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REVISTA DR.

PLINIO 93, Dezembro 2005


o santo Do mês

1 de dezembro

Santo Elói
Ourives, ecônomo e
apóstolo perfeito
Perpetuado numa canção popular francesa, a
figura do “grande Santo Elói” resplandece em sua
época, unindo o extraordinário talento artístico ao
discernimento ímpar de diplomata e, sobretudo, à
excelência de suas virtudes. Dr. Plinio nos evoca
as principais facetas da vida deste modelo de
apóstolo, artesão e político.

S anto Elói distinguiu-se no seu


tempo pelas qualidades sui ge-
neris que o caracterizaram,
tendo sido sua vida semeada de fa-
659. Natural de Limoges [França],
revelou desde criança grande apti-
dão para os trabalhos manuais. En-
caminhado para a profissão de ou-
píritos modernos, adeptos de uma
simplicidade equivocada . Mais ain-
da os chocariam a iniciativa de San-
to Elói de fazer algo aparentemente
tos interessantíssimos dos quais nos rives, tornou-se um dos mais hábeis inútil: dois tronos em vez de um só . . .
dá conhecimento uma biografia es- artistas de seu tempo. Famoso é o “O rei então o nomeou seu ourives
crita pelo Pe . Rohrbacher . Desta, al- caso da confecção do trono do Rei e diretor da Moeda.”
gumas passagens merecem ser aqui Clotário, que o queria ímpar e in- Tais cargos tendiam a ser conexos
comentadas . crustado de pedrarias. Com o ou- naquele tempo, porque as moedas
ro recebido para tal fim, Elói fez eram de ouro e quem exercia a fun-
Hábil ourives e diretor não um, mas dois tronos igualmen- ção de ourives do rei poderia igual-
das finanças do reino te preciosos.” mente ser escolhido para dirigir a
A idéia de um santo confeccionar economia .
Escreve o ilustre hagiógrafo: um trono para um monarca, contri- Como se vê, não era fácil a exis-
“Santo Elói foi dotado de invul- buindo com sua arte para a pompa tência de alguns personagens daque-
gar personalidade. Viveu de 588 a real, talvez contrarie não poucos es- la época .


S. Hollmann

As virtudes e o raro talento artístico de Santo


Elói lhe granjearam a admiração do Rei
Clotário, que o nomeou seu ourives e ecônomo
“Santo Elói diante do Rei Clotário”, Museu do Prado (Madrid);
no destaque, moeda com a efígie do “bom” Rei Dagoberto

Grande político goberto era suficientemen-


e diplomata te grande para que o santo pu-
desse repreendê-lo contra sua
“Sucedendo a Clotário seu filho moral, bastante relapsa, e também
Dagoberto, Santo Elói tornou-se gran- quanto ao seu modo desmazelado de
de amigo do soberano, revelando-se trajar-se.”
então insigne conselheiro, hábil políti- Esta circunstância da vida de San- va-lhe grande amizade. Mais ainda.
co e diplomata.” to Elói deu origem à conhecida can- Quando o santo conselheiro lhe cha-
Vemos assim a ascensão de Santo ção popular francesa Le bon Roi Da- mava a atenção, o rei acatava a re-
Elói: de ourives passou a diretor da gobert (ver quadro). Percebe-se, en- primenda com submissão e alegria.
Moeda e, em seguida, diplomata. tretanto, que o bom Rei Dagoberto Muito interessante o fato de San-
“Afirma-se que os enviados de prín- não era tão louvável assim, merecen- to Elói corrigir o Rei quanto ao des-
cipes estrangeiros avistavam-se pri- do algumas censuras. Mas, possuía mazelo de seus trajes, querendo as-
meiro com ele, antes de se dirigirem ao esta qualidade: simpatizava-se com sim que ele se vestisse com distin-
monarca. Sua influência junto a Da- Santo Elói, apreciava-o e devota- ção e bom-gosto. Essa atitude do ho-

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O Santo do mês

mem de Deus pode chocar certos es- labros, e continua a trabalhar nos la- Zelo, sabedoria
píritos contemporâneos, notadamen- vores e polimentos de um bonito re- e bondade
te aqueles que chamaríamos de “he- licário, ornado de pedras preciosas,
resia branca”1. Pois, segundo esta, um no qual ele guardará os restos de um “Tendo sido ordenado sacerdo-
rei deve usar roupas comuns e bara- bem-aventurado de sua devoção. te, foi sagrado Bispo, ocupando a Sé
tas, e desejar desfazer-se das galas e Nessa tarefa, emprega ele toda a sua episcopal de Noyon. Como muitos
preeminências que cercam seu cargo. piedade e todo o seu talento artísti- outros prelados da época merovíngia,
co! É uma cena maravilhosa. foi um grande organizador, um após-
Artífice de relicários e E se pensarmos que, na lingua- tolo repleto de zelo, sabedoria e bon-
fundador de mosteiros gem atual, Santo Elói era o Minis- dade.”
tro da Fazenda daquele rei, que dife- As fecundas ações deste homem
Continua a biografia: rença em relação a certos estadistas de Deus evocam as de São Marti-
“O tempo que lhe sobrava de seu tra- contemporâneos! nho de Tours, comentadas por nós
balho na corte, de suas orações e obras “Atribuem-se-lhe os relicários de em oportunidade anterior2. Quer di-
de caridade, empregava-o em honrar São Germano de Paris, São Denis, zer, nas épocas de estruturação e or-
com sua arte as relíquias dos santos.” São Severino, São Martinho, San- ganização da Cristandade medieval,
Hoje em dia vemos muitas pesso- ta Colomba e Santa Genoveva. Além a Providência suscitou vários santos
as aplicarem seu tempo livre em ni- desses trabalhos, Santo Elói fundou que empreenderam inúmeras obras
nharias. O passatempo de Santo Elói numerosos mosteiros.” admiráveis. Um deles foi Santo Elói.
era fazer relicários! Cumpre assinalar o extraordiná- “Sua atividade irradiou-se para
Imaginemos uma sala de estilo ro- rio vigor de Santo Elói e sua intensa Flandres, Holanda e, segundo afir-
mânico, pressagiando o gótico, cujas atividade. Afinal, era diplomata, po- mam, Suécia e Dinamarca.”
porta e janela dão para um pátio. A lítico, ecônomo, ourives, artífice de Isso significa uma alta e árdua
tarde começa a se confundir com o relicários e ainda encontrava tempo missão, pois naquele tempo a Suécia
anoitecer. Nosso Santo, termina- e meios de fundar mosteiros! Foi um e a Dinamarca eram ainda habitadas
do seus afazeres, senta-se junto a desses homens dos quais emanam por povos bárbaros. E até lá propa-
uma mesa de ourives no palácio re- mil obras, todas repletas de pensa- gou-se o zelo apostólico do grande
al, acende as velas de alguns cande- mento e santidade. Santo Elói.
S. Hollmann

Como outros
heróis da Fé nos
primórdios da
Cristandade
Medieval, Santo
Elói foi suscitado
pela Providência
para empreender
inúmeras e
admiráveis obras
“Santo Elói no seu atelier
de ourivesaria”, Museu do
Prado (Madrid); na página
seguinte, o Rei Dagoberto
manda edificar uma igreja

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Velado por uma santa
Após essa vida de intenso servi-
ço a Deus e ao próximo, ele recebe-
ria afinal o prêmio por suas virtudes.
E o Pe. Rohrbacher registra esse to-
cante fato:
“Era grande sua fama, a tal ponto
que, sabendo-o agonizante, a Rainha
Santa Batilde fez longa viagem para
vê-lo antes de morrer. Mas chegou a
Noyon no dia seguinte ao de seu fale-
cimento.”
Portanto, a magnífica existência
de Santo Elói se encerra e logo se ve-
rifica esta bela cena: a Rainha Batil-
de, santa ela mesma3, tendo notícia
de que o Bispo de Noyon se achava à
beira da morte, desloca-se por estra-
das difíceis, correndo riscos, protegi-
da por um grande séquito, rezando Le bon Roi Dagobert
para encontrar Santo Elói ainda vi-
vo. Naturalmente, desejava receber Le bon Roi Dagobert O bom Rei Dagoberto
algum conselho dele. Porém, alcan- Avait mis sa culotte à l’envers. tinha posto os calções do avesso.
ça Noyon quando aquele já entrega- Le grand saint Eloi O grande Santo Elói lhe disse:
ra sua alma a Deus. Lui dit: Mon bon Roi, — Meu bom Rei,
Podemos imaginar a chegada de Votre Majesté est mal culottée! vossa majestade tem os calções
Santa Batilde à cidade, o cortejo de — C’est vrai, lui dit le roi, mal postos!
autoridades e de pessoas do povo Je vais la remettre à l’endroit! — É verdade, disse-lhe o Rei,
que vão recebê-la e lhe transmitem vou pô-los direitos!
a notícia da morte de Santo Elói. A Le bon Roi Dagobert
Rainha se dirige imediatamente pa- Allait à la chasse au pivert. O bom Rei Dagoberto
ra junto do esquife, venera os restos Le grand Saint Eloi ia à caça ao pica-pau.
mortais e eleva suas preces — por Lui dit: Mon bon Roi, O grande Santo Elói lhe disse:
ele e a ele. É uma santa ao lado do La chasse au coucou — Meu bom Rei,
cadáver de outro santo! Vaudrait mieux pour vous. a caça ao cuco seria melhor para vós.
Eis um maravilhoso epílogo pa- — C’est vrai, lui dit le Roi, — É verdade, disse-lhe o Rei,
ra uma vida pontilhada de episódios Mets-toi là, que je tire sur toi! põe-te ali, para que atire sobre ti!
também maravilhosos, numa época
repleta de maravilhoso.   v Le bon Roi Dagobert O bom Rei Dagoberto
Avait un grand sabre de fer. Tinha um grande sabre de ferro.
Le grand Saint Eloi lui dit: O grande Santo Elói lhe disse:
Mon bon Roi, Votre Majesté — Meu bom Rei, vossa majestade
1
) Expressão metafórica criada por Dr. Pourrait se blesser Pode se machucar.
Plinio para designar a mentalidade — C’est vrai, lui dit le roi, — É verdade, disse-lhe o Rei,
sentimental que se manifesta na pie-
Qu’on me donne un sabre de bois! dêem-me então um sabre de madeira!
dade, na cultura, na arte, etc. As pes-
soas por ela afetadas se tornam mo-
les, medíocres, pouco propensas à
Canção surgida por volta de 1790, sobre uma ária de caça mais antiga: La fan-
fortaleza, assim como a tudo que sig-
fare du grand cerf (“A fanfarra do grande cervo”). Os versos foram escritos aos
nifique esplendor.
poucos, cada um acrescentando seu grão de sal à ladainha satírica. Pierre La-
2
) Cf. “Dr. Plinio” número 80. rousse (autor da célebre enciclopédia) compilou 24 estrofes.
3
) Sua memória é celebrada no dia 30 de
janeiro. Foi esposa do Rei Clóvis II.

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