Você está na página 1de 4

REVISTA DR. PLINIO N.

108, Março de 2007

o santo Do mês

São DomingoS Sávio


Festa Litúrgica: 10 de Março

modelo de pureza
e seriedade
A boa formação de uma criança e de um adolescente, observava
Dr. Plinio, deve proporcionar-lhes um equilibrado e sadio impulso para
a maturidade. Sobretudo, para alcançarem o ideal de perfeição moral
a que todo homem é chamado. Como a seguir veremos, luminoso
exemplo dessa educação bem assimilada encontramos em São
Domingos Sávio, discípulo predileto do grande São João Bosco.

N o mês de março a Igreja celebra a memó-


ria de um Santo cuja vida me causou gran-
de admiração, e a respeito do qual gostaria
de tecer alguns comentários. Não tanto evocando seus
Há alguns anos, a convite do Arcebispo de Mariana,
Dom Helvécio Gomes de Oliveira, desloquei-me até essa
histórica cidade de Minas para fazer uma conferência so-
bre São Domingos Sávio. Após o almoço, disse ao reitor
traços biográficos, quanto ressaltando sua fisionomia do Colégio salesiano onde a sessão se realizaria à tarde:
moral, que deixou profunda impressão no meu espíri- — Peço que o senhor me consiga uma biografia de São
to. Trata-se de São Domingos Sávio, discípulo de São Domingos, pois apesar de sabê-lo canonizado, ignoro os
João Bosco. pormenores de sua vida.
Com muita solicitude ele me procurou uma biografia
Obra-prima da educação salesiana do Santo, porém bastante resumida. Comecei a lê-la e me
lembro que o biógrafo acentuava diversas qualidades co-
Faleceu ele antes de seu mestre, aos 1 anos de idade, muns aos bons meninos. Assim, São Domingos Sávio era
e foi considerado a obra-prima da educação dada pelo muito devoto, obediente aos seus superiores, de modo es-
célebre apóstolo da juventude. Menino eminentemente pecial a São João Bosco, além de fazer apostolado junto a
piedoso, exímio cumpridor dos seus deveres, conservou seus colegas, sendo um exemplo de zelo pelas almas.
sempre uma castidade exemplar, tendo sido proclamado
pelo Papa Pio XI como o padroeiro da pureza, depois de Os birichini de São João Bosco
São Luís Gonzaga.
Essas reflexões se prendem a uma recordação pessoal, Contudo, pensei: “Infelizmente, com esses dados, não
que me parece oportuno registrar. me é possível proferir uma conferência que não seja uma

6
V. Domingues

São Domingos
Sávio - Basílica de
Maria Auxiliadora,
Turim (Itália)

27
O Santo do mês

repetição de tantas outras realizadas ou preparadas, a chini, apelativo dado na região de Turim aos meninos de
respeito de vários bem-aventurados...”. Com efeito, na- famílias modestas. Nesse sentido, é esplêndida a vocação
quela época encontrava-se certos formulários para ser- dos salesianos: ensinar sobretudo para as classes popu-
mão ou exposição de vidas de santos, que diziam: “São lares, instruindo-lhes nos misteres profissionais em esta-
tal, mudando a data e o nome, serve para tais e tais san- belecimentos para essa finalidade. Eram meninos com
tos”. grande vitalidade e efervescência, mas tendentes a tra-
Ora, ao ler o opúsculo que o reitor me conseguira, vessuras e à falta de seriedade (a qual, aliás, se alastrara
percebi que escapara ao biógrafo o traço mais marcante por todas as camadas sociais).
e acentuadamente contra-revolucionário da vida de São
Domingos Sávio, que, creio eu, indicava o “segredo” de Admirável apóstolo da seriedade
sua santidade.
Para que esse traço fique bem explicitado, im- Nesses ambientes São Domingos Sá-
porta considerarmos o fato de que nosso san- vio mostrou-se um admirável apóstolo
to viveu em meados do século XIX, um perí- da seriedade, manifestando uma sa-
odo em que a Revolução atingia um auge, e bedoria superior à existente em me-
o espírito revolucionário, portanto, lograva ninos de sua geração. E na medida
grande concessão da parte dos adolescen- própria à mentalidade de uma crian-
tes que principiavam a freqüentar escolas. ça, possuía uma compreensão invul-
De um lado. gar de tudo quanto deveria fazer. De
De outro, temos que São João Bos- maneira que não praticava uma ação
co lecionava para os biri- nem dizia uma palavra que não reve-
lassem uma reflexão séria — nas propor-
ções de um menino, insisto — baseada na fé
e profundamente sobrenatural.
Por isso ele difundia em tor-
no de si uma atmosfera
de compostura, de se-
riedade, de calma,
sem fazer com
que os meninos
deixassem de ser
autênticas crian-
ças. De outro la-

R. C. Branco

28
do, proporcionava-lhes assim um meio eficaz de se opo- — E o que mais?
rem à mania do brinca-brinca, da falta de educação, da — Quero pedir muito, muito à Santíssima Virgem e ao
ausência de cerimônia e boas maneiras. Senhor que me mandem antes a morte do que deixar-me
cair no pecado venial contra a modéstia.
“Morte ao pecado mortal” Ou seja, contra a virtude da castidade. E São João
Bosco acrescenta:
Essa característica de São Domingos Sávio se faz no- “Deu-me então um papelzinho em que ele tinha escrito
tar num episódio de sua vida, do qual tomei conhecimen- esse propósito e manteve suas promessas porque a Santís-
to quando li outra biografia dele, escrita pelo próprio sima Virgem o ajudava. São Domingos Sávio tinha, nessa
São João Bosco. Este escreveu: ocasião, doze anos de idade.
Domingos veio ver-me no dia anterior ao início da nove- Ressalta-se, assim, na estrutura de alma de uma crian-
na da Imaculada Conceição, em 1854, e teve comigo o se- ça, o traço distintivo de São Domingos: extraordinaria-
guinte diálogo. Disse ele: mente sério, conseqüente, lógico em tudo. Ao mesmo
— Eu sei que a Virgem concede grande número de gra- tempo, alegre, de espírito sadio e maduro.
ças a quem faz bem suas novenas.
— E tu o que queres fazer nesta novena, em honra da Reflexão ratificada pelos
Virgem? devotos de São Domingos
— Quisera pedir muitas coisas.
— Quais, por exemplo? Dando-me conta desse cunho característico de São
— Antes de tudo quero fazer uma confissão geral de mi- Domingos Sávio, comecei a minha conferência em Ma-
nha vida, para ter bem preparada a minha alma. Depois riana dizendo que me achava diante de todo o corpo do-
procurarei cumprir exatamente as florzinhas que cada dia cente de um colégio salesiano, numa sessão que se reali-
da novena se darão nas boas noites. zava sob a presidência de um Arcebispo também salesia-
“Florzinhas” (fioretti em italiano) significavam peque- no e, portanto, exporia minha impressão pessoal, subme-
nos propósitos a praticar, recomendados na “boa noite”, tendo-a ao juízo deles. Acrescentei que a leitura de uma
gênero de alocução famosa que Dom Bosco dirigia aos vida de São Domingos Sávio deixara em meu espírito essa
seus alunos. Consistia geralmente de breves comentários idéia: merecia ele ser chamado perfeitamente de apóstolo
de algum fato do dia, ocorrido no interior ou fora do co- da pureza das crianças, mas deveria também ser denomi-
légio. Continua a narração, com a pergunta de São João nado seu apóstolo da seriedade.
Bosco: Desenvolvi o tema, mostrando a importância do papel
— E não tens mais nada? da seriedade para se alcançar a perfeição espiritual: não
— Sim, eu tenho uma coisa: quero declarar morte ao pe- basta ser sério para ser santo, porém não se pode ser san-
cado mortal. to sem ser sério.
Tão logo enunciei a tese de que São Domingos era o
modelo da seriedade entre as crianças, houve um aplau-
so geral iniciado pelo Arcebispo e todos os professores, se-
guido naturalmente pelo público. Naquela época, São Do-
Num ambiente em que grassava mingos Sávio estava sob o foco das atenções, pois era re-
a falta de seriedade, São Domingos cém-canonizado e os salesianos difundiam muito a devo-
ção a ele. Sua vida, portanto, era bem conhecida de seus
Sávio mostrou-se exemplar nesta irmãos de vocação e devotos. A ratificação daquela tese
virtude, modelo de calma e concedida por esse corpo docente salesiano, com tal ênfa-
compostura, ao mesmo tempo se, demonstrava-me a veracidade da minha observação.
Como vivemos num tempo em que a falta de seriedade
alegre e zeloso apóstolo junto se torna cada vez mais aguda e crítica, parece-me de impor-
a seus coetâneos tância capital rogarmos a São Domingos Sávio que seja nos-
so padroeiro para a seriedade, e nos alcance do Sagrado Co-
ração de Jesus, pelas mãos de Maria Santíssima, uma perfei-
À esquerda, São João Bosco e meninos do
ta prática dessa virtude da qual ele é um excelso modelo.  v
Oratório - Basílica de São Pedro, Roma

(Extraído de conferências em
9/3/1971 e 9/3/1973)

29

Você também pode gostar