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PROCESSO n° 19.00.4010.0006968/2021-51
DESPACHO
Cuida-se de procedimento administrativo instaurado a partir de expediente
encaminhado pela Procuradoria da República no Município de Santarém/PA, o qual envia,
para ciência desta Comissão, cópia do relatório de visita de fiscalização carcerária realizada no
Centro de Recuperação Feminino de Santarém pelo juiz Titular da Vara de Execuções Penais
da Comarca de Santarém em 15/10/2021.
Referido relatório de visita elenca irregularidades no estabelecimento penal
relacionadas à lotação, estrutura, recursos humanos, assistência à saúde e à educação,
adotando, como parâmetros, a Lei n. 7.210/84 (Lei de Execução Penal), a Lei Estadual n.
6.688/2014, a Resolução do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, as
Normas Regulamentadoras 24 e 10 do Ministério do Trabalho e Previdência (Condições
Sanitárias e de Conforto nos Locais de Trabalho e segurança em instalações e serviços em
eletricidade) e HC 172136/STF (direito à saída da cela por duas horas diárias para banho de
sol).
Face à notícia supra, fora solicitado à Procuradoria-Geral de Justiça do
Ministério Público do Estado do Pará (MP/PA) informações sobre eventuais providências
adotadas acerca das violações reportadas.
Em resposta, o Parquet local encaminhou manifestação da 3ª Promotoria de
Justiça de Santarém, que veio acompanhada de documentos e fotografias do Centro de
Recuperação Feminino de Santarém.
A 3ª Promotoria de Justiça de Santarém informa que tem realizado todas as
fiscalizações nos estabelecimentos penais situados em sua área de atuação, de acordo com a
Resolução n. 56/2010 e vem adotando medidas judiciais e extrajudiciais para garantir o
cumprimento da Lei de Execução Penal.
Destaca que a Casa Penal Feminina de Santarém foi inaugurada em abril de
2018, contando com “dois blocos carcerários, com 13 celas coletivas, uma para Pessoa com
Deficiência (PCD) com duas vagas, quatro celas individuais e duas celas de visita íntima.
Conta, ainda, com sala de amamentação, sala de vacinação, brinquedoteca, consultórios
médicos, refeitório, salas de aula e bloco para capacitação profissional e um berçário para
detentas grávidas e/ou lactantes e seus bebês”.
Apesar disso, o juízo da Vara de Execução Penal de Santarém vem
declarando o Centro de Recuperação Feminina de Santarém como local degradante, para fins
de concessão do cômputo em dobro do período de pena cumprida naquele estabelecimento
penal.
Assevera que no final do primeiro semestre de 2021, o juízo da VEP de
Santarém deferiu a contagem da “pena em dobro” para os custodiados recolhidos nas Casas
Penais de Santarém, com base, na solução determinada pela Corte Interamericana de Direitos
Humanos para o Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho (Resolução Corte IDH de
22/11/2018)1, no RHC 136961/STJ2 e na ADPF 347/STF3 , o que gerou a soltura de “vários”
presos do sistema penal de Santarém.
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entregue a tarefa de propor estratégias de atuação para o Ministério Público brasileiro na área
de segurança pública e, também, na área prisional.
Não obstante, cumpre tecer as seguintes considerações acerca do chamado
“cômputo em dobro da pena”, que podem subsidiar enunciados de caráter orientativo para as
unidades e ramos do Ministério Público.
Não se desconhece que o Estado brasileiro tem falhado em cumprir as
diretrizes estabelecidas pela Lei de Execução Penal (Lei n. 7.210/84), no sentido de garantir a
execução digna da pena às pessoas privadas de liberdade.
A omissão estatal já foi objeto de destaque do Supremo Tribunal Federal,
que qualificou o sistema prisional brasileiro como “estado de coisas inconstitucional” (cf.
ADPF nº 347 MC/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, 9.9.2015; RE nº 592.581, Rel. Min. Ricardo
Lewandovski) e tem demandado a atuação da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que
vem adotando medidas em face do Estado brasileiro na seara prisional.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH)4 é um tribunal
internacional com competência para julgar os Estados que se submetem à sua competência
contenciosa.
Por meio do Decreto Legislativo n. 89, de 3 de dezembro de 1998, o
Congresso Nacional aceitou a competência obrigatória da Corte IDH para todos os casos
relativos à interpretação ou aplicação da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto
de San José da Costa Rica). O Poder Executivo, por sua vez, por meio do Decreto n.
4.463/2002, promulgou a Declaração de Reconhecimento da Competência obrigatória da
Corte IDH, sob reserva de reciprocidade, nos termos do art. 62 da Convenção5.
Prevê o artigo 63 da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH)
que compete a Corte IDH determinar que se assegure ao prejudicado o gozo do seu direito
sempre que reconhecida a violação de um direito ou liberdade protegidos na Convenção.
Determinará também, se isso for procedente, que sejam reparadas as
consequências da medida ou situação que haja configurado a violação desses direitos, bem
como o pagamento de indenização justa à parte lesada. Nos casos de extrema gravidade e
urgência, e quando se fizer necessário evitar danos irreparáveis às pessoas, a Corte IDH
poderá, ainda, tomar as medidas provisórias que considerar pertinentes nos assuntos de que
estiver conhecendo.
No contexto nacional, identifica-se que já foram adotadas 7 (sete) medidas
provisórias relacionadas à privação de liberdade de adultos e adolescentes em face do Brasil,
sendo que 4 (quatro) delas estão vigentes, quais sejam: Unidade Socioeducativa do Espírito
Santo (UNIS), Complexo Penitenciário de Pedrinhas (Maranhão), Instituto Penal Plácido
de Sá Carvalho (IPPSC Rio de Janeiro) e Complexo Penitenciário de Curado
(Pernambuco).
Para os fins do presente, merecem análise apenas as medidas provisórias
relacionadas ao Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho (IPPSC Rio de Janeiro) e ao Complexo
Penitenciário de Curado (Pernambuco), já que foram estes os casos nos quais houve
determinação da Corte IDH para o cômputo em dobro da pena imposta aos acusados ou
condenados custodiados naquelas unidades prisionais.
O caso do Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho (IPPSC) (Rio de Janeiro)
O IPPSC constitui um estabelecimento penal destinado ao cumprimento da
pena privativa de liberdade em regime semiaberto, do gênero masculino, localizado no
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Importante registrar que esta foi a resolução daquela Corte que seria
submetida à análise do Superior Tribunal de Justiça nos autos do Recurso em habeas corpus n.
136961/RJ, no bojo do qual foi proferida decisão monocrática do Ministro Reynaldo Fonseca,
posteriormente confirmada pela 5ª Turma, a qual aplicou o Princípio da Fraternidade para
decidir pelo cômputo da pena de maneira mais benéfica ao condenado que estava sendo
mantido preso em local degradante. O teor da decisão proferida pelo STJ, no entanto, é
aplicável ao caso concreto, ou seja, beneficia os apenados que cumpriram pena no
Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho.
Complexo Penitenciário do Curado (Pernambuco)
Já em relação ao Complexo Penitenciário do Curado (Pernambuco),
importante salientar ser ele oriundo de uma fragmentação do antigo Presídio Professor Aníbal
Bruno, composto pelo Presídio ASP Marcelo Francisco de Araújo (PAMFA), Presídio Juiz
Antonio Luiz Lins de Barros (PJALLB) e Presídio Frei Damião de Bozzano (PFDB).
A unidade vem sendo acompanhada pelo Sistema Interamericano de Direitos
Humanos desde 22 de maio de 20147, em face do elevado número de mortes violentas, relatos
de tortura, violência sexual perpetrada por pessoas privadas de liberdade que exerciam funções
de 'chaveiro' e precárias condições de encarceramento (condições carcerárias e superlotação).
A capacidade máxima do local é de 1.819 e consta que se encontrava com 6.708, conforme
informe da UMF/CNJ. A Corte IDH adotou 6 resoluções8.
Somente após as cinco primeiras resoluções é que, na resolução de 28 de
novembro de 2018, a Corte IDH determinou o cômputo em dobro da pena para os presos que
cumpriam sua pena no complexo em comento.
No início do ano de 2021, a Defensoria Pública Estadual do Estado de
Pernambuco, com fundamento na Resolução da Corte IDH expedida em 28 de novembro de
2018, pleiteou em inúmeros processos o cômputo em dobro da pena das pessoas que, por
algum período, permaneceram custodiadas nas unidades prisionais do Complexo do Curado,
compostas pelo Presídio Juiz Antônio Luiz Lins de Barros (PJALB), Presídio ASP Marcelo
Francisco de Araújo (PANFA) e Presídio Frei Damião de Bozano (PFDB), já que essas
apresentaram condições degradantes e desumanas.
Diante dos inúmeros pedidos formulados pela Defensoria supracitada, o
Ministério Público do Estado de Pernambuco requereu a instauração do Incidente de
Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) de nº 008770-65.2021.8.17.9000, com pedido de
tutela de urgência, visando a uniformização da interpretação e, liminarmente, a suspensão dos
efeitos práticos da adoção de uma detração ficta até a pacificação da matéria pela Seção
Criminal do Tribunal de Justiça daquele estado.
Concomitantemente, diversos apenados impetraram habeas corpus perante o
STJ, em face do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, alegando o sofrimento de
constrangimento ilegal devido à rejeição do cômputo em dobro da reprimenda.
Em razão disso, houve recurso, por parte do Ministério Público
pernambucano, do habeas corpus que havia sido concedido em favor de um dos apenados,
informando-se a existência de um IRDR no Tribunal de Justiça local. Diante da provocação
efetuada, em juízo de retratação de 27 de outubro de 2021, o relator da causa, Ministro Jesuíno
Rissato, Desembargador Convocado do TJDFT, ressaltou a impossibilidade da Superior Corte
de Justiça de analisar diretamente o tema. Argumentou que, muito embora exista um
entendimento pela adoção da resolução emitida pela Corte IDH, a existência do incidente
instaurado junto ao Tribunal de origem inviabiliza a apreciação, sob pena de configurar
supressão de instância. Com isto, o Ministro anulou a ordem anteriormente concedida e
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3. A Corte tem competência para conhecer de qualquer caso relativo à interpretação e
aplicação das disposições desta Convenção que lhe seja submetido, desde que os Estados
Partes no caso tenham reconhecido ou reconheçam a referida competência, seja por declaração
especial, como prevêem os incisos anteriores, seja por convenção especial.
[6]
[7] https://www.corteidh.or.cr/docs/medidas/curado_se_01_por.pdf
[8] Resoluções de 22 de maio de 2014, 7 de outubro e 18 de novembro de 2015, 23 de
novembro de 2016, 15 de novembro de 2017 e 28 de novembro de 2018.
[9] https://www.cnj.jus.br/justica-decide-contar-em-dobro-pena-cumprida-no-presidio-
central-por-crime-sem-violencia-fisica-ou-sexual/
[10]Conferir o artigo do professor, ex-Conselheiro do CNMP e ex- Presidente da CSP,
Dermeval Farias Gomes Filho: PONTE, Antônio Carlos da; GOMES FILHO, Dermeval
Farias; PEDROSO, Fernando Gentil Gizzi de Almeida: O modelo decisório do Supremo
Tribunal Federal que se projeta na execução penal: desafios de uma política criminal de
desencarceramento sem preocupação dogmática. Revista Magister de Direito Penal e
Processual Penal, Porto Alegre, v. 105, p. 64-87, dez./jan. 2022.
[11] https://www.corteidh.or.cr/docs/medidas/placido_se_03_por.pdf
[12] Nesse sentido, tão somente em relação ao passado recente, confira-se recente publicação
elaborada pelo Departamento Penitenciário Nacional, intitulada “Coletânea de Realizações –
2021”, disponível em https://www.gov.br/depen/pt-br/assuntos/noticias/retrospectiva-do-
depen-veja-as-principais-acoes-realizadas-em-2021/ColetaneaRealizacoesDepen20213.pdf.
Acesso em 2 fev. 2022.
Documento assinado eletronicamente por Cláudia Braga Tomelin, Membro Auxiliar
do CNMP, em 04/02/2022, às 18:31, conforme § 3º do art. 4º do Decreto nº 10.543, de
13 DE NOVEMBRO DE 2020, e Portaria CNMP-PRESI Nº 77, DE 8 DE AGOSTO
DE 2017.
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