY ESTER CHOULOV, filha da
segurada, contra BANCO SANTANDER(BRASIL) S/A e ZURICH SANTANDER BRASIL
SEGUROS E PREVIDÊNCIA S/A, objetivando o recebimento do capital segurado de R$
338.420,61, bem como indenização por dano moral de R$ 101.526,19.

Regularmente citada, a corré ZURICH apresentou


contestação, suscitando, preliminar de ilegitimidade ativa parcial, pois a segurada
falecida tinha dois filhos, de forma que a autora não poderia pleitear a totalidade da
indenização. No mais, sustentou que a segurada tinha conhecimento, no ato da
assinatura da proposta de adesão, que, em relação à apólice 3419, não são elegíveis
pessoas maiores de 60 (sessenta) anos e que, em relação à apólice nº 114148, não
são elegíveis pessoas com mais de 70 (setenta) anos, tendo ela concordado com as
cláusulas constantes das condições gerais. Além disso, no ato das assinaturas das
propostas de adesão, a segurada estava com 82 (oitenta e dois), 89 (oitenta e nove)
e 92 (noventa e dois) anos de idade. Acrescentou ainda que, por conta das causas
do óbito, deveria ser realizada uma perícia indireta, a fim de se verificar a existência
de doença preexistente à contratação. Por fim, impugnou o pedido de indenização
por dano moral. Apresentou os documentos que entendeu necessário (fls.
125/246).

O corréu Banco Santander também citado, apresentou


contestação, preliminarmente alegando a ilegitimidade passiva, sob a alegação de
que apenas realizou a intermediação na contratação de seguros, na condição de
mero estipulante, garantido pela corré Zurich e requereu a extinção do processo
(fls. 247/252).
Réplicas às fls. 321/335 e 336/341.

Pelo MM. Juízo “a quo”, os pedidos foram julgados


improcedentes. O processo foi julgado extinto, sem resolução de mérito, por
ilegitimidade passiva do corréu Banco Santander (Brasil) S/A, e a autora condenada
ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios, fixados
em R$ 3.000,00 (três mil reais), com fundamento no art. 85, § 8º, Código de
Processo Civil, e no entendimento contido no REsp nº 1864345/SP (2020/0050438-
0) do Superior Tribunal de Justiça.

Com relação à corré Zurich Santander Brasil Seguros e


Previdência S/A, julgou-se improcedente a demanda, extinguindo o processo, com
resolução de mérito, nos termos do art. 487, I, do código citado. Condenando-se a
autora ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios,
fixados em R$ 3.000,00 (três mil reais), por equidade, com fundamento no art. 85, §
8º, Código de Processo Civil, e no entendimento contido no REsp nº 1864345/SP
(2020/0050438-0) do Superior Tribunal de Justiça.

Opostos embargos de declaração pela autora, às fls.


364/377, porém, negado provimento, mantendo a sentença tal como proferida.

Apelou a autora em busca da reforma da r. sentença,


aduzindo em resumo que: i) após fornecer toda a documentação para o
recebimento do valor do seguro de vida, houve recusa do pagamento da
indenização, sob a alegação de que a proponente tinha idade superior à máxima
permitida; ii) as contratações eram feitas de forma automática, sem nenhuma
advertência da seguradora, por meio de débitos das parcelas em conta bancária; iii)
as contratações ocorreram sem observância dos critérios das normas de seguro da
SUSEP, onde só pode ser comercializada por meio de corretor de seguros habilitado,
para esclarecer as cláusulas e condições e ouvir e conferir da parte contratante se
aquele era seu perfil. Razão pela qual requer a reforma da sentença para o
recebimento do valor do capital segurado de R$ 338.420,61.

A corré “Zurich” apresentou contrarrazões às fls. 408/414,


pugnando pelo não provimento do recurso.

Não houve interesse da corré na realização de conciliação.

Não houve oposição ao julgamento virtual.

É o relatório.

VOTO

Preenchidos os requisitos intrínsecos de admissibilidade,


concernentes ao cabimento, legitimidade e interesse recursais, assim como os
extrínsecos relativos à tempestividade, regularidade formal, conheço do Recurso.
De início, compete registrar que esta demanda deve ser
analisada à luz do Código de Defesa do Consumidor, porquanto a apelante e a
apelada enquadram-se nos conceitos de consumidor e fornecedora,
respectivamente.
Como sabido, os contratos de seguros são pactos de adesão,
nos quais a composição do conteúdo é elaborada pela seguradora, sem participação
ou intervenção do segurado.

Em virtude disso, as suas cláusulas devem ser interpretadas


com razoabilidade e proporcionalidade, observando-se, sobretudo, a função social
do contrato e a boa-fé e adotando-se a interpretação mais favorável ao
consumidor.

Sobre o contrato de seguro, valiosas as lições de Sílvio de


Salvo Venosa:

"É contrato de adesão, como regra, pois se apresenta com


cláusulas predispostas ao segurado. Este não participa de sua
elaboração nem das condições gerais, na maioria das vezes
imposta pela Administração. O fato de serem adicionadas
cláusulas manuscritas ou datilografadas não lhe retira essa
característica: 'A inserção de cláusula no formulário não desfigura
a natureza de adesão do contrato' (art. 54, § 1º, do Código de
Defesa do Consumidor). Ocorre praticamente sem exceção a
padronização das cláusulas do contrato de seguro, ao menos
aquelas mais utilizadas. A interpretação, na dúvida, obscuridade
ou contradição deve favorecer o aderente-segurado. Ainda que
assim não fosse, o art. 47 do Código de Defesa do
Consumidor determina que as cláusulas sejam interpretadas da
maneira mais favorável ao consumidor." (Direito Civil: Contratos
em Espécie, vol. III, 3ª ed., SP: Atlas, 2003, pág. 379).

No caso dos autos, a sentença deve ser parcialmente


reformada.
Trata-se a empresa da segurada, de empresa individual que
no momento da contratação do seguro já contava com 82 anos.
Pode-se depreender dos autos que se a parte autora tivesse
ciência sobre a cláusula limitadora da idade para ter direito ao valor segurado, em
caso de sinistro, não teria contratado o seguro, visto que a única sócia da empresa,
já contava com idade superior à idade máxima, quando realizou a contratação do
seguro. De igual modo, exsurge cristalino da apólice, que a aludida cláusula
restritiva não foi redigida com destaque, a ponto de permitir a exata e imediata
compreensão de seu conteúdo pela contratante.

Apesar da proposta do seguro constar a declaração de que a


proponente teve ciência das condições gerais do seguro e que com elas concordou
integralmente, poderia a seguradora / apelada recusar a proposta oferecida pela
empresa proponente em razão de contar a sua ÚNICA sócia e beneficiária, com 82
anos nessa época.
Não há, contudo, qualquer manifestação de recusa ou
oposição da apelada nesse sentido, pelo contrário, durante o decorrer dos vários
anos de renovação automática do seguro, a apelada recebeu as parcelas referentes
ao valor do prêmio.
Conclui-se, portanto, que a parte apelada não cuidou de
verificar se a beneficiária preenchia os requisitos pré-determinados no ato da
contratação do seguro, tampouco comprovou referida conduta nos autos.

De assinalar-se que tem a apelada como atividade


profissional a comercialização de seguros, é de se esperar, portanto, que exija do
segurado as informações necessárias à análise da viabilidade da formalização do
contrato.
Não tendo ela, porém, cumprido tal diligência que lhe cabia,
aceitando proposta de seguro em favor de segurado com mais de 60 anos de idade,
presume-se que decidiu ela celebrar o contrato mesmo diante desse fato,
assumindo o risco do negócio, além de gerar expectativa no segurado de que a
indenização securitária seria paga no caso de sinistro previsto na apólice.

Ademais porque, admitir que a apelada aceite a proposta de


seguro e receba os valores dos prêmios sem se obrigar a oferecer a contraprestação
devida, seria infringir o princípio da boa-fé contratual.

Assim já decidiu esta Corte:

“APELAÇÃO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. SEGURO DE VIDA.


NEGATIVA DE INDENIZAÇÃO. LIMITAÇÃO DE IDADE PARA
CONTRATAR. Contratação sem exigir documento comprobatório
da idade. A recusa ulterior a realizar os pagamentos, sob a simples
alegação de que o segurado teria omitido sua idade, caracteriza
inequívoca conduta contraditória da ré, que, ao aceitá-lo como
segurado, criou-lhe uma justa expectativa. Vedação ao "venire
contra factum proprium". Incompatibilidade com a boa fé objetiva
(...). Negado provimento, com determinação (Apelação n°
0069700-87.2005.8.26.0002, Relator(a): Hugo Crepaldi, Comarca:
São Paulo, Órgão julgador: 25ª Câmara de Direito Privado, Data do
julgamento: 12/11/2012).

“Ação de cobrança de indenização securitária pela morte do


marido da autora, beneficiária de seguro de vida. Sentença de
procedência. Apelo da seguradora ré. Seguro de vida coletivo para
diretor e funcionários da empresa estipulante. Recusa da
seguradora ré no pagamento da indenização securitária fundada
na cláusula que limitou a idade do segurado a 60 anos. Segurado
falecido que na data da celebração do seguro tinha 68 anos.
Recusa da seguradora quanto ao pagamento da indenização
securitária pleiteada correspondente ao valor total do capital
segurado. A cláusula que limita o ingresso do segurado por sua
idade não é abusiva, porque o fator etário influi no risco coberto
e, consequentemente, no custo do negócio, desde, porém, que
seja o contratante devidamente informado dessa limitação.
Seguradora que aceitou a proposta e o pagamento do prêmio.
Conduta incompatível com a cláusula limitativa do ingresso do
seguro por idade avançada. Indenização devida. Apelo
parcialmente provido. Alteração, de ofício, do termo inicial da
correção monetária do valor da indenização. Juros de mora a
contar da citação.
(TJ-SP - AC: 30011233120138260582 SP 3001123-
31.2013.8.26.0582, Relator: Morais Pucci, Data de Julgamento:
27/05/2019, 35ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação:
13/06/2019)”

Não bastasse a prova de que a segurada agiu de boa-fé para


com apelada por ocasião do contrato, já que a contratação dos seguros tinham
renovações automáticas, debitadas diretamente de sua conta bancária, a apelada,
em nenhum momento, demonstrou que a segurada tenha agido de má-fé por
ocasião das renovações dos contratos.

Embora o contrato securitário possa conter cláusulas


limitativas de risco, impõe o código consumerista que tais condições sejam
redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão. A propósito,
dispõe o CDC:
“Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido
aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas
unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem
que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente
seu conteúdo.
(...)
§ 3º Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos
claros e com caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da
fonte não será inferior ao corpo doze, de modo a facilitar sua
compreensão pelo consumidor. (Redação dada pela nº 11.785, de
2008)
§ 4º As cláusulas que implicarem limitação de direito do
consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua
imediata e fácil compreensão.

No caso, as disposições normativas supracitadas foram


desatendidas, não havendo qualquer destaque maior quanto à limitação de idade,
em inobservância do dever de informação pela seguradora apelada. O que se
evidencia que a apelante agiu de boa-fé.

Assim, deve a seguradora arcar com o ônus do risco


contratual que lhe é imposto legalmente, devendo ser condenada no pagamento do
capital segurado de R$ 338.420,61.

Esse valor deveria ser atualizado monetariamente segundo


orientação fixada na Súmula 632 do STJ: "Nos contratos de seguro regidos
pelo Código Civil, a correção monetária sobre indenização securitária incide a partir
da contratação até o efetivo pagamento". Todavia, requerendo a apelante que a
correção monetária do valor da indenização se iniciasse a partir da data da recusa
do pagamento pela seguradora /apelada (31 de outubro de 2018), deve ser este o
termo inicial da correção monetária, sob pena de julgamento ultra petita.

Sobre o valor resultante deverão incidir juros moratórios de


1% ao mês desde a citação, conforme já decidido por esta Corte:

“AÇÃO DE COBRANÇA. SEGURO DE VIDA E ACIDENTES PESSOAIS


DOENÇA GRAVE (...) Mérito: doença preexistente à data de
contratação fato impeditivo da pretensão inicial ônus de prova
carreado à seguradora, nos termos do art. 333, II, do CPC, do qual
não se desincumbiu juros de mora incidentes sobre o valor da
condenação devem ser contados a partir da citação. RECURSO DA
RÉ PARCIALMENTE PROVIDO (Apelação n° 0005257-
85.2010.8.26.0218, Relator(a): Berenice Marcondes Cesar,
Comarca: Guararapes, Órgão julgador: 27ª Câmara de Direito
Privado, Data do julgamento: 11/06/2013)”

Em razão da reforma parcial da r. sentença, condeno a


apelada no pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios
de sucumbência no percentual de 10% sobre o valor da condenação.

Por essas razões DÁ-SE PROVIMENTO AO RECURSO,


reformando-se parcialmente a r. sentença.

Nuncio Theophilo Neto


Relator

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