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Análise poema XXIII – Alberto Caeiro

Neste poema está evidente a clareza e objetividade com que Caeiro vê a


realidade, em especial a natureza.
O poeta inicia o poema ao referir o seu “olhar azul” já antes descrito na carta
de Pessoa a Casais Monteiro. Este olhar, “azul como o céu”, é equiparado à calma da
água e do sol. Os seus olhos, ao serem da mesma cor do céu estabelecem uma ligação
direta de Caeiro com a essência da natureza, permitindo-nos afirmar que é no ato de
ver que se capta a pureza, a naturalidade e a perfeição da vida. Assim, na visão de
Caeiro encontramos a natureza fruída na sua essência.
Nos dois últimos versos da primeira estrofe, o sujeito poético justifica o
raciocínio anterior, ou seja, o seu olhar é “azul e calmo/ porque não interroga nem se
espanta”. Assim, nestes versos, apresenta-se o assunto do poema: as coisas são o que
são e nada mais.
Na segunda estrofe, introduzida pela conjunção subordinativa adverbial
condicional “se”, o sujeito lírico coloca a hipótese de se interrogar sobre as coisas (“ Se
eu interrogasse e me espantasse”). Desta suposição, afirma que "...não interroga nem
se espanta...", pois se "interrogasse" se "espantasse", "Não nasciam flores novas nos
prados" nem o sol ficava mais belo. Deste modo, a reflexão a especulação, a
intelectualização e a emoção dissimulariam a espontaneidade da natureza. A Caeiro,
enquanto poeta do real objetivo, não importa saber o que é a natureza, nem
questioná-la, mas amá-la por ela ser ela mesma. Apenas através da ausência de
abstrações, da formulação de conceitos é que é possível ver com o “olhar azul”. Ver é
compreender.
Ao longo desta estrofe, verifica-se a presença de uma enumeração
polissindética pela repetição da conjunção coordenativa copulativa “e” (“e me
espantasse"; "E se o sol mudasse"; “ E achava mais feio o sol…”). A sua utilização
excessiva afirma-se como uma marca da simplicidade e espontaneidade linguística do
poeta e, também, como uma marca da oralidade. Alberto Caeiro utiliza ainda o
processo tautológico, ou seja, a explicitação de uma ideia com a repetição da mesma
ideia - Porque tudo é como é e assim é que é,".

Nos dois últimos versos, o sujeito lírico reafirma a sua aceitação do mundo que
o rodeia sem questionar a sua existência. Para ele, o contacto imediato com a
realidade, a rejeição do pensamento e da abstração são sinónimos de conhecimento.
Pensar é, portanto, ser inimigo da natureza. Esta deve ser admirada, contemplada e
não pensada e questionada. Para Caeiro, questionar a natureza, seria questionarmo-
nos a nós próprios pois nós mesmos somos uma parte constituinte desse todo.

Porém, esta atitude aparentemente simples e ingénua não é instintiva, mas sim
fruto de uma reflexão que o leva a rejeitar o pensamento. Logo, esta rejeição é,
paradoxalmente, o resultado de uma análise racional que o faz preferir aceder ao
conhecimento pelo contacto direto com a realidade. Daí que ver seja conhecer.

Deste modo, pela minha interpretação, sugiro que o poema seja divido em 3
partes:

- 1ª, constituída pela primeira estrofe onde o poeta apresenta a sua


ligação direta à natureza;

- 2ª parte, do verso 5 ao 11, onde está presente a perceção de que


qualquer eventual raciocínio em nada altera o curso da natureza;

- por último, a 3ª parte, os três últimos versos, que compõem a


conclusão introduzida por uma conjunção subordinativa causal(porque) onde o sujeito
poético explica a razão que o leva a aceitar a natureza como ela é, deixando
transparecer que essa visão simples é resultado de uma opção consciente. Afirma-se,
assim, Caeiro como o poeta simples de espécie complicada que se esforça por
aparentar uma visão ingénua e pura real.

Sancha Nair

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