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08/02/2022 17:40 SEI/CNMP - 0572570 - Despacho

 
PROCESSO n° 19.00.4010.0006968/2021-51 
 
DESPACHO
 
 
Cuida-se de procedimento administrativo instaurado a partir de expediente
encaminhado pela Procuradoria da República no Município de Santarém/PA, o qual envia,
para ciência desta Comissão, cópia do relatório de visita de fiscalização carcerária realizada no
Centro de Recuperação Feminino de Santarém pelo juiz Titular da Vara de Execuções Penais
da Comarca de Santarém em 15/10/2021.
 
Referido relatório de visita elenca irregularidades no estabelecimento penal
relacionadas à lotação, estrutura, recursos humanos, assistência à saúde e à educação,
adotando, como parâmetros, a Lei n. 7.210/84 (Lei de Execução Penal), a Lei Estadual n.
6.688/2014, a Resolução do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária,  as
Normas Regulamentadoras 24 e 10 do Ministério do Trabalho e Previdência (Condições
Sanitárias e de Conforto nos Locais de Trabalho e segurança em instalações e serviços em
eletricidade) e HC 172136/STF (direito à saída da cela por duas horas diárias para banho de
sol). 
 
Face à notícia supra, fora solicitado à Procuradoria-Geral de Justiça do
Ministério Público do Estado do Pará (MP/PA) informações sobre eventuais providências
adotadas acerca das violações reportadas.
 
 Em resposta, o Parquet local encaminhou manifestação da 3ª Promotoria de
Justiça de Santarém, que veio acompanhada de documentos e fotografias do Centro de
Recuperação Feminino de Santarém.
 
A 3ª Promotoria de Justiça de Santarém informa que tem realizado todas as
fiscalizações nos estabelecimentos penais situados em sua área de atuação, de acordo com a
Resolução n. 56/2010 e vem adotando medidas judiciais e extrajudiciais para garantir o
cumprimento da Lei de Execução Penal.
 
Destaca que a Casa Penal Feminina de Santarém foi inaugurada em abril de
2018, contando com “dois blocos carcerários, com 13 celas coletivas, uma para Pessoa com
Deficiência (PCD) com duas vagas, quatro celas individuais e duas celas de visita íntima.
Conta, ainda, com sala de amamentação, sala de vacinação, brinquedoteca, consultórios
médicos, refeitório, salas de aula e bloco para capacitação profissional e um berçário para
detentas grávidas e/ou lactantes e seus bebês”.
 
Apesar disso, o juízo da Vara de Execução Penal de Santarém vem
declarando o Centro de Recuperação Feminina de Santarém como local degradante, para fins
de concessão do cômputo em dobro do período de pena cumprida naquele estabelecimento
penal.
 
Assevera que no final do primeiro semestre de 2021, o juízo da VEP de
Santarém deferiu a contagem da “pena em dobro” para os custodiados recolhidos nas Casas
Penais de Santarém, com base, na solução determinada pela Corte Interamericana de Direitos
Humanos para o Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho (Resolução Corte IDH de
22/11/2018)1,  no RHC 136961/STJ2  e na ADPF 347/STF3 , o que gerou a soltura de “vários”
presos do sistema penal de Santarém.
 
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Argumenta que, ao agir assim, o juízo de Santarém ignorou que tanto a


decisão da Corte Internacional como a do E. STJ alcançam apenas os custodiados recolhidos
no Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho. Não bastasse isso, o magistrado não observou as
exceções previstas pela própria Resolução da Corte IDH, que excluiu desse entendimento mais
benéfico os acusados ou condenados por crimes contra a vida, contra a integridade física ou
sexuais.
 
Nesse sentido, cita caso de condenado por crime de estupro, o qual foi
beneficiado pelo entendimento do magistrado.
 
Aduz que o juízo reconheceu a situação degradante de unidade prisional
situada em outra comarca, em afronta às regras que tratam da competência jurisdicional.
 
Acrescenta que vem adotando as providências recursais em relação às
decisões do juízo da VEP.
 
Menciona depoimento de um interno, prestado perante a Polícia Civil local,
que relata a movimentação de determinada facção criminosa para prestar auxílio financeiro
aos seus integrantes, a fim de obterem a concessão da pena em dobro.
 
Por fim, indaga sobre “a existência de atos normativos, recomendações ou
equivalentes, que denotem o entendimento técnico do CNMP quanto aos critérios objetivos
para a aplicação da pena em dobro, caso entendida juridicamente possível por esse Conselho”.
 
É o relatório
 
Conforme restou demonstrado, o Ministério Público do Pará, notadamente, a
3ª Promotoria de Justiça de Santarém, vem acompanhando o funcionamento da unidade
prisional, assim como vem adotando as medidas necessárias para sanar as irregularidades
detectadas.
 
Cabe consignar que a representante ministerial responsável pela unidade
prisional em questão não deixou de preencher os formulários de inspeção do CNMP mesmo
no período em que foi suspensa a exigibilidade de seu preenchimento, no período de março de
2020 a setembro de 2021, por força da Resolução n. 208/2020, o que revela sua dedicação e
zelo no desempenho de suas atribuições.
 
Além disso, de acordo com a base de dados armazenada pelo CNMP a partir
de relatórios produzidos pelos membros do Ministério Público em suas visitas técnicas e
inspeções no ambiente prisional, observa-se que os indicadores da unidade, relacionados à
ocupação, atividade laboral e educacional e assistência à saúde não destoam da média
nacional.
 
Assim, não há que se falar em omissão do Ministério Público local a ensejar
a atuação deste Conselho Nacional do Ministério Público, no tocante à situação do Centro de
Recuperação Feminino de Santarém.
 
Quanto à indagação acerca da existência de recomendação ou ato similar, no
âmbito do CNMP, relacionados aos critérios objetivos para a aplicação do cômputo em dobro
da pena, a resposta é negativa. 
 
Isso porque refoge às atribuições do CNMP estabelecer critérios objetivos
para a aplicação de tal cômputo, seja porque inexiste previsão legal a seu respeito em nosso
ordenamento, seja por serem distintas as realidades prisionais de cada Estado.
 
Há que se destacar que ao CNMP incumbe, entre outras atribuições, zelar
pela autonomia funcional e administrativa do Ministério Público. À Comissão do Sistema
Prisional, Controle Externo da Atividade Policial e Segurança Pública, em particular, foi
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entregue a tarefa de propor estratégias de atuação para o Ministério Público brasileiro na área
de segurança pública e, também, na área prisional. 
 
Não obstante, cumpre tecer as seguintes considerações acerca do chamado
“cômputo em dobro da pena”, que podem subsidiar enunciados de caráter orientativo para as
unidades e ramos do Ministério Público.
 
Não se desconhece que o Estado brasileiro tem falhado em cumprir as
diretrizes estabelecidas pela Lei de Execução Penal (Lei n. 7.210/84), no sentido de garantir a
execução digna da pena às pessoas privadas de liberdade.
 
A omissão estatal já foi objeto de destaque do Supremo Tribunal Federal,
que qualificou o sistema prisional brasileiro como “estado de coisas inconstitucional” (cf.
ADPF nº 347 MC/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, 9.9.2015; RE nº 592.581, Rel. Min. Ricardo
Lewandovski) e tem demandado a atuação da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que
vem adotando medidas em face do Estado brasileiro na seara prisional.
 
A Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH)4  é um tribunal
internacional com competência para julgar os Estados que se submetem à sua competência
contenciosa. 
 
Por meio do Decreto Legislativo n. 89, de 3 de dezembro de 1998, o
Congresso Nacional aceitou a competência obrigatória da Corte IDH para todos os casos
relativos à interpretação ou aplicação da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto
de San José da Costa Rica). O Poder Executivo, por sua vez, por meio do Decreto n.
4.463/2002, promulgou a Declaração de Reconhecimento da Competência obrigatória da
Corte IDH, sob reserva de reciprocidade, nos termos do art. 62 da Convenção5.
 
Prevê o artigo 63 da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH)
que compete a Corte IDH determinar que se assegure ao prejudicado o gozo do seu direito
sempre que reconhecida a violação de um direito ou liberdade protegidos na Convenção. 
 
Determinará também, se isso for procedente, que sejam reparadas as
consequências da medida ou situação que haja configurado a violação desses direitos, bem
como o pagamento de indenização justa à parte lesada. Nos casos de extrema gravidade e
urgência, e quando se fizer necessário evitar danos irreparáveis às pessoas, a Corte IDH
poderá, ainda, tomar as medidas provisórias que considerar pertinentes nos assuntos de que
estiver conhecendo.
 
No contexto nacional, identifica-se que já foram adotadas 7 (sete) medidas
provisórias relacionadas à privação de liberdade de adultos e adolescentes em face do Brasil,
sendo que 4 (quatro) delas estão vigentes, quais sejam: Unidade Socioeducativa do Espírito
Santo (UNIS), Complexo Penitenciário de Pedrinhas (Maranhão), Instituto Penal Plácido
de Sá Carvalho (IPPSC Rio de Janeiro) e Complexo Penitenciário de Curado
(Pernambuco).
 
Para os fins do presente, merecem análise apenas as medidas provisórias
relacionadas ao Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho (IPPSC Rio de Janeiro) e ao Complexo
Penitenciário de Curado (Pernambuco), já que foram estes os casos nos quais houve
determinação da Corte IDH para o cômputo em dobro da pena imposta aos acusados ou
condenados custodiados naquelas unidades prisionais.
 
 
O caso do Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho (IPPSC) (Rio de Janeiro)
 
O IPPSC constitui um estabelecimento penal destinado ao cumprimento da
pena privativa de liberdade em regime semiaberto, do gênero masculino, localizado no
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Complexo Penitenciário de Gericinó. 


 
A partir da provocação do Núcleo do Sistema Penitenciário da Defensoria
Pública do Estado do Rio de Janeiro, a CIDH, após visita in locu no Instituto Penal Plácido de
Sá Carvalho - IPPSC,  editou Resolução em 31 de agosto de 2017 que, entre outros pontos,
solicitou a apresentação de diagnóstico técnico sobre o IPPSC e elaboração de Plano de
Contingência, com vistas à reforma estrutural da unidade e redução da superlotação, com
previsão de remodelação dos pavilhões, celas e espaços comuns, e redução substancial do
número de internos.
 
Registre-se que esta Comissão do Sistema Prisional, Controle Externo da
Atividade Policial e Segurança Pública realizou visita institucional ao Estado do Rio de
Janeiro, nos dias 29 a 31 de outubro de 2018, com o objetivo de acompanhar in loco a atuação
do Ministério Público local face à grave realidade no sistema prisional então noticiada. 
 
Na ocasião, foram visitados o Complexo de Gericinó – Bangu: Instituto
Penal Plácido de Sá Carvalho; Penitenciária Laércio da Costa Pelegrino; e Creche - unidade
materno-infantil. 
 
A visita resultou na apresentação de relatório, que apontou problemas
estruturais nas unidades, como superlotação, deficiência de políticas de assistência à saúde,
trabalho e educação, alto índice de mortes sem causa determinada, entre outros.
 
Em que pese a solicitação da resolução e os esforços empregados pelo Brasil
em assegurar um cumprimento de pena mais digno para os reeducandos do IPPSC, a Corte
IDH considerou as medidas ineficazes para remediar as violações da Convenção Americana.
 
Daí porque, em 22 novembro de 2018, a Corte IDH editou nova resolução6,
impondo obrigações ainda mais intensas ao Estado Brasileiro. Em suma, a decisão impôs ao
Estado Brasileiro:
 
- Adoção de medidas necessárias para que novos presos não
ingressem no IPPSC, devendo os órgãos da administração absterem-
se de transferir presos ali custodiados para outras unidades prisionais
por decisão administrativa.
 
- Cômputo, em dobro, de cada dia de privação de liberdade
cumprido no IPPSC, para todas as pessoas ali custodiadas, desde que
não acusadas ou condenadas por crimes contra a vida ou a
integridade física ou por crimes sexuais.
 
- Designação de equipe criminológica de profissionais, para
avaliação de prognóstico de conduta para os acusados/condenados
por crimes contra a vida e a integridade física ou por crimes sexuais,
para fins de aconselhar a conveniência ou inconveniência do
cômputo em dobro do tempo de privação de liberdade.
 
 
Extrai-se da mencionada resolução que a superlotação representou um - e
não o único - dos aspectos levados em consideração pela Corte IDH para embasar a
determinação do cômputo em dobro. Além da superlotação, a Corte mencionou: a falta de
estrutura do Poder Judiciário em relação ao número de pessoas privadas de liberdade no
Estado; o elevado índice de mortes sem registro e sem a devida apuração no IPSSC, que
inclusive liderou o número de mortes em comparação às demais unidades prisionais
brasileiras; a insuficiência da assistência à saúde, constando, ainda, a informação de que havia
apenas 1 médico para mais de 3.000 presos.
 

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Importante registrar que esta foi a resolução daquela Corte que seria
submetida à análise do Superior Tribunal de Justiça nos autos do Recurso em habeas corpus n.
136961/RJ, no bojo do qual foi proferida decisão monocrática do Ministro Reynaldo Fonseca,
posteriormente confirmada pela 5ª Turma, a qual aplicou o Princípio da Fraternidade para
decidir pelo cômputo da pena de maneira mais benéfica ao condenado que estava sendo
mantido preso em local degradante. O teor da decisão proferida pelo STJ, no entanto, é
aplicável ao caso concreto, ou seja, beneficia os apenados que cumpriram pena no
Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho.
 
 
Complexo Penitenciário do Curado (Pernambuco)
 
Já em relação ao Complexo Penitenciário do Curado (Pernambuco),
importante salientar ser ele oriundo de uma fragmentação do antigo Presídio Professor Aníbal
Bruno, composto pelo Presídio ASP Marcelo Francisco de Araújo (PAMFA), Presídio Juiz
Antonio Luiz Lins de Barros (PJALLB) e Presídio Frei Damião de Bozzano (PFDB).
 
A unidade vem sendo acompanhada pelo Sistema Interamericano de Direitos
Humanos desde 22 de maio de 20147, em face do elevado número de mortes violentas, relatos
de tortura, violência sexual perpetrada por pessoas privadas de liberdade que exerciam funções
de 'chaveiro' e precárias condições de encarceramento (condições carcerárias e superlotação).
A capacidade máxima do local é de 1.819 e consta que se encontrava com 6.708, conforme
informe da UMF/CNJ. A Corte IDH adotou 6 resoluções8.
 
Somente após as cinco primeiras resoluções é que, na resolução de 28 de
novembro de 2018, a Corte IDH determinou o cômputo em dobro da pena para os presos que
cumpriam sua pena no complexo em comento.
 
No   início do ano de 2021, a Defensoria Pública Estadual do Estado de
Pernambuco, com fundamento na Resolução da Corte IDH expedida em 28 de novembro de
2018, pleiteou em inúmeros processos o cômputo em dobro da pena das pessoas que, por
algum período, permaneceram custodiadas nas unidades prisionais do Complexo do Curado,
compostas pelo Presídio Juiz Antônio Luiz Lins de Barros (PJALB), Presídio ASP Marcelo
Francisco de Araújo (PANFA) e Presídio Frei Damião de Bozano (PFDB), já que essas
apresentaram condições degradantes e desumanas.
 
Diante dos inúmeros pedidos formulados pela Defensoria supracitada, o
Ministério Público do Estado de Pernambuco requereu a instauração do Incidente de
Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) de nº 008770-65.2021.8.17.9000, com pedido de
tutela de urgência, visando a uniformização da interpretação e, liminarmente, a suspensão dos
efeitos práticos da adoção de uma detração ficta até a pacificação da matéria pela Seção
Criminal do Tribunal de Justiça daquele estado.
 
Concomitantemente, diversos apenados impetraram habeas corpus perante o
STJ, em face do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, alegando o sofrimento de
constrangimento ilegal devido à rejeição do cômputo em dobro da reprimenda.
 
Em razão disso, houve recurso, por parte do Ministério Público
pernambucano, do habeas corpus que havia sido concedido em favor de um dos apenados,
informando-se a existência de um IRDR no Tribunal de Justiça local. Diante da provocação
efetuada, em juízo de retratação de 27 de outubro de 2021, o relator da causa, Ministro Jesuíno
Rissato, Desembargador Convocado do TJDFT, ressaltou a impossibilidade da Superior Corte
de Justiça de analisar diretamente o tema. Argumentou que, muito embora exista um
entendimento pela adoção da resolução emitida pela Corte IDH, a existência do incidente
instaurado junto ao Tribunal de origem inviabiliza a apreciação, sob pena de configurar
supressão de instância. Com isto, o Ministro anulou a ordem anteriormente concedida e

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recomendou ao TJPE o julgamento com celeridade do incidente, solicitando a comunicação ao


Conselho Nacional de Justiça.
 
Recentemente, foi publicada matéria no sítio eletrônico do Conselho
Nacional de Justiça, informando que em 04 de novembro de 2021, a 1ª Vara de Execuções
Criminais do Foro da Comarca de Porto Alegre decidiu, após o pedido formulado pela
Defensoria Pública do Rio Grande do Sul, que os detentos que cumprem ou já cumpriram
pena na Cadeia Pública de Porto Alegre, o Presídio Central, tenham a pena computada em
dobro em períodos de ocupação superior a 120% da capacidade do local. A decisão teria
excluído os presos condenados ou acusados de crime contra a vida, integridade física ou delito
sexual9.
 
Consta ainda, na matéria, que juízes responsáveis pela execução penal de
presídios em diferentes locais do Brasil já proferiram decisões semelhantes, permitindo a
contagem em dobro do tempo preso em meio a condições desumanas em um estabelecimento
penal.
 
 
Conclusões
 
Não se desconhece e nem se subestima o gravíssimo quadro do sistema
penitenciário brasileiro, historicamente marcado por afrontas sistemáticas a direitos
fundamentais.
 
A mudança desse quadro deve ser persistentemente perseguida pelo
Ministério Público brasileiro, por meio de medidas que busquem “promover a harmônica
integração social do condenado e do internado”, objetivo principal da execução da pena,
conforme preceitua o art. 1º da Lei de Execução Penal, que não devem ser substituídas
por uma exclusiva opção desencarceradora, como se fosse o único ou o principal caminho
para combater as mazelas que acometem o sistema prisional, sob pena de se fechar os
olhos para o fato de que o sistema carcerário brasileiro, a par das más condições de
cumprimento da pena, abriga condenados e acusados por crimes violentos e integrantes
de facções criminosas.
 
Nesse sentido, merece atenção a observação feita por Dermeval Farias
Gomes Filho em relação à política criminal em matéria carcerária10:
 
Conquanto a realidade prisional seja antagônica ao modelo político
criminal consubstanciado na LEP, a política criminal do Estado
brasileiro, representada na busca da ressocialização do detento, deve
ser perseguida, e não substituída por uma exclusiva opção
desencarceradora, como se fosse um caminho de defesa da teoria
agnóstica, a qual nega os fins positivos da pena (…).
 
Aqui cabe uma advertência.
 
Quando foi analisada a situação do Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho,
nos autos do processo n. 95/2018-07, esta Comissão deixou consignado que a complexidade
que perpassa o sistema prisional brasileiro demanda cautela e não pode ser solucionado com
medidas simplistas.
 
Por pertinente, transcreve-se aqui o que se disse na ocasião:
 
(…)
Problemas de tamanha complexidade inevitavelmente demandam
soluções apartadas de uma lógica binária, de verdadeiro ou falso, certo
ou errado. Dito de outro modo: não se resolve a complexidade da
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questão prisional com a lógica “encarceramento versus


desencarceramento”.
Isso porque os problemas complexos são repletos de variáveis
interdependentes, de cunho interinstitucional e transversal, permeada
por elementos que estão interconectados. Neste sentido, resta
evidente que as políticas afetas ao sistema prisional estão
profundamente relacionadas a aspectos de segurança pública,
como a reincidência, a reinserção dos custodiados na sociedade e o
direito das vítimas, além de tantos outros que poderiam ser citados
neste espaço.
 
Nesse sentido, a aplicação do cômputo da pena em dobro é tema que merece
extrema cautela. Isso porque a legislação nacional vigente não autoriza a contagem em dobro
do período de prisão cumprido, em razão das condições de cumprimento de pena a que os
presos estão submetidos.
 
Ademais, é fundamental notar que a própria Resolução da Corte IDH, ao
deferir medidas provisórias em face do Estado brasileiro, em relação ao Instituto Penal Plácido
de Sá Carvalho, cita decisão da Corte Constitucional da Colômbia sobre o tema
“superpopulação”, a qual deixou consignado que a superlotação não deve ser apta a gerar
um imediato reconhecimento de direito subjetivo ao desencarceramento do apenado, sob
pena de sua liberação afetar outros direitos igualmente fundamentais, de vítimas e da
sociedade.
 
Por relevante, transcreve-se trecho da decisão11:
 
(…) Permitir a liberação implicaria uma ampla proteção dos direitos
da pessoa que se encontra acusada ou condenada, mas suporia, ao
mesmo tempo, um amplo sacrifício dos direitos das vítimas dos atos
criminosos dos quais é acusada ou pelos quais foi condenada. A
resposta que se dê ao problema jurídico suscitado deve ponderar
todos os valores, regras, princípios e direitos constitucionais que se
encontram em tensão. (grifou-se).
 
Merece ser ressaltada, ainda, a circunstância de que quando a Corte fez
referência à medida excepcional, além de limitá-la a certas condicionantes – ou seja, exclusão
de condenações por certos delitos e observância de estudos criminológicos prévios à
concessão –, somente fez constar referida medida em uma Resolução após constatar a
inobservância reiterada de medidas mitigatórias prévias que tinham sido aplicadas pela própria
Corte IDH. Tudo a demonstrar a gravidade dos descumprimentos institucionais que foram
registrados, pontualmente, em apenas dois estabelecimentos de um país que conta com mais
de mil unidades penitenciárias de distintas condições.
 
Logo, a questão do cômputo em dobro para cada dia de privação de
liberdade cumprido em todo e qualquer estabelecimento prisional no Brasil não possui
fundamento normativo, nem jurídico. É medida generalizante, cuja banalização não se
mostra razoável, pois compara superficialmente sistemas prisionais distintos, sobretudo diante
das assimetrias regionais deste país de dimensões continentais.
 
Tanto a resolução da Corte IDH de 22 de novembro de 2018, no processo
que analisou o caso do Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho - IPPSC, como a decisão do
Superior Tribunal de Justiça, nos autos do Recurso em habeas corpus n. 136961/RJ, são
aplicáveis apenas ao caso concreto, ou seja, beneficiam os apenados que cumpriram pena
no IPPSC.
 
Frise-se que as decisões da Corte IDH que embasaram a determinação
do cômputo em dobro para o Instituto Penal Plácido de Sá, e para o Complexo do

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Curado, não estão apenas fundamentadas no aspecto da superlotação, mas também no


elevado número de mortes e na insuficiência de assistências materiais, além de outros
aspectos que não podem ser ignorados ou, quiçá, abstraídos com base em fundamentos
principiológicos aplicados de maneira precipitada.
 
     De toda forma, a compilação deste conjunto de ideias permite a sugestão
das seguintes proposições a merecerem atenção dos ramos e unidades do Ministério Público
brasileiro:
 
 
1. O cômputo em dobro para cada dia de privação de liberdade
cumprido em todo e qualquer estabelecimento prisional no Brasil
não possui fundamento normativo, nem jurídico;
 
2. Não se afigura razoável a comparação genérica entre os sistemas
prisionais, para fins de concessão da contagem em dobro do tempo de
cumprimento da pena, sobretudo diante das assimetrias regionais deste
país de dimensões continentais e das peculiaridades de cada realidade
local;
 
3. A superlotação não foi o único fator preponderante para a decisão
da Corte IDH que determinou o cômputo da pena em dobro para os
apenados custodiados no Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho e no
Complexo do Curado, tendo sido analisados outros aspectos que
denotam más condições carcerárias em ambas as unidades prisionais;
 
4. As medidas provisórias determinadas pela Corte IDH, de 22 de
novembro de 2018, que referiram pela aplicação do cômputo em
dobro de cada dia de privação de liberdade cumprido no Instituto
Penal Plácido de Sá Carvalho e no Complexo de Curado não são
extensíveis a outras unidades prisionais e só o foram após a
constatação da inobservância reiterada de medidas mitigatórias prévias
que tinham sido aplicadas pela própria Corte IDH;
 
5. A decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça nos autos do
Recurso em habeas corpus n. 136961/RJ - que aplicou o Princípio da
Fraternidade para determinar o cômputo da pena de maneira mais
benéfica ao condenado mantido em local degradante – é aplicável ao
caso concreto, ou seja, beneficia os apenados custodiados no Instituto
Penal Plácido de Sá Carvalho - IPPSC;
 
6. O Ministério Público deve perseguir medidas que busquem
“promover a harmônica integração social do condenado e do
internado” (art. 1º da LEP), objetivo principal da execução da pena,
para a superação do grave quadro do sistema penitenciário brasileiro;
 
7. Medidas exclusivamente desencarceradoras não são o único, nem o
principal caminho para combater as mazelas que acometem o sistema
prisional, sob pena de se fechar os olhos para o fato de que o sistema
carcerário brasileiro, a par das más condições de cumprimento da
pena, abriga condenados e acusados por crimes violentos e integrantes
de facções criminosas, sendo constatável, em contrapartida, evolução
em certas políticas públicas de diversas unidades penitenciárias
brasileiras12.
 
 

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Pelas razões expostas, sugere-se o ARQUIVAMENTO do presente


procedimento, por não se vislumbrar necessidade de acompanhamento da situação do Centro
de Recuperação Feminino de Santarém, ao tempo em que submete à consideração desta
Presidência as proposições supra, dando-se ciência desta manifestação, se assim o entender, ao
Ministério Público do Pará e demais unidades e ramos do Ministério Público, dada a natureza
abrangente da temática aqui tratada.
 
Brasília, 04 de fevereiro de 2022.
 
 
CLAUDIA BRAGA TOMELIN
Membro Auxiliar da Comissão do Sistema Prisional,
Controle Externo da Atividade Policial e Segurança Pública
 
 
 
RENATA RUTH FERNANDES GOYA MARINHO
Membro Colaboradora da Comissão do Sistema Prisional,
Controle Externo da Atividade Policial e Segurança Pública
 
 
 
 
[1]  Em 22/11/2018, a Corte IDH editou Resolução, no bojo do processo que aprecia as
condições do Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho, determinando ao Estado Brasileiro que o
período de privação de liberdade cumprido naquela casa penal fosse contado em dobro para
todos os custodiados, excluídos aqueles provisórios ou definitivos, a quem foi a imputada a
prática de crimes contra a vida ou a integridade física, ou de crimes sexuais.
[2]  Trata-se, na origem, de habeas corpus impetrado por paciente que cumpriu pena no
Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho, no período de 9/07/2017 a 24/05/2019, que pleiteou
que a contagem de tempo em dobro incidisse sobre o total da pena cumprida de forma
degradante. A justiça fluminense denegou a ordem, sob o argumento de que a resolução da
Corte IDH foi omissa quanto ao marco inicial da contagem em dobro da pena, de modo que a
contagem inicial deveria incidir a partir da notificação formal do Estado Brasileiro, qual seja,
14/12/18. O Superior Tribunal de Justiça, contudo, ao confirmar o voto do Ministro Relator
Reynaldo Fonseca, aplicou o Princípio da Fraternidade para decidir pelo cômputo da pena de
maneira mais benéfica ao condenado que é mantido preso em local degradante.
[3] Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 347 Medida
Cautelar/Distrito Federal, de 2015. Por meio dessa ação, o Supremo Tribunal Federal
caracterizou o sistema penitenciário brasileiro como “Estado de Coisas Inconstitucional”
(ECI), em razão das condições desumanas da custódia e da superlotação carcerária, que
culminam na violação massiva de direitos fundamentais. Para reverter o quadro, a Corte
Constitucional impôs a adoção de medidas de natureza normativa, administrativa e
orçamentária.
[4] A Convenção Americana de Direitos Humanos assim dispõe em seu artigo 33: Art. 33. São
competentes para conhecer dos assuntos relacionados com o cumprimento dos compromissos
assumidos pelos Estados Partes nessa Convenção:  a Comissão Interamericana de Direitos
Humanos, doravante denominada a Comissão; e b) a Corte Interamericana de Direitos
Humanos, doravante denominada a Corte.
[5]  Art. 62.
1.Todo Estado Parte pode, no momento do depósito do seu instrumento de ratificação desta
Convenção ou de adesão a ela, ou em qualquer momento posterior, declarar que reconhece
como obrigatória, de pleno direito e sem convenção especial, a competência da Corte em
todos os casos relativos à interpretação ou aplicação desta Convenção.
2. A declaração pode ser feita incondicionalmente, ou sob condição de reciprocidade, por
prazo determinado ou para casos específicos. Deverá ser apresentada ao Secretário-Geral da
Organização, que encaminhará cópias da mesma aos outros Estados membros da Organização
e ao Secretário da Corte. 
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08/02/2022 17:40 SEI/CNMP - 0572570 - Despacho

3.  A Corte tem competência para conhecer de qualquer caso relativo à interpretação e
aplicação das disposições desta Convenção que lhe seja submetido, desde que os Estados
Partes no caso tenham reconhecido ou reconheçam a referida competência, seja por declaração
especial, como prevêem os incisos anteriores, seja por convenção especial. 
[6]
[7] https://www.corteidh.or.cr/docs/medidas/curado_se_01_por.pdf
[8]    Resoluções de 22 de maio de 2014, 7 de outubro e 18 de novembro de 2015, 23 de
novembro de 2016, 15 de novembro de 2017 e 28 de novembro de 2018.
[9]  https://www.cnj.jus.br/justica-decide-contar-em-dobro-pena-cumprida-no-presidio-
central-por-crime-sem-violencia-fisica-ou-sexual/
[10]Conferir o artigo do professor, ex-Conselheiro do CNMP e ex- Presidente da CSP,
Dermeval Farias Gomes Filho:  PONTE, Antônio Carlos da; GOMES FILHO, Dermeval
Farias; PEDROSO, Fernando Gentil Gizzi de Almeida: O modelo decisório do Supremo
Tribunal Federal que se projeta na execução penal: desafios de uma política criminal de
desencarceramento sem preocupação dogmática. Revista Magister de Direito Penal e
Processual Penal, Porto Alegre, v. 105, p. 64-87, dez./jan. 2022.
[11] https://www.corteidh.or.cr/docs/medidas/placido_se_03_por.pdf
[12] Nesse sentido, tão somente em relação ao passado recente, confira-se recente publicação
elaborada pelo Departamento Penitenciário Nacional, intitulada “Coletânea de Realizações –
2021”, disponível em https://www.gov.br/depen/pt-br/assuntos/noticias/retrospectiva-do-
depen-veja-as-principais-acoes-realizadas-em-2021/ColetaneaRealizacoesDepen20213.pdf.
Acesso em 2 fev. 2022.
Documento assinado eletronicamente por Cláudia Braga Tomelin, Membro Auxiliar
do CNMP, em 04/02/2022, às 18:31, conforme § 3º do art. 4º do Decreto nº 10.543, de
13 DE NOVEMBRO DE 2020, e Portaria CNMP-PRESI Nº 77, DE 8 DE AGOSTO
DE 2017.

Documento assinado eletronicamente por Renata Ruth Fernandes Goya Marinho,


Usuário Externo, em 04/02/2022, às 18:49, conforme § 3º do art. 4º do Decreto nº
10.543, de 13 DE NOVEMBRO DE 2020, e Portaria CNMP-PRESI Nº 77, DE 8 DE
AGOSTO DE 2017.

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acao=documento_conferir&id_orgao_acesso_externo=0 informando o código
verificador 0572570 e o código CRC 3A87BD24.

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