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REVISTA DR.

PLINIO 128, Novembro de 2008

o santo Do mês

Reflexões
em torno da Festa
de Cristo Rei
(Festa móvel)

Aproveitando a ocasião de uma Festa de Cristo Rei, Dr. Plinio


comenta, enlevado, os diversos reluzimentos da infinita
majestade de Nosso Senhor Jesus Cristo ao longo de sua
passagem neste mundo. Majestade coroada nas glórias da
Ressurreição e perpetuada nos grandiosos acontecimentos da
Santa Igreja Católica Apostólica Romana.

A
o considerarmos a celebração da realeza de sa noção de majestade. Tal recusa, porém, não torna essa
Cristo e, pois, da majestade do Filho de Deus, noção perempta, porque ela permanece invariável: se al-
creio ser conveniente voltarmos nossos olhos guém se afasta dela, não é o conceito que decai, e sim es-
para um aspecto pouco ressaltado quando se aborda es- se alguém. Mais ou menos como um navio que afunda e,
se tema. por isso, se distancia da luz do sol. Não é o astro que so-
çobra e desaparece, mas o navio. O sol continua a brilhar
Risco, dor e dever são no alto dos céus.
inerentes à majestade
A majestade autêntica provém da Fé
Majestade, do latim major stare, significa estar acima,
no píncaro. Devemos então começar por compreender As grandes verdades e normas, os grandes princípios e
que essa condição de supremacia envolve muita reflexão. planos, as grandes máximas e execuções são os aspectos
Não uma reflexão qualquer, mas inspirada, iluminada e por onde um homem, mesmo de condição comum, pode
elevada pela graça. Esse teor de pensamento patenteia, ter majestade. Portanto, essa majestade todo indivíduo
à pessoa que se encontra nessa posição suprema, o de- deve desejar, sem nenhum prejuízo para a modéstia e a
ver, o risco e a dor inerentes à sua condição. Porque pos- virtude da humildade que ele igualmente deve praticar.
suir majestade consiste também — e não na menor medi- Pois, entendamos, a majestade não é uma faceirice co-
da — em aceitar a dor, o risco, as obrigações com todos mo uma gravata ou um atavio que vestimos para mostrar
os seus ônus. aos outros: “Veja, chegou-me de Paris”. Não, a autênti-
Alguns espíritos contemporâneos, superficiais e aves- ca majestade não é enfeite, e nunca ensoberbece aquele
sos à reflexão, amigos das facilidades e inimigos da dor que a possui. Pelo contrário, o indivíduo que tem majes-
e do sofrimento, talvez se sintam contrariados com es- tade se sente sempre pequeno diante dela, compreende

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V. Toniolo

Cristo Rei - Por Giotto, Pinacoteca Vaticana, Roma

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O Santo do mês

que, por mais majestoso que seja, como simples indiví-


duo não é diferente de todo mortal. A majestade lhe vem
da fé, da influência da Santa Igreja à qual ele se dispõe a
aceitar. Se for honesto consigo mesmo, ele se pergunta-
rá sempre se levou sua própria majestade à altura para a
qual foi criado.

O Rei por excelência,


crucificado e rejeitado
Tocamos, então, no exemplo sublime que ilustra os
conceitos acima considerados: Nosso Senhor Jesus
Cristo.
Pensemos na majestade do Homem-Deus no Calvá-
rio, sentenciado, condenado e pregado na cruz. Sobre
Ele recaíram as piores execrações possíveis. Era o rejei-
tado por excelência, como nenhum outro ser humano fo-
ra nem será. Durante três anos de sua vida pública, Nos-
so Senhor não fez senão procurar atrair os outros, ma-
nifestando-lhes uma sabedoria, uma misericórdia e uma
bondade infinitas. Seu império sobre as forças da natu-
reza tornou-se patente em mais de uma ocasião. Um po-
der capaz de levantar um morto sepultado há quatro dias
e que já cheirava mal, com uma simples ordem: “Lázaro,
sai para fora!”
As tempestades agitam as águas do mar e, a uma pala-
vra d’Ele, tudo serena. Falta vinho, Ele manda encher al-
gumas bilhas de água e, quando o mordomo se põe a ser-
vir, espanta-se com a qualidade do vinho que é ofereci-
do aos convidados das bodas de Caná. A multidão tem
fome? Ele multiplica os pães e os peixes e ordena aos
Apóstolos saciar aquela gente. A comida se verifica tanta
que, com os restos, ainda enchem doze canastras.
Por onde Nosso Senhor passava, maravilhas se suce-
diam. Poder, sabedoria, bondade e ternura insondáveis.
Seu olhar, sua fisionomia, suas mãos e sua presença di-
vinas estavam repletos de dons ofertados aos homens. O
povo O proclama rei para em seguida rejeitá-Lo em fa-
vor do facínora Barrabás.
Rejeição completa, na qual Nosso Senhor nada per-
deu de sua majestade infinita, de sua distinção incom-
parável. Qualquer um que, de olhar límpido e isento de
preconceitos, O visse pregado na cruz, ajoelhar-se-ia e
diria: “Meu Rei!”
Não houve nem haverá na História um monarca que
tenha, sequer de longe, manifestado semelhante majes-
tade.

Grandeza régia do cadáver divino


Nosso Senhor morre, alguns discípulos mais corajo-
sos retiram o corpo d’Ele da cruz. Ao longo dos séculos,

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G. Kralj
os pintores têm se empenhado em salientar um aspecto
verdadeiro da descida da cruz, isto é, o corpo santíssimo
de Jesus sujeito às leis da gravidade, sem vida, pendendo
para onde o inclinam. Retirado do madeiro, o depositam
no colo virginal de Maria Santíssima e o preparam para
ser deixado na sepultura. Igualmente se esforçam os ar-
tistas em retratar a dor da Mãe e a inanição do Filho.
Entretanto, se me fosse dado sugerir algo a um pintor
ou escultor, pediria que encontrasse um meio de apre-
sentar, na simplicidade e misérias extremas dessa Mãe e
desse Filho, a sublime majestade de ambos: a régia gran-
deza do cadáver divino, e como Maria se sentia dignifica-
da com aquele tesouro depositado no seu colo.

Incomparável majestade
da Ressurreição
Pensemos, em seguida, na Ressurreição e naquilo que
poderíamos chamar de “re-esplendor” da majestade de
Nosso Senhor Jesus Cristo. No interior do jazigo, escu-
ridão profunda. Mais majestoso do que todo o céu e do
que toda a terra, ali repousa o corpo exangue do Reden-
tor. Em determinado momento — imaginemos — a alma
santíssima de Nosso Senhor Jesus Cristo a ele retorna e o
revivifica, vencendo a morte.

“Quisera que um artista


soubesse exprimir a
majestade do Filho morto e a
Mãe sentindo-se dignificada
com o Tesouro depositado
sobre seu colo”

Nossa Senhora da Piedade - Igreja


da Candelária, Rio de Janeiro

Se um relâmpago, mera descarga elétrica, pode ser


majestoso; se o sol, cujo fulgor é produto de gases em
combustão, tantas vezes nos parece envolto em majesta-
de, que dizer da apoteose que terá sido a alma de Cristo
voltando ao seu corpo?
O tema é por demais elevado para nossas cogitações, e
creio que pincel de artista algum seria capaz de represen-
tá-lo de maneira conveniente.

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O Santo do mês

A pedra do sepulcro se move e o Senhor Glorioso


abandona as trevas do túmulo para reaparecer na luz da
vida. É a primeira festa de Páscoa da História da Igreja e
que se repetirá, todos os anos, até o fim dos tempos. Ma-
jestade!

Pentecostes e as catacumbas:
exemplos perfeitos de majestade
Poderíamos ainda evocar outras cenas que se segui-
ram à gloriosa Ressurreição do Rei Divino, as quais es-
pargem reflexos de sua infinita majestade.
Cenáculo. Nossa Senhora e os Apóstolos estão ali reu-
nidos, recolhidos em oração e recordações dos ensinamen-
tos do Mestre. Sentem que algo de extraordinário está por
acontecer. Seus corações se inflamam a cada nova oração,
a cada nova lembrança das palavras de Jesus. O ambien-
te se reveste de grandeza, e os discípulos se tomam de um
encantamento crescente pela pessoa de Maria Santíssima,
vendo n’Ela a imagem do Filho. Tudo reluz.
Subitamente, quando pensam que atingiram o auge de
suas cogitações, tudo ainda estava por vir: o Divino Espí-
rito Santo aparece em forma de línguas de fogo e deita so-
bre cada um deles a plenitude de seus dons. Majestade!
Muda a cena. Correm os séculos, e estamos nas cata-
cumbas de Roma. Labirintos escavados no subsolo da ve-

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Fotos: V. Toniolo
A divina majestade de Cristo
glorioso se manifestará
até o fim dos tempos,
refletida na grandiosa
história da Igreja
sobre a face da Terra

Cristo Ressurrecto - Pinacoteca Vaticana,


Roma; Catacumba de Santa Domitila, Roma

lha urbe. Terra onde os cristãos depositam os corpos ina-


nimados dos seus mártires. Naqueles túneis vivem e tran-
sitam pessoas humildes e ilustres, ricos e estropiados, ca-
tólicos de todas as condições que iam assistir a Missa ce-
lebrada pelo sucessor de Pedro.
É uma noite de Natal, digamos. Noite comum para os
romanos antigos, alguns dos quais se embriagavam em
orgias; mas, lá embaixo, naquela cidade sob a cidade, en-
tre paredes ornadas com pinturas primitivas que lem-
bram cenas evangélicas, o Papa celebra o nascimento e a
glória de Cristo.
Exemplos perfeitos de majestade.

Revestida de seu manto majestoso,


a Igreja atravessa os séculos
É a majestade da Fé, a majestade do sobrenatural pro-
fessada até nas condições hostis e adversas das catacum-
bas, desafiando o martírio e a morte, enfrentando o im-
pério mais poderoso da Terra, admirando a pessoa do vi-
gário daquele Cristo que adoram, com uma reverência
tão grande que sua admiração ilumina aquele subterrâ-
neo inteiro.
Majestade das almas, e, mais ainda, majestade de
Deus que de algum modo se comunica àqueles primei-
ros cristãos e brilha nos seus olhares e na suas demons-
trações de Fé.
Majestade primitiva da Igreja que continha em ger-
me todas as majestades que ela manifestaria ao longo
dos séculos, nas suas liturgias e na sua história, como
uma rainha revestida de um imenso e precioso manto
de beleza.  v
(Extraído de conferência em 27/11/1982)

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