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Intervenção Psicopedagógica na

Aprendizagem da Matemática
#CURRÍCULO LATTES#

Profª. Drª. Nelma Sgarbosa Roman de Araujo

● Doutora em Educação para a Ciência e a Matemática pela Universidade Estadual


de Maringá (UEM).
● Mestre em Educação para a Ciência e a Matemática pela Universidade Estadual
de Maringá (UEM).
● Especialista em Educação Especial: visão integradora pela Faculdade Estadual
de Educação Ciências e Letras de Paranavaí (FAFIPA), hoje Universidade
Estadual do Paraná (UNESPAR).
● Especialista em Administração, Supervisão e Orientação Escolar.
● Licenciada em Pedagogia pela Faculdade Educacional da Lapa (FAEL).
● Habilitação em Matemática pela Faculdade Estadual de Educação Ciências e
Letras de Paranavaí (FAFIPA).
● Licenciada em Ciências de 1º Grau pela Faculdade Estadual de Educação
Ciências e Letras de Paranavaí (FAFIPA).
● Docente, pesquisadora, membro do núcleo docente estruturante do curso de
Pedagogia (UniFatecie).
● Membro do Conselho Editorial da EduFatecie (UniFatecie).
● Vice-Coordenadora Geral dos Programas de Ensino, Pesquisa e Extensão
(CONPEx/UniFatecie)
● Coordenadora do Programa de Ensino-PIE/UniFatecie.
● Orientadora de Trabalhos de Conclusão de cursos a nível de Pós-Graduação,
Graduação e de Projetos de Iniciação Científica.
● Membro do GT Matemática na Educação Infantil e nos Anos Iniciais do Ensino
Fundamental da SBEM-PR (Sociedade Brasileira de Educação Matemática).
● Docente do Quadro Próprio do Magistério da Rede Estadual de Educação do
Paraná, atuando na Escola Fernanda Preisler Aquino - Ed. Inf. e Ens. Fund. na
Modalidade Educação Especial de Diamante do Norte (APAE).
● Assessora pedagógica, ministrante de cursos, minicursos e palestras.
Ampla experiência na área de Educação, Educação Matemática, Formação de
professores, Representações Sociais, Ensino de Matemática e de Ciências, Educação
Especial (Deficiência Intelectual), Educação de Jovens e Adultos e Gestão Escolar.

ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0213-8276

CV: http://lattes.cnpq.br/9100194702432442
#CURRÍCULO LATTES#

Profª. Me. Lussuede Luciana de Sousa Ferro

- Doutoranda em Educação pela Universidade Estadual de Maringá (UEM).


- Mestre em Educação, com pesquisa na organização do ensino de matemática,
pela Universidade Estadual de Maringá (UEM).
- Especialista em Teoria Histórico-Cultural nos estudos acerca do processo de
desenvolvimento humano.
- Especialista em Psicopedagogia Clínica e Institucional.
- Licenciada em Pedagogia pela Universidade do Oeste Paulista.
- Membro do Grupo de Pesquisa e Ensino "Trabalho Educativo e Escolarização"
(GENTEE-UEM).
- Membro da Oficina Pedagógica de Matemática (OPM/UEM).
- Membro do Grupo de Pesquisa “Estudos das Teorias e Práticas Pedagógicas na
Perspectiva Crítica da Educação Escolar” (GTPEC-Unespar/Pvai).
- Membro do Grupo de Estudos e Pesquisa sobre atividade de ensino
(GEPAE/UEM).
- Orientadora de Trabalhos de Conclusão de cursos a nível Graduação.
- Docente do ensino superior, atualmente na Universidade Estadual de Maringá e
Universidade Estadual do Paraná - Campus de Paranavaí.
- Ministrante de cursos, minicursos e palestras com ênfase no desenvolvimento
humano, formação de professores, organização do ensino, trabalho educativo e o
processo de ensino e aprendizagem na educação infantil e anos iniciais.

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4807-3642

CV: http://lattes.cnpq.br/2991516738579826
APRESENTAÇÃO DA APOSTILA

A matemática é considerada por muitos como “um bicho de sete-cabeças”. Será


mesmo? É isso que, juntos, iremos descobrir e aprender em nossos estudos, pois
ensinar matemática é uma tarefa que se tornou desafiadora para muitos professores do
ensino básico.
Pensando nisso, organizamos esse material com uma proposta de estudo que
considera a linguagem matemática como um bem cultural que traz em si
consubstanciada, toda a síntese humana produzida e materializada nos instrumentos e
signos.
Nessa perspectiva, consideramos que a apropriação desses instrumentos e
signos presentes nos conhecimentos matemáticos, potencializam as formas mais
avançadas do pensamento humano nas suas relações com os diferentes fenômenos no
mundo. Dessa forma, defendemos a ideia da matemática como um instrumento do
pensamento.
A aprendizagem dos conhecimentos matemáticos ocorre em diferentes situações
do cotidiano, pois é uma linguagem inerente à vida humana. No entanto, somente em
situações de ensino sistematicamente organizadas, é possível desenvolver as formas
mais complexas do pensamento, logo, na escola.
Porém, algumas crianças, adolescentes e adultos apresentam dificuldades para
se apropriarem dos conceitos matemáticos, representadas em alguns casos por
transtornos ou distúrbios de aprendizagem, entre eles, a discalculia e a acalculia. Alunos
com dificuldades de aprendizagem não aprendem matemática pelos caminhos
tradicionais que comumente se ensina nas escolas, o que demanda reorganização da
prática pedagógica.
Assim, objetivamos com esse material de estudo, como educadoras que somos,
oferecer aos psicopedagogos e professores, apoio teórico metodológico para um ensino
de matemática que considere o aluno em suas múltiplas determinações, isto é, enquanto
um ser físico, biológico, psíquico e social.
Para isso, na Unidade I discutiremos o processo histórico de produção da
matemática para compreender como ocorre a apropriação dessa linguagem como
ferramenta do pensamento.
Na sequência, refletiremos na Unidade II a respeito das dificuldades de
aprendizagem e suas concepções; a importância de identificar as causas e as
consequências que essas dificuldades de aprendizagem podem gerar na vida das
crianças, adolescentes e adultos, em especial os transtornos ou distúrbios denominados
de discalculia e acalculia.
Na Unidade III trataremos das definições de discalculia e acalculia, suas
especificidades, sinais e sintomas que podem acometer as pessoas com dificuldades
para aprender matemática. A partir dessa compreensão, teceremos considerações
acerca das intervenções psicopedagógicas e desenvolvimento dos discalcúlicos e
acalcúlicos.
Nesse percurso, na Unidade IV apontaremos encaminhamentos de investigação
que contribuem na identificação e compreensão dos casos de alunos que têm
dificuldades com a matemática no ambiente escolar; e orientaremos intervenções
pedagógicas nesse ambiente e no convívio familiar.
Também, nessa unidade, desvelaremos o jogo e as ferramentas tecnológicas,
como uma das possibilidades de organização do trabalho educativo em sala de aula e
recurso didático que contribui no processo de ensino e aprendizagem dos alunos com
dificuldades para aprender matemática.
Esperamos que as discussões, encaminhamentos e sugestões, presentes neste
material de estudo, contribuam efetivamente no processo de formação profissional, que
visa o desenvolvimento das potencialidades máximas de todos os alunos.
Desejamos bons estudos e excelentes sínteses!

Profa. Me. Luciana e


Profa. Dra. Nelma
UNIDADE I
CONTEXTUALIZANDO A MATEMÁTICA
Profa. Me. Lussuede Luciana de Sousa Ferro
Profa. Dra. Nelma Sgarbosa Roman de Araujo

Plano de Estudo:
• O surgimento da linguagem matemática como produção humana
• A formação do pensamento matemático no processo de ensino e aprendizagem
escolar
• Aprender matemática não é um bicho de sete cabeças

Objetivos de Aprendizagem:
• Conceituar e contextualizar as necessidades históricas que motivaram a produção
da matemática pela humanidade e sua função social.
• Compreender como ocorre o processo de apropriação dos conceitos matemáticos
e suas implicações na formação da consciência humana.
• Estabelecer a importância da matemática no processo de ensino e aprendizagem
escolar como uma ferramenta do pensamento.
INTRODUÇÃO

Nesta unidade apresentamos alguns aspectos importantes do percurso


histórico do surgimento da linguagem matemática como produção humana, ou seja,
não nascemos sabendo matemática, mas a aprendemos de acordo com as nossas
condições objetivas de vida.
Para compreender esse trajeto de construção dos conhecimentos
matemáticos, verificaremos como ocorreu o desenvolvimento do pensamento
matemático, desde as remotas necessidades humanas na organização do cotidiano,
às diversas formas de registro desse pensamento, como, por exemplo, os sinais
gráficos.
Isso se faz necessário para compreender como ocorre o processo de
apropriação dos conceitos matemáticos, para além do ato mecânico de calcular e
escrever os números, considerando que essa linguagem é carregada de sentido,
significado, conteúdo, pensamento e tem uma função social.
Assim, você poderá entender melhor os aspectos que interferem no processo
de aprendizagem dos conhecimentos matemáticos pelos sujeitos, para que estes se
tornem capazes de se apropriarem dos conteúdos científicos que estão implícitos e
explícitos na matemática, tão temida por muitos.
Ao compreender como ocorre o processo de formação do pensamento
matemático e as implicações das ações didáticas escolares para a sua constituição,
você conseguirá ainda refletir o papel do psicopedagogo e as intervenções
psicopedagógicas como ferramentas que contribuem efetivamente na superação do
fracasso escolar de crianças, adolescentes e adultos que não alcançaram o pleno
desenvolvimento nessa área do conhecimento.
1 O SURGIMENTO DA LINGUAGEM MATEMÁTICA COMO PRODUÇÃO HUMANA

Disponível em:
http://www.matematica.seed.pr.gov.br/modules/galeria/uploads/5/407homemdascavernas.jpg.
Acesso em: 22 mar.2021.

O que vem à sua mente quando pensa na palavra matemática? Para a maioria
das pessoas a matemática está relacionada a números ou registros de cálculos e
fórmulas complexas que podem preencher páginas escritas para alcançar o resultado
que, muitas vezes, não é exato, mas relativo ou proporcional.
No Dicionário Etimológico (2021), a palavra matemática deriva do grego
“matemathike”, que significa a arte ou técnica de explicar os números e as formas
geométricas. Já em Houaiss e Villar (2009, p. 492), os autores afirmam que
matemática é a “ciência que estuda objetos abstratos (números, figuras e funções) e
as relações existentes entre eles”.
A partir desses conceitos gerais, percebemos que os números fazem parte da
matemática, sendo esta compreendida como ciência ou como instrumento utilizado
para quantificar algo ou medir as diferentes situações do nosso dia a dia.
Você sabia que foram séculos de descobertas para a construção desses
conceitos? Tais conceitos foram sendo constituídos por homens que passaram a sua
vida

[...] criando meios para suprir suas necessidades básicas, que vão
desde a sua sobrevivência aos modos mais avançados de
organização laboral. Isso significa que foram muitos anos de
transformação social para que a ideia de matemática, compreendida
hoje cientificamente, superasse o plano empírico para o abstrato, isto
é, nos primórdios, a matemática se assentava nas experiências do
cotidiano das civilizações, as quais motivaram os povos a produzir
uma linguagem que pudesse comunicar sobre a quantificação das
coisas, do espaço e das formas (FERRO, 2016, p. 19).

Ifrah (1981) postula que as ideias matemáticas não nascem com os homens,
mas neles são constituídas no decorrer da história do desenvolvimento das
sociedades, ou seja, a linguagem matemática que hoje conhecemos, percorreu
diferentes caminhos até alcançar os avanços mais complexos do pensamento
matemático nos homens.
De acordo com o autor, em relação ao conhecimento dos números, existe um
marco “zero”, pois, no passado, a relação do ser humano com os números era direta,
ou seja, os números eram apenas sentido e levou séculos na história dos homens
vivendo em sociedade para se tornarem uma faculdade abstrata de contar como parte
da inteligência humana.
Nessa direção, Leontiev (1972, p. 284) explica:

Cada geração começa, portanto, a sua vida num mundo de objetos e


de fenômenos criados pelas gerações precedentes. Ela apropria-se
das riquezas deste mundo participando no trabalho, na produção e nas
diversas formas de atividade social e desenvolvendo assim as
aptidões especificamente humanas que se cristalizaram, encarnaram
nesse mundo.

Isso nos mostra que a produção dos conhecimentos matemáticos não segue
uma ordem cronológica de acontecimentos dos fatos e descobertas, mas se faz no
decorrer do desenvolvimento histórico e social dos homens. Assim como outros
conhecimentos implícitos nas mais diversas ciências, os conceitos matemáticos se
constituem por avanços e recuos em diferentes condições de vida dos homens. E
quais foram estas condições que resultou no aparecimento dos primeiros vestígios da
matemática?
Não pretendemos aqui discorrer, na íntegra, todos os fatos ou conceitos
matemáticos produzidos, mas aqueles que revelam as necessidades que motivaram
os homens a criarem formas cada vez mais elaboradas para entenderem os mistérios
da natureza e fazer dela sua aliada para resolver os problemas da vida cotidiana.
Sautoy (2013) relata que a matemática surgiu a partir das necessidades de os
homens controlarem os fenômenos da natureza, compreendendo as sequências e os
padrões que formam o mundo natural, como, por exemplo: por que o dia vira noite?
Por que uns dias são quentes e outros frios? Por que os animais migram de uma
região a outra? Foram essas e tantas outras constantes transformações (visíveis ou
não aos olhos), das paisagens e de outros fenômenos da natureza, que fez a
humanidade buscar meios de compreender o mundo à sua volta.
No ano 6.000 a.C., quando o homem deixa de ser nômade e passa a fixar-se
em uma região, precisa produzir parte do seu próprio alimento, então, surge a
necessidade do grupo desenvolver técnicas de agricultura, obrigando-o a entender os
padrões da natureza e criar meios de organizar a vida coletiva. Para isso, tiveram que
encontrar formas de medir os espaços (moradia e plantação), controlar os estoques
da colheita, fazer trocas etc. (SAUTOY, 2013).
Foi a partir desses conceitos básicos de espaço e quantidade que os homens
primitivos começaram a desenvolver as noções de distância entre ele e sua presa ou
predador; ao perceber as vantagens e desvantagens numérica do seu bando em
relação a outros para lutar ou não por território; decidir se deveria correr ou parar para
abater a refeição e matar a fome; reconhecer se tinha pouco, muito ou nada de alguma
coisa. Assim, a humanidade buscou formas de compreender os padrões circundantes
e começou a organizar a vida diária, contando e ordenando o mundo a partir de um
novo universo matemático, até então desconhecido (SAUTOY, 2013).
Vejam que contar não era mais suficiente, era preciso criar padrões de medidas
e, por isso, inicialmente o corpo foi o principal instrumento de medidas, como exemplo,
um palmo (largura da mão) e um cúbito (comprimento do cotovelo até as pontas dos
dedos).
Essa relação direta e sensitiva da humanidade com a matemática, teria
permanecido assim se o ser humano não tivesse recorrido às abstrações dos
fenômenos naturais ao comparar, decompor, agrupar objetos como pedras, gravetos,
conchas, nós em cordas, bastões e os dedos das mãos (IFRAH, 1981).
Com isso, os homens foram percebendo o mundo e desenvolvendo formas de
controlar a natureza. Agrupar coisas utilizando as mãos pode ter sido a primeira
estratégia que encontraram para o controle de quantidades. Ao usar os dedos das
mãos, o homem primitivo representava coleções que continham até dez elementos.
[...] combinando dedos das mãos e dos pés pode-se ir até vinte.
Quando os dedos humanos eram inadequados, podiam ser usados
montes de pedras para representar uma correspondência com
elementos de outro conjunto. Quando o homem primitivo usava tal
método de representação, ele frequentemente amontoava as pedras
em grupos de cinco, pois os quíntuplos lhe eram familiares por
observação da mão e pé humanos (BOYER; MERZBACH, 2012, p.
24).

Podemos dizer que, até hoje, fazemos uso desse modelo de contagem que
herdamos culturalmente de nossos antepassados. Nas mais diferentes ações do
nosso dia a dia, utilizamos os dedos para realizarmos cálculos simples ou agruparmos
coisas, como, por exemplo, os ovos em dúzias no supermercado ou geladeira; as
pilhas em duplas, trios ou quartetos para o uso de controles remotos; par de brincos
para ordenar as orelhas; sete dias para marcar a semana; e tantas outras
possibilidades de contagem nos dedos e agrupamentos de objetos, pessoas, animais
ou situações.
Percebam que, no passado, os diversos recursos materiais utilizados pelos
homens se tornaram representações numéricas, mas eles ainda tinham o desafio de
criar uma forma de escrever as quantidades, pois agrupar coisas por meio desses
instrumentos de contagem não garantia o arquivo das informações e a precisão dos
cálculos. Dessa forma, o controle de quantidades se transformou em símbolos
numéricos e conquistaram notoriedade nas sociedades modernas.

Com as transformações das sociedades, as necessidades emergentes


de contagem, para resolver os problemas de transações comerciais,
que envolvem troca, compra e venda, de medição e cálculos mais
complexos para as construções civis, impõem, às civilizações,
encontrarem um modo mais rápido e eficaz de estabelecer alguns
princípios de economia que se diferenciavam entre as diversas
culturas e regiões. Ainda carregamos as marcas de nossos
antepassados nas mais variadas formas de empregar a matemática,
tanto nas situações imediatas quanto nas mediatizadas no espaço
escolar, porém, humanizada, ou seja, cada vez mais carregada de
sentido (FERRO, 2016, p. 24).

Importante compreender que foi a partir da necessidade de controlar diferentes


quantidades e representá-las, de um modo mais rápido e preciso, que surgiu o sistema
de numeração que hoje conhecemos. Concordamos com Ferro (2016, p. 26) quando
afirma que, para compreendermos o conceito de número e ensinarmos matemática,
precisamos seguir
[...] para além do uso dos símbolos, sua identificação ou recitação,
pois se faz necessário internalizar para que eles foram criados, tomar
consciência da realidade subjetiva de modo a orientar o próprio
comportamento por meio de uma linguagem que não é inata ao
homem, mas emergida das tensões criadas entre eles. Podemos dizer
que a linguagem matemática foi se desnaturalizando à medida que
suas leis gerais foram organizadas e sistematizadas em espaços
planejados para esse fim; ganhou maior notoriedade quando deixou
de ser apenas um instrumento de contagem e passou a ser entendida
como uma ferramenta capaz de transmitir ideias que têm, em seu
conteúdo, as possibilidades de transformação da realidade.

Foi nesse percurso que os números passaram a ser representados como hoje
conhecemos, e avançaram “[...] para a criação das palavras numéricas, termos,
conceitos e ideias matemáticas que estão presentes no cotidiano dos indivíduos,
muitas vezes sem que eles próprios percebam a linguagem matemática em seu
vocabulário” (FERRO, 2016, p. 30).
A Figura 1 representa a evolução dos registros numéricos na história humana,
signos que herdamos de nossos antepassados e utilizamos para materializar a forma
como controlamos as diferentes grandezas.

Figura 1 - Evolução do registro da numeração

Fonte: IMENES, 2009.


Ao analisarmos o processo de desenvolvimento dos conhecimentos
matemáticos, compreendemos que para nos apropriarmos desses conhecimentos,
precisamos ter acesso aos bens culturais. Mas como isso acontece? Por meio da
apropriação dos instrumentos (ferramentas externas: os objetos e o seu uso) e dos
signos (ferramentas internas: linguagem; a forma como expressamos o pensamento)
materializados na vida objetiva de cada sociedade e em diferentes contextos. E o que
isso significa? Que são as mediações histórico-sociais que conduzem o processo de
formação do pensamento matemático nas pessoas, o qual perpassa do empírico para
o abstrato se as aprendizagens forem orientadas para esse fim.
Com isso queremos dizer que ninguém nasce sabendo matemática, mas pode
aprender se a forma de ensinar os seus conceitos forem carregados de sentido e
significado, tanto para aqueles que ensinam (professores), quanto para aqueles que
aprendem (alunos).
E mais do que isso, se considera, no processo de ensino e aprendizagem, os
motivos que impulsionam o sujeito a buscar, nas formas humanas já desenvolvidas,
os meios para resolver as diferentes situações problemas do cotidiano. Quais são
esses meios para se apropriar da linguagem matemática? Os instrumentos e signos
que a representam e orientam os processos de formação do pensamento matemático.
2 A FORMAÇÃO DO PENSAMENTO MATEMÁTICO NO PROCESSO DE ENSINO
E APRENDIZAGEM ESCOLAR

Disponível em: <https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/education-school-teacher-student-


digital-tablet-400644208>. Acesso em: 22 mar. 2021.

Quando propomos o pensamento em processos de ensino e aprendizagem dos


conceitos matemáticos, não nos referimos à matemática com fim em si mesma, ou
seja, aquela que é utilitária e ensinada de pais para filhos. O ensino da matemática
que aqui analisamos é aquele fundamentado nos conhecimentos científicos e pautado
na perspectiva histórico-social de desenvolvimento da espécie humana.
Esse tipo de conhecimento pode ser apreendido somente na escola e sob
ensino sistematicamente organizado pelo professor. Isso porque é no interior das
apropriações dos conceitos matemáticos que estão as necessidades que motivam o
sujeito a aprender; que a cultura humana é incorporada e transformada em
instrumentos do pensamento e externalizada em ações mais elaboradas, com
linguagem cada vez mais aprimorada.
Ao nos apropriarmos do conhecimento científico não significa que as
aprendizagens que adquirimos no cotidiano estão descartadas, muito pelo contrário,
o que aprendemos de modo assistemático é superado na escola (ou pelo menos
deveria ser) pela incorporação dos modos mais sofisticados de nos relacionarmos
com os diferentes fenômenos e, entre eles, os conceitos matemáticos.
Por exemplo, muitas pessoas aprenderam que comer manga e tomar leite era
uma péssima ideia, podendo até levar à morte. Anos mais tarde, aprendemos nas
aulas de ciências que a combinação desses dois alimentos resulta em uma deliciosa
vitamina nutritiva e saudável.
Os ensinamentos que adquirimos no senso comum são ressignificados e
ganham novos sentidos quando apreendidos a partir de estudos e pesquisas
científicas. Esses estudos desmistificam aquilo que, por anos, passou como verdade
de geração em geração nos diferentes grupos sociais.
Aqui está a importância de conhecer ou relembrar alguns aspectos do
surgimento da linguagem matemática como produção humana, pois é na história da
matemática que encontramos os indícios de como essa linguagem transformou o
pensamento humano, ao mesmo tempo em que esse pensamento transformado,
possibilitou aos homens criarem e aperfeiçoarem as formas de controle das diferentes
quantidades, grandezas e formas no mundo.
Talvez você esteja se perguntando: em que momento da vida essas
apropriações dos conceitos matemáticos acontecem? Desde o nascimento! Para se
ensinar matemática, devemos compreender como a espécie humana aprende e se
desenvolve (bases filogenéticas), conforme apresentado no tópico anterior, e como é
o percurso de aprendizagem e desenvolvimento de cada sujeito dessa espécie (bases
ontogenéticas), o que veremos a seguir.
É na infância que se iniciam os estudos ontogenéticos da apropriação da
linguagem matemática (e de qualquer outro conhecimento), pois o percurso histórico
de anos que a humanidade realizou para produzir e aperfeiçoar a linguagem
matemática é o mesmo que a criança fará, porém, em menos tempo, pois ela se
apropriará da síntese de tudo que foi produzido.
Bem, mas isso não quer dizer que essa aprendizagem já está dada ou é
inerente à criança. Lembre-se que, sob os princípios da formação de homem enquanto
um processo histórico e social, devemos compreender a criança em suas múltiplas
determinações, ou seja, enquanto um ser físico, psíquico, biológico e social. Sobre
isso, Saviani (2013, p. 252-256; p. 258, grifos do autor) nos revela quatro a priori do
desenvolvimento humano:

[...] a realidade física do educando [...] a priori físico da estrutura do


homem [...] Eis porque o primeiro ato educativo da mãe e dos outros
adultos que convivem com a criança desde o nascimento consiste em
cuidar para que seu corpo se desenvolva sem distorções, evitando-se
a incidência de eventuais acidentes que possam provocar lesões com
sequelas irreversíveis. [...] Daí a importância da biologia para a
educação. Mas todo funcionamento representa um desgaste de
energias que precisa ser compensado; o organismo humano
compensa este desgaste pela alimentação. Contudo, o bom
funcionamento dos órgãos não depende apenas do equilíbrio entre
desgaste e absorção de energias; depende também dos hábitos de
higiene física e alimentar. Quais as condições de alimentação e
hábitos de higiene da criança? [...] além disso, ela tem um mundo
interior e que esse mundo é constituído de modo complexo. A vida,
nesse mundo interior, manifesta-se em vários níveis. Além disso,
existem fenômenos patológicos que afetam essa vida interior. Isso
mostra que a priori psicológico também se situa no quadro da
corporeidade. [...] Daí a importância da interação emocional entre
criança e os adultos para o seu desenvolvimento psíquico. [...] Essa
criança [...] vive num meio artificial, construído pelo homem [...] é um
ser totalmente determinado, limitado, preso; em suma, é um ser
situado [...] Esse contexto espaço-temporal revela a existência do a
priori cultural da estrutura do homem.

Esses aspectos apresentados por Saviani (2013), formam o homem em sua


empiria, ou seja, revela as condições objetivas de vida das crianças e de todas as
pessoas. O autor está nos dizendo que, muitas vezes, as condições físicas, biológicas,
psicológicas e sociais da criança podem dificultar as aprendizagens dela e os avanços
esperados no seu desenvolvimento, mas nunca impedir que os saltos qualitativos
sejam efetivados.
Essa constatação fica evidente quando Saviani (2013) ressalta que a educação
escolar é condição para promover os saltos qualitativos esperados no processo de
formação da consciência dos homens e torná-los verdadeiramente parte do gênero
humano. Para se ter o êxito nas ações educativas escolares é imprescindível
determinar: quem é a criança? Quem ela deverá vir a ser? Qual lugar ela ocupa? O
que ela precisa para aprender? Por que precisa aprender? Como ela aprende?
Agora vamos pensar esses princípios no ensino de matemática. Para saber
quem é a criança, precisamos considerá-la como um ser integral e quais as
necessidades que a motivam aprender em cada período do seu desenvolvimento. O
lugar que ela ocupa, será revelado pelas condições de vida que a constitui.
Ao olharmos para essa criança como um ser concreto em uma realidade
concreta, começamos a reconhecer o que ela já sabe sobre a matemática, em suas
formas de agir, pensar e falar. Com isso, caminhamos na direção do seu devir, ou
seja, organizamos o ensino de matemática de modo que a criança alcance o
desenvolvimento máximo das suas funções psíquicas superiores de sensação,
percepção, atenção, memória, linguagem, pensamento, imaginação, emoção e
sentimento.
Dessa forma, a matemática contribui efetivamente naquilo que a criança deverá
vir a ser: uma pessoa capaz de transformar a realidade circundante por meio do
conhecimento, ou seja, a aprendizagem dos conceitos matemáticos promove o
pensamento abstrato.
A partir dessas constatações, é possível definirmos o que a criança precisa
aprender; quais conteúdos e conceitos da linguagem matemática são necessários
para ampliar e aprofundar os conhecimentos daquela e por que esses conhecimentos
são importantes; quais avanços serão promovidos nas aprendizagens da criança.
Agora, como fazer para ela aprender depende da forma como o ensino será
organizado na escola.
A chave que pode esclarecer essa relação entre sujeito, conteúdo e forma,
encontra-se nas manifestações da linguagem matemática pela criança, nos conteúdos
a serem ensinados e processos didáticos do professor. Quando essas relações
caminham de modo interdependente, a matemática se torna uma linguagem capaz de
superar as bases sensoriais, que se apresentam no início da formação dessas
crianças e avançam para os modos mais complexos do pensamento, quando elas são
inseridas na escola.
E como isso funciona para as crianças que apresentam dificuldades com a
matemática ou distúrbios de aprendizagem nessa área do conhecimento? Como já
mencionado em alguns parágrafos anteriores, ao olharmos a criança como um ser
concreto em uma realidade concreta, começamos a reconhecer o que ela já sabe
sobre a matemática. Mas e se a criança não aprendeu nem os conceitos básicos de
matemática? É exatamente desse ponto que devemos partir, utilizando estratégias de
ensino específicas para ela aprender.
É comum ouvirmos de muitos pais e professores que a criança não sabe “nada”
de matemática. Será mesmo? Você concorda com isso? Com base nos estudos e
pesquisas realizados até o momento, não concordamos, pois se o sujeito aprende
desde o nascimento (como vimos anteriormente), então, ao ser inserida na escola, a
criança traz consigo uma carga de conhecimentos adquiridos nas condições sócio-
históricas que constituem o seu desenvolvimento. Para fortalecer essa ideia,
corrobora Vigotski (2006, p. 109, grifo do autor), afirmando que a educação escolar
não começa do zero, pois “[...] toda aprendizagem da criança na escola tem uma
pré-história”.
Com base nessa afirmação, podemos questionar: qual a pré-história das
aprendizagens dessa criança, adolescente ou adulto com dificuldade para aprender
matemática? Quais intervenções são possíveis para reverter este quadro de fracasso
escolar ou de aprendizagem?
Para responder a essas e tantas outras questões que podem surgir, reiteramos
que o psicopedagogo deve compreender quem é esse sujeito que chegou até ele com
um histórico de fracasso escolar ou de aprendizagem? Quem ele deverá vir a ser
diante da realidade que se apresenta, ou seja, que metas serão propostas para serem
alcançadas? Qual lugar esse sujeito ocupa, isto é, qual o nível de aprendizagem que
ele alcançou no percurso do seu processo de desenvolvimento? O que isso implica
na sua participação efetiva na família, na escola, no grupo de amigos e outros espaços
sociais? O que precisa aprender para avançar? Quais mudanças qualitativas esses
avanços representam? Como organizarei as intervenções psicopedagógicas para que
esse sujeito alcance os objetivos propostos e consiga se relacionar com o mundo ao
seu redor de forma mais significativa?
O fracasso escolar na aprendizagem dos conceitos matemáticos nem sempre
é de causa patológica ou transtornos funcionais, mas causado por uma organização
do ensino que desconsidera a criança, suas condições de vida e, principalmente, as
necessidades que a motivam a aprender. Por isso, no processo de organização das
intervenções psicopedagógicas, devemos considerar a escola como espaço
sistematizado de ensino e o professor como mediador nesse processo de apropriação
da linguagem matemática.
Ao compreendermos a função social da matemática, o lugar que ocupa na
sociedade e os fatores que a permeiam, fica clara a necessidade de um profissional,
como o psicopedagogo, que busca identificar e intervir nos fatores que influenciam no
processo dessa aprendizagem nas relações sociais e culturais.
Nesse sentido, a atuação psicopedagógica precisa resgatar, no processo de
aprendizagem da criança, o desenvolvimento das funções psicológicas superiores,
por meio da aquisição dos instrumentos e dos signos presentes na linguagem
matemática. Dessa forma, cabe ao psicopedagogo, entender como ocorre esse
processo, para possibilitar ao sujeito o reconhecimento da própria função desses
signos em sua vida.
3 APRENDER MATEMÁTICA NÃO É UM BICHO DE SETE CABEÇAS

Você saberia dizer quantos adultos carregam as consequências de uma


matemática que era ensinada na força do grito e não do pensamento? Provavelmente
centenas ou milhares deles. Muitas pessoas, quando crianças ou adolescentes,
ouviram de seus pais e professores (e talvez muitos ainda ouvem) frases do tipo “Você
é burro(a), por isso nunca aprende”, “Desse jeito você vai reprovar!”, “Esse(a) aí não
sabe nem onde está o nariz, vai saber quanto é dois mais dois?”.
Essas e tantas outras expressões, que fazem da matemática um bicho de sete
cabeças e os sujeitos culpados pelo seu fracasso, revelam a falsa ideia de que
aprender matemática só é possível para “pessoas muito inteligentes”. Ideia reforçada
quando observamos os cursos de licenciaturas em matemática com dois ou três
acadêmicos(as) chegando à tão sonhada formatura.
Por que tantos desistem pelo caminho? Não se trata de inteligência, mas das
condições externas e internas do sujeito para aprender. Esta é a razão que deve
mobilizar o professor a ensinar os conceitos matemáticos às crianças, de forma que
esses tenham sentido para elas. Então, também é fundamental que o docente se
aproprie desse conhecimento, compreendendo as bases teóricas em que as situações
de ensino estão pautadas e os elementos constituintes dos conteúdos a serem
ensinados. Carvalho et al. (2008, p. 72) afirmam que o
[...] ensino de matemática é o momento estratégico fundamental, ao
qual o professor proporcionará à criança o desenvolvimento da base
sobre a qual ela (a criança) irá consolidar a compreensão dos
conceitos mais complexos. Se essa “base” for construída a partir da
lembrança de algo temeroso, difícil, mecânico, que comporta uma
grande quantidade de exercícios repetitivos, sem uma relação com a
realidade, com seus sentidos, observações e, sem suscitar um
significado; então isso a levará a uma indisponibilidade, hostilidade e
ansiedade em relação afetiva ao aprendizado desta disciplina. A
criança - convencida de sua incapacidade, pois acredita ser a
matemática algo inato e para poucos – romperá com este
conhecimento. Daí a importância de uma proposta pedagógica que
contemple a construção histórica dos conhecimentos matemáticos,
como a questão dos sentidos, que levaram a percepção, significação
(conceito/abstração), criação e re-criação do mundo.

Para transformarmos as cicatrizes do fracasso em possibilidades de


aprendizagem, precisamos dar um novo sentido ao espaço do aprender, denominado
escola. Contudo, sabemos que nesse ambiente ainda se reproduz conhecimentos
fragmentados e isolados de seu contexto social e cultural, os quais culminam em
diagnósticos de dificuldades de aprendizagem, conduzindo crianças e adolescentes a
consultórios psicopedagógicos, muitas vezes, com resultados clínicos equivocados.
Quando pensamos em uma ação intencional e promotora das aprendizagens
que desenvolvem, direcionamos nosso olhar para o trabalho psicopedagógico
atrelado ao pensamento de resgate da totalidade do aluno,

[...] fragmentada não porque considera partes de ou elementos


simples dessa realidade, mas porque os toma (partes ou elementos)
em si mesmos. Fragmentada porque pretende apreender o aluno a
partir de sua comunidade, mas faz dessa comunidade uma ilha,
isolada de todo o corpo de relações em que se organiza a existência
humana. Assim, ilhada do todo, não apenas deixa de apreender a
realidade da comunidade, como também, não apreende a realidade
do aluno, dado que ambos só adquirem realidade num contexto muito
mais universal [...] (KLEIN, 2008, p. 56).

Essa discussão traz, ao trabalho psicopedagógico, contribuições relevantes,


pois, tanto no trabalho preventivo como educativo, o psicopedagogo recorre a outras
áreas do conhecimento para intervir e promover a aprendizagem.
No processo de aprendizagem da criança, é importante que os profissionais
envolvidos, como o professor, a equipe pedagógica e o psicopedagogo, considerem
o tempo que a criança passa com outros grupos sociais e a relação sensitiva que ela
estabelece com os objetos antes de estar na escola. Porém, isso não garante que a
criança se aproprie da essência dos conceitos, é preciso organizar ações de ensino e
de aprendizagem e/ou intervenções psicopedagógicas que coloquem a criança em
movimento do pensamento.
Vigotski (2000, p. 337) considera que “a aprendizagem ocorre em todas as
fases do desenvolvimento da criança mas, em cada faixa etária ela tem não só formas
específicas mas uma relação totalmente original com o desenvolvimento”. Portanto,
as ações pedagógicas devem ser planejadas considerando o período de
desenvolvimento da criança e os motivos que nela potencializam o desejo de querer
aprender.
Isso não envolve somente contagens e cálculos ou registros escritos, mas
ações em que a criança no jogo, na brincadeira, manuseando objetos, tecnologias e
demais ferramentas externas, possa comparar, selecionar, ordenar, sequenciar,
agrupar, medir e, assim, perceber os elementos que compõem o conceito de um
determinado objeto de estudo, como os conhecimentos matemáticos.
Por meio da medição, por exemplo, Moura et al. (2017) asseguram que a
criança pode expressar numericamente a qualidade de um objeto ou fenômeno,
seguindo três etapas importantes: a primeira etapa consiste em identificar a
grandeza1, ou seja, qualidade do objeto ou fenômeno que se pretende medir. Na
segunda etapa, a criança precisa encontrar um outro objeto, ou fenômeno, que
apresente a mesma grandeza e ela possa fazer a comparação. Isso significa que os
objetos ou situações precisam apresentar variações da mesma grandeza para que
sejam mensurados (comprimento com comprimento, capacidade com capacidade
etc.). E, por último, a terceira etapa consiste em estabelecer o resultado dessa
comparação numericamente.
Observem que a medição é sempre relativa. “Isso fica visível, por exemplo,
quando comparamos na fila a altura das crianças. Uma criança é alta ou baixa em
relação a que ou a quem?” (MOURA et al., 2017, p. 6). Entretanto, é comum na escola
proposições didáticas envolvendo situações de medidas em que as crianças utilizam

1
As grandezas podem ser de naturezas discretas e contínuas. As grandezas de natureza discretas são
aquelas em que a medida obtida é sempre um número natural como, por exemplo, em uma fila há 5
alunos ou um casal tem 3 filhos. As medidas de natureza contínuas, são aquelas em que os elementos
a serem mensurados requerem instrumentos de medidas como colheres, baldes, copos, termômetro
etc.; são aquelas em que a medida obtida é um número que pode não ser natural, como, por exemplo,
a temperatura registrada num termômetro ser de 36,5°C.
instrumentos como régua, balança e fita métrica, possibilitando-lhes conferir graus de
intensidade de uma determinada grandeza àquilo que está sendo medido.
Somente o uso dessas ferramentas dispensa a criança “[...] da necessidade da
comparação direta entre objetos e isso pode causar a impressão falsa de que a
qualidade (grandeza) está no objeto em si, quando na verdade ela só existe na relação
com outros objetos ou fenômenos” (MOURA et al., 2017, p. 5).
A literatura infantil O frio pode ser quente? (MASUR, 2009) contempla essa
natureza relativa que há no movimento de medição das diferentes grandezas, ao
contemplar as ações dos personagens e as possíveis grandezas envolvidas. Nessa
história, as situações de tempo e espaço apresentadas trazem a necessidade de
atribuir àquilo que está sendo mensurado graus de intensidade de uma determinada
grandeza.
A seguir, vamos analisar uma das situações que consta na história, que foi
extraída dos arquivos pessoais de uma das autoras:

Figura 2 - Comparação de grandezas

Fonte: Masur (2009).

Quando você olha para esta imagem, o que primeiro chama a sua atenção? As
ilustrações ou a escrita? Geralmente, as ilustrações são os primeiros elementos que
nos saltam aos olhos e, depois, a escrita. Nesta situação, ambas são importantes para
compreendermos por que o comprido pode ser curto e o pouco pode ser muito”
(MASUR, 2009, p. 2), e em qual situação isso pode acontecer.
Nesse caso, a situação é um jogo de futebol e a primeira relação de grandeza
a ser analisada é o tamanho do goleiro: ele é uma pessoa curta ou comprida, alta ou
baixa? Para você definir se o goleiro é uma pessoa comprida ou curta, alta ou baixa,
precisará identificar: em relação a que está estabelecendo essa comparação?
No exemplo do livro, podemos dizer que o goleiro é curto em relação à distância
da bola, o que dificultou impedi-la de entrar no gol e o time adversário marcar um
ponto no placar. Para determinar se a quantidade um é pouco ou muito, depende do
que estamos estabelecendo como objeto de comparação, em uma partida de futebol
o placar 1 X 0 é o suficiente para a vitória.
Exemplos como esses, revelam que no movimento de formação do
pensamento matemático, a criança irá identificar semelhanças e diferenças,
estabelecer comparações e relações com outras vivências, ou seja, as evocações
daquilo que ela perceber e se atentar, caminhará para ações integradas do
pensamento e abstrações cada vez mais elaboradas.
Para a criança prestar atenção e se manter atenta, é necessário que o seu
campo perceptual esteja operando intensamente para ativar as suas funções
mnêmicas, importante condição para aprender os conteúdos de matemática e de
outras ciências. Quando o professor insere a criança em uma situação de jogo da
memória, por exemplo, é preciso que ele chame a sua atenção para alguns pontos
importantes, desde a organização das peças do jogo.
Se a criança colocar as peças do jogo da memória de forma aleatória na mesa
ou no chão, ficará mais difícil encontrar os pares, considerando que as peças estarão
espalhadas sem lugares definidos e marcados. Mas, se diferente disso, a criança
organizá-las em linhas e colunas, terá maior chance de memorizar onde estão as
peças que são iguais, pois poderá marcar visualmente e memorizar em qual linha e
coluna tal peça se encontra.
Essas estratégias não surgem na criança, tampouco as relações de grandezas
serão estabelecidas por ela própria. Para isso, a criança precisa ser colocada em
situação de ensino no jogo, na brincadeira ou diferentes situações de ensino, que exija
dela o planejamento de suas ações e de diferentes estratégias para alcançar os
objetivos propostos. Ao reproduzir os movimentos de produção da matemática de
nossos antepassados, a criança internalizará os meios que a ela possibilitam pensar
matematicamente o mundo.
Em outra situação de aprendizagem desenvolvida para crianças do primeiro
ano do ensino fundamental, também podemos perceber as relações de grandezas.
Esta ação didática foi produzida por professores e graduandos do curso de pedagogia,
que realizam estudos no grupo de pesquisa “Oficina Pedagógica de Matemática” (do
qual uma das autoras faz parte), em uma universidade pública localizada no interior
do Estado do Paraná.
As ações didáticas desenvolvidas na OPM2 demandam muito estudo e horas
de planejamento, produção e experimentos com as crianças na escola de educação
infantil e ensino fundamental. Alguns professores e gestores da rede básica de ensino
também participam do grupo e desse movimento, trazendo para o grupo as suas
inquietações e desenvolvendo, na sala de aula, as tarefas propostas e
sistematicamente organizadas no coletivo.
No exemplo a seguir, denominou-se o jogo criado de “Jogo das bolinhas”. Para
este jogo foram utilizados os recursos: bolinhas de diferentes tamanhos, cores, pesos
e texturas; uma caixa de sapato com furos na tampa de tamanhos grande, pequeno e
médio; varetas de hashi.

Figura 3 - Jogo das bolinhas

Fonte: acervo das autoras (2018).

2
Oficina Pedagógica de Matemática (OPM) da Universidade Estadual de Maringá formada por
professores universitários e da rede básica de ensino, alunos graduandos, mestrandos e doutorandos.
O grupo realiza estudos, pesquisas e processos formativos (ensino) sobre temas relacionados à
análise, à organização do trabalho educativo e aos processos de estudos e aprendizagens na escola,
em especial o ensino de matemática.. Fundamenta-se na Teoria Histórico-Cultural, bem como em sua
matriz teórica - o Materialismo Histórico Dialético, por compreender, especialmente, pelos estudos de
Vigotski (e seus seguidores), que uma correta organização da aprendizagem matemática na escola,
implica em um processo de desenvolvimento necessário à formação cultural e humana dos sujeitos. A
articulação teórico-prática se consolida com a atuação conjunta do Grupo de Pesquisa e Ensino em
exercício em salas de aula, efetivando atividades pedagógicas com os escolares em um processo
contínuo de pesquisa, ensino e avaliação.
Após a definição das regras, estabeleceu-se como objetivo geral do jogo: retirar
o maior número de bolinhas da caixa com as varetas. Para esta tarefa, as crianças
deveriam utilizar as varetas de hashi (com ou sem apoio do elástico). A seguir o
quadro de regras do jogo em detalhes, organizado pelos pesquisadores.

Quadro 1 - Regras do jogo das bolinhas


1) Decidindo quem inicia o jogo: cada jogador escolhe uma bola da caixa e pesa na
balança, inicia o jogo quem tiver a bola mais pesada ou mais leve. Variação: de
olhos vendados, cada jogador escolhe uma bola, inicia o jogo quem tiver a bola
maior ou menor;
2) O jogador, com ajuda dos pegadores, deve retirar as bolinhas da caixa pelos
furos superiores;
3) Em cada rodada, o jogador terá quatro chances para jogar e, a cada jogada, a
bolinha escolhida deve ser retirada por um dos furos superiores da caixa.
4) O vencedor será aquele que conseguir o total de bolinhas mais pesadas ou mais
leves (dependendo do critério estabelecido pelo professor ou pelos jogadores).
Fonte: Elaborado pelos pesquisadores da OPM (2020).

Ao final de três rodadas, o vencedor será aquele que retirar da caixa a maior
quantidade de bolinhas. Porém, coloca-se um problema: como descobrir quem
capturou mais bolinhas sem contá-las?
Nesse momento do jogo, a atenção das crianças está voltada mais para ação
do controle de quantidades que a grandeza massa, sendo que o seu objetivo é
capturar a maior quantidade possível de bolinhas para vencer. Mas isso não a isenta,
por exemplo, da preocupação de escolher por qual furo deve passar a bolinha ao
retirá-la da caixa, pois o tamanho desta deve ser proporcional ao diâmetro do furo,
para que consiga retirar mais bolinhas que o(s) outro(s) jogador(es). Com isso, as
problematizações devem criar as necessidades que motivam os professores a ensinar
e os alunos a aprender, ou seja, para os sujeitos estarem em atividade necessidades
e motivos devem coincidir (LEONTIEV, 1972).
Figura 4 - Crianças em situação aprendizagem no jogo

Fonte: acervo das autoras (2018).

A provocação nos alunos de definir o ganhador sem contar as bolinhas


capturadas, impulsiona-as a pensar em estratégias de controle quantitativo não
convencionais, como estabelecer a relação biunívoca entre as quantidades de
bolinhas capturadas pelos jogadores, conforme faziam os homens para controlarem
as quantidades de ovelhas no passado. Dessa forma, a situação desencadeadora da
atividade contempla “[...] a essência do conceito em seu movimento de produção
histórica e uma situação-problema que desencadeia a necessidade de apropriação do
conceito pela criança” (MORAES, 2010, p. 104).
Como proposta para ampliação do jogo, sugere-se aos professores o uso de
diferentes formas e tamanhos dos recipientes para depositar as bolinhas retiradas da
caixa e, assim, trabalhar com os alunos o conceito de cheio, vazio, muito, pouco,
capacidade e proporcionalidade. Recipiente de qualidades alto e estreito pode caber
menos bolinhas que recipientes de qualidade baixo e largo, ou vice-versa, isso
depende da capacidade de armazenamento interna dos recipientes e da qualidade
das bolinhas que neles forem guardadas, pois bolinhas grandes ocupam mais espaço
que bolinhas pequenas, conforme problematização progressiva proposta pelo jogo,
essa é uma síntese que o jogo permite.
Isso orientou os pesquisadores a pensar em diferentes estratégias para jogar,
com formas diversas de problematização e uso dos recursos presentes no jogo.
Pensou-se em diferentes variações (as quais podem ser ampliadas e modificadas de
acordo com a demanda e a realidade circundante) que se ordenam do menor para o
maior grau de dificuldade, possibilitando ao professor atuar na zona de
desenvolvimento próximo dos alunos (momentos de aprendizagem que eles ainda
precisam de auxílio do par mais desenvolvido para conseguir realizar essas ações), a
fim de que se torne o nível de desenvolvimento real, quando o aluno executa as ações
sem ajuda do outro (VIGOTSKI, 2000).

SAIBA MAIS

Os instrumentos que as primeiras civilizações utilizavam para controlar as diferentes


quantidades, revelam a relação biunívoca existente entre os elementos de dois
conjuntos distintos, mas ainda sem consciência pelo homem desse processo. Isso
significa que a qualidade daquilo que conta e está sendo contado não coincide. Por
exemplo: colocar uma pedra ou concha para cada animal ou pessoa, mostra que a
comparação está na quantidade dos objetos e não em sua natureza. Aqui estão as
primeiras ideias de unidade, dezena e centena empregadas no ábaco, uma das
primeiras calculadoras inventadas pelo homem, atualmente utilizada como um recurso
didático nas escolas para ensinar às crianças o conceito de valor posicional.

Fonte: Ferro (2016).

#SAIBA MAIS#

REFLITA

“Com os símbolos numéricos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, e 0 é possível escrever qualquer


quantidade, “cada algarismo corresponde a um conceito [...] a imagem gráfica e o som
desses símbolos não possuem em si o conceito, apenas o representam”.
Fonte: Centurión (2002, p. 36, grifo do autor).

#REFLITA#
CONSIDERAÇÕES FINAIS

No decorrer desta unidade foram apontados os princípios para a organização


do ensino de matemática, os quais foram desenvolvidos coletivamente no grupo de
estudos e pesquisa que uma das autoras desse texto, junto a outros colegas
realizaram na Oficina Pedagógica de Matemática (OPM), em uma universidade
pública localizada no interior do Estado do Paraná.
Os estudos realizados são fundamentados em pesquisas e estudiosos que
explicam o desenvolvimento humano como sendo histórico e social, conforme
anunciado algumas vezes no decorrer do texto.
A seguir, apresentamos uma síntese dos estudos, em seis princípios que
podem contribuir na organização do ensino de matemática na escola:
● a. os recursos metodológicos devem contextualizar o trabalho
pedagógico e servir como instrumento para movimentação do
pensamento da criança, de modo que ela perpasse de um nível ao
outro do seu desenvolvimento;
● b. o professor deve problematizar e orientar as manifestações da
linguagem matemática das crianças, assim como deve provocar e
direcionar, nestas manifestações, as expressões do pensamento delas
no movimento de controle quantitativo;
● c. forma e conteúdo estabelecem relação de interdependência, logo,
quem é a criança? Quem ela deverá vir a ser? Qual lugar ela ocupa?
O que ela precisa para aprender? Por que precisa aprender? Como
ela aprende? São questões que caminham lado a lado na elaboração
das aulas.
● d. considerar as manifestações matemáticas da criança é desvelar a
lógica do seu pensamento e o direcionamento que o professor deve dar
ao ensino dos conteúdos em determinado período do desenvolvimento
do sujeito;
● e. colocar as crianças em atividade é condição para o seu
desenvolvimento;
● f. movimentar o pensamento da criança para as direções que rumam à
formação de suas funções psicológicas superiores, é premissa para a
formação do pensamento matemático.

A partir desses princípios, fica evidente que as tarefas organizadas pelo


professor precisam coincidir com o sentido para que foram criadas, caso contrário, as
ações das crianças, no decorrer da resolução da tarefa, ficarão restritas em
reproduções mecânicas nos movimentos motores de levantar e abaixar as peças do
jogo da memória, no exemplo utilizado anteriormente.
Reiteramos que o ensino da matemática não se resume apenas em contagens
de objetos e registros dos símbolos numéricos para representar aquilo que se conta.
Ensinar matemática consiste em organizar situações pedagógicas em que as crianças
tenham a necessidade de pensar o movimento do controle de quantidades, grandezas
e formas.
Planejar as aulas, disponibilizar os materiais didáticos, propor jogos com regras
ou brincadeiras, aplicar a tarefa e/ou sistematizar situações de ensino envolvendo
números e seus registros são insuficientes para garantir a aprendizagem matemática.
É preciso articular sujeito, conteúdo e forma que intervenham direta ou
indiretamente no processo de desenvolvimento das crianças, de modo que elas
estejam em constante movimento no interior da atividade que as motivam aprender.
Quando o professor direciona as expressões do pensamento da criança para
ações mais organizadas, no movimento de controle das quantidades, grandezas e
formas, promove nelas os avanços no processo de formação das funções psíquicas
superiores.
LEITURA COMPLEMENTAR

CEDRO, W. L.; MORAES, S. P. G. de.; ROSA, J. E. da. A atividade de ensino e o


desenvolvimento do pensamento teórico em matemática. Ciência & Educação, v.
16, n. 2, p. 427-445, 2010. Disponível em:
https://www.scielo.br/pdf/ciedu/v16n2/v16n2a11.pdf. Acesso em: 13 mar. 2021.
LIVRO

• Título: Educação matemática nos anos iniciais do ensino


fundamental: princípios e práticas pedagógicas.
• Autor: Vanessa Dias Moretti e Neusa Maria Marques de
Souza
• Editora: Cortez
• Sinopse: O ensino de Matemática nos anos iniciais do Ensino
Fundamental consiste em um frequente desafio para
professores, do mesmo modo que o ensino da língua materna.
Com base nessa realidade, as autoras elaboram a presente obra, cujo objetivo
principal é oferecer a professores e educadores dos três primeiros anos do Ensino
Fundamental respaldo teórico e metodológico para um ensino da Matemática que seja
incentivador de aprendizagem e possibilite às crianças o desenvolvimento do
pensamento teórico sobre os conceitos e as noções referentes a essa disciplina.
FILME/VÍDEO

• Título: Gênio Indomável


• Ano: 1997
• Sinopse: Will é um rapaz brilhante e tem um grande talento
para a matemática, mas trabalha como faxineiro em uma
famosa universidade. O psicólogo Sean Maguire o ajuda a
formar sua identidade e lidar com as emoções,
direcionando-o na vida.
REFERÊNCIAS

BOYER, C. B.; MERZBACH, U. C. História da matemática. São Paulo: Blucher,


2012. Disponível em: http://www.blucher.com.br/editor/amostra/06415.pdf. Acesso
em: 12 mar. 2021.

CARVALHO, C. B. de; SILVA, D. A. S. M; PEREIRA, J. P.; SOUSA, M. do C. de. O


SENTIDO "DA" E "NA" MATEMÁTICA. Cadernos da Pedagogia, ano 2, v. 2, n. 4,
ago./dez. 2008. Disponível em:
www.cadernosdapedagogia.ufscar.br/index.php/cp/article/view/102/59. Acesso em:
05 mar. 2021.

CEDRO, W. L.; MORAES, S. P. G. de.; ROSA, J. E. da. A atividade de ensino e o


desenvolvimento do pensamento teórico em matemática. Ciência & Educação, v.
16, n. 2, p. 427-445, 2010. Disponível em:
https://www.scielo.br/pdf/ciedu/v16n2/v16n2a11.pdf. Acesso em: 13 mar. 2021.

CENTURIÓN, M. Conteúdo e Metodologia da matemática: números e operações.


São Paulo: Scipione, 2002.

FERRO, L. L. de S. A criança da educação infantil e a linguagem matemática:


relações interdependentes no processo de ensino e aprendizagem. 2016. 163f.
Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Estadual de Maringá, Maringá,
2016.

HOUAISS, A.; VILLAR, M. de S.; FRANCO. F. M. de M. Minidicionário Houaiss da


Língua Portuguesa. Instituto Antônio Houaiss de Lexicografia e Banco de Dados da
Língua Portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009.

IFRAH, G. Os números: a história de uma grande invenção. Paris: Ed. Seghers,


1981. Disponível em: http://www.ebah.com.br/content/ABAAAAR9UAB/georges-
ifrah-os-numeros. Acesso em: 8 mar. 2021.

IMENES, L. M. História da Numeração. Disponível em:


<http://www.iejusa.com.br/cienciaetecnologia/matematica.php>. Acesso em: 05 mar.
2021.

KLEIN, L. R. Alfabetização: quem tem medo de ensinar? São Paulo: Cortez; Campo
Grande: Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, 2008.

LEONTIEV, A. N. O desenvolvimento do psiquismo. São Paulo: Editora Moraes,


1972.
MASUR, J. O frio pode ser quente? São Paulo: Editora Ática, 2009.

MATEMÁTICA. In: Dicionário Etimológico: Etimologia e origem das palavras. 2021.


Disponível em: http://www.dicionario etimologico.com.br/matematica/. Acesso em: 3
de mar 2021.

MORAES, S. P. G. A apropriação da linguagem matemática nos primeiros anos de


escolarização. In: SHELBAUER, A. R.; LUCAS, M. A. O. F.; FAUSTINO, R. C. (Org.).
Práticas Pedagógicas: Alfabetização e Letramento. Maringá: Eduem, 2010, p. 97-
110.

MOURA, M. O.; LOPES, A. R. L.; ARAÚJO, E. S.; CEDRO, W. L. Atividades para o


ensino de matemática nos anos iniciais da educação básica. V. II, Medidas.
Curitiba: CRV, 2017. Disponível em: http://www.labeduc.fe.usp.br/wp-
content/uploads/e-book_livro2-Medidas-FINAL-16jan2019.pdf. Acesso em: 12 mar.
2021.

SAUTOY, M. du. A História da Matemática – Parte 1: a história do universo.


Produção de BBC e Open University. Direção de SAUTOY, Marcus du. Inglaterra:
UNIVESP TV. 58 min. Publicado em 3 out. 2013. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=BWtr VYNS3BI. Acesso em: 08 mar. 2021.

SAVIANI, D. Infância e Pedagogia Histórico-Crítica. In: MARSIGLIA, A. C. G. (Org.).


Infância e pedagogia histórico-crítica. Campinas: Autores Associados, 2013. p.
247-280.

VIGOTSKI, L. S. A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo:


Martins Fontes, 2000.

VIGOTSKI, L. S. Aprendizagem e desenvolvimento intelectual na idade escolar. In:


VIGOTSKI, L. S.; LURIA, A. R.; LEONTIEV, A. N. Linguagem, desenvolvimento e
aprendizagem. São Paulo: Ícone, 2006. p. 103-118.
UNIDADE 2
DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM DA MATEMÁTICA
Profa. Me. Lussuede Luciana de Sousa Ferro
Profa. Dra. Nelma Sgarbosa Roman de Araujo

Plano de Estudo:
• Dificuldades de aprendizagem e suas concepções
• As dificuldades de aprendizagem e o ensino de matemática
• A organização do ensino de matemática: variáveis que afetam a aprendizagem

Objetivos de Aprendizagem:
• Conceituar as dificuldades de aprendizagem e suas concepções no decorrer da
história humana.
• Compreender o percurso de aprendizagem da linguagem matemática pelas
crianças e o seu processo de apropriação.
• Estabelecer a importância de identificar as causas e trabalhar com as
consequências das dificuldades de aprendizagem na vida das crianças.
• Compreender a linguagem matemática como uma ferramenta do pensamento.
INTRODUÇÃO

Nesta unidade as discussões abarcam os estudos sobre dificuldades de


aprendizagem no percurso da história humana.
Nesse trajeto, verificaremos a influência organicista na visão das dificuldades
que muitas crianças têm para aprender e, consequentemente, na concepção de
aprendizagem e desenvolvimento escolar. Essa concepção tende a fortalecer a ideia
de que a aprendizagem está vinculada a aptidões puramente biológicas.
Para tanto, refletiremos sobre os conceitos de normalidade e maturidade
relacionado à criança, definindo e pontuando como este conceito está vinculado à
necessidade de adaptação das crianças, jovens e adultos ao meio circundante.
Por isso, a importância de compreendermos a educação e o processo de
escolarização da criança como historicamente constituído e socialmente determinado
das diferentes ciências e, entre elas, a matemática.
Por fim, analisaremos o contexto em que surgem as preocupações e os
primeiros estudos sobre as dificuldades de aprendizagem. Isso, para
compreendermos de forma contextualizada o percurso de aprendizagem das crianças,
identificarmos e trabalharmos com as consequências que essas dificuldades podem
acarretar na vida delas no contexto escolar e fora dele.
Nesse contexto, traremos à tona que a aprendizagem sistematicamente
organizada, é essencial para o desenvolvimento das potencialidades máximas do
pensamento de todas as crianças, inclusive aquelas que apresentam dificuldade para
aprender determinados conteúdos como a leitura, escrita, resoluções de problemas,
cálculos e tantos outros envolvidos no processo de escolarização.
A partir desse cenário, traremos a organização do ensino de matemática como
sendo uma importante via de acesso para a superação das dificuldades relacionadas
à apropriação da linguagem matemática ou para a busca de novos sentidos para a
apropriação dos conceitos matemáticos.
1 DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM E SUAS CONCEPÇÕES

https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/cute-toddler-boy-having-difficulties-using-
774741679.

Assim como as influências socioeconômicas afetaram as transformações no


conceito de infância, o mesmo processo deve ser aplicado no que tange às
dificuldades de aprendizagem, pois as questões acerca da aprendizagem só tiveram
evidência frente às novas exigências da sociedade capitalista, em razão do perfil de
sujeito necessário para suprir a demanda de mão de obra por um lado, e a de
investimento social na prole da classe burguesa (POSTMAN, 1999).
As rápidas transformações do mundo do trabalho e o seu processo de
tecnização foram determinantes no destaque dado ao não aprender. A psicologia
fortaleceu esse contexto, dando ênfase no fracasso escolar, justificando-o nos
estudos métricos da inteligência iniciados por Binet1.
Para Bossa (2008), as dificuldades de aprendizagem são um sintoma social,
pois estas são a base para discussão do que se tornou usual ser nomeado como
fracasso escolar. O fracasso na escolarização se impõe de forma alarmante e
persistente, uma vez que o sistema escolar brasileiro ampliou significativamente o
número de vagas, mas não conseguiu implementar ações que tornassem a
escolarização eficiente e, consequentemente, não garantiu o cumprimento de seu
objetivo básico, qual seja: acesso à cidadania.

1
Alfred Binet foi um psicólogo francês que contribuiu com suas pesquisas no campo da psicometria ao
criar o primeiro teste bem-sucedido de inteligência, a Escala Binet-Simon, que serviu de base para
vários dos atuais testes de QI que hoje conhecemos.
Para Cordié (1996), os problemas de aprendizagem surgiram com a
instauração da escolaridade obrigatória no fim do século XIX. Assim como as
exigências da sociedade moderna causam os distúrbios, a expressão do mal-estar
das pessoas visivelmente impressa na linguagem de uma época em que o poder do
dinheiro e o sucesso social são valores predominantes, também contribui para as
diferentes dificuldades no processo de ensino e aprendizagem escolar.
Nesse contexto, a escola surgiu com a proposta de disciplinar e melhorar as
condições de vida na sociedade moderna e acabou, na contemporaneidade, por
ocupar o papel de repetição da marginalização ao reputar o insucesso acadêmico a
milhares de crianças e jovens.
Com isso, a escola fortalece a divisão de classes e dissemina os sentimentos
de não pertencimento e merecimento disseminados pela classe dominante. De acordo
com Cordie (1996), Jules Ferry (1832 - 1893), então ministro da educação na França,
estabeleceu a instrução laica e obrigatória em 1880, a qual tinha como objetivo
superar a divisão de classes sociais e permitir que as crianças pobres tivessem acesso
à educação formal.
Entretanto, esse acesso ficou restrito ao que se convencionou chamar de
primário, pois este era o suficiente para que os menos abastados conseguissem
manusear as máquinas cada vez mais frequentes nas fábricas.
No Brasil, o conhecimento é tido como fonte de poder social, logo, a educação
é realizada de modo a privilegiar alguns e discriminar muitos, gerando o fracasso
escolar. A condição de não alfabetizado ou não letrado nem sempre foi vista como um
problema social ou clínico, pois as pessoas que não tivessem instrução formal
poderiam exercer diversos ofícios que precediam desse atributo.
Com o ritmo acelerado das mudanças do modo de produção, essa concepção
mudou de forma drástica a partir do final do século XIX e continua em ritmo acelerado.
A escolarização passou a ser entendida como fundamental para a execução de
atividades, inclusive artesanais, pois os artesãos precisavam aprender como
gerenciar uma loja antes de abrir seu negócio, por exemplo.
Assim, o desemprego passou a ser justificado pela dificuldade de se empregar
pessoas que não fossem escolarizadas, pois os valores essenciais de vida são
considerados todos aqueles relacionados ao sucesso financeiro: dinheiro, posses de
bens materiais e o poder que representam socialmente esses bens.
Dessa forma, o fracasso escolar se tornou sinônimo de fracasso na vida
(CORDIE, 1996). No âmbito escolar e de investigação das dificuldades de
aprendizagem, o conceito e definições sofreram a influência do grande
desenvolvimento das ciências médicas e biológicas, principalmente da psiquiatria,
ocorrido entre os séculos XVIII e XIX.
Estudos de neurologia, neurofisiologia e neuropsiquiatria, realizados em
laboratórios anexos às instituições asilares, como os hospícios, passam a se
referenciar aos internos como anormais. Essa ideia adentrou as instituições escolares:
os alunos que não acompanhavam a turma eram vistos como anormais e a justificativa
de seu fracasso era reputada a alguma causa orgânica (SCOZ, 2013). Mas afinal, o
que é ser normal?
Segundo o dicionário Houaiss (2009), normal significa aquilo que é usual,
natural; o que não é diferente, ou seja, aquilo que é igual à maioria que está ao seu
redor, não se destaca; algo comum. Para discutirmos o conceito de normalidade,
requer refletirmos aos preceitos cotidianos sobre o que é ou não esperado da criança
em desenvolvimento.
De acordo com Drouet (1997), a normalidade está relacionada ao padrão de
comportamento esperado para uma determinada população, baseado na maior
incidência deste padrão, ou seja, varia de acordo com a história do grupo, pois, o que
hoje é considerado normal pode não ter sido no passado e vice-versa.
Dentro de uma mesma sociedade esse comportamento ainda sofre variações,
quando se considera grupos diferentes: de idade, sexo, status social, família, cultura,
raça e religião. Para a psicopatologia, ser “normal” remete à saúde integralmente
orgânica, física, psíquica e social.
Como podemos perceber, ao conceituarmos a palavra “normal”, precisamos
considerar as questões éticas, sociais, culturais, econômicas e políticas, pois somos
seres sociais, formados social, cultural e historicamente. Nesse contexto,
consideramos, em Saviani (1995), que não nascemos humanos, mas nos tornamos
humanos por meio das relações sociais, logo, a potencialidade do outro é trabalhada
e valorizada pelo seu igual, por aquele que é mais experiente.
Nessa perspectiva de normalidade, pautada no aprender para se desenvolver,
é perigoso pontuar que uma criança não está dentro do padrão de normalidade, pois
se não a considerarmos em suas múltiplas determinações, podemos reforçar a
concepção patologizante, impedindo o outro – no caso a criança – de ter acesso pleno
ao seu processo de humanização.
Se não tivermos clara compreensão do processo de desenvolvimento e
aprendizagem humana, corremos o risco de “rotular” a criança, de julgar sua
dificuldade em aprender de forma descontextualizada, ou seja, perderemos a
compreensão global para além da responsabilidade individual da criança. Quando
olhamos para a criança em sua totalidade, compreendemos que os indivíduos
aprendem de forma singular e não homogênea.
É nesse contexto que surgiram disciplinas específicas para o cuidado com a
criança, como a Psicologia da Aprendizagem e, nesta área, subáreas de estudos
como a Psicopedagogia, que tem como um dos pilares o trato direto de crianças e
adolescentes que apresentam dificuldades significativas em seu processo de
aprendizagem. Dessa subárea, temos os estudos acerca das dificuldades de
aprendizagem, dos transtornos de aprendizagem; sintomas e intervenções escolares
rumo ao desenvolvimento.
Ciasca (2003) pontua que os primeiros relatos médicos acerca da questão das
dificuldades datam de 1917 na literatura inglesa, sendo formulada por Glasgow como
cegueira congênita das palavras. Em 1925, Samuel Orton descreveu um quadro que
identificava problemas de leitura e escrita, principalmente na caligrafia, o qual nomeou
como estrefossimbolia (transtorno para a leitura a escrita) para distorções,
substituições e escrita especular.
Strauss e Lehtinen (1947) são os autores que introduziram o termo Lesão
Cerebral Mínima ou Síndrome de Strauss para qualificar crianças que apresentassem
quaisquer alterações relacionadas ao ato de aprender. Entretanto, o termo lesão
passou a ser questionado, pois muitas crianças não apresentavam lesão aparente no
Sistema Nervoso Central.
Por esse motivo, Denhoff passou a defender que, não havendo evidência de
lesão orgânica, o nome correto seria Disfunção Cerebral Mínima, caracterizada por
“distúrbio hipercinético do impulso”, abarcando os seguintes sintomas: “agitação,
hiperatividade, diminuição progressiva da atenção, concentração escassa, distração,
irritabilidade” (CIASCA, 2003, p. 23).
Esse conceito das dificuldades de aprendizagem das crianças chegou ao Brasil
em 1960 com maior aceitação pelos professores e pelos pais, uma vez que esta era
tida como neurológica. Esse entendimento, por um lado, serviu para melhorar o
acolhimento da criança, mas, por outro, favoreceu o desinvestimento educacional por
parte dos educadores e reforçou o tratamento medicamentoso.
Em 1988, a Organização Americana National Joint Committee of Learning
Disabilities (Comitê Conjunto Nacional de Deficiências de Aprendizagem) definiu as
dificuldades de aprendizagem como um termo geral que se direciona a um grupo de
diferentes desordens manifestadas por dificuldades significativas na aquisição e
utilização da compreensão da audição, da fala, da leitura, da escrita e também do
raciocínio matemático (FONSECA, 1995).
As definições apresentadas até aqui consideram as dificuldades de
aprendizagem como tendo causas intrínsecas às crianças e de ordem neurológica.
Na atualidade, os avanços nos estudos chegaram à compreensão que as dificuldades
de aprendizagem podem ter causas diversas de ordem extrínseca (causas
ambientais), intrínseca (causas neuropsicológicas) e interativa (causas relacionadas
às extrínsecas e intrínsecas).
Quando as causas das dificuldades são extrínsecas, advêm do contexto social,
cultural, familiar ou pedagógico ao qual a criança está inserida. Os sintomas mais
frequentes nestes casos são fracasso na aprendizagem, inadaptação escolar,
desinteresse, comportamento hiperativo ou hipoativo.
Dificuldades de aprendizagem na perspectiva intrínseca, podem decorrer de
dano cerebral, alterações nos processos maturativos, inabilidade psicolinguística,
inabilidade no processo de informação. Atraso percepto-motor (motor e cognitivo),
dificuldades globais na aprendizagem, alterações nos processos de codificação e
decodificação linguística (disfasia) e demais dificuldades seletivas, como a dislexia,
disgrafia, disortografia, discalculia e acalculia, são os sintomas que mais acometem
as crianças que apresentam essas dificuldades.
Na perspectiva interativa, as causas podem estar, em boa parte, relacionadas
tanto às questões intrínsecas quanto às extrínsecas. Quando essas características do
desenvolvimento são pontuais, ficam inseridas no padrão de normalidade e
dificuldades que, aos poucos, se resolvem. Todavia, quando a situação é constante,
certamente algo errado está ocorrendo.
As desordens no ato de aprender específicas do indivíduo são determinadas
por problemas no funcionamento do Sistema Nervoso Central. Essas desordens são
de origem neurológica denominadas de Transtornos de Aprendizagem e
compreendem uma inabilidade específica em leitura, escrita ou matemática, em
crianças que, geralmente, apresentam inteligência média ou acima da média;
adequado aparato sensorial e condições sociais, mas têm um desempenho
significativamente abaixo do esperado para seu nível de desenvolvimento,
escolaridade e capacidade intelectual (MORI, 2016).
A autora revela que além das dificuldades específicas na aprendizagem, os
transtornos ou distúrbios de aprendizagem são acompanhados de manifestações
comportamentais, ressaltando que a expressão transtorno da aprendizagem deve ser
restrita às perturbações específicas resultantes de alterações no sistema nervoso
central.
De acordo com Mori (2016), os alunos com Transtorno de Aprendizagem não
são considerados parte do público-alvo da política nacional de educação inclusiva.
Dificilmente eles têm acesso a salas de recursos e/ou atendimentos educacionais
especializados dentro das escolas regulares.
Entretanto, no Paraná, o atendimento educacional especializado inclui quadros
de origem neurológica, os quais são denominados Transtornos Funcionais
Específicos e abrangem: Distúrbios de aprendizagem (Dislexia, Disortografia,
Disgrafia e Discalculia) e Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH).
O DSM-5-Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (AMERICAN
PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014) e o CID-10 (Classificação de Transtornos
Mentais e de Comportamento), são as duas classificações mais utilizadas na saúde e
educação (OMS, 1997).
No DSM-5 consta como Transtorno de Aprendizagem Específico aquele que
apresenta prejuízo na leitura, em matemática e escrita. Os casos podem ser
classificados em leve, moderado ou grave (AMERICAN PSYCHIATRIC
ASSOCIATION, 2014).
No CID-10 denomina-se Transtornos Específicos do Desenvolvimento das
Habilidades Escolares aqueles que apresentam transtorno específico da leitura, da
soletração, da habilidade em aritmética e misto de habilidades escolares e transtornos
não especificados do desenvolvimento das habilidades escolares (OMS, 1997).
Segundo Fonseca (1995), a discussão sobre a etiologia das dificuldades de
aprendizagem norteia a prática educativa, bem como o atendimento dirigido à criança
que não aprende como as demais. Psicólogos, fonoaudiólogos e pedagogos tendem
a analisar os casos pela perspectiva interativa, ou seja, dirigem o olhar para diferentes
fatores de ordem psicológica, pedagógica, sociológica e linguística. Já os pediatras e
neurologistas tendem a analisar principalmente pelos aspectos orgânicos. Por isso, a
avaliação e o trabalho devem ser multidisciplinares.
Mori (2016) ressalta que a investigação de um quadro de transtorno é uma
tarefa complexa e, por isso, exige equipe multidisciplinar e compreensão do processo
de alfabetização da pessoa avaliada. A análise cuidadosa do desenvolvimento, do
processo de aprendizagem e das produções escolares fornecerão os indicadores para
diferenciação entre problemas/dificuldades de aprendizagem e transtornos de
aprendizagem e encaminhamentos necessários.
A identificação precoce e as devidas intervenções amenizam o impacto da
disfunção na funcionalidade do indivíduo. Todavia, o fechamento do diagnóstico só é
possível após os primeiros anos escolares e de o indivíduo ter passado pelo processo
de alfabetização. Se o indivíduo não passou pelo processo, como afirmar que ele tem
transtornos? A pergunta parece óbvia, mas não é incomum crianças com 6, 7 ou 8
anos assim diagnosticadas. Por outro lado, diagnósticos tardios podem ser muito
prejudiciais, causando problemas comportamentais, baixa autoestima e evasão
escolar (MORI, 2016).
Nessa direção, devemos pensar que o termo desenvolvimento é muito mais
amplo que saúde física, pois define o processo organizado e contínuo que promove o
desenvolvimento da própria vida, no ato da concepção, e abrange todas as
transformações que ocorrem no organismo e na personalidade das pessoas.
Isso significa considerarmos os aspectos biológicos e os comportamentos mais
sofisticados, decorrentes do crescimento e amadurecimento físico e dos estímulos
ambientais. Porém, como vimos anteriormente, os primeiros estudos acerca da
infância foram concebidos a partir de um olhar evolucionista na lógica de periodização
do ciclo da vida e de se ater ao que é esperado de cada faixa etária. Essa concepção
ofereceu base para a construção das teorias inatistas-maturacionistas (FONTANA;
CRUZ, 1997).
A abordagem inatista-maturacionista de desenvolvimento parte do pressuposto
que os fatores hereditários ou de maturação são mais significativos para o
desenvolvimento da criança, para determinar suas capacidades, do que os aspectos
relacionados à aprendizagem e experiência. O que podemos entender por
hereditariedade e maturação?
Na perspectiva inatista-maturacionista, Fontana e Cruz (1997) explicam
hereditariedade como sendo o conjunto de qualidades ou características que são
determinadas na criança desde o nascimento, como: cor dos olhos, cor da pele,
formato da orelha, tipo sanguíneo etc. Já maturação, são os padrões de mudanças
que todos os sujeitos de uma espécie vivenciam em idades aproximadas, como a
transformação do corpo, o crescimento de órgãos e o domínio do corpo.
De acordo com a abordagem inatista-maturacionista, todo comportamento e
desenvolvimento é considerado normal ou não quando apresentado pela maioria das
crianças. Esse desenvolvimento e comportamento, determinados biologicamente,
foram considerados para todas as crianças independente da sua cultura e da sua
classe social.
Sob essa perspectiva teórica (inatista-maturacionista), tanto a cor dos olhos
quanto as características individuais e inteligência seriam herdadas biologicamente
dos pais. Então, desde o nascimento a criança já estaria determinada a ser ou não
apta a executar determinadas atividades, não sendo influenciadas pela aprendizagem
ou pelas experiências vividas socialmente.
Compreender o desenvolvimento pelas vias biológicas influenciou o processo
de ensino e aprendizagem escolar pautado na ideia de que a aprendizagem
dependeria do desenvolvimento da criança, ou seja, não se deveria adiantar
determinados conhecimentos para ela, pois não estaria apta a aprender em razão de
sua imaturidade biológica para assimilar.
Por isso, na escola e em outras situações sociais, é comum ouvirmos “Filho de
peixe, peixinho é”; “Ele(a) é tão inteligente como o pai/a mãe”; “Fulano(a) ainda não
tem maturidade para aprender”; ou ainda “Ele(a) herdou o dom da mãe/do pai para
cozinhar”.
Dessa forma, a aprendizagem é que depende do desenvolvimento. O que a
criança é capaz de aprender ou não depende do seu nível de maturação, de sua
inteligência. Essa visão inatista-maturacionista permeou os primeiros
questionamentos sobre os problemas de aprendizagem, explicados apenas por meios
dos testes psicométricos.
Como já apresentado, Alfred Binet (1857-1911) foi o primeiro profissional a
sistematizar um modo de avaliar o Coeficiente Intelectual das crianças (QI), em
especial da criança deficiente, com o objetivo de averiguar o nível de inteligência e,
assim, auxiliar os profissionais da educação a elaborarem um plano de escolarização
adequado ao perfil da criança.
Para Binet as capacidades que compõem a inteligência, ou seja, atenção,
julgamento, compreensão e raciocínio, não eram aprendidas e, sim, determinadas
pela herança genética da criança. A escala de inteligência elaborada por Binet foi
amplamente utilizada como respaldo para determinar os aptos e os não aptos à
aprendizagem. Todavia, surgiram outras correntes que ampliaram o conhecimento e
os critérios de análise sobre o processo de desenvolvimento e aprendizagem.
As novas correntes filosóficas destacam que o processo de desenvolvimento
humano necessita ser observado a partir de algumas vertentes, sendo elas: a
biológica, psicológica, histórica, social e a cultural. Dentre as teorias psicológicas que
problematizam esses aspectos, ressaltamos o posicionamento da teoria histórico-
cultural, ao afirmar que a criança nasce em um mundo humano e não em um mundo
natural. Corroborando Vigotski (2000), Fontana e Cruz (1997, p. 57) explicam:

[...] desde o nascimento, a criança está em constante interação com


os adultos, que compartilham com ela seus modos de viver, de fazer
as coisas, de dizer e de pensar, integrando-a aos significados que
foram sendo produzidos e acumulados historicamente. As atividades
que ela realiza, interpretadas pelos adultos, adquirem significado no
sistema de comportamento social do grupo a que pertence.

Podemos afirmar, então, que a criança não se adapta ao meio, ela o internaliza,
o modifica e o estrutura; transformando-se de ser biológico em social. Ao falar em
processo de aprendizagem e desenvolvimento, Vigotski (2000) destaca a importância
do processo de escolarização na vida da criança, pois o contato sistematizado e
intenso delas com sistemas organizados de conhecimentos, fornecem instrumentos
para elaborar e mediatizar seu processo de desenvolvimento.
Sob o olhar da abordagem histórico-cultural, a concepção de maturidade é
ampliada, transpondo as bases biológicas ao compreendê-la como o esforço para se
conseguir atingir algo, impulsionado pelo processo de mudança pelo qual passa o
indivíduo.
Nesse sentido, maturação não significa “estar pronto para”, mas sim uma
condição pela qual passamos durante nosso desenvolvimento na busca para se tornar
verdadeiramente parte do gênero humano. Mas se maturidade não tem a ver com
processos puramente biológicos, poderíamos ensinar uma criança de quatro anos de
idade a ler sem problema algum? Por que existem crianças que apresentam
dificuldades de se apropriarem dos conhecimentos matemáticos?
Tais questões são pertinentes e serão respondidas no decorrer dos estudos de
diversas formas. Neste momento buscamos refletir a afirmação amplamente difundida
no âmbito escolar de que a não aprendizagem esperada da criança é decorrente de
sua imaturidade biológica, pois ainda não estaria preparada para aprender os
conteúdos escolares.
Contrário a essa ideia, Vigotski (2000) defende que uma criança imatura
corresponde àquela que precisa do auxílio de um par educativo mais desenvolvido
que ela, para que consiga na relação de superação e incorporação, internalizar a
lógica intrínseca ao processo em questão, de tal modo que consiga realizar a atividade
sem auxílio posterior.
Em termos conceituais, estamos falando da zona de desenvolvimento próximo.
O que significa isso? Vigotski (2000) ao trabalhar com a área de desenvolvimento
humano, denomina duas grandes áreas de desenvolvimento: zona de
desenvolvimento próximo (tudo aquilo que a criança não consegue realizar sem as
intervenções de um par mais experiente ou de um adulto) e zona de desenvolvimento
atual (todas coisas que a criança consegue realizar sozinha, sem a intervenção de um
par mais desenvolvido que ela (uma criança mais velha ou um adulto).

[...] o desenvolvimento atual de uma criança é aquele que pode ser


verificado através de testes nos quais a criança resolve problemas de
forma independente, autônoma. Já a zona de desenvolvimento
próximo abarca tudo aquilo que a criança não faz sozinha, mas
consegue fazer imitando o adulto [...] (VIGOTSKI, 1993, p. 238-246).

O papel da escola como via de formação é fundamental nesse processo, pois


coloca a criança sob o olhar de incompletude a ser preenchido pela educação. Com
isso, o não aprender ganha destaque e passa a não ser mais analisado somente pela
perspectiva organicista. Por isso a necessidade de discutirmos os conceitos de
normalidade e de maturidade, para desmistificarmos a cultura enraizada até hoje, de
que o não aprender é unicamente de responsabilidade da criança.
Ao refletirmos a evolução histórica sob essas duas áreas de desenvolvimento
humano (inatista-maturacionista e histórico-crítica), podemos entender melhor as
teorias acerca do desenvolvimento e posicionar adequadamente o papel do aparato
biológico no processo de aprendizagem e nas possíveis intercorrências que podem
advir dessa influência, mas não como causa única das etiologias do não aprender.
Apesar de estarmos enfatizando o período da infância para problematizar a
questão da maturidade e aprendizagem, cabe ressaltar que esses processos não
ocorrem somente nesta etapa da vida.
Dar ênfase à infância justifica-se, pois é nesse período que se encontra a
gênese do desenvolvimento humano, ou seja, a infância representa o centro da pré-
história do desenvolvimento cultural, devido ao processo de internalização dos
instrumentos e dos signos.

2 AS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM E O ENSINO DE MATEMÁTICA


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A capacidade que o homem desenvolveu de transmitir conhecimento, permitiu


sua sobrevivência como espécie, dando-lhe supremacia na escala evolutiva. Como
vimos na Unidade I, nos primórdios da civilização, esse conhecimento foi transmitido
de geração em geração por uma linguagem que misturava sons e gestos, de forma
que cada povo codificou os sons da sua língua para reproduzi-los, os quais,
gradativamente foram progredindo para a escrita atual.
Outras mudanças também ocorreram, como o ambiente que sofreu alterações
radicais, obrigando o ser humano a encontrar outras fontes de alimentação,
considerando que a caça ficará escassa. Daí surgiu a agricultura e, com ela, a
sedentarização, a organização social em cidades e o acúmulo de riquezas.
No princípio, a matemática era utilizada de modo sensitivo, como extensão do
próprio corpo, mas, logo, o homem começou a usá-la com finalidade de controle de
quantidades mais precisas, progredindo para as relações comerciais. Com isso, a
humanidade passou a propagar suas ideias matemáticas para além do tempo e do
espaço, construindo informações que se manteriam inalteradas por séculos, sendo
pronunciadas a grandes distâncias.
Dessa forma, o papel social da linguagem matemática sofreu alterações no
mesmo decurso que aconteceu a evolução de uma civilização sempre mais
organizada. Como visto em alguns aspectos na história da matemática, os primeiros
registros escritos foram pobres de informação, imediatos e práticos, relatando apenas
acontecimentos do cotidiano.
Assim como a história do desenvolvimento das sociedades, vimos que a
matemática percorreu diferentes caminhos até chegar aos nossos dias e sua principal
finalidade é estabelecer um sistema convencional e que, por meio dele, os membros
de um grupo possam controlar as diferentes grandezas de forma precisa e duradoura.
Ao buscarmos elementos para a compreensão da função social da matemática,
compreendemos que o desenvolvimento das ações por parte de cada sujeito ocorre
mediante a apropriação dos bens culturais historicamente constituídos e socialmente
determinados.
Existe, assim, na trajetória do desenvolvimento da humanidade a necessidade
de intercâmbio entre os indivíduos durante o trabalho; se por um lado essa atividade
teve seu início com a utilização dos instrumentos para transformar a natureza e
atender às necessidades básicas de sobrevivência, por outro, com ela foi preciso criar
um sistema de controle de quantidades, grandezas e formas que revelasse a
matemática como um produto social; um meio de interação com o mundo e resultado
das relações humanas.
Nesse processo de compreensão, Vigotski (1998) tem como premissa que o
aprendizado e o desenvolvimento fazem parte da vida da criança desde seu
nascimento, pois os considera inter-relacionados. Assim, o aprendizado escolar é
aquele que depende diretamente do desenvolvimento das funções psíquicas, como a
memória, a atenção voluntária, a abstração, a imaginação, que, de acordo com
Vigotski (1998), são os processos psicológicos superiores de origem sociocultural,
enquanto os processos elementares são de origem biológica, os quais, por meio dos
signos, transformam-se em funções superiores. Para o autor,

[...] as principais fases formais que percorre a personalidade da


criança em sua formação estão diretamente ligadas ao grau de
desenvolvimento de seu pensamento, já que, do sistema de cognição
em que se realize toda a experiência interna e externa da criança,
dependerá o aparelho psíquico que a divida, análise, conecte e
elabore [...] (VIGOTSKI, 1998, p. 76).

Com base nesse pressuposto teórico, entende-se que, com o desenvolvimento


das funções psíquicas superiores, a criança avança concomitantemente em seu
desenvolvimento, ou seja, por meio das interações sociais, da relação com o outro e
da apropriação da matéria (conceitos, signos, elementos mediadores...) desenvolve-
se as funções complexas do pensamento.
Desta forma, podemos dizer que o processo de construção das ideias
matemáticas é mediado por estes signos transmitidos socialmente e, como vivemos
numa sociedade letrada, a criança tem contato com esse sistema desde muito cedo.
Com isso, compreendemos que, para a criança se apropriar dos conceitos
matemáticos, é necessário que ela seja ensinada e, nesse processo de aquisição,
implica uma necessidade, um motivo, um desejo de apropriação desses
conhecimentos.
Pensando na escola como sendo o espaço sistematizado de ensino e no
professor, como aquele que internalizado os instrumentos e signos que medeiam com
os alunos, a elaboração de intervenção pedagógica, deve compreender e organizar o
processo de ensino de matemática em interação com criança, de forma que ela seja
motivada a aprender.
O ensino da matemática deve ser uma prática significativa que vai além de um
ensino ou uma técnica e, como tal, deve constituir-se como ações significativas do
pensamento, inserido também numa situação com significado e não apenas manipular
objetos com números ou repetir sequencialmente os números impressos na parede
das salas dezenas de vezes.
Nessa perspectiva, os instrumentos e signos são mutuamente ligados e
fundamentais no desenvolvimento cultural do indivíduo. Enquanto os instrumentos
influenciam externamente a ação do homem sobre os objetos, os signos orientam
internamente o controle do próprio indivíduo.
Tanto os instrumentos quanto os signos ampliam a capacidade humana de
interagir com a natureza e, ao interagir, o homem modifica a natureza ao mesmo
tempo em que modifica a si mesmo e é nessa interação que se desenvolveu a
linguagem matemática, como um signo que permite às pessoas agirem umas com as
outras num processo dialético de transformação.

3 A ORGANIZAÇÃO DO ENSINO DE MATEMÁTICA: VARIÁVEIS QUE AFETAM A


APRENDIZAGEM
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Compreendemos que as dificuldades de aprendizagem estão relacionadas com


problemas patológicos, psicológicos, afetivos, sociais, culturais e, também, com a
organização do ensino. Por isso, é importante questionar: como a escola tem
organizado o ensino frente às demandas de crianças com dificuldade de
aprendizagem?
Não basta o aluno frequentar a escola, é preciso adquirir plenamente os
conceitos científicos, para que as suas funções psicológicas superiores sejam
desenvolvidas. As dificuldades de aprendizagem não podem ser ignoradas, tampouco
devemos negar as limitações, sejam elas físicas, sensoriais, neurológicas ou mentais,
mas buscar possibilidades de ensino para uma aprendizagem significativa.
Muitos professores não estão capacitados para atender a grande demanda de
crianças com dificuldades e necessidades especiais de aprendizagem. Em sala de
aula, o professor não encontrará uma turma homogênea, em que todos aprendem
igualmente, mas crianças concretas com realidade de vida também concreta, ou seja,
faz-se necessário olhar para a criança em suas múltiplas determinações.
O processo de aprendizagem e desenvolvimento acontece antes de as crianças
irem à escola, pois se inicia logo após o nascimento com a sua inserção na cultura
humana e a cultura nela internalizada por meio da apropriação dos instrumentos e dos
signos. Dessa forma, a criança vai aprendendo a ser como os humanos de sua
espécie; ela se humaniza.
Ao ingressar na escola, as aprendizagens, denominadas de senso comum, que
a criança traz consigo são superadas por modos cada vez mais complexos do
pensamento pela aquisição dos conhecimentos científicos. De acordo com Sforni
(2004, p. 11),

A regularidade do processo de aprendizagem e a singularidade do


desenvolvimento do aluno revelam a complexidade do ato de ensinar.
Diante disso, é possível afirmar que há indicadores relevantes que
orientam a tomada de decisões no ensino, mas não há modelos. Na
organização da atividade educativa é fundamental ter clareza quanto
à sua intencionalidade e aos instrumentos adequados ao alcance dos
objetivos, mas garantindo flexibilidade suficiente para permitir
mudanças de rumos conforme as necessidades surgidas na interação
entre alunos e professores e o novo objeto de aprendizagem.

A influência da perspectiva inatista-maturacionista nas escolas tende a


padronizar passos para o ensino da matemática. De acordo com esta teoria, cada
criança tem o seu ritmo e este deve ser respeitado, já que cada uma constrói suas
hipóteses de resoluções para as diferentes situações problemas, conforme interage
com o objeto do conhecimento: a matemática.
Porém, apesar de as crianças frequentarem a escola por mais tempo, muitos
estão chegando ao final do quinto ano sem dominar os conhecimentos básicos para
se expressarem mediante a linguagem matemática, conforme têm evidenciado os
resultados das avaliações governamentais, como a Prova Brasil.
Compreendemos, em Vigotski (2000), que o bom ensino é aquele que promove
o desenvolvimento psíquico, que se adianta ao desenvolvimento, ou seja, “[...] uma
correta organização de aprendizagem da criança conduz ao desenvolvimento mental
[...]” (KOSTIUK, 2005, p. 40).
Desta forma, entendemos que, se o ensino escolar for desenvolvido e
organizado com atividades sistematizadas e de qualidade, este promove o
desenvolvimento das capacidades intelectuais da criança, bem como

[...] a escola, possibilitando o contato sistemático e intenso dos


indivíduos com os sistemas organizados de conhecimento e
fornecendo a eles instrumentos para elaborá-los, mediatiza seu
processo de desenvolvimento [...] (FONTANA, 1997, p. 66).

Também é essa a compreensão de Saviani, para ele o trabalho educativo é


“[...] o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a
humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens [...]”
(SAVIANI, 1991, p. 21). E completa que a escola deve ser “[...] um espaço organizado
de forma sistemática com o objetivo de possibilitar o acesso à cultura erudita [...]”
(SAVIANI, 1985, p. 27-28).
Para Saviani (1985), a transmissão do conhecimento científico é o ponto
primordial do ensino escolar, ou seja, a escola é o espaço que promove
intencionalmente a transmissão do conhecimento científico, de forma
sistematicamente organizada. Em matemática, o acesso a esse conhecimento ocorre
à medida em que se domina a linguagem na qual grande parte dele está
sistematizado: o controle quantitativo das diferentes grandezas.
Partindo dessa premissa, entendemos que a promoção do desenvolvimento
depende “do que se adquire e de como se adquire” (KOSTIUK, 2005, p. 48). Ou seja,
depende do conteúdo adquirido e como ele é adquirido. Segundo Kostiuk (2005, p.
50), o domínio de um objeto de estudo “perfeitamente determinado” não garante a
promoção do desenvolvimento real, é pelo desenvolvimento do pensamento da
criança que isso ocorre, ou seja, da capacidade de ela “analisar e generalizar os
fenômenos da realidade, de raciocinar corretamente”. É necessário

[...] desenvolver “no todo” as faculdades mentais. Se se pretende


alcançar esta meta, tem de se encontrar uma solução satisfatória para
os problemas do ensino. O desenvolvimento do pensamento lógico é
um dos fatores mais importantes do sucesso escolar. Todavia, isto não
significa que qualquer ensino contribua para garantir esse
desenvolvimento [...].

Pensando de acordo com essa perspectiva, o ensino não pode restringir-se


apenas à transmissão dos conhecimentos, mas organizar-se de forma a favorecer o
desenvolvimento de todas as características psíquicas, por meio de métodos que
desenvolva o pensamento e os demais processos mentais, uma vez que, “o domínio
do material escolar” é o início do processo de desenvolvimento. Para Vigotski (1993,
p. 244-245)

[...] quando observamos o curso de desenvolvimento da criança


durante a idade escolar e no curso de sua instrução, vemos que na
realidade qualquer matéria exige da criança mais do que esta pode
dar nesse momento, isto é, que esta realiza na escola uma atividade
que lhe obriga a superar-se. Isto se refere sempre à instrução escolar
sadia (VIGOTSKI, 1993, p. 244-245).
Com isso, percebemos “[...] que o que provoca o desenvolvimento da criança é
o fato desse conteúdo da aprendizagem exigir dela, criança, a utilização de
capacidades que ainda não estão formadas, que estão na zona de desenvolvimento
próximo [...]” (DUARTE, 1996, p. 97), pois se o professor fosse trabalhar com a criança
apenas aquilo que ela já sabe e não apresentar exigências que ela não consegue
executar sozinha, a aprendizagem decorrente dessa prática se limitaria ao nível de
desenvolvimento atual.
O que podemos observar é que o ensino escolar sistematizado, planejado e
organizado desempenha um papel fundamental na aquisição dos conhecimentos e
desenvolvimento da criança acerca das diferentes ciências e, entre elas, a
matemática. Por isso, não podemos esperar que as funções psíquicas da criança, com
dificuldade de aprendizagem ou não, amadureçam para que ela aprenda os conceitos
matemáticos, pois

[...] o que a criança é capaz de fazer hoje em colaboração será capaz


de fazê-lo por si mesma amanhã. Por isso, parece verossímil que a
instrução e o desenvolvimento na escola guardem a mesma relação
que a zona de desenvolvimento próximo e o nível de desenvolvimento
atual. Na idade infantil, somente é boa a instrução que vá avante do
desenvolvimento e arrasta a este último. Porém, à criança
unicamente se pode ensinar o que é capaz de aprender [...]
(VIGOTSKI, 1993, p. 241 - 242).

Desta forma, a educação não “espera” pelo amadurecimento das funções


psíquicas do sujeito, mas estimula e orienta o seu desenvolvimento, transformando a
“[...] prática social global não de forma imediata, mas sim pela mediação da
transformação dos sujeitos da prática social [...]” (SAVIANI, 1989, p. 82) ou ainda,
como afirma Leontiev (1972), para a criança se humanizar, necessita apropriar-se dos
resultados que foram produzidos e elaborados pela humanidade, isto é, apropriar-se,
por meio da educação, da cultura produzida socialmente dando continuidade ao
processo histórico. Para Leontiev (1972, p. 273), “[...] o movimento da história só é
possível com a transmissão, às novas gerações, das aquisições da cultura humana,
isto é, com a educação [...]”.
Com essa discussão, entendemos que o professor tem a tarefa de ensinar à
criança aquilo que ela ainda não é capaz de aprender sozinha, ele assume o papel de
mediador dos conteúdos científicos e faz a intervenção na formação dos processos
psicológicos superiores, dirigindo o desenvolvimento psíquico do indivíduo.

[...] a mediação realizada pelo professor entre o aluno e a cultura


apresenta especificidades, ou seja, a educação formal é
qualitativamente diferente por ter como finalidade específica propiciar
a apropriação de instrumentos culturais básicos que permitam
elaboração de entendimento da realidade social e promoção do
desenvolvimento individual. Assim, a atividade do professor é um
conjunto de ações intencionais, conscientes, dirigidas para um fim
específico [...] (BASSO, 1998, p. 3).

Para a efetivação dessa prática, se faz necessário que o professor seja um


profissional, também, cientificamente instruído, ou seja, que ele domine seu objeto de
estudo, o qual deve estar enraizado na ciência. Somente nessa perspectiva é que
ocorrerá a apropriação do conhecimento científico por parte do aluno de maneira
sistemática, dando continuidade ao processo histórico de produção e transmissão
cultural.
Podemos considerar que tão importante quanto o domínio da contagem de
coisas e escrita dos números, é a compreensão da finalidade social dessa linguagem
numa sociedade letrada. Nesse sentido, pensar em uma aquisição dos conceitos
matemáticos que permita ao homem colocar-se como interlocutor consciente no
âmbito social, significa trazer para o contexto da prática pedagógica escolar,
necessidades e motivos que mobilizem as crianças a buscarem formas de controlar
as quantidades, grandezas e formas, assim como fizeram os nossos antepassados.
Assim, é fundamental que as tarefas escolares, envolvendo os conhecimentos
matemáticos, façam sentido para a criança e para o professor e, para isso, é preciso
que elas estejam inseridas em situações de controle quantitativo.

SAIBA MAIS

De acordo com Smith e Strick (2012), o estresse emocional pode comprometer


o processo de ensino e aprendizagem da criança. A ansiedade decorrente da
mudança de residência, atritos familiares ou doenças podem trazer prejuízos aos
avanços cognitivos da criança e, com o tempo, interferir de modo negativo em sua
disposição para os estudos e aquisição de confiança em si mesma, aspectos também
importantes para aprender na escola.
#SAIBA MAIS#

REFLITA

“A escola [...] deve tratar o ser humano em toda sua dimensão, tendo como
foco o indivíduo, rompendo com uma visão reducionista de aprendizagem, DA
[dificuldade de aprendizagem] e inteligência. Além disso, não se pode ter uma visão
que enfatiza a responsabilidade do sucesso da aprendizagem sobre a criança, ou
sobre o professor. Pode ser que a responsabilidade do insucesso da aprendizagem
seja de todo um sistema educacional e nessa dura realidade o professor torna-se o
grande vilão da aprendizagem” (BARBOSA, 2015, p. 29).

#REFLITA#

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em nosso trajeto de estudos nesta unidade, vimos como a área médica se


sobrepôs às demais, justificando quaisquer distúrbios de aprendizagem em questões
orgânicas, e como algumas correntes da psicologia problematizaram aspectos
ambientais que influenciam no processo de aprendizagem, justificando o desempenho
acadêmico dos alunos com dificuldades de aprender.
É importante compreender, de forma contextualizada, o que são dificuldades,
problemas, transtornos ou distúrbios de aprendizagem justamente para rompermos
com abordagens que culpabilizam exclusivamente a criança por suas dificuldades. A
partir da perspectiva neuropsicológica, os problemas de aprendizagem devem ser
pensados de forma sistêmica, ou seja, concebidos de forma sistematizada e avaliada
por métodos científicos válidos, abordando três dimensões: a causa, o processo e o
sintoma.
Ao avaliarmos as causas, determinamos os fatores que podem estar
mobilizando a não aprendizagem da criança, tendo por origem questões ambientais,
neurológicas ou ambas. O processo implica a maneira pela qual vamos avaliar as
funções mentais superiores, bem como as estruturas sensoriais e os aspectos
ambientais. Por fim, o sintoma remete à expressão do não aprender em cada sujeito,
manifestas no ambiente escolar.
Nesse percurso, analisar globalmente o desenvolvimento e aprendizagem
humana, permite-nos:
a. compreender que os indivíduos aprendem de forma singular e não
homogênea;
b. valorizar a criança enquanto um ser capaz de aprender e lidar com
questões referentes ao seu aprendizado.
c. respeitar ao outro, naquilo que tange a sua totalidade enquanto ser
humano no mundo.
d. garantir à criança o direito ao melhor tratamento de saúde possível,
através de métodos não invasivos visando oferecer assistência integral,
inclusive serviços médicos, sociais e psicológicos.
e. direcionar e orientar a criança com dificuldade de aprendizagem,
estabelecendo os parâmetros para o início de seu tratamento e
direcionamento da aprendizagem rumo ao desenvolvimento.

Diante desse contexto, a aprendizagem é essencial para o desenvolvimento


das potencialidades de cada ser humano. Algumas crianças, mesmo não
apresentando comprometimento no aparato biológico, nas condições ambientais, nos
aspectos psicológicos e sociais, enfrentam entraves para aprender.
A complexidade dos obstáculos para aprender e os recursos e estratégias
pedagógicas para ensinar, demandam cuidado ético, formação, compromisso e
envolvimento dos profissionais que trabalham com crianças, adolescentes e adultos
com transtornos de aprendizagem.
LEITURA COMPLEMENTAR

FERRARI, Rafael Cesar. Compreensão das dificuldades de aprendizagem escolar


na perspectiva da teoria histórico cultural: outra possibilidade de análise desse
fenômeno. XI Congresso Nacional. EDUCERE. Pontifícia Universidade Católica do
Paraná, 2013. Disponível em:
https://educere.bruc.com.br/CD2013/pdf/15131_7055.pdf. Acesso em: 23 mar. 2021.
LIVRO
• Título: Dificuldades de Aprendizagem de A a Z: guia
completo para pais e educadores.
• Autor: Corinne Smith e Lisa Strick
• Editora: Artmed
• Sinopse: Importantes estudos sobre as dificuldades de
aprendizagem foram feitos na década de 90, mas grande
parte das informações demorou para chegar ao grande
público. Finalmente, ´Dificuldades de Aprendizagem de A a Z´
traz o que há de melhor na pesquisa e na experiência
educacional recentes para pais, professores e todos aqueles que são responsáveis
por crianças com problemas de aprendizagem. Com entusiasmo e paixão, Corinne
Smith e Lisa Strick oferecem um guia abrangente para as causas, identificação e
tratamento das dificuldades de aprendizagem. Você irá aprender como estes
pequenos distúrbios podem ter impacto significativo.
FILME/VÍDEO
• Título: O contador
• Ano: 2016
•Sinopse: O personagem Christian Wolff é diagnosticado
com autismo na infância e sua maior dificuldade é
socializar. Ele também possui uma grande habilidade
com números e, ao crescer, torna-se um respeitado
contador. Um dia Wolff descobre que uma empresa está envolvida em uma fraude de
milhões de dólares a partir dos livros contábeis, colocando a sua vida e a de sua
colega de trabalho em risco.
REFERÊNCIAS

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual diagnóstico e estatístico de


transtornos mentais: DSM-5. Porto Alegre: Artmed, 2014. Disponível em:
http://www.niip.com.br/wp-content/uploads/2018/06/Manual-Diagnosico-e-Estatistico-
de-Transtornos-Mentais-DSM-5-1-pdf.pdf. Acesso em: 22 mar 2021.

BARBOSA, M. B. Dificuldades de aprendizagem no contexto escolar: perspectiva


para sua compreensão e superação. Trabalho de conclusão de curso (Licenciatura
plena em pedagogia) - Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Rio
Claro, 2015.

BASSO, I. S. Significado e sentido do trabalho docente. Cad. CEDES, Campinas, v.


9, n. 44, 1998.

BOSSA, N. A. A emergência da Psicopedagogia como ciência. Revista


Psicopedagogia, São Paulo, v. 25 n. 76, 2008. Disponível em:
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-
84862008000100006. Acesso em: 22 mar 2021.

CIASCA, S. M. Distúrbios de Aprendizagem: proposta de avaliação interdisciplinar.


São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003.

CORDIÉ, A. Os atrasados não existem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.

DROUET, R. C. R. Distúrbios da aprendizagem. Ática: São Paulo, 1997.

DUARTE, N. Educação escolar, teoria do cotidiano e a escola de Vigotski.


Campinas: Autores Associados, 1996.

FONSECA, V. Introdução às dificuldades de aprendizagem. Porto Alegre: Artes


Médicas, 1995.

FONTANA, R.; CRUZ, N. Psicologia e Trabalho Pedagógico. São Paulo: Atual,


1997.

HOUAISS, A.; VILLAR, M. de S.; FRANCO. F. M. de M. Minidicionário Houaiss da


Língua Portuguesa. Instituto Antônio Houaiss de Lexicografia e Banco de Dados da
Língua Portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009.

KOSTIUK, G. S. Alguns aspectos da relação recíproca entre educação e


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L. S. et al. Psicologia e Pedagogia: bases psicológicas da aprendizagem e do
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LEONTIEV, A. N. O desenvolvimento do psiquismo. São Paulo: Editora Moraes,


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MORI, N. N. R. Psicologia e educação inclusiva: ensino, aprendizagem e
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Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde. 10. ed. São Paulo:
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SAVIANI, D. Escola e Democracia. São Paulo: Cortez; Autores Associados, 1991.

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contribuições da teoria da atividade. Araraquara: JM Editora, 2004.

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lesão cerebral. Nova Iorque: Grune & Stratton, 1947.

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Martins Fontes, 2000.

VIGOTSKI, L. S. A formação social da mente. Porto Alegre: Artmed, 1998.

VIGOTSKI, L. S. Obras Escogidas I. Madri: Centro de Publicaciones del M.E.C. y


Visor Distribuciones, 1993.
UNIDADE 3
ACALCULIA E DISCALCULIA
Profa. Me. Lussuede Luciana de Sousa Ferro
Profa. Dra. Nelma Sgarbosa Roman de Araujo

Plano de Estudo:
• Acalculia e discalculia: algumas considerações
• Discalculia: concepção; sintomas e possíveis causas
• Acalculia: concepção, sintomas e causas

Objetivos de Aprendizagem:
• Definir acalculia e discalculia diferenciando suas especificidades.
• Identificar os sinais e sintomas que acometem as pessoas com acalculia ou
discalculia.
• Compreender o que causa a discalculia e a acalculia para a organização de
intervenções psicopedagógicas e desenvolvimento dos discalcúlicos e acalcúlicos.
INTRODUÇÃO

O foco desta unidade é o estudo acerca dos distúrbios ou transtornos de


aprendizagem em matemática denominados discalculia e acalculia. Para isso, faz-se
importante reiteramos que a matemática é uma das ferramentas do pensamento que
contribuem efetivamente no desenvolvimento das funções psíquicas superiores,
conforme estudamos nas unidades anteriores.
As operações matemáticas exigem dos sujeitos ações complexas do
pensamento para o controle das diferentes quantidades, grandezas e formas. Por
isso, é importante identificarmos e compreendermos os obstáculos que podem
dificultar ou impedir a apropriação dos conhecimentos matemáticos, como a
discalculia e a acalculia.
Mesmo sendo um assunto relevante, ainda temos poucas pesquisas na área,
dessa forma, as discussões aqui proferidas buscam contribuir com o trabalho
psicopedagógico desenvolvido nas escolas ou em atendimento clínico, de modo que
as intervenções realizadas promovam o sucesso dos estudantes nos processos de
ensino e aprendizagem.
Dessa forma, primeiro tecemos algumas considerações a respeito das
concepções que discutem a discalculia e a acalculia, que podem resultar de aspectos
neurológicos e não neurológicos.
Em seguida, definimos o termo discalculia e, depois, destacamos os sintomas
mais frequentes e as possíveis causas que acometem crianças, adolescentes e
adultos com esse transtorno.
Na sequência, discutimos a definição de acalculia, bem como evidenciamos as
suas causas e sintomas, ressaltando as semelhanças com a discalculia, mas
principalmente, aquilo que as diferem que se pauta nas causas que originam o
transtorno. Por fim, nas considerações finais elencamos os aspectos mais relevantes
abordados no percurso de estudos desenvolvidos.
1 ACALCULIA E DISCALCULIA: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/small-girl-feeling-desperate-holding-help-1798161100

Há diferentes transtornos funcionais específicos que são ou não de ordem


neurológica. Entre esses transtornos ou distúrbios, temos aqueles que resultam em
dificuldades na apropriação dos conhecimentos matemáticos, como já estudamos nas
Unidades I e II
Bastos (2016) aponta que não há um termo universal para denominar as
pessoas que têm dificuldade com as aprendizagens em matemática e, mesmo a
literatura apresentando diversas nomenclaturas e caminhos para o diagnóstico, não
existem testes universais para o cumprimento desta tarefa.
A seguir, podemos ver a classificação que Bastos (2016) organizou para
apresentar as dificuldades em matemática, especificamente no que se refere à
discalculia e à acalculia.

Figura 1 - Classificação das dificuldades de matemática


Fonte: Bastos (2016).

A partir das ideias de Bastos (2016), verificamos que as causas das


dificuldades com as aprendizagens matemáticas podem ser de ordem neurológica ou
não neurológica. As causas de ordem neurológica são denominadas de distúrbio
primário, caracterizado pelo transtorno funcional específico acalculia ou discalculia,
e pelo distúrbio secundário, caracterizado por comorbidades que acompanham
crianças, adolescentes ou adultos que têm discalculia ou acalculia (discalcúlicos ou
acalcúlicos).
Já as dificuldades matemáticas advindas de causas não neurológicas
correspondem aos fatores relacionados à organização do ensino escolar, de ordem
sociais ou até mesmo à ansiedade matemática.
Frente a essas considerações gerais, um dos maiores desafios enfrentados
pelos professores e psicopedagogos está em promover a aprendizagem dos
conhecimentos matemáticos pelos estudantes que têm dificuldade para se relacionar
com os fenômenos da área de matemática.
Nesses casos, constatamos que as crianças e adolescentes que têm pouca ou
nenhuma motivação para aprender os conceitos matemáticos acabam fracassando
em suas aprendizagens escolares e desenvolvimento de suas atividades no cotidiano.
Da mesma forma, muitos docentes, com pouco ou nenhum conhecimento
acerca das dificuldades de aprendizagem, não criam expectativas em relação a esses
alunos, não encontrando motivos para desenvolverem ações de ensino que, de fato,
desenvolvam as potencialidades máximas do pensamento dos estudantes,
reforçando, assim, as chances de eles fracassarem na escola (MACHADO, 2014).
Por isso, no trabalho psicopedagógico com estudantes que têm discalculia e
acalculia precisamos considerar todos os aspectos que envolvem o processo de
formação nas ações de ensino e de aprendizagem na escola, o contexto histórico e
social de vida deles e demais fatores biológicos, físicos e psíquicos que podem ser
obstáculos para o seu desenvolvimento.
2 DISCALCULIA: CONCEPÇÃO

https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/portrait-african-girl-wearing-face-mask-1820340308

De acordo com o dicionário etimológico, a palavra discalculia se remete a dis


(não) mais o termo calculia (calcular), que significa não fazer cálculos. Também
conhecida como transtorno da matemática, a discalculia caracteriza as pessoas que
apresentam fatores sociais, emocionais e sensoriais adequados, mas que não
conseguem adquirir proficiência em matemática.
Os dois principais manuais médicos internacionais de diagnósticos (DSM-V e
CID-10) trazem conceitos de discalculia. No DSM-V (APA, 2014, p. 67) o termo é
conceituado como sendo o Transtorno Específico da Aprendizagem com prejuízo na
Matemática que envolve senso numérico, a memorização de fatos aritméticos,
precisão ou fluência de cálculo e precisão no raciocínio matemático.

Discalculia é um termo alternativo usado em referência a um padrão


de dificuldades caracterizado por problemas no processamento de
informações numéricas, aprendizagem de fatos aritméticos e
realização de cálculos precisos ou fluentes. Se o termo discalculia for
usado para especificar esse padrão particular de dificuldades
matemáticas, é importante também especificar quaisquer dificuldades
adicionais que estejam presentes, tais como dificuldades no raciocínio
matemático ou na precisão na leitura de palavras (APA, 2014, p. 67).

O CID 10 (OMS, 1993, p. 366 ) descreve discalculia como sendo o

transtorno que implica uma alteração específica de habilidade em


aritmética, não atribuível exclusivamente a um retardo mental global
ou à escolarização inadequada. O déficit concerne ao domínio de
habilidades computacionais básicas de adição, subtração,
multiplicação e divisão mais do que as habilidades matemáticas
abstratas envolvidas na álgebra, trigonometria, geometria ou cálculo.

É possível encontrarmos diferentes nomes para a discalculia como deficiência


de aprendizagem em matemática ou desordem matemática, como denominam
alguns médicos pediatras ou neurologistas. Podemos ainda ouvir alguns profissionais
ou pessoas no cotidiano denominar discalculia como sendo dislexia matemática, o
que não é correto, pois discalculia e dislexia não são a mesma coisa.
Dessa forma, compreendemos a discalculia como sendo uma deficiência
específica de aprendizagem dos conceitos matemáticos; trata-se de um distúrbio de
aprendizagem que prejudica a habilidade cognitiva das crianças na execução de
cálculos matemáticos.
Importante sabermos que essa não é uma dificuldade que acontece somente
com as tarefas matemáticas desenvolvidas na escola, mas também com as tarefas do
cotidiano. Por isso, a discalculia torna difícil para as crianças realizar tarefas
relacionadas aos conhecimentos matemáticos.
Na escola, crianças com discalculia têm dificuldade para compreender os
números, usar símbolos numéricos ou as funções necessárias para a aprendizagem
da matemática; não compreendem conceitos relacionados a quantidades, maior ou
menor; têm dificuldades na relação número e quantidade ou símbolo, por exemplo,
entender que o número 5 é o mesmo que a palavra cinco, importantes aprendizagens
que dão sentido aos números.
Além disso, crianças discalcúlicas apresentam dificuldades, por exemplo, com
horas, com a sequência e pontuação de um jogo, lembrar fatos matemáticos,
conceitos, regras, fórmulas etc. Podem até compreender a lógica que envolve a
linguagem matemática, porém, não sabem como ou quando devem utilizar as
ferramentas externas e internas do pensamento na resolução dos problemas
matemáticos. Exemplo disso é a dificuldade em manter os números em mente na
resolução de problemas envolvendo várias etapas e cálculos numéricos.
Ainda são restritas as pesquisas referentes aos transtornos funcionais
específicos relacionados à matemáticos, em especial a discalculia e acalculia, a qual
discutiremos mais adiante. Uma das hipóteses para esta problemática é a dificuldade
de domínio dos complexos conceitos no estudo da matemática (MUSSOLIN; MEIJIAS;
NOEL, 2010).
O que estamos dizendo é que há poucas produções científicas a respeito das
dificuldades de aprendizagens da matemática, voltadas para os aspectos
pedagógicos. Os estudos são, em sua maioria, centrados nas áreas das ciências
biológicas e médicas como a Neurociência e a Psiquiatria.
Em 1920, o neurologista Salomon Henschen utilizou, pela primeira vez, o termo
discalculia para caracterizar uma síndrome naqueles que apresentam dificuldades
para calcular. De acordo com a Associação Americana de Psiquiatria, a causa da
discalculia não se configura por lesão cerebral, e sim por um problema caracterizado
pela má formação neurológica; uma desordem na estrutura da maturação das funções
mentais matemáticas, contudo, sem manifestar uma desordem nas demais funções
psíquicas generalizadas (GARCIA, 1998).
Há estudos epidemiológicos realizados em diferentes países, como Israel,
Alemanha, Estados Unidos e Índia, que apontam que 5% a 7% dos estudantes são
acometidos pelos transtornos de aprendizagem em matemática, sendo 1% de
manifestação pura (somente a discalculia ou acalculia) e 25% dos casos apresentam
comorbidades, ou seja, outros transtornos como o Transtorno de Déficit de
Atenção/Hiperatividade ou a Dislexia.
Entre os estudantes brasileiros, nos últimos anos, houve uma queda
significativa no desempenho em Matemática no ranking mundial de educação. No
Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA), o Brasil ocupava a 58ª posição
no ranking da matemática, em 2013, e, 66ª, em 2016. De acordo com a Organização
para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (2016, p. 139),

A matriz de matemática do PISA define o domínio dessa área cognitiva


e descreve uma abordagem para avaliar o letramento matemático de
jovens de 15 anos. Isto é, o PISA analisa até que ponto estudantes
dessa idade sabem lidar adequadamente com a matemática ao serem
confrontados com certos problemas e situações, a maioria
apresentada em contextos do mundo real.

O levantamento de dados realizado nos Estados Unidos, também aponta que


5% a 8% dos estudantes nesse país têm o distúrbio, isto é, em uma sala de aula com
30 alunos, 2 ou 3 são discalcúlicos (CAMPOS, 2014). Para melhor compreendermos
essa problemática, buscamos apoio em Kosc (1974), Farrel (2008) e Campos (2014).
Kosc (1974) apresenta seis tipos de discalculia:
a) Discalculia Verbal: dificuldade para nomear quantidades, números,
termos, símbolos e estabelecer relações entre eles.
b) Discalculia Practognóstica: dificuldade para enumerar, comparar e
manipular objetos manipuláveis ou não.
c) Discalculia Léxica: dificuldade para ler símbolos matemáticos.
d) Discalculia Gráfica: dificuldade para escrever símbolos matemáticos.
e) Discalculia Ideognóstica: dificuldade para realizar operações mentais e
compreender os conceitos matemáticos.
f) Discalculia Operacional: dificuldade para executar operações e cálculos
numéricos.

Farrell (2008) amplia as definições básicas de discalculia acrescentando ainda


os tipos:
a) Discalculia Espacial: dificuldade para avaliar e organizar os movimentos
viso espacial;
b) Anaritmetria: fazer confusões entre as operações escritas como adição,
subtração, divisão e multiplicação.

Contribuindo com as definições, Campos (2014) divide a Discalculia em três


classes:
a) Natural: dificuldade para compreender o raciocínio matemático.
b) Verdadeira: dificuldade para evoluir nos processos que envolvem o
raciocínio lógico-matemático, mesmo sob diferentes intervenções
pedagógicas.
c) Secundária: quando a discalculia vem acompanhada de outras
comorbidades, como a dislexia, conforme já apontamos anteriormente.

Com isso, percebemos que a discalculia é uma condição que afeta a


capacidade de os sujeitos adquirirem os conhecimentos matemáticos. Por isso, os
estudantes discalcúlicos podem apresentar dificuldades para compreender os
diferentes conceitos numéricos ou realizarem cálculos mentais simples, ou
aprenderem sobre os fatos e os procedimentos matemáticos.
Nesse caso, mesmo que a criança produza uma resposta correta ou use um
método assertivo na resolução dos problemas, realiza tais ações de forma mecânica,
sem sentido e significado das razões pelas quais são executadas (FARREL, 2008).
Estudos da área em neurociência explicam como o cérebro se organiza durante
a aprendizagem. Com os avanços tecnológicos, é possível verificar por meio de
neuroimagem, como funciona o processo de aprendizagem no Sistema Nervoso
Central (SNC - formado por cérebro e suas respectivas funções sistêmicas), ou seja,
o que acontece nas áreas do cérebro quando estas são ativadas na realização de
tarefas matemáticas.
Segundo Dehaene (1997, p. 61), é no lobo parietal que ocorre o processamento
numérico, por isso a insuficiência de neurônios, produzidos nessa área, comprometem
a apropriação da

Habilidade para representar e manipular magnitudes numéricas não


verbais em uma linha numérica mental, orientada espacialmente, que
está relacionada à habilidade de rapidamente compreender, aproximar
e manipular quantidades numéricas. O senso numérico seria um
sistema central dos números que se ligaria às representações
numéricas visuais e verbais para consolidar um alto nível de
desempenho aritmético.

Bridi Filho et al. (2016, p. 258) contribui ao ressaltar que para executar cálculos
e resolver situações problemas, é indispensável os mecanismos mentais como o
“processamento verbal ou gráfico de informação; percepção, reconhecimento e
produção de números; representação número símbolo; discriminação viso espacial;
memória de curto prazo; raciocínio sintático e atenção.”
Com isso, podemos afirmar, em Bridi Filho (et al., 2016), que a ação de calcular
é uma atividade mental complexa que, a partir das áreas corticais pré-frontais, ocorre
nas áreas parietais inferiores, conforme mostra a Figura 2.
Figura 2 - Áreas cerebrais

Fonte: Pimentel e Lara (2017).

O lobo parietal é a área cerebral responsável pelo domínio de quantidades,


pelas funções espaciais e verbais; da atenção para estabelecer as relações do
controle quantitativo; para resolver as operações envolvendo quantidades, grandezas,
proporções e números. Nas pessoas que não têm discalculia, esta área é ativada
sempre que elas se colocam em situações que exigem delas operações do
pensamento matemático.
Além da neuroimagem, há outros instrumentos que auxiliam na avaliação das
aprendizagens matemáticas, de modo a verificar quais dificuldades a criança pode
apresentar nessa área do conhecimento. Dentre esses instrumentos temos a Escala
Wechsler de Inteligências para crianças (WISC-IV), o Teste de Desempenho Escolar
(TDE), o qual avalia os conhecimentos adquiridos do 1º ao 6º ano. Vale ressaltar que
é difícil encontrar testes psicométricos que auxiliam especificamente no processo
avaliativo para o diagnóstico da discalculia.
Como podemos observar, a ampla definição e características que caracterizam
a discalculia pode dificultar, mas não impossibilitar, o diagnóstico desse transtorno.
Frente a esse cenário, consideramos que é necessário aprofundar as pesquisas e
estudos acerca da discalculia e, assim, aprofundar os conhecimentos na área,
desvelar ferramentas para os diagnósticos e ampliar as intervenções nos processos
de ensino e aprendizagem escolar e acompanhamento clínico.
Por isso, é importante compreendermos que para diagnosticar e intervir, com
as crianças que têm discalculia, é preciso uma equipe multidisciplinar que analisa
todos os fatores envolvidos nos processos multideterminados na formação humana
delas como sujeitos historicamente constituídos.

2.1 Discalculia: Sintomas e Possíveis Causas

Figura 3 - Cérebro de um discalcúlico confuso sobre números

https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/brain-boy-affected-by-dyscalculia-confused-415886749

Os sintomas da discalculia podem ser diferentes entre as crianças e


adolescentes e desde a educação infantil é possível perceber alguns sinais, porém, a
confirmação do transtorno poderá ser realizada a partir do Ensino Fundamental,
momento em que se exige ações mais complexas do pensamento.
Com base nos estudos de Díaz (2011), Campos (2014) e Bastos (2016),
organizamos um quadro com os sintomas mais frequentes da discalculia nas
diferentes etapas de ensino escolar.

Quadro 1 - Sintomas mais frequentes da Discalculia


Etapa de ensino Sintomas: dificuldade para
Educação Infantil - aprender a contar e sequenciar os
números na fala e na escrita;
- identificar e reconhecer padrões, como
maior e menor, mais alto/baixo, mais
curto/comprido, mais fino/grosso etc.;
- reconhecer os símbolos numéricos e
seus significados;
- compreender o que se conta e por que
contamos.

Ensino Fundamental - aprender cálculos matemáticos


básicos, como 2 + 2 = 4;
- memorizar os numerais;
- identificar os símbolos matemáticos de
mais (+), menos (-), igual (=), divisão (:),
multiplicação (x), maior (>), menor (<)
etc., assim como usá-los corretamente;
- compreender as palavras relacionadas
à linguagem matemática como maior e
menor, igual e diferente;
- realizar representações visuais e
espaciais de números como, por
exemplo, linhas numéricas;
- registrar números como 107, 1007 e
1070 e outros como 5, 55, 555, pois os
confunde.
- sequenciar os números como 13, 14,
15.
- escrever nos espaços entre as linhas
do caderno;
- reconhecer direita e esquerda;
- realizar cálculos de multiplicação, por
exemplo, usando o primeiro número da
direita do multiplicador, entre outros;
- estabelecer correspondências
biunívocas.
Ensino Médio Os mesmos sintomas apresentados no
Ensino Fundamental podem estar
presentes no Ensino Médio acrescidos
de outros como:

- usar apenas os dedos para contar em


vez de usar estratégias mais avançadas,
como os cálculos mentais ou fórmulas
matemáticas;
- compreender o enunciado;
- compreender a relação entre o
enunciado e a pergunta do problema;
- realizar os mecanismos operacionais
nas resoluções dos problemas;
- entender valores e escrever números
claramente ou colocá-los na ordem
correta;
- compreender frações e medidas;
- acompanhar a pontuação em jogos
esportivos.
Ensino Superior e vida adulta - aplicar os conhecimentos matemáticos
no uso de dinheiro, incluindo a
realização de estimativas do custo total
de uma compra, por exemplo, ou fazer
mudanças exatas por meio de dicas e
estratégias diversas;
- compreender as informações
representadas em gráficos ou planilhas.
- medir objetos e outras grandezas como
ingredientes em uma receita de bolo ou
quantidade de líquidos em uma garrafa;
o tamanho entre duas mesas ou a
distância entre determinados trajetos;
- resolver o mesmo problema utilizando
diferentes abordagens matemáticas.
Fonte: Díaz (2011), Campos (2014) e Bastos (2016).
A discalculia pode gerar outros desafios em mais áreas do desenvolvimento
como, por exemplo, afetar as interações sociais e a organização do tempo e do
espaço, assim como causar dificuldades nos movimentos psicomotores e perceptivo-
táteis. Campos (2014) afirma que a discalculia não é agravada com o passar dos anos,
mas pode trazer prejuízos à criança como o abandono escolar, baixa autoestima,
sentimento de fracasso, incapacidade para aprender e ansiedade.

Alguns estudos defendem que baixos níveis de desempenho em


Matemática estão diretamente relacionados a altos níveis de
ansiedade diante de situações que envolvem o estudo ou aplicação da
Matemática. No entanto, essa afirmação não pode ser vista como uma
explicação causal de baixos desempenhos em Matemática, e nem é
possível inferir que sempre haja correlação entre alta ansiedade e
baixo desempenho em Matemática (FASSIS; MENDES; CARMO,
2014, p. 49).

Isso porque alguns estudantes podem apresentar excelentes notas nas


avaliações escolares, mas porque estudam sob controle e pressão coercitiva,
portanto, estudam para evitar o contato com situações aversivas em casa ou na escola
relacionadas à aprendizagem matemática. De acordo com Fassis, Mendes e Carmo
(2014, p. 48),

A ansiedade matemática se configura por três componentes


emocionais, um contexto específico e três parâmetros delimitadores.
Em relação aos três componentes emocionais específicos,
destacam: (a) reações fisiológicas sentidas e relatadas como
desagradáveis, tais como: taquicardia; sudorese; extremidades frias;
gastralgias, cefaleias, náuseas; (b) reações de fuga e esquiva [...]
Como exemplo de fuga, tem-se: resolver rapidamente a prova de
Matemática; sair da sala quando o professor o requisita para ir ao
quadro negro, etc. No caso da esquiva, alguns exemplos são: faltar
à aula de matemática; adoecer no dia da prova ou no dia anterior à
prova; (c) reações cognitivas específicas, em forma de atribuições
negativas à Matemática (regras) e/ou autoatribuições negativas em
relação ao desempenho em Matemática (autorregras). Quanto ao
contexto específico, tipicamente as reações emocionais aqui
descritas ocorrem em situações nas quais se faz necessária a
apresentação de habilidades matemáticas, seja em sala de aula ou
em outras situações em que essa demanda se faz presente. Essas
situações são relatadas, por estudantes e outros indivíduos, como
altamente aversivas. Os três parâmetros definidores se referem a:
(a) alta frequência de emissão das respostas emocionais, desde as
fisiológicas até as comportamentais e cognitivas; (b) alta intensidade
na emissão das respostas emocionais; gerando, como
consequência, (c) dificuldades acentuadas na aprendizagem da
matemática e na aplicação de conceitos e habilidades matemáticas
no dia a dia.

Reiteramos que outros transtornos podem acompanhar os discalcúlicos,


conforme apresentamos no Quadro 1, ou seja, sinais de TDAH, por exemplo, são
confundidos com os sintomas de discalculia. Do mesmo modo, também é importante
considerarmos que não existem discalcúlicos iguais, pois cada um apresenta
dificuldades específicas. Além disso, é importante ressaltar que crianças,
adolescentes e adultos com discalculia têm bom desenvolvimento em outras áreas do
conhecimento, o que a neurociência chama de “inteligência normal”.
De acordo com os pesquisadores citados a seguir, não se sabe exatamente as
causas da discalculia, mas é possível identificar alguns fatores que a caracterizam
como sendo de causa:
a) genética: a herança genética pode impactar no processo de apropriação
dos conceitos matemáticos pela criança e tende a ocorrer em famílias
em que há casos de discalculia nos parentes próximos como o pai. Para
Garcia (1998), apesar das explicações e estudos significativos que
mostram antecedentes familiares de discalcúlicos, não há comprovação
de que a determinação genética é responsável pelo transtorno da
discalculia.
b) desenvolvimento cerebral: há estudos de imagem cerebral que mostram
algumas diferenças funcionais e estruturais cerebrais entre os
discalcúlicos. Tais diferenças se apresentam na área da superfície,
espessura e volume de certas áreas do cérebro. Do mesmo modo,
também há diferenças na atividade dessas áreas associadas ao
processamento numérico e matemático que envolvem a memorização e
o planejamento (FARREL, 2008).
c) ambiental: segundo Shalev (2004), a discalculia está associada à
síndrome do alcoolismo fetal. O nascimento prematuro e de baixo peso
de um bebê e o abuso de drogas e bebidas alcoólicas na gestão podem
influenciar na discalculia. Nessa condição, muitas crianças nascem com
a área do lobo parietal subdesenvolvida, afetando as aprendizagens
matemáticas quando essas crianças estiverem na idade escolar.
Consideramos ainda, no fator ambiental, que uma organização do ensino
escolar que não corrobora para as aprendizagens dos conceitos matemáticos pelas
crianças na escola pode dificultar a apropriação desses conhecimentos. As análises
desses fatores, numa perspectiva histórica e cultural, traz à tona que as dificuldades
de aprendizagem – entre elas, a discalculia – pode ser causada por obstáculos dados
diante de suas condições objetivas de vida.
Para Ferrari (2013, p. 24172-24173),

[...] se as dificuldades de aprendizagem são dadas por


obstáculos/barreiras, podemos entender que elas são externas ao
sujeito, com isso identificamos que a dificuldade/barreira não está
centrada no aluno, não é responsabilidade do aluno o ‘não aprender’.
Reconhecendo esse fato nos deparamos, então, com uma
contradição, se as dificuldades de aprendizagem são de natureza
externa ao sujeito, porque o grande número de encaminhamentos e
diagnósticos de crianças com dificuldades de aprendizagem
culpabilizam a própria criança pelo seu fracasso escolar?

Essa questão, levantada por Ferrari (2013), também nos inquieta, pois as
concepções que explicam as causas da discalculia, com base no biológico, traz o
funcionamento do sistema nervoso central como responsável pelas condições da
aprendizagem ou não das crianças.
Esse fenômeno, compreendido como causa biologizante, concentra as
dificuldades com a matemática como sendo da própria criança, ou seja, nela estão
“[...] as razões orgânicas para o fenômeno do não aprender” (FERRARI, 2013, p.
24174). Dessa forma, percebemos a naturalização das manifestações

[...] que supostamente são encontradas nos sujeitos que apresentam


dificuldades de aprendizagem e com isso desencadeia-se um
processo de culpabilização e patologização do sujeito, como se o seu
organismo tivesse algo que não funcionasse adequadamente, fato que
justificaria a sua não aprendizagem, sem sequer questionar as
condições de aprendizagem a que esse sujeito foi submetido na
escola, por exemplo.

Vigotski (2003) discorda dessa forma naturalizante de compreender a questão,


pois o processo de formação humana ocorre a partir das objetivações históricas
constituídas no interior das relações sociais de uma determinada sociedade. Diante
disso, a aprendizagem e o desenvolvimento ocorrem por meio da internalização dos
instrumentos e signos produzidos na história; se consolidam quando as
aprendizagens da criança perpassam de um processo interpessoal para intrapessoal.
Ao compreendermos o desenvolvimento das crianças como um ser integral,
assumimos que há uma articulação entre os fatores biológico, social, cultural e
histórico no processo de ensino e aprendizagem; defendemos que para superar as
dificuldades de aprendizagem matemática não podemos concordar que a causa da
discalculia é exclusivamente um processo maturacional ou de caráter organicista. Ao
contrário dessa ideia, corroboramos que a discalculia é um fenômeno que ocorre na
complexa relação e sistêmica entre as diferentes dimensões que constituem a vida de
cada ser humano.
Por isso, a compreensão das dificuldades de aprendizagem escolar, entre elas
a discalculia, não pode ser universalizada, pois há um conjunto de fatores que se
diferem em cada criança, adolescente ou adulto. A dificuldade para aprender os
conhecimentos especificamente escolar, pode significar para esses sujeitos uma
dificuldade encontrada por eles em para dominar um sistema de conceitos científicos
estabelecidos pelos padrões da escola (MARTÍNEZ; ROSSATO, 2011).

Quando não há deficiência nas funções biológicas, porém a


organização subjetiva do estudante, constituída na dinâmica das
relações sociais da sua vida, incluindo as relações escolares, ao ser
confrontado com o processo de ensino, não expressa condições
favoráveis para dominar um sistema de conceitos científicos dentro do
tempo e dos padrões determinados pela instituição escolar (FERRARI,
2013, p. 24178-24179).

Para compreendermos o processo de aprendizado nessa perspectiva, é


fundamental que as apropriações dos conceitos matemáticos ocorram na relação
entre os instrumentos materiais e simbólicos internalizados pelo professor e que são
mediados por ele com as aprendizagens das crianças. Assim, rompemos com a ideia
de individualização e patologização das dificuldades de aprendizagem centrada na
criança e que a responsabiliza pelo seu fracasso escolar, e concentramos nossos
esforços essencialmente na concretude da apropriação das aprendizagens em
matemática nos modos sistematizados e organizados na prática pedagógica docente
(FERRARI, 2013).
3 ACALCULIA: CONCEPÇÃO, SINTOMAS E CAUSAS

https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/little-boy-learning-maths-kis-mon-1917419144

Segundo Bastos (2008, p. 67), o termo acalculia “foi introduzido por Henschen
em 1925, significando a perda da capacidade de executar cálculos e desenvolver o
raciocínio aritmético”. Para Bernardi (2006, p. 18), as acalculias “[...] são alterações
intrínsecas ao ser humano, causadas por disfunção no sistema nervoso central”.
Portanto, as acalculias se manifestam após lesão cerebral; ocorrem depois que as
cognitivas já estão consolidadas.

De acordo com Campos (2014), a acalculia é a incapacidade de o sujeito


realizar operações matemáticas desde as mais rudimentares. A diferença entre
discalculia e acalculia está na causa. Enquanto a discalculia é explicada por diferentes
fatores externos e internos, a acalculia é causada por lesões no córtex cerebral devido
a traumas cranioencefálicos sofridos por acidentes, processos infecciosos, acidente
vascular cerebral (AVC) ou outras doenças que comprometem as funções cerebrais,
ocasionando a perda das aprendizagens matemáticas adquiridas.
A perda dessas aprendizagens pode ocorrer em níveis variados na realização
de operações matemáticas, por isso, “as acalculias são alterações intrínsecas ao ser
humano, causadas por disfunção no sistema nervoso central” (BERNARDI, 2006, p.
18).

Campos (2014) enfatiza que a acalculia pode se manifestar de três maneiras:

a) afásica: incapacidade de compreender os numerais e os símbolos


numéricos como linguagem como, por exemplo, dificuldade para nomear
as pessoas e os objetos;

b) visuo-espacial: dificuldade para compreender os números, a sequência


numérica, o valor posicional dos números; as relações espaciais e
temporais;

c) anaritmética: incapacidade de reconhecer o valor de um número e sua


categoria numérica em unidade, dezena, centena, milhar etc.

Como podemos perceber, discalculia e acalculia apresentam significados


semelhantes e, o que as distinguem, não são as suas características ou significado,
mas as causas de suas origens.

Como já discutimos anteriormente, a discalculia e acalculia vão além dos


problemas relacionados com as aprendizagens matemáticas, pois desencadeiam
outros problemas psicossociais. Os acalcúlicos sofrem uma desestruturação em toda
a sua vida, as quais acarretam prejuízos sociais, emocionais e psicológicos.

Para diagnosticar a acalculia é preciso um conjunto de dados que se forma a


partir das características e dos sintomas apresentados, do histórico de vida do sujeito;
do resultado de exames físico, realizados por imagens e complementares, como os
laboratoriais.

A partir dessa coleta de dados realizada de forma multidisciplinar, os


profissionais envolvidos nesse processo planejam as intervenções e fazem um
prognóstico, ou seja, estabelecem possíveis previsões de evolução do quadro
apresentado pela criança, adolescente ou adulto.

O diagnóstico precoce da discalculia ou acalculia possibilita intervenções mais


precisas, porém, a falta dele não deve impedir que as intervenções sejam realizadas
desde as primeiras percepções das dificuldades com as aprendizagens dos conceitos
matemáticos.
SAIBA MAIS

Na Educação infantil é possível perceber alguns sinais da discalculia. Exemplo


disso é quando a criança não estabelece ou o faz de forma equivocada, as relações
matemáticas em situações que envolvem a ideia de igual e diferente, pequeno e
grande. Mas CUIDADO! Nesse período do desenvolvimento infantil ainda é precoce
um diagnóstico preciso. Somente por volta e a partir dos 7 ou 8 anos de idade, quando
se exige da criança operações matemáticas mais complexas do pensamento, com a
introdução, por exemplo, dos símbolos específicos e das operações básicas
matemáticas, que os sintomas se tornam mais evidentes.

Fonte: as autoras.

#SAIBA MAIS#

REFLITA

É importante compreender que a aprendizagem dos conceitos matemáticos não


ocorre apenas por meio dos processos biológicos e genéticos, mas na e por meio das
interações sociais que ampliam as ferramentas operacionais e funcionais organizadas
no contexto educacional, tornando a aprendizagem significativa para quem ensina e
para quem aprende (CAMPOS, 2014).

#REFLITA#
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os estudos realizados foram importantes para distinguirmos os transtornos ou


distúrbios denominados discalculia e acalculia, bem como os sintomas e as causas
de sua origem que podem ser de ordem neurológica ou não neurológica.
As causas não neurológicas abarcam os fatores de condições concretas de
vida dos sujeitos, em especial a organização do ensino escolar. Já as causas de
origem neurológica, caracterizam-se por lesões cranianas, AVCs, infecções e demais
doenças.
Nesse percurso, constatamos que as pesquisas e estudos desenvolvidos sobre
o tema ainda são restritos e apontam limitações em suas concepções, pois, em sua
maioria, estão centrados em ideias biologizantes ou patológicas do desenvolvimento.
Isso justifica algumas divergências entre os autores quanto à clareza das
definições das características específicas e das intervenções psicopedagógicas, as
quais possibilitam o diagnóstico efetivo e a sistematização de propostas pedagógicas
eficazes no processo de desenvolvimento dos discalcúlicos e acalcúlicos.
Essa realidade revelou a necessidade de maior estudo e pesquisas sobre os
transtornos relacionados à matemática para a consolidação de uma investigação e
intervenção multidisciplinar que considere os sujeitos como um ser integral, desafio
que lançamos a você, futuro(a) psicopedagogo(a).
Diante dessas afirmações, consideramos que as intervenções
psicopedagógicas contribuem de modo positivo para os avanços e desempenho dos
estudantes em suas aprendizagens dos conhecimentos matemáticos.
Assim, é preciso tomarmos uma direção em meio aos diferentes debates e
criarmos uma diversidade de intervenções psicopedagógicos que apontem para a
superação dos obstáculos que dificultam o desenvolvimento da linguagem
matemática. Essas e outras discussões serão proferidas na Unidade IV.
LEITURA COMPLEMENTAR

KRANZ, Cláudia Rosana; HEALY, Lulu. Pesquisas sobre discalculia no Brasil:


uma reflexão a partir da perspectiva histórico-cultural. Ampliação de pesquisa
realizada em 2011 e publicada no International Journal for Studies in Mathematics
Education, v5 (2), 2012, sob o título Focusing on dyscalculia: contributions from a
historical-cultural lens. Disponível em:
http://www.matematicainclusiva.net.br/pdf/PESQUISAS%20SOBRE%20DISCALCUL
IA%20NO%20BRASIL.pdf. Acesso em: 05 abr. 2021.
LIVRO
•Título: Discalculia: o que é? Como intervir?
• Autor: Jussara Bernardi
• Editora: Paco Editorial
• Sinopse: A obra descreve as definições de discalculia sob a
ótica de diferentes autores, buscando instrumentalizar o
educador que atua em sala de aula ou em espaços alternativos
de aprendizagem. Enumera determinadas características
manifestadas pelos estudantes discalcúlicos e apresenta
sugestões de jogos e atividades lúdicas que possibilitem a elevação dos níveis de
autoestima e autoimagem e o desenvolvimento das capacidades matemáticas em
alunos com o problema.
FILME/VÍDEO
• Título: Não sei fazer isso, mas sei fazer aquilo
• Ano: 2012
• Sinopse: O documentário de curta metragem Não sei fazer isso,
mas sei fazer aquilo, produzido pela HBO, traz o relato emocionante
de crianças que possuem Transtornos de Aprendizagem, como a
dislexia, discalculia, disgrafia, déficit de atenção e desordem no
processamento auditivo. Apresenta-nos ainda o impacto destas
dificuldades nas habilidades escolares das crianças, assim como
em sua autoestima e autoconfiança. Destaca também como os pais e professores
possuem papel fundamental no desenvolvimento destas crianças, quando conseguem
compreender suas dificuldades e estimular a expressão de seus sentimentos e o
desenvolvimento de habilidades que possuem.
REFERÊNCIAS

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estatístico de transtornos mentais: DSM-5. Porto Alegre: Artmed, 2014.
Disponível em: http://www.niip.com.br/wp-content/uploads/2018/06/Manual-
Diagnosico-e-Estatistico-de-Transtornos-Mentais-DSM-5-1-pdf.pdf. Acesso em: 22
mar 2021

BASTOS, J. A. Matemática: distúrbios específicos e dificuldades. In: ROTTA, N. T;


OHLWEILER, L; RIESGO, R. dos S. (Orgs.) Transtornos da aprendizagem:
abordagem neurológica e multidisciplinar. Porto Alegre: Artmed, 2016.

BASTOS, J. A. O cérebro e a matemática. São Paulo: Edição do Autor, 2008.

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imagem através do lúdico. Dissertação (Mestrado em Educação) – Pontifícia
Universidade Católica, Porto Alegre, 2006.

BRIDI FILHO, C. A. et al. Discalculia e intervenção psicopedagógica: Alan – O


aprendiz na conexão dos números. In: ROTTA, N. T.; FILHO, C. A. B.; BRIDI, F. R.
de S. (Orgs.) Neurologia e aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 2016.

CAMPOS, A. M. A. de. Discalculia: superando as dificuldades em aprender


Matemática. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2014.

DEHAENE, S. The number sense. Oxford, UK: Oxford University Press, 1997.

DÍAZ, F. O processo de aprendizagem e seus transtornos. Salvador: EDUFBA,


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<http://www.dicionario etimologico.com.br/matematica/>. Acesso em: 01 de abril
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FARRELL, M. Dislexia e outras dificuldades de aprendizagem específicas: guia


do professor. Porto Alegre: Artmed, 2008.

FASSIS, D.; MENDES, A. C.; CARMO, J. dos S. Diferentes graus de ansiedade à


matemática e desempenho escolar no ensino fundamental. Psicologia da
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perspectiva da teoria histórico cultural: outra possibilidade de análise desse
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Universidade Católica do Paraná, 2013, Curitiba, Paraná. Anais (on-line).
Disponível: http://educere.bruc.com.br/CD2013/pdf/15131_7055.pdf Acesso em: 01
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GARCIA. J. N. Manual de dificuldades de aprendizagens: linguagens, leitura,
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MARTÍNEZ, A. M.; ROSSATO, M. A superação das dificuldades de aprendizagem e


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ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO -


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SHALEV, R. Developmental dyscalculia. Journal Child Neurol, v. 19, n. 10, p. 765-


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2021.

VIGOTSKI L. S. A transformação socialista do homem. Psychology and marxism


internet archive, 1930. Disponível em:
https://www.marxists.org/portugues/vygotsky/1930/mes/transformacao.htm. Acesso
em: 5 abr. 2021.

VIGOTSKI, L. S. A formação social da mente. Porto Alegre: Artmed, 2003.


UNIDADE 4 – INTERVENÇÕES PSICOPEDAGÓGICAS
Profa. Me. Lussuede Luciana de Sousa Ferro
Profa. Dra. Nelma Sgarbosa Roman de Araujo

Plano de Estudo:
• Intervenções no Processo de Aprendizagem da Matemática no Espaço Escolar
• O Uso de Jogos nas Ações Interventivas Escolares
• Recurso Tecnológico a favor da Aprendizagem: Jogos Virtuais
• A Escolha do Jogo como Recurso Pedagógico

Objetivos de Aprendizagem:
• Identificar, compreender e organizar possibilidades de investigação da discalculia
e/ou da acalculia no ambiente escolar.
• Reconhecer as possibilidades de organização de estratégias didáticas para o ensino
dos conhecimentos matemáticos na escola, bem como para as intervenções
psicopedagógicas.
• Compreender o jogo e as ferramentas tecnológicas como recursos didáticos que
contribuem no processo de ensino e aprendizagem dos alunos com dificuldades para
aprender matemática.
INTRODUÇÃO

Estamos chegando ao final dos nossos estudos! Porém, esperamos que você
continue trilhando os caminhos da pesquisa para ampliar e aprofundar os
conhecimentos adquiridos acerca das dificuldades de aprendizagem em matemática
e os processos interventivos no trabalho escolar.
Sabemos que os desafios continuarão diante das diferentes dificuldades que
se apresentam nas salas de aula e, nesse caso especificamente, àqueles
relacionados aos conteúdos de matemática como, por exemplo, interpretar os
enunciados envolvendo as situações problemas e resolvê-las de forma consciente.
Nas Unidades anteriores, estudamos sobre o processo histórico de produção
da matemática como ferramenta do pensamento (Unidade I); os obstáculos que a
criança poderá encontrar para se apropriar dos conceitos matemáticos na escola
(Unidade II); os transtornos ou distúrbios da discalculia ou acalculia como um desses
entraves que pode dificultar o processo de ensino e aprendizagem dos alunos nas
diferentes etapas do desenvolvimento escolar (Unidade III).
Dessa forma, constatamos que a discalculia ou acalculia, assim como outros
transtornos e distúrbios, não tem como causa somente um fator, mas são
multideterminados pelas condições de vida dos sujeitos na relação com o mundo.
Seguindo esse percurso, nessa unidade primeiro discutiremos sobre os
processos interventivos, bem como algumas propostas e encaminhamentos de
intervenções que podem ser realizados com a criança ou adolescente discalcúlico ou
acalcúlico. Assim, pretendemos desvelar possibilidades de organização da prática
pedagógica que instrumentalize o professor em seu trabalho, de modo a garantir a
todos os alunos, a aprendizagem e o desenvolvimento em suas máximas
potencialidades.
Para isso, primeiro discutimos no campo psicopedagógico os processos
interventivos no espaço escolar; depois apresentamos sugestões de jogos como
recursos de trabalho pedagógico no ensino de matemática e, por fim, outras
possibilidades tecnológicas que poderão ser utilizadas nas ações de ensino a serem
sistematizadas pelo professor.
1 INTERVENÇÕES NO PROCESSO DE APRENDIZAGEM DA MATEMÁTICA NO
ESPAÇO ESCOLAR

https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/hand-child-student-holding-pencil-study-1444086338

Como já vimos, algumas das dificuldades de aprendizagem em matemática,


que se revelam no interior da escola, podem ser resultado de distúrbios ou transtornos.
No entanto, não se pode desconsiderar que uma parcela das dificuldades na
aprendizagem também são consequência do modo como as políticas públicas
direcionam o sistema educacional, como a implementação, por exemplo, de novos
currículos e diretrizes que são impostas aos alunos no decorrer do seu processo de
ensino e aprendizagem.
Essas propostas governamentais que, geralmente, não são pensadas por
profissionais da educação, desconsideram o aluno em suas múltiplas determinações,
que, frente às suas condições objetivas de vida, não consegue aprender pelas vias
mecanicistas e pragmáticas de ensino.
Além dessas duas possíveis causas das dificuldades de aprendizagem em
matemática escolar, também constata-se que nem sempre são utilizadas as melhores
metodologias, estratégias e/ou intervenções que auxiliam os alunos no processo de
ensino e aprendizagem durante as aulas.
Desse modo, é comum queixas de pais e professores de alunos com
sentimento de incapacidade e desmotivados pela dificuldade de aprender o que é
ensinado na escola, nesse estudo, os conteúdos matemáticos. Essa condição pode
conduzir o aluno à repetência, desistência ou a anos seguidos de estudos forçados e
sem sentido.
Com isso, o psicopedagogo escolar tem o desafio de criar condições para a
boa aprendizagem, aquela que antecede ao desenvolvimento (VIGOTSKI, 2000).
Desse modo, justifica-se estudarmos alguns dos transtornos ou distúrbios que
podem dificultar a aprendizagem dos alunos em matemática (discalculia e acalculia),
bem como identificar, compreender e organizar possibilidades de investigação destes
transtornos no ambiente escolar, reconhecendo as possibilidades de organização de
estratégias didáticas para o ensino dos conhecimentos matemáticos a estes alunos
com dificuldade, bem como aos demais alunos.
No caso da discalculia e acalculia, quais são as possíveis intervenções no
espaço escolar? Em que o trabalho psicopedagógico escolar pode contribuir nesse
processo?
Desde os primeiros sinais de dificuldade com os conceitos matemáticos
apresentados pela criança, os quais podem aparecer já na educação infantil, o
professor e/ou psicopedagogo na escola devem buscar estratégias de ensino,
independente se há diagnóstico ou não.
Sabemos da complexidade do diagnóstico, especialmente em discalculia, por
isso, cabe à equipe multidisciplinar fazê-lo. Nesse processo, não é papel do professor
ou da equipe pedagógica, incluindo o psicopedagogo, nomear as dificuldades
apresentadas pela criança, mas é papel desses profissionais observar, analisar,
intervir e acompanhar o percurso de ensino e aprendizagem dela, de modo a contribuir
com a investigação e desenvolvimento pedagógico no espaço escolar.
Constatada a dificuldade, quanto antes iniciarem as intervenções
psicopedagógicas na escola, mais rápido o aluno amenizará ou solucionará suas
dificuldades de aprendizagem, demonstrando resultados significativos na
aprendizagem em matemática.

1.1 O processo de Investigação na Escola

Figura 1 - Observação como primeira intervenção


https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/teacher-starts-lesson-1035324232

Diante da queixa dos pais ou professores da dificuldade que o aluno apresenta,


a primeira ação interventiva é a observação. Observando-o nos diferentes espaços da
escola e nas mais variadas ações de ensino e aprendizagem, é possível compreender
melhor a criança, adolescente ou adulto em suas dificuldades, mas também em suas
aprendizagens.
Para a observação, o psicopedagogo escolar pode organizar, junto com o
professor, um roteiro investigativo (fichas ou tabelas) com os aspectos a serem
observados. A partir dessa observação, podemos verificar se o aluno compreende o
que está sendo abordado em sala de aula, especialmente nas situações em que há
intervenção do professor para constatar se:
a) estabelece relação entre as diferentes grandezas;
b) resolve cálculos envolvendo a ideia de adição, subtração, multiplicação
e divisão;
c) apresenta alteração no comportamento como ritmo lento na execução
das tarefas de matemática, timidez, medo de errar, apatia ou demasiada
vivacidade, respostas monossílabas na fala e na escrita, recusa de se
expor em grupo como, por exemplo, resolver questões na lousa ou
responder questionamentos no grupo e tantos outros sinais, conforme
descritos na Unidade III.

O percurso investigativo deve ser construído de acordo com o período de


desenvolvimento do aluno, os conteúdos trabalhados, o contexto histórico e social em
que ele está inserido e da instituição escolar, ou seja, deve revelar as condições
objetivas dos sujeitos e dos espaços envolvidos na tríade sujeito-conteúdo-forma.
De acordo com Sánchez-Cano et al. (2008, p. 330), “as tabelas permitem
registrar o nível de aprendizagem em matemática dos alunos de forma individualizada
e, ao mesmo tempo, fazer um acompanhamento detalhado daqueles com dificuldades
de aprendizagem nessa área”.
A seguir, com base em nossos estudos e outros materiais de arquivo pessoal
de uma das autoras, segue o exemplo de tabela que construímos para investigar as
aprendizagens em matemática na educação infantil e no ensino fundamental.

Quadro 1 - Roteiro investigativo das aprendizagens em matemática


Instituição de ensino:
Professor(a):
Aluno(a):
DN: Idade: Série/Ano: Nº de repetência:
Pai:
Mãe:
a. Queixa Principal (o professor relata os fatores observados que têm contribuído para as
dificuldades do aluno em matemática).
b. Descreva as estratégias utilizadas para sanar as dificuldades acadêmicas e
defasagens encontradas (o professor relata as intervenções que já tem realizado
em sala de aula, assim como o coordenador pedagógico, o psicopedagogo etc.).
EDUCAÇÃO INFANTIL
Aspectos a serem observados Registro das observações
1. Cita características dos objetos (cor,
tamanho, espessura etc.)
2. Agrupa objetos por semelhanças.
3. Classifica objetos seguindo alguma
qualidade proposta.
4. Compara objetos por semelhanças e/ou
diferenças.
5. Sabe diferenciar grande/pequeno,
muito/pouco, um, longo/curto, grosso/fino
etc.).
6. Identifica dentro/fora, em cima/embaixo,
em frente/atrás, de um lado e do outro etc.).
7. Conta até quanto em ordem.
8. Reconhece figuras geométricas.
9. Relaciona número a quantidade.
10. Faz seriações e sequências seguindo
critérios propostos.
11. Compara quantidades (a mais, a menos,
igual etc.).
12. Resolve situações problemas
convencionais ou não (com desenhos,
numerais, oralmente etc.).
13. Em situação de manipulação de objetos
consegue adicionar, subtrair, dividir, juntar.
14. Participa de jogos e brincadeiras
empregando ações coerentes ao que se
pede.
15. Faz registros escritos envolvendo as
ideias matemáticas.
16. Faz inversão na escrita dos numerais?
17. Sabe diferenciar ontem, hoje, amanhã,
dia, noite, tarde, manhã etc.
ENSINO FUNDAMENTAL
Números e operações
1. Lê, escreve números naturais, ordena e
relaciona à quantidade
2. Faz seriação numérica, contagem de
1 em 1, de 2 em 2 etc.
3. Tem ideia de antecessor/ sucessor,
par/ ímpar, igualdade/ desigualdade,
ordem crescente/ decrescente.
4. Realiza operações de adição e
subtração, com reservas e recursos.
5. Realiza operações de divisão e
multiplicação simples e complexas.
6. Faz cálculo mental.
7. Compreende enunciados, elabora e
resolve situações problemas, utilizando
diferentes processos.
8. Interpreta dados apresentados por
meio de tabelas e gráficos.
9. Constrói gráficos e tabelas a partir de
informações coletadas.
10. Produz textos escritos, para
comunicar a interpretação dos gráficos e
tabelas.
11. Interpreta e constrói média
aritmética.
12.Compreende e utiliza as regras do
S.N.D. para leitura, escrita, comparação
e ordenação de números naturais.
13. Compreende, lê e representa
número racional na forma decimal.
14. Compreende o significado de fração.
15. Representa frações de diferentes
modos (lendo, escrevendo,
desenhando).
16. Relaciona porcentagem com número
decimal e com a escrita fracionária.
17. Efetua as quatro operações
envolvendo números naturais.
18. Faz cálculos e subtração de números
racionais.
19. Elabora e resolve situações-
problema envolvendo números naturais
e racionais.
20. Faz cálculo simples de porcentagem.
Grandezas e medidas
1. Compreende e utiliza o sistema
monetário brasileiro em situações
problemas.
2. Reconhece e descreve as formas
geométricas (círculo, quadrado,
triângulo, retângulo).
3. Interpreta e utiliza o calendário anual
(dia da semana, dia do mês, meses do
ano, ano e estações do ano).
4. Lê horas no relógio de ponteiros e no
relógio digital.
5. Reconhece semelhanças e diferenças
entre os objetos.
6. Reconhece e utiliza as unidades de
medida (metro/ centímetro/ quilômetro,
grama/ miligrama/ quilograma, litro/ mililitro
etc.).
7. Tem noção de conceitos básicos
(grande/ pequeno, maior/ menor,
igual/diferente, grosso/fino, alto/baixo,
em cima/embaixo, dentro/fora,
curto/comprido, perto/longe,
frente/atrás).
8. Faz cálculo de perímetro e área (sem
uso de fórmulas).
9. Consegue diferenciar perímetro de
área.
Espaço e Forma
1. Descreve, interpreta e representa a
posição de uma pessoa ou objeto no
espaço, de diferentes pontos de
referência.
2. Reconhece semelhanças e diferenças
entre poliedros (prismas, pirâmides e
outros) e identifica as faces, arestas e
vértices.
3. Classifica polígonos em quadriláteros,
triângulos e outros.
4. Representa por desenhos as figuras
planas.
5. Faz composição de figuras
tridimensionais.
6. Classifica figuras planas em polígonos
e não-polígonos.
Outras questões que podem ser abordadas no cotidiano de sala de aula
1. Qual dia da semana vem antes de
segunda-feira? Depois de quinta-feira?
Entre sábado e segunda-feira?
2. Em que mês do ano comemoramos a
Páscoa, Natal, Dia das Crianças, Natal,
Ano Novo etc.
3. Eduardo tinha horário marcado no
dentista às 11:00 horas. Ela chegou lá às
11:30 horas. Eduardo estava adiantado
ou atrasado?
4. Quantos meses tem um ano? Quais os
dias da semana em ordem?
5. O que você fazia quando era pequeno.
6. O que você vai fazer/quer ser no futuro
(quando você crescer)?
7. Você estuda na escola de manhã, à tarde
ou à noite?
Fonte: as autoras.

O roteiro pode ainda conter outros aspectos investigativos do aluno, como o


relacionamento com os professores e colegas, se sabe esperar a vez de falar, realiza
as tarefas de casa e entrega nos prazos determinados, é apático ou inquieto, respeita
regras, consciência corporal, organização de ideias, concentra-se na execução das
tarefas escolares, necessita de ajuda constante para executá-las, apresenta
coordenação motora ampla e fina adequadas, escreve de forma legível e outros
aspectos relevantes do desenvolvimento a serem considerados na investigação das
aprendizagens matemáticas.
A partir dos dados levantados é possível traçar metas de aprendizagem ao
aluno e estratégias de ensino que demandam, muitas vezes, reorganização dos
conteúdos, do cotidiano escolar e especialmente da forma didática de ensinar os
conteúdos e conceitos selecionados para cada caso que se apresenta.
Isso porque cada aluno tem uma condição objetiva de vida que permeia a sua
relação com os diferentes fenômenos e, entre eles, os conceitos matemáticos. Por
isso, é importante solicitar a presença dos responsáveis pelo aluno na escola, para
investigar a vida cotidiana dele no convívio familiar e em outros espaços sociais.
Inicialmente, o atendimento aos responsáveis pode acontecer no percurso de
investigação para compor o roteiro investigatório e, depois de um tempo de
intervenções, para discutir os avanços alcançados ou não. Em qualquer um desses
momentos, o psicopedagogo pode orientar as ações do professor e/ou do
coordenador pedagógico e, junto com eles:

a) organizar uma pauta de discussão e registros que materializem as ações de


aprendizagem em matemática pelo aluno em caderno de tarefas, trabalhos em grupo
ou até mesmo fotos dele em atividades coletivas ou individuais, realizadas em
diferentes situações e/ou espaços da escola. Isso contribui para a objetividade e foco
do encontro com os responsáveis, que deve ser pautado nos aspectos pedagógicos,
conforme segue.
b) focar e ressaltar as questões pedagógicas em matemática do aluno e outras que
apontem a dificuldade com os cálculos; apontar os conceitos que ele já aprendeu,
aqueles que estão em processo de aprendizagem e em outros que ele precisa
aprender, mas ainda não alcançou. Não é papel do professor, psicopedagogo, diretor
ou coordenador pedagógico emitir diagnósticos ou levantar suspeitas a respeito.
Primeiro porque o diagnóstico é realizado de modo multidisciplinar e envolve
diferentes profissionais e a escola contribui efetivamente nesse processo com os
dados levantados no roteiro investigativo e produções de relatórios. Segundo, porque
essa atitude é reprovada pelo código de ética da psicopedagogia em seu artigo 1º,
Parágrafo 1:

[...] a intervenção psicopedagógica é sempre da ordem do


conhecimento, relacionada com a aprendizagem, considerando o
caráter indissociável entre os processos de aprendizagem e as suas
dificuldades (ABPp, 1995/96).

Mesmo sendo o código de ética direcionado aos profissionais da


psicopedagogia, cabe ao psicopedagogo direcionar as orientações a esse respeito na
escola aos demais envolvidos no processo de ensino e aprendizagem dos alunos.
Além da ética quanto aos processos interventivos, outras condutas são
imprescindíveis, como: não expor o caso do aluno em questão em salas de
professores e outros ambientes coletivos; não tecer comentários sobre o caso, o aluno
e os responsáveis por ele em redes sociais ou com outros colegas da escola que não
fazem parte do contexto; ao discutir o caso com os profissionais envolvidos, não usar
termos pejorativos ou comentários que denigrem o aluno e/ou menosprezam ou
ridicularizam as dificuldades que ele apresenta. O profissionalismo, a conduta ética, a
responsabilidade e o compromisso com a educação desse aluno devem ser
assumidos e conduzidos com respeito e seriedade.
c) iniciar o diálogo com os responsáveis: primeiro apontando as aprendizagens
adquiridas pelo aluno; depois aquelas que estão em processo de aquisição e, por fim,
as dificuldades que ele apresenta para aprender e em quais situações mais
específicas isso acontece. Por isso a importância da investigação e constatações dos
processos de ensino e aprendizagem do aluno, pois assim as discussões com os
responsáveis se fundamentam na relação entre teoria e prática. Sobre isso,
reiteramos a importância de os professores também dominarem os conhecimentos
acerca do processo de desenvolvimento humano, infantil e as formas de ensino dos
conteúdos, o que demanda capacitações docentes e muito estudo. Assim, as
intervenções e condutas éticas se pautam na cientificidade e não em achismos ou
discursos do senso comum.
d) orientar os responsáveis quanto à execução das tarefas que o aluno realiza em
casa e outras sugestões de como a família pode contribuir no processo de
desenvolvimento dele. Lembramos que os responsáveis não devem assumir o papel
de ensinar, que é da escola, mas são eles que podem organizar o ambiente de estudo
do aluno em casa e acompanhá-lo nesse processo como: ter os materiais
necessários, um lugar longe de barulhos para fazer as tarefas, determinar horário para
a sua execução etc. Claro que estamos falando daquilo que é ideal, mas sabemos
que, no mundo real, isso não acontece com a maioria dos alunos das escolas públicas
brasileiras. Muitos deles moram em um cômodo, onde todos se aglomeram, chegam
em casa à noite, mal têm o que comer e os responsáveis nem sempre são
alfabetizados e, quando são, não dispõem de conhecimento suficiente para auxiliar o
filho(a), neto(a), enteado(a), sobrinho(a), irmão(ã) em suas tarefas matemáticas e
outras atividades. Então, o que fazer?
É preciso constatar as condições, avaliar a situação e planejar as orientações
aos responsáveis. Por isso, nem sempre isso será possível no primeiro encontro ou
viável solicitar algumas contribuições. Às vezes, as orientações se limitam em ter uma
caixa ou pote para guardar os materiais enviados pela escola e/ou verificar se a tarefa
foi realizada.
e) organizar as intervenções de acordo com as constatações das condições objetivas
de vida do aluno, utilizando diferentes ferramentas de ensino, de modo que aluno e
professor estejam em movimento do pensamento.
f) avaliar continuamente as propostas interventivas para reorganização da prática
pedagógica, tanto para fazer retomadas quanto para promover avanços no processo
de ensino e aprendizagem.
g) encaminhar o aluno para outros profissionais (psicólogo, psicopedagogo,
neurologista, fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional, psicomotricista etc.), junto aos
responsáveis legais, caso não se observe avanços significativos na aprendizagem,
mesmo com as intervenções realizadas. Se o aluno já estiver em acompanhamento
ou depois de um tempo de ter iniciado, é importante verificar a possibilidade de o
profissional ir até a escola para discutir o caso ou enviar relatórios ou pareceres à
instituição. Da mesma forma, a escola também deve encaminhar relatórios com foco
no desenvolvimento pedagógico do aluno, sem expressar confirmações ou sugestões
diagnósticas. O relatório escolar deve ser detalhado e rico em informações, conforme
dados coletados na investigação, a qual deve ser contínua, uma vez que esperamos
que a aprendizagem do discalcúlico ou acalcúlico se apresente em movimento e não
de forma estática, linear ou estagnada.
Além desses encaminhamentos mais gerais que contribuem com
o entendimento, investigação e intervenção dos processos de ensino e aprendizagem
dos alunos discalcúlicos ou acalcúlicos, outras ações poderão ser desenvolvidas,
conforme o contexto da realidade circundante, e poderão direcionar a organização de
um plano de ação para cada caso de dificuldade na escola, para além da discalculia
e da acalculia.
O ideal é que a organização e execução do plano de ação sejam colaborativas
(envolvendo os responsáveis, os professores, o coordenador pedagógico e demais
profissionais), ou seja, sistematizadas pensando o aluno no coletivo. Isso porque
muitos profissionais tendem a pensar o plano de ação sob o olhar clínico, forma
equivocada de encaminhamento, pois na escola o aluno não estará sozinho, mas
imerso e envolvido em ações coletivas e espaços coletivos.
Por isso, mesmo que o aluno seja acompanhado individualmente em alguns
momentos na escola, devemos saber que o professor não é psicopedagogo ou
profissional da área da saúde, logo, as intervenções na escola são especificamente
pedagógicas.
Fazer o prognóstico do aluno que tem discalculia ou acalculia depende do grau
de deficiência e da severidade do transtorno ou distúrbio, do tempo de início do
tratamento e da contribuição dos responsáveis e envolvidos no tratamento. Não existe
cura para a discalculia e nem medicamento, salvo se vier acompanhada de
comorbidades, como, por exemplo, o Transtorno de Déficit de Atenção e
Hiperatividade.
Porém, quanto mais cedo iniciarmos as intervenções com o aluno, mais
significativos poderão ser os resultados. Para isso, não precisamos esperar pelo
diagnóstico, pois independente se a discalculia ou acalculia for confirmada, o aluno
apresenta uma dificuldade e, para superá-la, necessitará de modos mais assertivos
nos encaminhamentos e ensino dos conceitos implícitos e explícitos nos conteúdos
matemáticos.
Com isso, estamos dizendo que nem todos os alunos que apresentam
dificuldades para aprender matemática têm discalculia ou acalculia, assim como nem
todos os discalcúlicos e acalcúlicos têm dificuldades com atividades do cotidiano ou
em situações de jogos ou brincadeiras, por exemplo.

1.2 Orientações ao Professor Diante do Diagnóstico de Discalculia ou Acalculia

Figura 2 - Intervenções junto ao aluno com transtorno de aprendizagem


https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/elementary-student-boy-doing-homework-home-
1916726105

Frente ao diagnóstico de discalculia ou acalculia, algumas ações interventivas


contribuem com o processo de ensino e aprendizagem do aluno discalcúlico ou
acalcúlico. Do mesmo modo, há outras ações que, além de não contribuirem com os
avanços pedagógicos, podem comprometer ou agravar ainda mais as dificuldades
para aprender matemática.
A seguir, amparadas nos estudos de Bacelar (2017), organizamos uma tabela
com algumas intervenções pedagógicas que o psicopedagogo escolar pode conduzir
no trabalho com os professores:

Quadro 2 - Orientações ao professor diante dos casos de discalculia e acalculia


Ações que contribuem com o Ações que não contribuem com o
desenvolvimento desenvolvimento

1. Dizer sempre ao aluno que está ali 1. Ignorar o aluno com dificuldades.
para ajudá-lo em que precisar.
2. Permitir o uso de calculadora e tabela 2. Demonstrar impaciência com
tabuada. dificuldade expressa pelo aluno.
3. Adotar o uso de caderno quadriculado. 3. Interromper o aluno várias vezes ou
mesmo tentar adivinhar o que ele quer
dizer completando a sua fala.
4. Usar situações da vida cotidiana nas 4. Corrigir o aluno frequentemente diante
situações problema. da turma, expondo as dificuldades.
5. Iniciar cada período da aula com o 5. Forçar o aluno a fazer as tarefas
resumo da sessão anterior e uma visão quando estiver nervoso por não ter
geral dos novos temas. conseguido.
6. Escrever no quadro o tema a 6. Fazer correções no caderno com
aprender, os passos ou procedimentos a cores chamativas e mais de uma cor.
serem seguidos e que o aluno deverá
tomar nota.
7. Sugerir guias de tarefas ou de 7. Passar exercícios repetitivos e
conceitos matemáticos para que o aluno cumulativos.
saiba encarar e monitorizar
adequadamente os erros.
8. Usar códigos visuais, diagramas, 8. Propor somente registros escritos nas
cones, sublinhados, esquemas, o que tarefas em matemática.
ajuda na concentração e manutenção da
atenção nos expoentes, variáveis,
símbolos de operações etc.; auxiliando
ainda na compreensão, aprendizagem e
generalização dos conceitos.
9. Elaborar a avaliação (prova): a) com 9. Planejar avaliações com muitas
questões claras e diretas; b) com o tarefas para cumprir.
número mínimo de questões; c) sem
limite de tempo para realizá-la; d)
permitir que um tutor acompanhe o aluno
na realização da prova, para certificar se
ele entendeu o enunciado das questões.
10. Estabelecer critérios em que o aluno 10. Organizar somente avaliações
poderá realizar a prova oral, escritas.
desenvolvendo as expressões
mentalmente e ditando para que as
transcreva.
11. Incentivar a visualização do 11. Impedir que os registros dos cálculos
problema, com desenhos e depois sejam representados por meio de
internamente. desenhos e imagens.
12. Organizar jogos na sala, pois estes 12. Fazer uso de jogos sem selecionar
consistem numa boa opção para ajudar com antecedência e planejar de
na visualização de seriação e antemão as ações a serem
classificação; nas habilidades desenvolvidas.
psicomotoras, espaciais e na contagem.
13. Permitir o uso do computador, 13. Impedir o uso de materiais variáveis
especialmente porque existem muitos nas resoluções das situações problema.
sites com jogos educativos que
propiciam a noção de espaço e forma,
como o Tangam e outros que reforçam a
compreensão dos conceitos
matemáticos.
14. Prestar a atenção no processo 14. Deixar de acompanhar atentamente
utilizado pelo aluno, verificando o os avanços do aluno ou ressaltar apenas
percurso do pensamento desenvolvido as dificuldades.
na resolução do problema e valorizar as
aprendizagens alcançadas.
15. Moderar a quantidade das tarefas 15. Enviar muitas tarefas para casa ou
enviadas para casa. tarefas que impossibilitam ou dificultam a
resolução destas sem acompanhamento
do professor.

16. Utilizar materiais manipuláveis nas 16. Propor situações matemáticas


aulas (garrafas pet, palitos, pedrinhas, complexas ao nível de desenvolvimento
blocos lógicos, material dourado, fitas do aluno, induzindo-o frequentemente ao
coloridas etc.). fracasso.

17. Organizar situações problema que 17. Organizar situações problema


motivam nos alunos o desejo de querer aquém do que o aluno é capaz de
aprender e que envolvam diferentes realizar, travando os seus avanços, pois
ações como, por exemplo, classificar ensinar aquilo que ele não tem
objetos do cotidiano em conjuntos; condições de aprender, é tão prejudicial
roupas que abotoam, objetos que quanto ensinar aquilo que ele já sabe
possuem simetria, calçados com fazer sozinho (VIGOTSKI, 2000).
cadarço ou sem, objetos que carrega na
mochila, objetos que se usa na mesa nas
refeições etc.

18. Trabalhar jogos que explorem as 18. Trabalhar jogos apenas como
relações numéricas e geométricas distração e não ferramenta que
(grande/pequeno; grosso/fino; movimenta o pensamento.
largo/estreito; alto/baixo etc.
19. Saber que para o discalcúlico ou 19. Utilizar a mesma estratégia ou
acalcúlico, nada é óbvio, como pode ser encaminhamentos que para os outros
para alguns outros alunos que não têm alunos que não têm dificuldades com os
discalculia ou acalculia. conteúdos de matemática.

20. Promover situações de ensino em 20. Desenvolver estratégias de ensino


que discalcúlicos e acalcúlicos apenas individuais ou formar grupos de
estabeleçam relações de aprendizagem trabalho entre os alunos com dificuldade
com seus pares mais desenvolvidos. em aprender matemática como os
discalcúlicos e acalcúlicos.
Fonte: Bacelar (2017).

1.3 Orientações de Aprendizagem no Convívio Familiar

Figura 3 - Aprendizagem e diversão em família


https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/overjoyed-young-family-little-preschooler-kids-
1660546018

Os momentos de lazer e situações do cotidiano revelam ser enriquecedores de


possibilidades interventivas espontâneas (não organizadas pelo professor) que
podem ser realizadas com apoio dos familiares ou ainda nas relações estabelecidas
com os pares de mesma idade, como: jogar videogame ou jogos no computador (os
jogos apresentam fases e desafios a serem superados), brincar de casinha ou jogar
bola (envolve a noções espaciais, contagem, organização de objetos e demais
situações da vida adulta).
Organizamos algumas situações que não interferem na rotina de trabalho e
outras tarefas a serem cumpridas por todos em casa, permitindo e incentivando que
a criança ou adolescente faça parte das tarefas a serem executadas no convívio
familiar. Vejamos algumas delas:
1. Preparação dos alimentos: ler e seguir a receita do prato a ser
preparado; separar e medir os ingredientes utilizados; separar em
porções ou outras quantidades depois de pronto etc.
2. Compras no supermercado: fazer uma lista de compras por categoria
de produtos (higiene, limpeza, frutas, grãos, enlatados etc.) e suas
quantidades; escolher os produtos pelo menor valor; dividir a
responsabilidade de busca pelo produto no supermercado; calcular,
comparar e diferenciar valores dos produtos (com e sem calculadora)
etc. Exemplo: perguntar “qual detergente devemos comprar para
economizar, o que custa 1,50 ou o que custa 1,80?”
3. Controle de tempo: controlar o tempo de cozimento de algum alimento,
elaborar uma tabela com as tarefas da semana e horários que devem
ser cumpridos, minutos ou horas de dedicação aos estudos e ao lazer;
usar o relógio, calendário ou celular para agendar consultas e outras
tarefas.
4. Brincadeiras de contagem: no percurso da casa ao supermercado, por
exemplo, para cada fusca azul encontrado ou outra cor e qualquer carro,
marca-se um ponto. Ganha quem somar dez pontos primeiro.
5. Distribuição ou agrupamento de objetos: separar copos, facas, garfos
ou colheres na mesa de acordo com a quantidade de pessoas; separar
e dobrar as roupas do varal de acordo com a pessoa que faz uso das
peças; arrumar as roupas na gaveta, armários ou caixas por peça
(camisetas, bermudas, meia etc.), cores ou estação do ano (verão e
inverno); dividir o bolo em tantos pedaços etc.

Tanto na escola quanto em casa, é importante incentivar a realização de tarefas


que a criança ou adolescente consegue fazer sem ou com o mínimo de ajuda. A partir
de suas conquistas, acrescentar novas tarefas, ampliar e aprofundar o grau de
complexidade.
Ações como essas podem contribuir na redução da ansiedade, melhoram a
autoestima, assegurando para a criança e o adolescente em casa e ao aluno na
escola, que ele é capaz de aprender, mas nem sempre pelos mesmos caminhos que
seus colegas.

2 O USO DE JOGOS NAS AÇÕES INTERVENTIVAS ESCOLARES


https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/pupil-studying-mathematic-teacher-370768466

Os jogos são importantes recursos que promovem o desenvolvimento do


raciocínio lógico, das relações com o outro e, principalmente, possibilitam ao aluno a
aprendizagem dos diferentes conceitos matemáticos, como uma atividade prática
intencional e transformadora e não apenas como simples passatempo (ARRAIS,
2018).
Ao concebermos o jogo como recurso para a formação do pensamento
matemático, defendemos que, no movimento do jogo, o professor coloca os alunos
em atividade do pensamento, quando eles desenvolvem ações de comparação,
classificação, seriação, análise, agrupamento, distribuição, síntese e generalização.
Pensando nisso, entre os mais diversos jogos existentes, selecionamos alguns
apresentados por Silva (2008), Barreto (2012), Smole (2000) e Moretti e Souza (2015),
os quais podem ajudar no ensino de matemática com todos os alunos, entre eles,
aqueles que têm discalculia ou acalculia, pois promovem o desenvolvimento das
funções psicológicas superiores de percepção, sensação, atenção, memória,
pensamento, imaginação, linguagem, emoção e sentimento.

2.1. Jogo dos palitos: composto por um tabuleiro e dezesseis palitos, esse jogo foi
pensado para um jogador. O objetivo desse jogo é formar 3 quadrados, movimentando
apenas 4 palitos. Inicialmente, o jogador forma 5 quadrados utilizando os 16 palitos,
conforme mostra a imagem. Depois, poderá movimentar somente quatro palitos para
atingir o objetivo. Os movimentos a serem realizados estão representados na imagem.
Figura 4 - Jogo de palitos

Fonte: Silva (2008, p. 33).

2.2. Tangram: esse jogo possui sete peças, entre elas um quadrado, um
paralelogramo e cinco triângulos; e ainda uma cartela com diferentes figuras. Apesar
de ser indicado para um jogador, também pode ser desenvolvido por dois
participantes, de modo que ambos pensem em estratégias para alcançar o objetivo
que consiste em formar um quadrado com todas as peças.
Outro objetivo do jogo é utilizar as peças para formar as diferentes figuras
propostas nas cartelas (ou outras milhares que podem ser criadas), mas sem sobrepô-
las, ou seja, o(s) o aluno(s) poderão criar figuras inéditas, estimulando o
desenvolvimento da imaginação, do pensamento, da linguagem, da percepção, da
atenção e outras funções psíquicas superiores importantes nas aprendizagens
matemáticas.

Figura 5 - Tangram

Fonte: Silva (2008, p. 34).


Figura 6 - Cartela com figuras

Fonte: Adaptado do Site Pinterst.

2.3. Jogo de portas: esse jogo inclui um tabuleiro, no qual tem o desenho da planta
de uma casa com várias portas e também foi desenvolvido para jogar individualmente.
O objetivo do jogo consiste em passar por todas as portas da casa, mas atravessando-
as apenas uma vez. Não é permitido atravessar as paredes e o percurso pode ser
feito utilizando um lápis. A dica é planejar o percurso a partir de um cômodo que tenha
o número ímpar de portas.

Figura 7 - Jogo de portas

Fonte: Silva (2008, p. 38)

2.4. Botões matemáticos: Barreto (2012, p. 47) explica que esse jogo promove o
desenvolvimento da “[...] habilidade de compreensão de sistema de numeração, a
coordenação motora e orientação espacial”. O professor solicita determinada
quantidade e cores de botões aos alunos, como, por exemplo, 15 botões verdes, uma
dezena de botões amarelos, meia dúzia de botões azuis, duas dúzias de botões
divididas em 4 partes de cores diferentes ou determinada quantidade dividida em 50%
de uma cor e 50% de outra. Aqui, além de trabalhar as quantidades e suas diferentes
possibilidades de formação, o professor também utiliza importantes termos
matemáticos para orientar as ações.
Figura 8 - Botões coloridos

Fonte: Fotosearch Banco de Imagens

2.5. Matix: jogo composto por um tabuleiro quadriculado e 36 peças, conforme mostra
a Figura 9.

Figura 9 - Material – Jogo Matix

Fonte: as autoras.

Esse jogo implica na participação de dois jogadores e têm como objetivo


alcançar o maior número de pontos. Para isso, os jogadores posicionam as trinta e
cinco peças e o curinga no tabuleiro, todas com as faces para cima. O jogador que
começar a jogar, escolhe se retira as peças posicionadas nas colunas (posição
vertical) ou nas linhas (posição horizontal) e, na primeira jogada, retira o curinga e
uma peça que esteja na mesma linha ou coluna (conforme a opção escolhida).
Na sequência, cada jogador, na sua vez, retira uma peça da coluna ou da linha
da qual foi retirada a última ficha. O jogo termina quando não tiver mais peças nas
colunas ou nas linhas e vence quem conseguir a maior soma dos números contidos
nas peças, lembrando que aqueles com sinais de adição (+) são somados e, aqueles
com sinais de subtração (–) são diminuídos no processo de contagem dos pontos.
Geralmente, os alunos tendem a escolher primeiro as peças com valor maior,
mas depois percebem (com as intervenções do professor) que é preciso criar
estratégias para conseguir o maior número de pontos e obstáculos para dificultar as
jogadas do oponente.

Figura 10: Jogo Matix

Fonte: Simque Brinquedos Educativos.

Matix é um jogo que promove o desenvolvimento do pensamento matemático;


o processo de generalização da linguagem matemática; o desenvolvimento do
raciocínio e do pensamento lógico, pois o aluno terá que interpretar as informações,
buscar as soluções, levantar hipóteses, coordenar diferentes pontos de vista e criar
estratégias de jogo.

2.6. A batalha: para jogar precisa das cartas de baralho de Às a 10 (ou


confeccionadas) e duplas de jogadores ou pequenos grupos. O objetivo é conquistar
mais cartas. As cartas são distribuídas entre os jogadores, uma para cada jogador em
cada rodada. O jogador que tirar a carta mais alta deve pegar todas as outras cartas
do oponente para si. Assim, essas ações se repetem em todas as jogadas até que
todas as cartas já tenham sido distribuídas. Se os jogadores retirarem cartas iguais,
devem desempatar com a maior carta a ser retirada na sequência.
Figura 11 - Cartas de baralho

Fonte: Pixabay

2.7. Jogo das sete cobras: nesse jogo utilizamos dois lápis, papel e dois dados. Na
folha de papel o aluno registra os numerais de 2 a 12. Cada jogador, na sua vez de
jogar, soma as quantidades sorteadas nos dados e marca um X no numeral que
representa o resultado. Se a soma das quantidades sorteadas tiver como resultado 7,
o jogador desenha uma cobra. Ganha quem marcar todos os números primeiro com
o menor número de cobras desenhadas.

Figura 12 - Jogo das sete cobras


JOGO DAS SETE COBRAS

2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12

Fonte: as autoras.

2.8. Jogo do detetive: esse jogo pode ser realizado em dois grupos e os materiais
utilizados são: dois jogos completos de blocos lógicos e um anteparo para esconder
uma das peças do grupo oponente. Cada equipe fica com um jogo de blocos lógicos
e o jogo poderá ser desenvolvido em quatro níveis:
a) nível 1: a equipe 1 escolhe uma peça e a esconde atrás do anteparo, enquanto a
equipe 2 organiza as peças dos blocos a sua frente e discute as estratégias que
utilizarão, por meio de perguntas, para descobrir qual peça a equipe oponente está
escondendo. As respostas da equipe 1 devem se limitar a SIM ou NÃO. Pode-se fazer
quantas perguntas necessárias, exemplo: é azul? Se a equipe 1 responder SIM, a
equipe 2 mantém a peça, mas, se a resposta for NÃO, a peça deve ser descartada. E
assim segue até que a equipe dois descubra a peça, invertendo as posições das
equipes. Uma variante do jogo é marcar o número de perguntas que cada equipe faz
e ganha jogo quem fizer o menor número de perguntas, mas, se chutar e errar, perde
o jogo ou passa vez (SMOLE, 2000).
b) nível 2: os alunos podem olhar as peças do conjunto, mas não podem manipulá-las
para descobrir qual é a peça escondida.
c) nível 3: os alunos devem descobrir qual é a peça escondida sem olhar para o
conjunto de blocos que dispõe na equipe.
d) nível 4: uma equipe esconde simultaneamente duas ou três peças, enquanto a
outra equipe deve descobrir quais são as peças ao mesmo tempo.

Figura 13 - Jogo do detetive - Blocos Lógicos

Fonte: Mundo Pedagógico

2.9. Jogo nunca dez com material dourado: os materiais utilizados são dois dados
e um kit do material dourado. Para jogar é necessário de dois a quatro jogadores.

Com o objetivo de trabalhar trocas e agrupamentos na base dez, o


material dourado é disposto no centro da roda. Cada jogador joga o
dado e retira a quantidade de cubinhos equivalentes ao valor obtido.
A cada dez cubinhos, é feita a troca por barrinha. Vence o jogador que
realizar primeiro a troca de dez barrinhas por uma placa,
representando a centena (MORETTI; SOUZA, 2015, p. 100-101).

Figura 14 - Material - Jogo nunca dez


Fonte: EMEBE José “Bepe” Módolo

Uma variação do jogo é a utilização do ábaco ou fichas. Nessas versões,


Moretti e Souza (2015, p. 101 - 102) explicam:

O ideal é que cada aluno tenha um ábaco aberto. Também é possível


criar um ábaco por meio da movimentação de fichas ou tampinhas em
colunas verticais construídas no chão ou na carteira com fitas
adesivas. [...] Cada jogador joga o dado e coloca na primeira coluna à
direita a quantidade de argolas equivalente ao valor obtido. A cada dez
argolas, é feita a troca por uma argola na coluna imediatamente à
esquerda. Vence o jogador que fizer primeiro a troca de dez argolas
na haste das dezenas por uma argola, representando a centena.

Figura 15 - Jogo Nunca dez com ábaco e fichas

Fonte: Saber Matemática


Figura 16 - Jogo Nunca dez com fichas

Fonte: Moretti e Souza (2015, p. 101).

O professor pode pedir aos alunos para registrarem os pontos obtidos em cada
rodada. Para isso, os alunos podem utilizar o Quadro Valor de Lugar (QVL) como
apoio, pois o material dourado contempla o agrupamento e a troca, mas não o valor
posicional dos números.

Figura 17 - Quadro valor posicional

Fonte: Slideplayer.

2.10. Fecha caixa com cartas: Nesse jogo, Moretti e Souza (2015) explicam que os
jogadores (de dois a cinco participantes) precisam de cartas numeradas de 1 a 9 e
dois dados. O objetivo consiste em desenvolver o cálculo mental e as primeiras ideias
de adição. Para jogar, as cartas devem ser colocadas sobre a mesa com os números
à mostra. O primeiro jogador lança os dados e soma os resultados das quantidades
que aparecerem.
Depois, o jogador deve virar as cartas cuja soma seja igual ao valor da soma
dos resultados. Exemplo: se a soma das quantidades tiradas nos dados for 6, o
jogador pode virar as cartas: 4 e 2; 3 e 3; 5 e 1 etc. Assim,

O jogador repete esse procedimento de jogar e virar as cartas


enquanto for possível virá-las com a soma do resultado dos dados.
Quando tiver virado as cartas 7, 8 e 9, ele passa a jogar com apenas
um dado. Quando não houver mais cartas com o valor obtido nos
dados, soma os valores das cartas que ainda não foram viradas e
anota o resultado. O próximo jogador prepara novamente as cartas
viradas para cima e joga com as mesmas regras. Ao final, vence quem
tiver feito a menor quantidade de pontos (MORETTI; SOUZA, 2015, p.
104-105).

No movimento do jogo, é importante que os professores utilizem corretamente


os termos ao se referir aos nomes dos objetos e situações relacionadas aos
conhecimentos matemáticos. Por isso, é fundamental que o professor organize
situações de ensino em que os alunos se relacionem ativamente com os conceitos
matemáticos.
No caso dos jogos que apresentamos anteriormente, as intervenções
realizadas pelo professor, no momento do jogo, devem ser intencionais e
antecipadamente planejadas com objetivos claros e definidos. Não basta apenas
jogar, o aluno precisa saber por que está jogando, qual o sentido do jogo; quais
necessidades geram nele o desejo de jogar.
A seguir, trataremos de possibilidades de jogos virtuais como um recurso
tecnológico que também pode ser utilizado a favor dos alunos que apresentam
dificuldades para aprender matemática.
3 JOGOS VIRTUAIS: RECURSO TECNOLÓGICO A FAVOR DA APRENDIZAGEM

https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/girl-completing-iq-test-quiz-on-1840991470

É notório o crescente avanço das novas tecnologias pelo mundo como


ferramenta no processo de ensino e aprendizagem. Essa realidade se amplia no
contexto histórico atual de pandemia da Covid-19 que estamos vivendo, que já
impactou o processo de estudos de cerca de 91% do total de alunos espalhados pelo
mundo, segundo dados divulgados em 2020 pela Organização das Nações Unidas
para a Educação (SAE DIGITAL, 2020).
Nesse cenário, não podemos ignorar que o uso das tecnologias é recorrente
entre professores e alunos na organização do ensino remoto emergencial e outras
atividades e eventos pedagógicos como lives, seminários, congressos e encontros
formativos docentes. Diante disso, percebemos que as ferramentas tecnológicas e os
modos de usá-las, tornou-se forçosamente uma necessidade social que invadiu os
processos educativos.
Por isso, precisamos usar conscientemente as tecnologias e fazer delas
ferramentas que possibilitam o acesso ao conhecimento científico e não à informação
passageira e esvaziada de sentido e significado; à aprendizagem de conceitos e não
de notícias do senso comum e aos processos de apropriação da cultura humana e
não apenas como passatempo e distração.
Pensando na tecnologia como prática pedagógica e, nessa discussão, como
ferramenta que possibilita instrumentalizar o professor para trabalhar com os alunos
que têm dificuldades com a matemática, os jogos virtuais devem ser explorados de
forma contextualizada, planejada e sistematicamente organizada para o ensino de
matemática.
Na sequência, apresentamos 12 jogos virtuais extraídos dos sites Escola
Games1, Zuzubalândia2 e Racha Cuca3, os quais podem contribuir no processo de
ensino e aprendizagem dos alunos de educação infantil ao 5º ano. Nesses sites há
diferentes jogos que o professor deve selecionar de acordo com o nível de
aprendizagem e/ou dificuldade e interesse do aluno, pois em cada período do
desenvolvimento há necessidades específicas que motivam e orientam as
aprendizagens das crianças, adolescentes e adultos.
O critério que utilizamos para escolher os jogos virtuais nesse estudo: aqueles
que têm recursos e ferramentas para o desenvolvimento do pensamento e que
estimulam a aprendizagem dos conceitos, termos e diferentes conhecimentos da
linguagem matemática. Portanto, cabe ao psicopedagogo e ao professor analisar
qual(is) dos jogos poderá ser destinado a qual aluno, a qual dificuldade por ele
apresentada e período de desenvolvimento que se encontra.

3.1 Tabuada do Dino

Figura 18 - Jogo Tabuada do Dino

1
Disponível em: http://www.escolagames.com.br/jogos/. Acesso em: 11 abr. 2021.
2
Disponível em: https://zuzubalandia.com.br/jogos.html. Acesso em: 11 abr. 2021.
3
Disponível em: https://rachacuca.com.br/jogos/. Acesso em: 11 abr. 2021.
Fonte: Escola games.

O jogo envolve as quatro operações e tem dois níveis de dificuldades que


objetivam ao aluno memorizar a tabuada, exercitar o cálculo mental, resolver
problemas matemáticos e estabelecer relação entre as operações.

3.2 Completando os números

Figura 19 - Jogo Completando os números

Fonte: Escola games.

Completando os números é um jogo que trabalha com a sequência numérica e


a ideia de sucessor e antecessor. Tem como objetivo o aluno reconhecer os números,
identificar regularidades na sequência numérica para nomear, ler, escrever e ordenar
os números naturais.

3.3 O castelo do rei


Figura 20 - Jogo O castelo do rei

Fonte: Escola games.

Esse é um jogo de quebra-cabeça com nove cenários que trazem a opção de


o aluno jogar em nível mais difícil. Tem como objetivos estimular a memória visual, as
funções psíquicas de atenção, concentração e o raciocínio lógico. Além disso,
possibilita analisar figuras e ampliar as noções de composição e decomposição a
partir da fragmentação de uma imagem; perceber as diferentes posições de figuras
fragmentadas de uma imagem; ampliar a percepção visual por meio da observação,
comparação, análise e síntese, aspectos tão importantes do desenvolvimento para as
aprendizagens em matemática e de outros conhecimentos.

3.4 Zoo Louco

Figura 21 - Jogo Zoo Louco

Fonte: Escola games.


O jogo explora a contagem e a sequência numérica, semelhanças e diferenças
entre as espécies animais que aparecem, trazendo a ideia de agrupamento pelas
características que os compõem. Tem como objetivo o aluno: identificar, recitar e
memorizar a sequência numérica de zero a nove; adquirir ideia de quantidade; realizar
a contagem oral e a grafia dos numerais. Depois do jogo, o professor pode explorar
com o aluno as quantidades que aparecem e as relações biunívocas.

3.5 Labirinto Polar

Figura 22 - Jogo Labirinto Polar

Fonte: Escola games.

Labirinto Polar é um jogo que apresenta três níveis de dificuldade e marcação


de tempo para o aluno fazer o percurso no labirinto, trabalhando agilidade motora e
de pensamento. Tem como objetivo estimular o raciocínio lógico e estratégico; noção
espacial (lateralidade, localização e direção); coordenação motora fina, atenção e
concentração

3.6 Memória animal

Figura 23 - Jogo Memória animal


Fonte: Escola games.

Aqui temos um jogo da memória que estimula a concentração dos alunos.


Trabalha os conceitos de matemática, mas também integra outras áreas científicas,
como de ciências, geografia e história. Na área da matemática, tem como objetivo
identificar semelhanças e contrastes por meio da análise visual (tamanho, forma, cor)
entre os animais; desenvolver estratégias de análise para comparar os animais e
diferenciar um dos outros; estimular o desenvolvimento da memória e a concentração
no processo de identificação e comparação entre as imagens dos animais; descrever
as características referentes a tamanho, forma, cor, fase da vida, local onde se
desenvolvem etc., de acordo com cada texto apresentado no jogo.

3.7 Sete erros

Figura 24 - Jogo dos sete erros

Fonte: Zuzubalândia
Nesse jogo o aluno deve comparar duas imagens, aparentemente iguais, e
encontrar sete diferenças entre elas. Essa situação de jogo desenvolve as ações de
comparação, percepção de semelhanças e diferenças; de análise das relações
espaciais entre os objetos; da memória de curto prazo e do pensamento abstrato.

3.8 Fuja da Garfídea

Figura 25 - Jogo Fuja da Garfídea

Fonte: Zuzubalândia

Aqui o aluno deverá movimentar a abelha Zuzu e pegar as balas de mel


espalhadas pelo labirinto, sem ser pego pela aranha Garfídea. Assim como no jogo
Labirinto Polar, tem como objetivo estimular o raciocínio lógico e estratégico; noção
espacial (lateralidade, localização e direção); coordenação motora fina, atenção e
concentração.

3.9 Dominó

Figura 26 - Jogo de dominó


Fonte: Racha Cuca.

Esse jogo de dominó traz para o aluno escolher os níveis de dificuldade fácil,
médio ou difícil e as variações para jogar:
a) clássico: nesta variação, caso o jogador não tenha uma peça para jogar, deve-se
comprar peças até conseguir jogar ou até terminar as peças disponíveis para compra;
b) bloqueio: não há compra de peças nesta variação, mas o jogador passa a vez
quando não tiver peça para jogar. Ganha o jogador que terminar as suas peças
primeiro ou que tiver menos pontos, caso todos os jogadores fiquem bloqueados;
c) ponta de 5: o jogador marca pontos caso a soma do valor das peças das pontas
seja um múltiplo de cinco.

3.10 Tangram
Figura 27 - Jogo do Tangram

Fonte: Racha Cuca.

Na versão virtual, usando as sete peças do Tangram, o aluno deve formar os


quebra-cabeças da cartela, conforme mostra a Figura 27. Como podemos ver, as
figuras podem ser pessoas, animais, objetos e outros símbolos. Para iniciar a
montagem das figuras em quebra-cabeça, o aluno deve clicar em uma das imagens
da cartela de sua escolha.
Na sequência, clicar em uma peça por vez que aparece nas laterais da imagem
escolhida, arrastá-la e encaixá-la dentro da imagem em branco, na posição
considerada correta. As peças podem ser giradas (conforme indicação de setas),
retiradas e colocadas quantas vezes o aluno achar necessário. Nessa versão virtual,
estimula a percepção, atenção, coordenação motora fina, noção espacial e
lateralidade.

3.11 Jogo da velha

Figura 28 - Jogo da velha

Fonte: Racha Cuca.


Nessa versão virtual do jogo da velha, o aluno posiciona as figuras de círculos
numa mesma linha, coluna ou diagonal para ganhar. A pontuação será determinada
após 20 rodadas consecutivas. Esse jogo contribui no desenvolvimento do raciocínio
lógico, do planejamento de estratégia, na resolução de problemas, na previsão do
movimento do adversário e na formação de sequência.

3.12 O lobo e a ovelha

Figura 29 - Jogo O lobo e a ovelha

Fonte: Racha Cuca.

Nesse jogo, o objetivo é atravessar de um lado ao outro do rio, o lobo, a ovelha


e o repolho dentro do barco, de modo que todos cheguem bem ao seu destino. Porém,
o barco do camponês leva apenas um item de cada vez, além do próprio camponês.
Para cumprir essa tarefa, o aluno deve ficar atento às seguintes regras: a) o lobo
devora a ovelha se os dois ficarem sozinhos; b) a ovelha come o repolho se ficar
sozinha com ele.
O jogo estimula o desenvolvimento principalmente da atenção, raciocínio lógico
e planejamento de estratégias. Relacionados a este jogo temos ainda os jogos: Ponte
escura, Missionários e canibais e Pinguins numa fria.

3.13 Batalha Naval


Figura 30 - Jogo Batalha Naval
Fonte: Racha Cuca.

Esse jogo traz a opção de jogar com um colega ou com o próprio computador.
O objetivo é afundar as embarcações do adversário. Para isso, primeiro o aluno deve
planejar as estratégias que utilizará para posicionar os seus navios em diferentes
direções e dificultar ser encontrado pelo adversário. Essas ações são importantes
para a formação do pensamento lógico matemático.

3.14 2048
Figura 31 - Jogo 2048

Fonte: Racha Cuca.

O objetivo do jogo é juntar os blocos numéricos e formar a quantidade 2048.


Para isso, o aluno deve analisar as jogadas e raciocinar logicamente para movimentar
os blocos para cima, para baixo, para a direita ou esquerda e atingir o objetivo, antes
de ficar sem movimentos. As habilidades de raciocínio para atingir a meta, exigem do
aluno atenção, concentração e criação de estratégias para resolver o problema.
3.15 Robox

Figura 32 - Jogo do Robox

Fonte: Racha Cuca.

Nesse jogo o aluno precisa movimentar um robô para cima, para baixo, para
esquerda ou direita e empurrar as caixas até os lugares marcados por um círculo
amarelo. A partir desse jogo, o professor trabalha com o aluno a atenção,
concentração, noções espaciais, organização do pensamento e os termos
matemáticos que expressam as ações do pensamento.
4 A ESCOLHA DO JOGO COMO RECURSO PEDAGÓGICO

https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/math-education-children-logic-puzzle-game-
1929432662

Vimos anteriormente que são muitas as possibilidades de jogos que podem ser
desenvolvidos em sala de aula, bem como uma ampla variedade de jogos virtuais que
podem ser utilizados como ferramenta pedagógica no ensino da matemática.
Ressaltamos que, antes de apresentar qualquer jogo e jogar com o aluno, em
especial aqueles que têm discalculia ou acalculia, precisamos saber se, além de o
jogo escolhido criar um ambiente de socialização, divertimento e interação com os
pares mais desenvolvidos, também promove a aprendizagem dos conceitos
matemáticos e outros conhecimentos que mobilizam a linguagem e o pensamento
matemático.
Por isso, ao planejarmos a prática pedagógica por meio de jogo devemos:
a) fazer um levantamento dos jogos existentes;
b) analisar todas as possibilidades e recursos dos quais o jogo dispõe;
c) jogar antecipadamente (sem os alunos) para entender a dinâmica do
jogo, sua finalidade e dificuldades;
d) identificar quais conceitos matemáticos estão presentes no jogo;
e) identificar quais ações operacionais (comparação, classificação, análise,
generalização etc.) são propostas no jogo;
f) reconhecer quais funções mentais (sensação, percepção, atenção,
memória, linguagem, pensamento, emoção e sentimento) o jogo
desenvolve.

Isso porque nem todo jogo coloca alunos e professores em movimento do


pensamento, apenas cumprem o papel de passatempo, o que pode ser feito em outros
momentos e espaços sociais que fazem parte da vida do aluno. A escola é o lugar
mister para aprender os conhecimentos científicos, logo, é nesse espaço que os jogos
e qualquer outro recurso pedagógico deve ser sistematicamente planejado e
conscientemente trabalho entre os professores e os alunos.
Assim, por meio dos jogos, o professor pode investigar, intervir e avaliar o
processo de ensino e aprendizagem dos alunos com dificuldades para aprender,
desde que se coloque como sujeito partícipe e orientador desse processo,
direcionando-os para modos cada vez mais elaborados de se relacionarem com os
diferentes fenômenos no mundo, entre eles, a matemática.
SAIBA MAIS

De acordo com os dados apresentados em 2019 pelo Sistema de Avaliação da


Educação Básica (Saeb), do Ministério da Educação (MEC), os alunos do ensino
médio das escolas públicas brasileiras estão saindo desta etapa de ensino, sabendo
0,7 percentual menos conhecimento matemático que aqueles formados há 10 anos.
Esse índice se agrava quando a comparação considera raça e o nível socioeconômico
dos alunos. Nas escolas com alunos de menor renda, somente 3,1% aprenderam os
conteúdos necessários de matemática no 3º ano do ensino médio e, onde estão os
alunos de maior renda, o aprendizado adequado chegou a 63,6% do total de alunos.
Em relação à raça, entre os alunos que se declaram pretos, apenas 4,1% aprenderam
os conteúdos matemáticos esperados para série, assim como aprenderam 5,7 dos
declarados pardos e 16% dos considerados brancos

Fonte: Oliveira (2019).

#SAIBA MAIS#

REFLITA

De um modo geral, muitas propostas formativas no âmbito da licenciatura perdem a


sua eficácia porque não promovem mudanças efetivas no conhecimento matemático
do professor. Então, de que adianta pedir ao professor que reorganize a sua prática
pedagógica em matemática se a perspectiva de conhecimento que ele tem nessa área
está fundamentada em uma visão pragmática, utilitarista e reducionista da
matemática?

Fonte: Cedro e Moura (2017).

#REFLITA#

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Chegamos ao fim de nossas discussões, mas não dos estudos em busca de
ampliação e aprofundamentos das aprendizagens adquiridas até aqui.
Ao estudarmos sobre a importância do processo investigativo na escola dos
alunos que apresentam dificuldades para aprender os conceitos matemáticos,
presentes nos mais variados conteúdos dessa área do conhecimento, vimos que é
preciso ter ética, responsabilidade, compromisso e comprometimento com o percurso
de estudos dos alunos enquanto um sujeito integral.
Nesse percurso, aprendemos que nem todo aluno que tem dificuldade para
aprender matemática é discalcúlico ou acalcúlico, assim como nem todo discalcúlico
ou acalcúlico tem dificuldade de lidar com as tarefas cotidianas que envolvem a
linguagem matemática.
Diante disso, refletimos sobre as possibilidades de orientações para o
professor, o qual assume o papel de mediador consciente das aprendizagens que
promovem o desenvolvimento de todos os alunos, inclusive àqueles que têm
discalculia ou acalculia.
Também discutimos sobre algumas ações interventivas que podem contribuir
para a participação dos responsáveis no processo de desenvolvimento dos alunos no
convívio familiar e situações do cotidiano, em que a linguagem está presente para
resolver as mais variadas situações problema da vida diária.
São nessas situações escolares e cotidianas que podemos potencializar a
formação e o desenvolvimento das funções psíquicas superiores, desde que as ações
interventivas nesses espaços façam sentido para o aluno, professores e seus
familiares.
Assim, apresentamos os jogos e as ferramentas tecnológicas como importantes
recursos pedagógicos que contribuem no processo de ensino e aprendizagem dos
alunos com dificuldades para aprender matemática.
Para finalizar, esperamos que as discussões, encaminhamentos e sugestões
possam, de fato, contribuir com uma prática pedagógica significativa para o professor
e enriquecedora de aprendizagem e desenvolvimento para os alunos.

LEITURA COMPLEMENTAR
BOROWSKY, H. G. A Atividade Orientadora de Ensino como princípio do Clube de
Matemática: caminhos para a formação docente. Obutchénie: Revista de Didática e
Psicologia Pedagógica, Uberlândia, MG, v.4, n. 2, p. 509-533, maio/ago, 2020.
Disponível em: http://200.19.146.79/index.php/Obutchenie/article/view/57503/30024.
Acesso em: 9 abr. 2021.
LIVRO
•Título: Educação matemática nos anos iniciais do Ensino
Fundamental: princípios e práticas pedagógicas
• Autoras: Vanessa Dias Moretti e Neusa Maria Marques de
Souza
• Editora: Cortez
• Sinopse: Com base nessa realidade, as autoras elaboram a
presente obra, cujo objetivo principal é oferecer a professores
e educadores dos três primeiros anos do Ensino Fundamental
respaldo teórico e metodológico para um ensino da
Matemática que seja incentivador de aprendizagem e possibilite às crianças o
desenvolvimento do pensamento teórico sobre os conceitos e as noções referentes a
essa disciplina.
FILME/VÍDEO
• Título: O homem que viu o infinito
• Ano: 2016
• Sinopse: Esse filme conta a história real de Srinivasa Aiyangar
Ramanujan (1887-1920), um dos maiores gênios e mais
influentes matemáticos do século XX. De origem humilde e sem
formação acadêmica, ele contribuiu para a matemática com
diversos trabalhos. Entre eles, estão a teoria dos números e
séries infinitas.
REFERÊNCIAS

ARRAIS, L. F. L. Vamos jogar? Jogo, princípios e possibilidades para o ensino de


matemática. Curitiba: Appris, 2018.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSICOPEDAGOGIA - ABPp. Código de Ética da


Psicopedagogia. Conselho Nacional do Biênio 91/92, revisão Biênio 95/96. São
Paulo, 1996. Disponível em: https://www.psicopedagogiabrasil.com.br/sobre-1-
c1603. Acesso em: 09 abr. 2021.

BACELAR. S. de O. Um olhar para a discalculia e a intervenção pedagógica.


Educar-FCE, São Paulo, v. 7, n. 1, jun. 2017, p. 502-512. Disponível em:
https://www.fce.edu.br/pdf/Junho2017-FCE.pdf. Acesso em: 09 abr. 2021.

BARRETO, A. B. Trabalhando a discalculia através de jogos matemáticos. 2012.


85f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Matemática) – Centro
Universitário La Salle, Canoas, 2012.

CEDRO, W. L.; MOURA, M. O. de. O conhecimento matemático do professor em


formação inicial: uma análise histórico-cultural do processo de mudança. In:
MORETTI, V. D.; CEDRO, W. L. (Orgs.). Educação matemática e a Teoria
Histórico-Cultural: um olhar sobre as pesquisas. Campinas: Mercado de Letras,
2017.

EMEBE José “Bepe” Módolo. O Jogo Nunca Dez. Disponível em: http://emebe-
bepe.blogspot.com/2016/04/o-jogo-nunca-dez.html. Acesso em: 09 abr. 2021.

Escola Games. Castelo do Rei. Disponível em:


http://www.escolagames.com.br/jogos/oCasteloDoRei/. Acesso em: 09 abr. 2021.

Escola Games. Completando Números. Disponível em:


http://www.escolagames.com.br/jogos/completandoNumeros/. Acesso em: 09 abr.
2021.

Escola Games. Labirinto Polar. Disponível em:


http://www.escolagames.com.br/jogos/labirintoPolar/. Acesso em: 09 abr. 2021.

Escola Games. Memória Animal. Disponível em:


http://www.escolagames.com.br/jogos/memoriaAnimal/. Acesso em: 09 abr. 2021.

Escola Games. ZooLouco. Disponível em:


http://www.escolagames.com.br/jogos/zooLouco/. Acesso em: 09 abr. 2021.

Escola Games.Tabuada Dino. Disponível em:


http://www.escolagames.com.br/jogos/tabuadaDino/?deviceType=computer. Acesso
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Fotoshearch Banco de Imagens. Cosendo, botões, plástico. Disponível em:


https://www.fotosearch.com.br/CSP578/k26871528/. Acesso em: 09 abr. 2021.
MORETTI, V. D.; SOUZA, N. M. M. de. Educação matemática nos anos iniciais
do Ensino Fundamental: princípios e práticas pedagógicas. São Paulo: Cortez,
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Mundo Pedagógico. Blocos Lógicos. Disponível em:


https://www.mpedagogico.com.br/blocos-logicos-48-pecas. Acesso em: 09 abr.
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OLIVEIRA, E. Cai aprendizado de matemática no último ano do ensino médio,


aponta levantamento. 2019. Disponível em:
https://g1.globo.com/educacao/noticia/2019/03/21/cai-aprendizado-de-matematica-
no-ultimo-ano-do-ensino-medio-aponta-levantamento.ghtml. Acesso em: 09 abr.
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Pinterest. Tangram para imprimir - educação e transformação. Disponível em:


https://www.pinterest.dk/pin/393009504983817809/. Acesso em: 09 abr. 2021.

Pixabay. Jogo de Cartas. Disponível em: https://pixabay.com/pt/photos/jogo-de-


cartas-baralho-cartas-jogo-570835/. Acesso em: 09 abr. 2021.

Racha Cuca. Dominó. Disponível em: https://rachacuca.com.br/jogos/domino/.


Acesso em: 09 abr. 2021.

Racha Cuca. Café com Leite #1. Disponível em:


https://rachacuca.com.br/raciocinio/robox/cafe-com-leite/1/. Acesso em: 09 abr.
2021.

Racha Cuca. Como jogar 2048. Disponível em:


https://rachacuca.com.br/raciocinio/2048/. Acesso em: 09 abr. 2021.

Racha Cuca. Jogo Batalha Naval. Disponível em:


https://rachacuca.com.br/jogos/batalha-naval/. Acesso em: 09 abr. 2021.

Racha Cuca. Jogo da velha. Disponível em: https://rachacuca.com.br/jogos/jogo-


da-velha/. Acesso em: 09 abr. 2021.

Racha Cuca. O lobo e a ovelha. Disponível em: https://rachacuca.com.br/jogos/o-


lobo-e-a-ovelha/. Acesso em: 09 abr. 2021.

Racha Cuca. Tangram. Disponível em:


https://rachacuca.com.br/raciocinio/tangram/. Acesso em: 09 abr. 2021.

Saber Matemática. O que é o ábaco. Disponível em:


https://sabermatematica.com.br/o-que-e-o-abaco.html. Acesso em: 09 abr. 2021.

SAE DIGITAL. Educação e Coronavírus - Quais são os impactos da pandemia?


2020. Disponível em: https://sae.digital/educacao-e-coronavirus/. Acesso em: 09 abr.
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SÁNCHEZ-CANO, M. et al. Avaliação psicopedagógica. Porto Alegre: Artmed,


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45f. Relatório final (Projeto de Iniciação Científica) - Universidade de Guarulhos,
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https://zuzubalandia.com.br/jogo-fuja-da-garfidea.html. Acesso em: 09 abr. 2021.
CONCLUSÃO GERAL

Que maratona de estudos, hein? Afinal, não existe apropriação do


conhecimento científico sem a exigência de leituras, interpretações e produções
de sínteses que revelam as aprendizagens adquiridas.
Nessa corrida rumo à apropriação do conhecimento acerca das
dificuldades de aprendizagem e dos processos de aprendizagem e
desenvolvimento dos alunos que enfrentam diferentes obstáculos para aprender
os conceitos matemáticos, passamos por quatro importantes momentos de
discussão, denominados de Unidades.
A seguir, percorreremos cada uma delas para relembrarmos os pontos
que sintetizam as ideias principais de nossas discussões, as quais foram
carregadas de conceitos, reflexões, explicações, sugestões, desafios, caminhos
e possibilidades de uma matemática que traz em si consubstanciada, as formas
mais elaboradas do ato de pensar e agir sobre e com os diferentes fenômenos
no mundo. Então, vamos lá!
Na Unidade I, revelamos alguns aspectos relevantes do surgimento da
linguagem matemática na história humana, como ferramenta do pensamento dos
homens no controle das diferentes quantidades, grandezas e formas. Essas
discussões foram importantes para compreendermos o ensino de matemática
para além da memorização e incansáveis contagens ordenadas dos numerais,
ações ainda comuns em muitas instituições de ensino. Ainda nessa unidade,
mostramos o trabalho do psicopedagogo e as intervenções psicopedagógicas,
como importantes ações que contribuem efetivamente na superação do fracasso
escolar de crianças e adolescentes, que não alcançaram o pleno
desenvolvimento da linguagem matemática.
Por isso, na Unidade II, trouxemos à tona que a organização do ensino de
matemática é condição de acesso aos conhecimentos e superação das
dificuldades relacionadas à apropriação da linguagem matemática ou busca por
novos sentidos e significados, desde que a prática pedagógica seja
conscientemente organizada e considere o sujeito em suas múltiplas
determinações.
Nesse cenário, na Unidade III, ressaltamos a criança, o jovem ou o
adolescente que tem o transtorno ou distúrbio de discalculia ou de acalculia.
Nesse trajeto, aprendemos sobre os sinais e sintomas, diferenças e
semelhanças entre os dois distúrbios ou transtornos e, o mais importante,
compreendemos que nem sempre os estudantes que apresentam dificuldade
para aprender matemática tem discalculia ou acalculia, assim como nem todo
discalcúlico ou acalcúlico tem dificuldade com outras áreas do conhecimento ou
situações do cotidiano que envolvem os conceitos matemáticos.
A partir dessas discussões, na Unidade IV, apresentamos como pode ser
realizado o processo de investigação na escola para constatar a discalculia e
acalculia e, juntos, aprendemos que a causa pode envolver fatores
multideterminados pelas condições de vida dos estudantes. Também
aprendemos como ocorrem os processos de investigação e intervenções na
escola e no ambiente familiar. Apresentamos o jogo como um dos recursos que
pode ser utilizado no ensino de matemática, além das versões virtuais que
estimulam por meio das novas tecnologias, ferramentas muito utilizadas na
sociedade contemporânea entre as crianças e adolescentes.
Para ilustrar as possibilidades de uso do jogo nos processos interventivos,
ainda na Unidade IV, selecionamos uma variedade de jogos que podem ser
trabalhados em grupos ou individualmente na sala de aula, no laboratório de
informática, nas aulas de contraturno ou outros espaços de ensino e
aprendizagem.
Assim, chegamos até aqui e esperamos que você, assim como nós, tenha
muitas respostas acompanhadas de dezenas de perguntas, pois são as nossas
e a suas inquietações que nos mobilizam a ressignificar o trabalho educativo, em
especial o ensino de matemática, por meio do conhecimento produzido
historicamente e determinado socialmente.
Como pudemos ver, a maratona continua, mas, agora, com um jeito novo
ou diferente de caminhar, ou seja, com maior direcionamento na identificação
das causas e consequências dos transtornos ou distúrbios de aprendizagem da
matemática, bem como nas intervenções pedagógicas possíveis de serem
realizadas nos ambientes escolar e familiar.

Abraço fraterno!
Profa. Me. Luciana e
Profa. Dra. Nelma

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