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FACULDADE DIOCESANA SÃO JOSÉ

PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA DOS DIREITOS HUMANOS

PAULO HENRIQUE DA SILVA SANTIAGO

Multiculturalismo e as quatro gerações de Direitos Humanos

Trabalho apresentado ao Curso Filosofia dos


Direitos Humanos da Fadisi – Faculdade
Diocesana São José, para a disciplina
Multiculturalismo e Direitos Humanos.

Prof. Me. Jorge Fernandes

Rio Branco - Acre


Novembro de 2018
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Multiculturalismo e as quatro gerações de Direitos Humanos

Paulo Henrique da Silva Santiago¹

Ao longo da história do mundo as sociedades criaram mecanismo de


organização que contemplassem suas culturas particulares, mais tarde este dispositivo
seria conhecido como “lei”. A criação das leis nos povos e países aprimorou a forma de
convivência entre os moradores de um território, mas não resolveu conflitos entre
nações diferentes, que consideravam a prevalência de sua lei em detrimento de outra,
tendo por base sua cultura. Diantes destes conflitos, de forma inconsciente, começam a
surgir os Direitos Humanos (DHs).

O advogado e máster em direitos fundamentais pela Universidade Carlos III de


Madri, Marcus Vinícius Reis, faz uma síntese sobre as quatro gerações dos direitos
humanos no artigo Multiculturalismo e Direitos Humanos. Reis defende a construção
desses direitos a partir da transição da sociedade para a modernidade e, como segundo
fundamento, terem sido criados em uma cultura ocidental.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) é o documento mais


conhecido da área do direito internacional. Antes de chegar a esta convenção muitos
acordos foram lavrados, como o Tratado de Paz de Westfalia (1648), pondo fim à guerra
dos 30 anos na Europa e permitindo que cada nação tivesse soberania em suas decisões
e relações com outros países, tal como o reconhecimento de direitos civis.

Nos Estados Unidos a Declaração de Direitos da Virgínia (1776) marcou o


processo de independência do país, mas a ferramenta procurava abranger apenas a
nação estadunidense. Com o advento da Revolução Francesa surge a Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão (1789), texto fundamental para a garantia das
liberdades individuais. A linguagem universal deste documento serviu de base para a
Declaração dos DHs um século e meio depois.

A Primeira Geração dos DHs surge exatamente neste período. Há época as


normativas que garantiam direitos individuais ou coletivos, baseados na dignidade
humana, eram conhecidos como “direitos naturais”. A positivação desses direitos, ou
seja,
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a efetivação deles por meio de leis e instrumentos afins, foi a primeira fase dos Direitos
Humanos no mundo.

Já nos primordios da história humana, antes de Cristo (a.C.), o rei da Pérsia, Ciro
II (559 a 530 a.C.), também conhecido como Ciro, o Grande, protagonizou um episódio
que seria lembrado pelas gerações posteriores. Após conquistar a Babilônia, Ciro
libertou os escravos e garantiu ao povo que escolhecem sua religião, independente do
grupo. Este ato foi gravado em uma peça de barro, popularmente conhecida como o
Cilindro de Ciro.

Dai em diante as sociedades ao redor do mundo começaram a se preocupar com


a implementação de ordenamentos que salvaguardassem suas vidas e liberdades, fossem
elas privadas ou de um determinado grupo, comunidade. Até a primeira geração os
direitos eram seletivos, procuravam beneficiar as classes abastadas como a burguesia.

A positivação dos direitos de Primeira Geração propiciou às massas de


trabalhadores e classes desfavorecidas de recursos, reflexões sobre a não abrangência
desses direitos à sua classe. A pressão de grupos não privilegiados frente à burguesia
gerou protestos e guerras civis, mas obteve importantes resultados na luta de classes.
Esse período é caracterizado pela generalização dos DHs no início do século XIX, tanto
entre os povos de um mesmo território quanto entre as nações (países).

O momento histórico citado fica conhecido como a Segunda Geração dos


Direitos Humanos. Combativo à ordem neoliberal, esta fase tem por pautas as lutas
direcionadas aos direitos econômicos, sociais e culturais, temas responsáveis pela
segregação dos grupos menos favorecidos. A amplitude do debate levou minorias
organizadas – ou maiorias não reconhecidas – a pleitearem as causas de suas bandeiras
de luta.

A generalização das lutas e positivação de direitos em determinados países,


especialmente europeus e norte-americanos, levou à internacionalização dos Direitos
Humanos, ou seja, as batalhas saírem de âmbitos nacionais e passaram a ganhar atenção
internacional.

A transição da generalização para a internacionalização dos Direitos Humanos


foi a fase seguinte. Importantes tratados internacionais relacionados aos DHs são
assinados, especialmente àqueles referentes à extinção da escravatura. O Brasil foi o
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último país ocidental a abolir a prática escravocrata, tendo sofrido forte pressão
europeia, especialmente da Inglaterra. O país inglês buscava, nas primeiras décadas do
século XIX, o fim do tráfico negreiro no país latino.

Os acordos ficavam apenas no papel, não havia interesse da monarquia


portuguesa que ainda regia o Brasil e muito menos dos poderosos fazendeiros o fim
deste lucrativo mercado. As relações com outros países começaram a ficar cada vez
mais difíceis. Embargos, taxações sobre mercadorias e outras sanções de nações
parceiras fizeram o Brasil recuar em sua política de escravidão.

Nesse contexto, os DHs se tornavam universais, começavam a influenciar nas


relações econômicas internacionais, um marco que ficou conhecido como a Terceira
Geração dos Direitos Humanos. Esta fase impôs limites aos países, que passaram a
seguir direitos universais em troca de boas relações internacionais.

A Quarta Geração dos Direitos Humanos é a última e a atual. Nesta fase a luta
por direitos é segmentada por grupos sociais: refugiados, negros, mulheres, operários,
etc. Aqui surge a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), carta magna que
rege a conduta de boa parte das nações do mundo, em especial as ligadas à Organização
das Nações Unidas (ONU), criada após a Segunda Guerra Mundial (1939 - 1945).

A fase que contempla a maior parte do século XX e o recente século XXI é o


período de grandes conquistas individuais e coletivas. A efetivação dos DHs por meio
de leis nacionais, nos países mebros da ONU, foi fundamental para a evolução dos
princípios humanistas.

No Brasil

Na Quarta Geração, com o advento da Declaração Universal, crescem os grupos


denominados “movimentos sociais”. No Brasil, estes movimentos ganham força durante
a Ditadura Militar (1964 - 1985), período de negação de direitos fundamentais, censura
às liberdades de pensamento e expressão, além de perseguição aos coletivos opositores
do regime.

Nesse período estes grupos ganham apoio de algumas instituições importantes.


Destaque para a Igreja Católica, cuja parte do clero – não todo ele – colaborou no
fortalecimento e representação das estruturas dos movimentos sociais. As lutas com a
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Comissão Pastoral da Terra (CPT) e com a Comissão Indigenista Missionária (Cimi)


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exemplos concretos desse apoio e forma de estrutura eclesial, que perdura até hoje,
porém, com menos intensidade.

Todo este mecanismo dentro e fora do Brasil gerou na quarta fase dos Direitos
Humanos as “ações de denominação positiva”, que são: Discriminação Igualitária
Positiva e Ação Positiva (ação afirmativa), esta última podendo ser divida em ação
positiva moderada e discriminação inversa.

A Discriminação Igualitária Positiva prevê a garantia de direitos para um grupo


social, mas que tem por função ser garantida a todos, como é o exemplo da Previdência.
A sociedade ativa trabalha para garantir a seguridade daqueles que já cumpriram seu
tempo de contribuição, logo, os que trabalham ativamente hoje passarão pelo mesmo
sistema, sendo assim, a “discriminação” de um grupo se torna igualitária, já que todos –
que trabalham e contribuem – terão benefícios e, por isso, é positiva, tendo em vista que
não desbeneficia outros grupos.

Já a Ação Positiva (ação afirmativa) é voltada a coletivos específicos. Nela,


grupos são beneficiados pelas políticas do Estado, por determinada razão sociocultural,
econômica e outras. Nessa ação há duas subdivisões, a primeira é a Ação Positiva
Moderada, que beneficia um grupo sem prejudicar os outros, como no caso de políticas
voltadas à acessibilidade: rampas e elevadores em prédios, sinalização em braile nas
ruas, etc.

A segunda subdivisão é a Discriminação Inversa, que tem por base beneficiar


um grupo, mas em detrimento de outro. O caso mais comum para este são as cotas
etnico-raciais nas universidade e em concursos públicos. À medida que ainda gera
muitos debates, essa política procura minimizar uma dívida social de mais de três
séculos de escravidão negra e indigena, logo, não é adequado enxergá-las como
privilégios e nem benefícios, mas como uma política compensatória de uma dívida
histórica do país.

As Ações de Denominação Positiva são, como um todo, ferramentas que


procuram equalizar as relações sociais, garantindo benesses aos grupos que ao longo da
história do Brasil foram deixados à margem, privados de direitos básicos como a
liberdade, a educação e a saúde.
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A efetivação de políticas voltadas ao cumprimento dos Direitos Humanos, para


este grupo e à sociedade em geral, valoriza a luta dos movimentos sociais e de outros
coletivos, e rompe com a pirâmide socioeconômica que tem por princípio beneficiar as
classes mais abastardas. Assim, cumpri-se o previsto pelos países membros da ONU na
Declaração Universal dos Direitos Humanos no tocante ao direito fundamental da vida
com dignidade.

As quatro gerações dos DHs conectam-se em um intervalo aproximado de


trezentos anos, o que mostra a frágilidade desses direitos frente ao tempo e às mudanças
no mundo. Por isso, são necessárias atenção e vigilância às conquistas já normatizadas,
além da constante luta por outros direitos que ainda não foram adquiridos.

Todo cidadão, de forma individual ou coletiva, tem por função social


salvaguardar seus direitos, principalmente os que garatem sua vida e sua liberdade. A
defesa dos Direitos Humanos passa pela conscientização do homem como o princípal
ser vivo do mundo, e único capaz de desenvolver mudanças, dessa forma, a
universalização dos DHs representa a defesa da própria espécie humana.

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