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REVISTA DR.

PLINIO 175, Outubro 2012


Hagiografia
10 de Outubro llm
an
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São Francisco de Borja –


Ho
io
rg

flexibilidade para
adaptar-se
a todas as almas
Vendo no caixão o cadáver da Primeira Dama da Cristandade, a qual
possuía imensa majestade, Francisco recebeu insigne graça: abandonou
todas as suas glórias terrenas para se tornar um jesuíta.

A respeito de São Francisco de Borja — Presbíte-


ro, Duque de Gândia e Geral da Companhia de
Jesus, no século XVI —, há uma ficha biográfi-
ca que assim resume a sua vida:
1
Francisco nasceu no dia 28 de outubro de 1510. Sua in-
fância e sua juventude passaram-se numa piedade e numa
inocência que foram uma lição para seus pais e seus ami-
gos, mas o exemplo foi maior ainda pela vida cristã e aus-
teridade que ele soube ter na corte do Imperador Carlos V, e
Piedoso e fiel cumpridor dos seus deveres depois como Vice-Rei da Catalunha.
Em termos lhanos e diretos, e mais ao nosso gosto, is-
No dia 30 de setembro de 1572, São Francisco de Borja, so tudo quer dizer que ele foi uma criança exemplar, mas
terceiro Geral da Companhia de Jesus, entregava sua alma que, quando se tornou moço e depois homem maduro e
a Deus com a serenidade confiante do homem que sempre ocupou altos cargos públicos, a sua piedade ainda cha-
cumpriu seu dever. Esse dever tinha sido muito variado na mava mais a atenção.
sua existência movimentada. Filho de João de Borja e Joa-
na de Aragão, neta de Fernando, o Católico, ele foi numa A graça da visão da morte
primeira fase um elegante e hábil cavalheiro, confidente do
Imperador Carlos V, que o nomeou Vice-Rei da Catalunha. A morte da Imperatriz e depois a de sua própria esposa
Depois ele se tornou jesuíta, Vigário-Geral da Companhia lhe mostraram o vazio de todas as coisas da Terra. Ele re-
para a Espanha. Posteriormente foi sucessor de Santo Iná- solveu, então, abandonar o mundo e entrar na Companhia
cio e, enfim, legado da Santa Sé. São Francisco de Borja es- de Jesus em 1551, ano em que foi ordenado padre.
teve sempre atento em pertencer ao Rei do Céu e de militar Esse é um dos episódios célebres da vida de São Fran-
sob seu estandarte, de preferência a se comprometer com os cisco de Borja. Ele era cortesão e muito próximo a Car-
poderes da Terra. los V, Imperador do Sacro Império Romano Alemão e Rei

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de Espanha. Temos várias vezes um adorno do Império; ele, então, se colocou diante da
tratado de Carlos V, por cau- ideia de renunciar a todas as suas grandezas e de se tor-
sa do grande papel que ele nar jesuíta.
ocupa na História do Oci-
dente. Ele era tão pode- Nomeado como diretor da
roso que o Sol jamais Companhia de Jesus na Espanha
se deitava em seu im-
pério. As suas terras Para que compreendamos bem, é preciso notar que,
iam desde os con- além de ser Vice-Rei da Catalunha, o título de Duque
fins da Rússia até de Gândia lhe dava poder sobre uma certa parte do
a América do Sul e território espanhol; uma jurisdição feudal, à manei-
parte do México até ra de um pequeno reino, a qual nem dependia do Im-
o Oceano Pacífico. perador, pois ele a possuía por direito próprio. Tudo
Era, portanto, um isso ele abandonou para entrar na Companhia de Je-
Império imenso que sus, que era naquele tempo uma Ordem religiosa no-
compreendia não só a va, que não tinha nem um pouco a força, a tradição, a
Espanha e suas possessões base que as outras grandes Ordens possuíam, ou aque-
na América, mas também pos- la pobreza ilustre da Ordem de São Francisco. Quer
sessões que a Coroa da Espanha dizer, de fato ele entrava para uma obra nova, o que,
tinha na Itália, as quais eram de uma debaixo de certo ponto de vista, lhe poderia ser uma
Paróquia dos Jesuítas, grande importância no mundo. O Sul aventura. Ali ele foi encerrar-se até o fim de seus dias
Santander (Espanha) da Itália pertencia a Carlos V; por ou- para procurar os bens do Céu, muito certo da vacuida-
tro lado, na Lombardia, que tem como de das coisas da Terra.
capital, Milão, Carlos V
também tinha domínios.
São Francisco de Borja, sendo íntimo
do Imperador, tinha conhecido muito
bem a Imperatriz — que possuía imensa
majestade e era a primeira dama da Cris-
tandade no seu tempo — e teve ocasião
de ver o corpo dela estendido no caixão.
Ao contemplá-la assim aniquilada pela
morte, ele recebeu uma graça.
O próprio de certas graças é de darem
uma vida extraordinária às verdades que,
para nós, são correntes, comuns, sabe-
mos até o que querem dizer, mas impres-
sionam pouco o nosso espírito. Assim é a
graça da visão da morte. Uma pessoa po-
de passar uma noite inteira numa capela,
velando um cadáver, sem que isso lhe to-
que muito especialmente; mas, de repen-
te, por uma graça de Deus, tudo quanto
a aniquilação da morte significa vêm ao
espírito dela e lhe fala na alma com uma
força particular, especialmente a sabe-
doria. E foi o que se deu com São Fran-
cisco de Borja. Ao ver a Imperatriz mor-
ta, ele percebeu bem o vácuo de certas
grandezas, porque elas passam: a gran-
deza da Imperatriz, a grandeza do Impé- São Francisco de Borja e o cadáver da Imperatriz
rio, a grandeza dele, que não era senão Isabel - Santa Casa, Loyola (Espanha)

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Hagiografia
Ele ali foi ordenado sacerdote, e
Santo Inácio de Loiola, percebendo

Sérgio Hollmann
suas virtudes, deu-lhe a direção da
Companhia de Jesus na Espanha.
É preciso compreender também o
que significa isso, da parte de San-
to Inácio.
A Espanha, como vimos, era na-
quele tempo uma potência imensa.
Dentro dos Estados de Carlos V, a
Espanha e a Áustria eram os dois
países mais importantes, mas para a
Religião a Espanha tinha mais im-
portância do que a Áustria. Porque,
embora a Áustria fosse muito cató-
lica, a Espanha era a nação mais ca-
tólica da Terra. E era da Espanha
que sopravam os ventos da Contra-
-Reforma, da luta contra o protes-
tantismo, de maneira que agir na
Sérgio Hollmann

Entrada de São Francisco na Companhia de


Jesus - Catedral de Valência (Espanha)

Espanha significava atiçar as melhores brasas contra a


heresia, movimentar as melhores forças da Igreja contra
a Reforma, contra o Humanismo, contra a Renascença.
Compreendemos sem esforço a importância que tinha o
cargo de chefe dos jesuítas na Espanha. Quer dizer, che-
fe da Ordem religiosa suscitada especialmente por Nossa
Senhora para lutar contra o protestantismo, no país es-
colhido para combater essa heresia. Ou seja, foi-lhe dada
a alavanca fundamental dessa luta.

Sorrir com quem ri, chorar com quem chora


Em 1566 foi eleito Geral da Companhia de Jesus, sen-
do o segundo a ocupar este cargo, após Santo Inácio de
Loiola. Ele aumentou muito o número de missionários da
São Francisco de Borja - Paróquia dos Companhia de Jesus, enviando-os à Polônia, ao México,
Jesuítas, Barcelona (Espanha) ao Peru e à Índia. Suas ocupações numerosas não o impe-

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tavam o seguinte a Nossa Senhora:
“Vem sorrir com quem ri, chorar
Francisco Lecaros

com quem chora; sê amparo e sê


força, sê guia e sê luz”. Isso sempre
me impressionou muito em Nossa
Senhora: sorrir com quem ri e cho-
rar com quem chora. Maria Santís-
sima se afaz a todos estados de es-
pírito do homem: Ela é a quietude
dos que descansam, a exaltação dos
que lutam, o sorriso dos que estão
distendidos, Ela chora com os que
choram, e assim por diante.
Há uma qualidade excelente da
alma, por onde um santo pode ad-
quirir esta flexibilidade em que ele
sabe, com cada um, estar no estado
de alma daquele. Mas que elastici-
dade provavelmente isso significa,
que força de adaptação isso deve
custar! Porque ninguém quer estar
no estado de espírito do outro. Ca-
da pessoa quer estar no estado de
espírito próprio e deseja que o ou-
tro se adapte a ela. O indivíduo en-
tra alegre numa sala e quer que to-
do mundo faça cara alegre. Razão?
Ele está alegre! E quando está tris-
te, ele tem raiva dos outros que es-
tão alegres. É ou não é verdade que
esse indivíduo se julga o centro do
mundo? Compreendemos, assim,
São Francisco de Borja celebrando a sua primeira toda a destreza que está represen-
Missa - Santa Casa, Loyola (Espanha) tada nessa virtude de saber afazer-
-se à alma dos outros.
diam de consagrar longas horas à oração. Sua caridade o Santa Teresa, que recorreu aos seus conselhos, chamou-
adaptava a todas as almas. Sua humildade fazia com que -o de santo. Em 30 de setembro de 1572 ele morreu. Nu-
ele procurasse os ofícios mais insignificantes e recusasse as merosos milagres assinalaram sua santidade. Clemente X o
honras que lhe quisessem prestar. canonizou em 1671.
Essas palavras são bonitas, mas parecem uns enfeites Ele foi conselheiro de Santa Teresa de Jesus. Imagine-
aos quais se está habituado. Elas comportam, entretanto, mos uma sala de um convento e Santa Teresa conversan-
uma especificação. do com São Francisco de Borja! Nós não seríamos dig-
Em primeiro lugar, ele foi Geral da Companhia de Je- nos de olhar pelo buraco da fechadura... E Santa Teresa
sus. Tal foi o poder dessa Ordem no passado, que o Geral conheceu de perto as grandes virtudes dele, e reconhecia
dos jesuítas era chamado de “O Papa negro”. nele um verdadeiro santo.
Não sei se os presentes neste auditório se dão bem Vimos assim alguns traços da vida de São Francisco de
conta do que significa se adaptar a todos. Borja.   v
No tempo em que eu era moço, havia uma cançãozi-
nha que se cantava nas igrejas com muita compostura, (Extraído de conferência de 10/10/1969)
quando acabavam os ofícios litúrgicos e o povo ia sain-
do: “Saudemos a Jesus, saudemos a Maria, a Fé se reani-
ma, nobilita e dá energia”. E a horas tantas, os fiéis can- 1) Não possuímos a fonte desta ficha.

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