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A QUALIDADE DOS PENSAMENTOS E OS MEIOS HÁBEIS

Apesar de que nossa Investigação ser do Adhyatman Upaniṣad, será muito bem-vindo neste
momento um verso magnífico do Aṣṭāvakraḥ Gītā antes de retomarmos a leitura dos versos do
Upaniṣad em questão.
“Embora parecendo adormecido como outros homens, aquele cujo interesse no mundo se
esgotou, cuja mente foi esvaziada, que pensa apenas por inadvertência, está na Realidade
desperto”.
Vamos recordar que, na investigação anterior, nosso trabalho foi o de observar atentamente
toda a atividade psíquica – memória, pensamentos, sentimentos, sensações, emoções, etc. – e
discernir três aspectos desta atividade:
1 – O surgimento e a atividade deliberada (pensamentos voluntariamente produzidos);
2 – O surgimento e a atividade inadvertida (fenômenos psíquicos espontâneos);
3 – O surgimento de fenômenos espontâneos que são deliberadamente apropriados e
convertidos em atividade psíquica voluntária;
É supremamente valioso que percebamos que isto acontece, e que no último caso, também pode
ocorrer que, em meio a produções psíquicas voluntárias, surjam fenômenos inadvertidos ou
espontâneos, algumas vezes, até exóticos e espantosos.
Mas, de modo geral, fenômenos psíquicos surgem espontaneamente e nem nos apercebemos
que os tomamos como matéria prima para nossas “viagens mentais”, como se nossa mentalidade
fosse uma espécie de Cinema Pessoal, em que vamos realizando nossas superproduções psico-
cinematográficas, com monólogos e diálogos, cenas de toda a natureza, que produzem, por sua
vez, estados emocionais os mais variados.
Quando começamos a distinguir entre manifestações inadvertidas e deliberadas, começamos a
nos isolar destas atividades, que até então eram inconscientes e nos passavam quase que
completamente desapercebidas.
Veja que no Aṣṭāvakraḥ Gītā é afirmado que aquele que pensa só inadvertidamente, está, em
verdade, Desperto.
Temos mais alguns elementos interessantes sobre estas duas qualidades de volições mentais.
Os Vṛttis Mentais espontâneos são majoritariamente imagéticos e emocionais, enquanto que
as volições deliberadas e voluntárias, são, na maioria das vezes, verbais ou narrativas.
Esta é a natureza dos pensamentos: Nama Rupa – Nome e Forma – Som e Imagem.
Praticamente todos os pensamentos se apresentam desta maneira, lembrando que,
sentimentos, sensações e emoções aqui também são nomeados como pensamento ou
atividade psíquica.
Quando iniciamos o Vichāra discernindo estas qualidades das volições mentais, e estas duas
naturezas – deliberada e inadvertida – naturalmente nos dissociamos dos pensamentos e um
estado de tranquilidade se manifesta espontaneamente.
No entanto, pode ser que tudo soe muito abstrato num primeiro momento, ou que a força do
hábito de envolver-se com as volições mentais, sem lhes reconhecer a natureza inadvertida ou
deliberada, prossiga muito ativa como sempre.
Então, é indicado restringir a ação mental deliberada, e isto é feito por intermédio de muitos
meios e Sadhanas diferentes, tais como Japa e mais pontualmente para nosso estudo de hoje o
Mahāvākya, que como vimos, não pode per si produzir Mokṣa ou Liberação, mas é um poderoso
auxílio à Meditação.
Logo, nossa prática envolve agora, como dito, o esforço por aquietar a mente – Abhyāsa – e o
deliberado ato de não segurar nenhum fenômeno e envolver-se com as narrativas, desapegando-
nos da função de roteiristas, diretores e atores dentro do cinema mental – Vairāgya.
Lemos no Adhyatma Upanisad, no verso 21:
“Por expulsar (da mente) sem (deixar) nenhum resíduo todos os objetos que se sobrepõem ao
próprio Ātman, alguém se torna Parabrahmā o pleno, o sem segundo e o sem ação”.
Entenderemos que este “expulsar” é obviamente uma ação interna, deliberada, de não se
envolver com o que está inadvertidamente surgindo e que não pode nos manter limitados e
presos no Saṁsāra, e desapegar-se de produzir locução mental com estes fenômenos.
No verso 33 lemos:
“Fazer a mente pensar em tais frases (ou ideias) como as acima constitui Śravaṇā (ouvir). Isso
se torna Manana (contemplação) quando essas ideias são aquietadas (em uma só) através de
raciocínio lógico”.
Ora, fazer a mente pensar em tais frases ou ideias, são os ensinamentos não-duais, que se
desdobram da fonte original dos textos, as Mahāvākyas ou Grandes Citações Védicas, tais como:
Eu Sou Brāhmaṇ ou Eu Sou Pura Consciência Ilimitada.
Estas Verdades Espirituais estão nas Escrituras e nos lábios dos Sábios Realizados, e uma vez que
elas se aprofundam – aquietando as volições psíquicas - convertem-se em Puro Manana
[Reflexão]. Quando até mesmo as Mahāvākyas se silenciam, por elas mesmas, convertem-se na
Meditação de Perfeita Concentração e por conseguinte, em Samādhi.
Desta forma, a ação de pensar deliberadamente, é convertida em Sādhanā.
Voltando ao verso 50, lemos:
“Através da cognição ‘Eu Sou Brāhmaṇ’ são destruídos karmas acumulados durante centenas
de crores de nascimentos anteriores, como as ações no estadode sonho (que são destruídas)
durante o estado de vigília”.
O quinto verso, nos dá a orientação precisa do Sādhanā tendo as Mahāvākyas como Ādhāra ou
Suporte à Contemplação:
Nunca dando o menor espaço para o sono, conversas mundanas, sons, etc.,pense em Ātman
como o Ātman.
O “nunca dando o menor espaço” significa que a prática não pode estar fundamentada numa
aplicação, digamos, esportiva do Sādhanā. Nunca é nunca, ou seja, a noção Eu Sou a Consciência
Ilimitada e Imaculada, deve ser mantida em todos os momentos, de forma que o ato deliberado
de pensar seja suplantado pela Verdade Védica, até que a Corrente Intuitiva Espontânea também
subjugue todas as Vṛttis deliberadas ou não.
Pense em Ātman como o Ātman, significa:
Pense em Si Mesmo como o Supremo
Você, o Jīvātman, é o Paramātman
No verso 20 lemos:
“Brahma é Svayam (Ātman); Viṣṇu é Ātman; Rudra é Ātman; Indra é Ātman;todo esse universo
é Ātman e não há nada além de Ātman”.
Ou seja, todas as Divindades, o Criador, o Preservador, o Destruidor, o Deus da Alvorada e todo
o Universo é o mesmo e único Ser que Eu Sou.
Buscamos assim, viver interiormente a sensação, o sentimento, em termos Cristãos, de:
Eu e o Pai somos um!
Nos versos conclusivos do Upaniṣad temos as afirmações que compõem a prática das afirmações
interiores que domam a fruição deliberada de produzir volições ou Vṛttis:
“Nesse imenso oceano de Brāhmaṇ cheio de néctar debem-aventurança indivisa eu não vejo,
não ouço nem conheço nada. Eu permaneço apenas em meu Ātman e na minha própria
natureza de Sat, Ānandarūpa.
Eu Sou um asaṅga. Eu Sou um asaṅga [livre de associações]. Eu não tenho atributos. Eu Sou
Hari (o Senhor que tira o pecado). Eu Sou o quiescente, o infinito, o todo pleno e o [mais]
antigo.
Eu não sou nem o agente nem o desfrutador. Eu Sou o imutável e o imperecível. Eu Sou da
natureza da iluminaçãopura. Eu Sou a bem-aventurança única e perpétua”.
Assumir as Mahāvākyas como suporte para nosso Sādhanā não significa transformá-las em um
mantra, no sentido de fica-las repetindo indefinidamente e de forma mecânica.
Nós demandamos o sentimento de Unidade. Ou seja, usamos Vṛtti deliberado, para acessar os
espontâneos, e sentir a Verdade das Mahāvākyas.
Os Vṛttis deliberados, na maioria das vezes refletem o mundo ao redor e elaboram as impressões
residuais; são de natureza cerebral e se precipitam no corpo. Os inadvertidos fluem para todas
as direções e estão enraizados no Coração.
À medida que ambos vão sendo purificados e extintos na Luz do Ātman, através da Contemplação
continuada, a mente converte-se num espelho refletor e mais e mais opera a Intuição de acordo
com a Corrente de Vida Universal, que é o próprio Ātman ou Fonte.
Uma vez que o propósito do Sādhanā é bem compreendido, fica mais evidente que o trabalho
real é o de transcender as atividades condicionadas ou hábitos mentais – na forma de Vṛtti –
deliberados ou não.
Neste ponto começamos a receber Instruções diretamente do Mestre Interno ou Coração, que é
o mesmo Espírito de Instrução, Consolador Prometido ou Espírito da Verdade.
Fala Bhagavan Sri Ramana:
“Nada, seja o que for, nasce ou morre em qualquer lugar a qualquer momento. É Brahman
sozinho aparecendo ilusoriamente na forma do mundo”.
“A felicidade é sua própria natureza. Portanto, não é errado desejá-la. O que está errado é
buscá-la fora, porque está dentro.”
— Sri Ramana Maharshi
DIÁLOGO COM SRI ANNAMALAI SWAMI SOBRE MAHAVAKYAS
P: O buscador tem muitas idéias: "Eu sou um jiva (personalidade), estou limitado e tenho que fazer
sadhana para atingir a liberação". Devemos esquecer todas essas idéias? …

Annamalai Swami: Sim, esqueça todas elas!


‘Eu sou o Ser, Eu Sou tudo’. Segure esta consciência. Todos os outros caminhos são rotundas.

Q: Bhagavan disse que repetir, 'Eu Sou o Ser' ou 'Eu não sou este corpo' é um auxílio para a
investigação, mas não constitui a própria investigação.

Annamalai Swami: A meditação, ‘Eu não sou o corpo ou a mente, Eu Sou o Ser imanente’ é
uma grande ajuda enquanto a pessoa não for capaz de fazer a auto-investigação adequada ou
constantemente.

Bhagavan disse: 'Manter a mente no Coração é auto-indagação'. Se você não pode fazer isso
perguntando "Quem sou eu?" Ou levando o pensamento-eu de volta à sua fonte, então a meditação
sobre a consciência "Eu Sou o Eu que tudo permeia" é uma grande ajuda.

Bhagavan costumava dizer que devemos ler e estudar o Ribhu Gita regularmente. No Ribhu Gita
é dito:

'Aquele bhavana (atitude mental)' Eu não sou o corpo, eu não sou a mente, Eu Sou Brahman,
Eu Sou tudo ', deve ser repetido várias vezes até que se torne o estado natural . '

Bhagavan sentava-se conosco todos os dias enquanto cantávamos trechos do Ribhu Gita que
afirmam a realidade do Ser.

É verdade que ele disse que essas repetições são apenas uma ajuda para a auto-indagação, mas são
uma ajuda muito poderosa.

Ao praticar dessa forma, a mente se torna cada vez mais sintonizada com a realidade. Quando a
mente foi purificada por esta prática, é mais fácil levá-la de volta à sua fonte e mantê-la lá.

Quando alguém é capaz de permanecer no Eu diretamente, não precisa de ajuda como esta. Mas
se isso não for possível, essas práticas podem definitivamente ajudar.

- Viver pelas palavras de Bhagawan

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