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Isto não é Filosofia

Isto não é um Curso de História da Filosofia


Prof. Vitor Ferreira Lima
Licenciado em Filosofia (UFRRJ)

Sumário
Introdução........................................................................................................ 2
1. O Problema dos universais.............................................................................. 2
2. O nominalismo/conceitualismo de Ockham........................................................4
2.1 O primado do indivíduo.............................................................................. 4
2.2 O primado da experiência: intuição e abstração.............................................6
2.3 O nominalismo/conceitualismo....................................................................7
3. A navalha de Ockham.................................................................................... 8
Bibliografia....................................................................................................... 9

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Isto não é Filosofia
Isto não é um Curso de História da Filosofia
Prof. Vitor Ferreira Lima
Licenciado em Filosofia (UFRRJ)

Introdução

Nascido por volta de 1285-1290, no condado de Surrey, Guilherme de Ockham


fez parte da ordem dos franciscanos. Estudou em Oxford e lá se tornou bacharel
sentenciário em 1319. Não obteve o direito de estudar como mestre – o que lhe valerá
a alcunha de Venerabilis inceptor (venerável iniciante). À espera de um posto, redige a
primeira parte de seu Comentário das Sentenças (Ordinatio), requisito acadêmico
padrão à época.
Em 1323, o ex-chanceler da universidade, João Lutterell, obtém autorização
real para ir a Avignon submeter ao Papa uma lista de cinquenta e seis pedaços do
Comentário, segundo seu julgamento, perigosos. No ano seguinte, Ockham é
convocado junto à autoridade papal, João XXII, para responder às acusações.
Já em Avignon, na preparação de sua defesa, acontecem dois fatos que
influenciam sua vida diretamente. Primeiro, a proclamação da primazia do poder
temporal sobre o poder espiritual pelo imperador excomungado, Luís da Baviera,
provoca uma série de polêmicas sobre a natureza e os limites da autoridade política
até então instituída: o poder espiritual. Segundo, entra numa fase mais acirrada da
disputa sobre a pobreza de Cristo e de seus apóstolos que opõe o Papa à ordem
franciscana.
O general dos franciscanos, Miguel de Cesena, encarrega Ockham de
examinar criticamente as teses pontificiais em 1327. Em 1328, tanto Miguel de
Cesena, quanto Guilherme de Ockham, ameaçados, fogem para se refugiar com Luís
da Baviera.
Excomungado e exilado, Ockham se dedica à Filosofia Política – contestando o
poder do Papa – até a morte do imperador em 1347. Em 1349, morre na epidemia de
peste negra que arrasa parte da Europa.
Suas obras são1:
 Sobre lógica (Summa totius logicae e comentários sobre o Isagoge, de
Porfírio, o Categorias, o De Interpretatione e as Refutações sofísticas, de
Aristóteles – o todo constitui a Expositio aurea).
 Sobre física (Expositio, Summulae e Quaestiones).
 Sobre teologia (Comentário das Sentenças, Sobre a predestinação, a
presciência divina e os futuros contingentes e Sobre o sacramento do altar)

1. O Problema dos universais

A questão se origina com Boécio, cujas obras sobre lógica serviram de


fundamento para os medievais por muito tempo. Boécio responde a um problema
levantado – mas não respondido – por Porfírio (232-305), filósofo neoplatônico, na
obra Isagoge, uma introdução comentada ao Categorias, de Aristóteles2. Portanto, a

1 Ver DE LIBERA, 2017, p. 427.

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questão inicia no âmbito da lógica e tem repercussões na metafísica. As indagações


postas por Porfírio são:
1. Espécies e gêneros têm existência real ou são apenas conceitos?
2. Se têm existência real, são materiais ou imateriais?
3. Se são conceitos, existem apenas na mente ou de modo independente?

Para entender o conjunto de indagações, antes é preciso saber o que


significam gênero e espécie. Esses termos fazem parte da teoria dos predicáveis de
Porfírio, isto é, a tentativa de estabelecer os tipos de relação em que um predicado
pode estar quando relacionado a um sujeito. O neoplatônico enumerou 5 divisões3:
1. Gênero
2. Espécie
3. Differentia
4. Propriedade
5. Acidente

Para entendê-los, tomemos os seguintes exemplos:


 Eros é um gato.
 Eros é um vira-lata.
 Eros é uma mistura de várias raças.
 Eros tem capacidade de ronronar.
 Eros tem unhas afiadas.

Eros é o sujeito da oração, em termos linguísticos. Em termos ontológicos


aristotélicos, é uma substância – a entidade individual que roça minhas pernas e que
vive soltando pelos pela casa.
Quando digo que é um “gato”, informo o seu gênero. Quando digo que é um
“vira-lata”, informo sua espécie.
A differentia indica o traço que caracteriza a espécie dentro do gênero. Nesse
caso: não ter uma linhagem delimitada, mas ser uma mistura de várias delas – afinal é
isso que caracteriza um vira-lata.
Uma propriedade é um atributo peculiar a uma espécie particular, embora não
definitivo dela. Quando digo que Eros “tem a capacidade de ronronar” estou dizendo
que essa qualidade lhe é própria.
Um acidente é um predicado que pode pertencer ou não a um dado indivíduo
– sem o ser em detrimento de sua existência, isto é, caso não a possua, não deixa de
ser menos quem se é. Quando digo que Eros “tem unhas afiadas”, estou dizendo que
essas características são acidentais, porque, caso não as tivesse, não seria mais, nem
menos Eros.
A teoria dos predicáveis permite construir hierarquias dentro das categorias.
Nesse sentido, a distinção entre gênero e espécie é relativa. O que é uma espécie

2 Esse texto abre o Órganon, de Aristóteles – o conjunto de obras sobre a lógica


aristotélica composto por Categorias, Tópicos, Da Interpretação, Analíticos
Anteriores, Analíticos Posteriores e Elencos Sofísticos. Trata-se da classificação e
análise dos dez tipos de predicados do ser, ou seja, os dez tipos de categorias em
que todos os seres podem ser classificados.
3 A teoria dos predicáveis não é o mesmo que a teoria das categorias de
Aristóteles, ainda que as duas classificações estejam relacionadas.

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relativa a um gênero superior também pode ser um gênero relativo a uma espécie
inferior. É verdade que há espécies finais que não são gêneros: a espécie humana,
por exemplo. É também verdade que há gêneros finais que não são espécies: as dez
categorias, por exemplo, a substância. Diante desse quadro, é possível montar uma
hierarquia de divisões subordinadas em modo de diagrama:

Árvore de Porfírio
Substância

Incorpórea Corpórea

Corpo

Inanimada Animada

Vivente
Insensível Sensível

Animal

Irracional Racional

Homem

A árvore de Porfírio é uma representação (em formato de um tronco e seus


galhos) destinada a ilustrar a subordinação dos conceitos (gêneros e espécies), a
partir do conceito mais geral, que é o de substância 4, até chegar ao conceito de
homem, o de menor generalidade. A partir do gênero primeiro, muitos subgêneros vão
se encaixando um no outro, na medida de suas differentia e constituindo espécies –
Corpo, Vivente, Animal, Homem.
Que Vitor, Evelyn ou qualquer ser humano individual existam não está em
dúvida, a questão é esta: Homem, Animal, Vivente e Corpo existem? Todos eles são
universais (ora gêneros, ora espécies) e não indivíduos. Sua existência, retomando
Porfírio, é real ou meramente conceitual ou linguística?
O problema dos universais está inserido dentro do problema maior da relação
entre as palavras (voces), de um lado, e coisas (res), de outro. É o centro dos estudos
gramaticais e lógicos da Escolástica. A questão se formula da seguinte maneira: os

4 “Para Aristóteles, a substância é a categoria mais fundamental, sem a qual as


outras não podem existir. Por exemplo, só pode existir a cor branca se existir algo
que seja branco. Aristóteles e os escolásticos distinguem a substância primeira
(ousia proté) da substância segunda (ousia deutera). A substância primeira é o
sujeito do qual se afirma ou nega algum predicado e que não é, ele mesmo,
enquanto tal, predicado de nada. A substância segunda é uma abstração, o tipo
geral, aquilo que caracteriza uma classe de objetos. Por exemplo, homem, cavalo,
pedra. É em relação à substância segunda que se dá a querela dos universais.”
(JAPIASSÚ, MARCONDES, 1990, p. 230)

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universais são ante rem (prévios e independentes às coisas), in re (constituintes das


coisas) ou post rem (formulados após as coisas e somente para nomeá-las)?
O realismo é a tese segundo a qual os termos universais são res, isto é,
entidades existentes de modo independente da mente. Haveria perfeita adequação
entre os universais e a realidade. A solução platônica poderia ser chamada de
realismo transcendente – dado que afirma que os universais são Formas que
existem no Mundo das Formas, de modo independente do Mundo Sensível, mas
sendo dele o fundamento. A solução aristotélica poderia ser chamada de realismo
imanente – posto que os universais são formas que se encontram nas substâncias
individuais, compostas de forma e matéria, e podem ser delas separadas pelo
intelecto5.
A tese que se contrapõe ao realismo exagerado é o nominalismo. Segundo
essa tese, os universais não têm existência própria e são nomes que se referem a res
apenas de modo convencional e arbitrário. No limite, os universais são flatus vocis,
simples emissões de vocábulos sem conteúdo.
Uma terceira via é o conceitualismo. Analisando e comparando os diversos
seres singulares no processo de conhecimento, o intelecto conseguiria captar as
substâncias individuais da mesma espécie em um aspecto peculiar por elas
compartilhado. Nessa semelhança, baseiam-se os universais, processos mentais que
se referem à imagem comum daquela pluralidade.

2. O nominalismo/conceitualismo de Ockham

2.1 O primado do indivíduo

Ockham escreve em sua Lectura Sententiarum6:


“Os artigos de fé não são princípios de demonstração nem conclusões, e nem mesmo prováveis,
já que parecem falsos para todos, ou para a maioria ou para os sábios, entendendo por sábios
os que se entregam à razão natural, já que só de tal modo se entende o sábio na ciência e na
filosofia.”

Desse trecho, podemos retirar as seguintes conclusões:


 As verdades de fé não são evidentes, como os princípios da
demonstração.
 As verdades de fé não são prováveis, porque parecem falsas aos que se
servem da razão natural;

5 Há uma objeção de Abelardo, filósofo medieval. O universal é aquilo que é


predicado de vários entes, como afirmava Aristóteles. Se esse é o caso, o universal
não pode ser uma res. Afinal, um ente objetivo não pode funcionar como predicado
de outro ente (res de re non predicatur ) – seria como afirmar que Vitor é um
predicado de Evelyn, o que é absurdo.

6 Trecho retirado de REALE, ANTISERI, 2003, p. 299.

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O que Ockham faz é estabelecer que o âmbito das verdades reveladas é


diametralmente oposto ao do conhecimento racional. Porém, seria o teólogo
alguma espécie de agnóstico, ou mesmo ateu?
A resposta é não. Ockham levou às últimas consequências uma crença cristã
fundamental: a onipotência de Deus. O raciocínio é este:
1. O mundo, composto por uma multiplicidade de indivíduos finitos, é obra
contingente da criação livre e onipotente de Deus.
2. A onipotência de Deus é ilimitada e insondável.
3. Logo, não há por que supor vinculação entre Deus e a multiplicidade de
indivíduos finitos que compõem o mundo.
Qualquer suposição de que Deus garante a ordem, a hierarquia, a estrutura do
indivíduos consiste, para Ockham, em tematizar o que, por natureza, é impossível de
tematizar, isto é, a vontade livre e onipotente de Deus. Nesse sentido, supor que há
Formas (como defendiam Platão e Agostinho), seja no mundo inteligível, seja na
mente divina que sirvam de intermediárias entre os elementos individuais do mundo e
Deus; supor que Deus movimenta os elementos individuais como um Primeiro Motor e
uma causa final (como defendiam Aristóteles e Tomás de Aquino); tudo isso é supor
que a vontade divina se comporta de modo racionalmente previsível, o que contraria
sua onipotência, ilimitada e insondável.
A conclusão de Ockham é clara – de um lado: Deus onipotente; de outro:
multiplicidade dos indivíduos. Entre ambos, não é possível pressupor qualquer laço
metafísico – causa eficiente, causa final, Formas etc. Portanto, a metafísica tradicional
não sustenta a fé, tampouco a razão.
Por que não a razão?
O mundo, na visão de Ockham, transforma-se em um conjunto de elementos
individuais finitos não necessariamente ordenáveis em termos de natureza ou
essência – como os ordenavam os antigos e medievais. Nesse sentido,
1. em contraposição à ideia aristotélico-tomista de que a ciência só é possível
quando se refere ao universal, defende que o objeto próprio da ciência
são os elementos individuais;
2. em oposição à concepção de universo ordenado, hierarquizado, estruturado
por princípios metafísicos (presente, na verdade, desde os pré-socráticos),
sustenta que o universo é fragmentado em inúmeros indivíduos finitos,
isolados e contingentes.

2.2 O primado da experiência: intuição e abstração

A prevalência da existência dos elementos individuais conduz à prevalência


da experiência como meio racional para compreendê-los. Para esquematizar como
Ockham entendia o modo como a razão humana conhece os elementos individuais,
alguns conceitos precisam ser expostos.
Antes de tudo, há dois tipos de conhecimento: complexo e não complexo.

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O conhecimento não complexo é relativo aos termos singulares e aos


objetos que eles designam. Por exemplo, o termo singular “tijolo” designa este objeto
que compõe a parede à minha frente; o termo singular “vermelho” designa este copo à
minha frente.
O conhecimento complexo é relativo à composição dos termos singulares em
proposições. Por exemplo, os termos singulares “tijolo” e “vermelho” podem se
associar e formar a proposição “este tijolo é vermelho”. A evidência de uma proposição
está diretamente relacionada à evidência de seus termos singulares. Por isso, o
conhecimento não complexo é basilar.
O conhecimento não complexo, por sua vez, divide-se em intuitivo e abstrato.
O conhecimento não complexo intuitivo se refere à existência de um objeto
concreto. Por exemplo, este teclado e este computador que estão à minha frente. Esse
tipo de conhecimento é contingente – atesta a existência ou não existência de uma
realidade no momento em que é captada. Trata-se do conhecimento fundamental, sem
o qual nenhum outro seria possível.
É sensível quando se refere a um objeto concreto – por exemplo, esta mesa
que sustenta meu livro. É intelectual quando se refere aos atos e movimentos da
alma – por exemplo, o amor, a dor, o prazer. O conhecimento intuitivo intelectual,
aliás, atesta o quanto Ockham valoriza o conhecimento empírico, porém não o reduz
àquilo que só pode ser percebido pelos cinco sentidos.
O conhecimento não complexo abstrato deriva do intuitivo. Pode ser
entendido de dois modos. De um lado, quando designa muitos elementos (por
exemplo, o Homem em geral). De outro, quando designa apenas um elemento (por
exemplo, este homem em específico que escreve este texto).
A conhecimento abstrato que se refere apenas a um elemento e o
conhecimento intuitivo parecem o mesmo, mas não são. Este designa um objeto
individual que está presente. Aquele designa um objeto individual que não está
presente.
Dessa maneira, o conhecimento dos elementos individuais finitos que
compõem o mundo pode se dar de modo intuitivo e abstrato. Quando acontece de
modo intuitivo, é captado de modo imediato pelo intelecto. Nesse caso, o elemento
individual se encontra presente, e o intelecto apenas o capta.
Porém, como o conhecimento intuitivo se torna conhecimento abstrato que se
refere a vários elementos individuais? Em outras palavras, como o conhecimento de
um homem específico se transforma no conhecimento do Homem em seu aspecto
mais geral? Vale dizer, como a intuição do elemento individual conduz à abstração do
conceito universal?

2.3 O nominalismo/conceitualismo

Para Ockham, a realidade é composta por elementos individuais, e o universal


não apresenta existência independente. Como?

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Os universais não são res. Não existem fora do intelecto (posição platônica
acerca das Formas), nem existem nas coisas (posição aristotélica a respeito das
formas). São construções intelectuais por meio das quais se estabelecem relações
entre os elementos individuais. O conhecimento abstrato, então, origina-se a partir da
exposição do intelecto a muitos elementos individuais até que opere a ação mental de
juntar todas essas intuições e, a partir delas, elaborar um abstrato (uma entidade
mental) que se refira a todas de uma só vez. Eis a gênese do conceito. Se cada
elemento individual gera um conhecimento intuitivo, a junção de muitos conhecimentos
intuitivos transforma-se em conhecimento abstrato. Assim, todos os signos
representam elementos individuais, pois não há no mundo coisas como universais
para representarem.
Ockham apresenta ao menos dois argumentos de ordem teológica7.
Primeiro, se os universais existissem ante rem (prévios e independentes às coisas –
realismo platônico), nenhum indivíduo poderia ser criado do nada – o que contraria o
dogma cristão do Deus criador. Segundo, se o universal é in re (constituinte das
coisas – realismo aristotélico), caso fosse destruído pela onipotência divina, aniquilaria
todos os outros indivíduos da mesma espécie, mediante eliminação da natureza
comum.
Portanto, sobra a hipótese post rem – isto é, o universal é formulado após as
coisas e somente para nomeá-las. Um universal é uma coisa singular e é universal
somente por significação, sendo um signo único de muitos elementos individuais, de
modo que há dois tipos de universais.
O primeiro é o universal natural. Trata-se de um pensamento no intelecto
(uma intentio animae). Equivale ao conhecimento não complexo abstrato que designa
muitos elementos individuais – ver alguns parágrafos acima.
O segundo é o universal convencional. Signos convencionais são universais
por decisão humana – apenas palavras criadas para expressar os universais naturais
e significar muitas coisas.
O esquema de Ockham, então, é este:
1. Elementos individuais (coisas singulares, contingentes e finitas) à
2. Conhecimento não complexo intuitivo (conceito individual) à
3. Repetição de conhecimentos não complexos intuitivos (diversos conceitos individuais) à
4. Conhecimento não complexo abstrato intelectual (conceito universal natural) à
5. Conhecimento não complexo abstrato linguístico (conceito universal convencional) à
6. Conhecimento complexo abstrato (proposições que juntam conceitos universais).

Em resumo, o conhecimento humano, primeiro, apreende intuitivamente (isto é,


pela experiência) os fatos individuais para, por meio da apreensão abstrata desses
fatos (ou seja, por operações mentais), elevar-se aos conceitos universais. Segundo
Boehner e Gilson (2012, p. 538), trata-se não de um nominalismo, mas de um
conceitualismo por parte de Ockham.
Isso acontece porque Ockham não nega a existência, na realidade, de algo
correspondente aos conceitos – o que defenderia um nominalista, ao dizer que os
universais são simples flatus vocis, nomes sem conteúdo. O que ele contesta é que
haja nas coisas algo correspondente à universalidade (um gênero ou uma espécie)
7 Ver KENNY, 2012, p. 169.

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dos conceitos. Dado que o teólogo postula a existência de um conceito universal


natural, então ele é uma espécie de conceitualista e não um mero nominalista.

3. A navalha de Ockham

“Os entes não devem ser multiplicados sem necessidade” (entia non sunt
multiplicanda praeter necessitatem) – eis a famosa navalha de Ockham. Tal
observação não é encontrada nos escritos que chegaram até nós, ainda que de fato
tenha afirmado coisas semelhantes8:
 “É fútil fazer com muitos o que pode ser feito com poucos”.
 “A pluralidade não é para ser assumida sem necessidade”.
Trata-se de um critério que baliza que tipos de teorias devem ser aceitas:
sempre que houver duas teorias concorrentes para explicar os mesmos fatos, a que
precisa de menos entidades para sua explicação deve ser preferível àquela que
precisa postular a existência de muitas entidades. Por essa razão, também é
conhecida como princípio da economia da razão e princípio da parcimônia.
Esse preceito se tornou a ferramenta ideal para criticar o platonismo das
essências e o aristotelismo hierarquizante e estruturante da realidade – as duas bases
da metafísica até então.
Ockham rejeita o conceito de substância. Tal noção remonta ao que há de
essencial nos elementos individuais, no entanto deles só temos acesso pela
experiência – primeiro intuições, depois abstrações. Portanto, só temos acesso às
qualidades e acidentes que os meios empíricos revelam. Dessa maneira, é só
aparente que a noção de substância (que pressupõe uma essência) facilite a
compreensão dos individuais, logo, pelo princípio da parcimônia, a navalha deve ser
passada.
Algo semelhante acontece com as noções de causa eficiente e de causa
final.
Em relação à primeira, de acordo com a experiência que temos dos
comportamentos dos elementos individuais, é possível dizer que se relacionam deste
ou daquele modo, no entanto só podemos perceber probabilidades. Isso quer dizer
que quando estabelecemos que uma causa acarreta um efeito, não podemos dizer
que ali há necessariamente um nexo causal (o que seria um princípio metafísico), mas
que ali há provavelmente um nexo causal (o que seria um princípio abstrato derivado
da experiência)9. Portanto, por parcimônia, a navalha também é passada no princípio
da causa eficiente.
Em relação à segunda, de acordo com a experiência, afirmar que os elementos
individuais se dirigem a uma finalidade é falar metaforicamente e não realmente. Isso
porque não é necessário intenção para haver movimento, tampouco é suficiente ter
intenção para haver movimento. Em suma, o movimento prescinde, para ser

8 Ver KENNY, 2012, p. 238.


9 De certo modo, essa crítica prenuncia a crítica de David Hume ao princípio da
indução e ao princípio da causalidade, como veremos em aula oportuna no futuro.

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entendido, de uma causa final. Nesse sentido, a navalha também se aplica, e a causa
final é cortada.
A navalha de Ockham, portanto, abre caminho para um uso econômico da
razão, que tende a excluir conceitos supérfluos à explicação mais simples. A
metafísica até então conhecida sofre sérios abalos com esse conceito. Sem dúvida,
estamos no fim da Escolástica e no prenúncio dos tempos modernos.

Bibliografia

REALE, Giovanni, ANTISERI, Dário. História da Filosofia (vol. 2) – Patrística e


Escolástica. Coleção História da Filosofia. Tradução de Ivo Storniolo. 1ª ed. [2003]. 5ª
reimpressão [2019]. São Paulo: Paulus, 2019.
BOEHNER, Philoteus, GILSON, Etienne. História da filosofia cristã: desde as
origens até Nicolau de Cusa. 13ª ed. Tradução e nota introdutória de Raimundo Vier.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.
DE LIBERA, Alain. A Filosofia Medieval. Tradução de Nyimi Campanário e Yvone
Maria de Campos Teixeira da Silva. 3ª ed., 1ª reimpressão. São Paulo: Edições
Loyola, 2017.
JAPIASSÚ, Hilton, MARCONDES, Danilo. Dicionário básico de Filosofia. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 1990.
KENNY, Anthony. Uma nova História da Filosofia Ocidental (vol. 2) - Filosofia
Medieval. 2ª ed. Tradução de Edson Bini. Revisão de Marcelo Perine. São Paulo:
Edições Loyola, 2012.

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