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Profundidade e desapego
O que teria levado Santa Joana de Chantal a abandonar seus parentes,
rompendo vínculos afetivos, para fundar uma Congregação
religiosa de contemplativas? Dir-se-ia que da formação recebida do
suave São Francisco de Sales resultariam atitudes bem diversas.
A consideração de algumas características do espírito
desta grande Santa e de seu formador projeta luz sobre o problema
e nos ajuda a compreender os desígnios de Deus.
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sieur Frémiot, o velho presidente do Parlamento de Bour-
goin, sentia-se desfalecer. Abraçou chorando a sua filha e
disse: “Meu Deus, não me compete mudar os vossos desíg-
nios. Eu vos ofereço esta filha querida, recebei-a e conso-
lai-me.” Depois, deu-lhe a bênção e ajudou-a a se erguer.
O jovem Chantal, seu filho de 15 anos, correu para ela
e prendeu-se a seu pescoço, esperando comovê-la. Não
tendo êxito, deitou-se ante a porta por onde ela deveria
sair e lhe disse: “Sou muito fraco, senhora, para vos
reter, mas ao menos dirão que passastes sobre o cor-
po de vosso filho para abandoná-lo.” A santa chorou
amargamente passando pelo jovem, mas instantes
depois, temendo que pensasse que se arrependia de
sua decisão, voltou para os que a acompanhavam
e com uma face serena disse: “É preciso que per-
doeis a minha fraqueza, pois deixo meu pai e meu
filho para sempre, mas encontrei o meu Deus em
toda parte.”1
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Hagiografia
lhe fez, e lhe roga a bênção; e o ancião, quase como uma Ademais, a ideia de ir para o convento não se reves-
figura de tragédia grega, se despede dela com lágrimas e a te daquele aspecto semitrágico de antigamente. O sen-
entrega a Deus. Depois, a despedida de seu velho pai: no- so da Cruz, da gravidade das coisas, o senso de toda a re-
va genuflexão, novas lágrimas. E por fim o lance dramáti- núncia que significa alguém tornar-se religioso, o senso
co do filho, que se pendurou ao pescoço da mãe, pedindo- de toda a dignidade que a pessoa assume ao abraçar esse
-lhe para não entrar no convento. Ela recusou-se. Ele, en- estado, daquele conúbio com Nosso Senhor Jesus Cris-
tão, deitou-se na soleira da porta e disse: “Já que eu não to com toda a serenidade que traz, os espíritos perderam
tive força para vos reter, ao menos se dirá que a senhora a noção disto. O resultado é que os grandes lances não
passou sobre o corpo de seu filho para ir para o convento.” têm mais essa acuidade, esse caráter dramático; são epi-
Quer dizer, “a senhora está me abandonando!” Percebe- sódios banais.
mos o trágico de todos esses lances. As pessoas assistem, na televisão ou no cinema, a tan-
Por que em nossos dias esta cena não se passaria com tos dramas, romances, tantas despedidas, tantos reen-
tanto cerimonial? Porque fomos habituados a não entrar contros, que todo mundo está saturado. Assim, os atos
no fundo do significado das coisas, e a nos incomodarmos da vida cotidiana que teriam grandeza se esvaziam com-
somente conosco. Resultado, para o velho sogro o proble- pletamente.
ma importante é o jornal que chega de manhã, o leitezi-
nho que ele toma, a televisão, o chinelo, a saúde, os cuida- Profundidade de espírito e amor a Deus
dos pessoais de toda ordem. Lê uma notícia sobre trans-
plante de coração para ver se seria possível transplantar Então, qual é a grande lição que devemos tirar daí?
um nele, prolongando sua vida por mais 30 anos. Isso é Antes de tudo, considerar o espírito profundo de San-
o importante! A nora, que vai ou não para o convento, ta Joana de Chantal que correspondeu à vocação, com-
é uma coisa acessória, porque, se ela faltar, ele contrata preendeu que a família é uma instituição tal que, quan-
uma enfermeira, e a vida continua do mesmo jeito. do Deus lhe dá tudo, ela se supera e tende a produzir re-
ligiosos, missionários, guerreiros,
apóstolos que são obrigados a se
separar dela. E esta espécie de su-
Evrik
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Deus pedia a Santa
Joana que oferecesse
Rvalette
algo a mais do que a
bondade que se tem na
família, e era a bondade
adquirida ao adotar o
estado religioso, rompendo
os laços familiares,
entretanto, tão santos.
de, que é a seriedade, a abnegação, e o contrário do egoís- Dois aspectos dignos de nota são, em primeiro lugar,
mo, de modo a termos almas capazes de encher-se da gra- a importância das Ordens contemplativas. Numa época
ça de Deus, nosso Senhor, concedida pelas mãos de Maria. cheia dessas Ordens e em que havia muitas vocações pa-
ra elas, São Francisco de Sales funda, com Santa Joana,
Suavidade e exigência mais uma Ordem contemplativa. Vemos, assim, o quanto
isso é um tesouro que nunca haverá na Igreja em quanti-
Santa Joana de Chantal fundou a Ordem da Visitação dade suficiente. Não há o que baste, desde que a Ordem
cujas freiras são estritamente contemplativas. Encontra- seja realmente fervorosa.
mos nessa Ordem outro traço do espírito dela e de São Outra consideração interessante é a necessidade des-
Francisco de Sales: o sentido de não ter propriedade par- sas Ordens contemplativas constituírem famílias de al-
ticular é levado tão longe nessa Ordem, que as religiosas mas na Igreja, cada uma com seu espírito próprio, for-
se consagram a serviços comuns, por exemplo, bordados, mando uma espécie de mosaico onde se vê um tom di-
vendidos para a manutenção delas. São Francisco de Sa- verso em cada Ordem. Na Visitação, a suavidade, mas,
les, que fez essa regra com Santa Joana de Chantal, de- de outro lado, a extrema exigência em tudo aquilo que se
terminou o seguinte: nunca uma freira faça um borda- refere à verdadeira virtude.
do inteiro; os bordados são rotativos dentro da casa, para Temos, assim, alguns dados que podem servir para uma
ninguém ter apego ao trabalho que fez. meditação sobre a vida de Santa Joana de Chantal. v
Vemos como, nos últimos pormenores, foi levada lon-
ge a noção de propriedade comum para produzir o desa- (Extraído de conferências
pego completo. De tal maneira o direito de propriedade de 21/8/1965 e 20/8/1968)
é de acordo com a natureza humana, que quando um in-
divíduo é chamado a um estado de vida no qual não de-
ve possuir, é necessário um grande zelo para não se ape-
gar à propriedade. Por isso os grandes fundadores de Or- 1) Não possuímos os dados bibliográficos da ficha lida por Dr.
dens tomam muito cuidado para evitar qualquer forma Plinio nesta conferência.
de apego, de apropriação. 2) Cf. Mt 11, 12.
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