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FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE

REGIONAL DE BLUMENAU

REITORA
Marcia Cristina Sardá Espindola

VICE-REITOR
João Luiz Gurgel Calvet da Silveira

EDITORA DA FURB

CONSELHO EDITORIAL
Edson Luiz Borges
Helena Maria Zanetti de Azeredo Orselli
Moacir Marcolin
Juliana de Mello Moraes
Roberto Heinzle
Márcia Oliveira
Carla Fernanda Nolli

EDITOR EXECUTIVO
Maicon Tenfen

DISTRIBUIÇÃO
Edifurb
Editora da FURB

Rua Antônio da Veiga, 140
89012-900 Blumenau SC BRASIL
Fone: (047) 3321-0329
3321-0330
3321-0592
Correio eletrônico: editora@furb.com.br
Internet: www.furb.br/editora
Distribuição: Editora da FURB

Proibida a reprodução total ou parcial desta obra,


por qualquer meio eletrônico, mecânico, inclusive por processo
xerográfico, sem permissão expressa do autor.

Depósito legal da Biblioteca Nacional, conforme Lei no 10994,


de 14 de dezembro de 2004.

“Impresso no Brasil / Printed in Brazil”

Aguardando ISSN a ser elaborado pela Edifurb


EQUIPE TÉCNICA

Coordenação do Projeto Cognitum


Prof. Dr. Marcos Antônio Mattedi
Profa. Dra. Fabrícia Durieux Zucco
Prof. Dr. Sandro Lauri da Silva Galarça

Concepção Visual Criativa


Ana Clara Lima de Souza Alves
João Orlando Serpa Silva
Mateus Jacobsen
Nicolle Rafaela Campos
Rafael Amaral Reis
Rafaele Caroline Wessling

Diagramação
Leandro Ludwig

Edição de Áudio
Everton Darolt
Felipe Hering

Edição de Vídeo
Marta Francisca Pego dos Santos

Entrevistas
Gabriela Zimmermann
Giulia Godri Machado
Isabela Cremer
Júlia Bernardes Laurindo
Maria Luiza de Almeida Kuster
Natiele de Oliveira Vanderlinde
Thiago Cisilo Gomes
ORGANIZADORES
Sandro Galarça
Fabrícia Durieux Zucco
Marcos Antônio Mattedi

Blumenau, 2021
Sumário
Prefácio_________________________________ 01
Profa. Marcia Cristina Sardá Espíndola
Reitora da FURB

Entre olhares: a entrevista jornalística como prática


pedagógica______________________________ 04
Prof. Sandro Galarça

Formação e Desenvolvimento da Pesquisa Científica na


FURB__________________________________ 14
Dr M. Mattedi
Dra F. Zucco
Dr S. Galarça

Prof. Dr. Adilson Pinheiro_____________________ 40


Por Maria Luiza de Almeida Kuster

Prof. Dr. Adolfo Ramos Lamar__________________ 52


Por Gabriela Zimmermann

Prof. Dr. Alejandro Knaesel Arrabal______________ 62


Por Thiago Gomes

Prof. Dr. Clóvis Reis_________________________ 72


Por Júlia Bernardes Laurindo

Prof. Dr. Ernani Tiaraju de Santa Helena___________ 94


Por Natiele de Oliveira Vanderlinde

Prof. Dr. Gérson Tontini______________________ 114


Por Giulia Godri Machado

Prof. Dr. Henry França Meier__________________ 126


Por Maria Luiza de Almeida Kuster
Prof. Dr. Leonel Cezar Rodrigues________________ 162
Por Giulia Godri Machado

Prof. Dr. Luís Renato Garcez de Oliveira Mello_______ 180


Por Natiele de Oliveira Vanderlinde

Prof. Dra. Noemia Bohn______________________ 194


Por Thiago Gomes

Prof. Dra. Otília Lizete de Oliveira Martins Heinig___ 206


Por Gabriela Zimmermann

Prof. Dr. Sidney Luiz Stürmer__________________ 218


Por Isabela Cremer

Prof. Dra. Vilma Margarete Simão_______________238


Por Júlia Bernardes Laurindo

Prof. Dra. Zelinda Maria Braga Hirano___________ 258


Por Isabela Cremer
Prefácio
Profa. Marcia Cristina Sardá Espíndola
Reitora da FURB

“Cognitum”, que em latim significa notícia, (re) escreve a


história da FURB segundo vivências de seus pesquisadores, revela e
traz visibilidade para a experiência acadêmica e científica acumulada
em 57 anos, por meio de suas percepções.
A história da FURB é também a história de seus pesquisadores.
Primeira instituição de ensino superior do interior do estado de
Santa Catarina, a Universidade Regional de Blumenau nasceu da
comunidade e da vontade de ter aqui, na cidade, o ensino superior
capaz de transformar vidas, oferecido, até então, somente na Capital.
Com a FURB nasceu também o movimento que deu origem às
fundações municipais, sem fins lucrativos, que formaram, mais tarde,
o sistema ACAFE. Uma estratégia que fez com que cada região de Santa
Catarina se desenvolvesse dentro de suas vocações, com a inteligência,
a experiência e a sabedoria de quem conhece aquilo que desenvolve.
Ao longo de sua história, a FURB passou por importantes
transformações, a principal delas, em fevereiro de 1986, foi o
credenciamento como Universidade, ampliando seu papel no
desenvolvimento científico local, regional, estadual, nacional e
internacional.
E como Universidade, atraiu os profissionais qualificados que
a constituem, formando grupos de pesquisas que se consolidaram na
formação cientifica de várias gerações.
Com importantes pesquisadores no seu quadro docente, para
a FURB noticiar suas vivências significa aproximar a comunidade da
Universidade e demonstrar que, além da missão do desenvolvimento
cientifico, estes profissionais também realizam atividades de ensino,

01
tanto na graduação quanto na pós-graduação, formam novos
pesquisadores, cumprem exigências para a publicação de artigos e
para a a prestação de serviços com pesquisa aplicada.
Assim, este livro é uma homenagem aos pesquisadores da FURB e
sua primeira edição revela vivências de 14 docentes pesquisadores cujas
trajetórias se fundem com a história da Universidade de Blumenau, com
a criação dos programas stricto sensu, com as estruturas conquistadas
para o desenvolvimento de pesquisas e a produção do conhecimento
cientifico de nossa região.
Nestes relatos, percebemos a importância da Universidade e
seu papel no desenvolvimento econômico, social e cultural da região,
como também a dedicação destes pesquisadores, orgulho e inspiração
para todos que compartilham o ideal de incluir e garantir à sociedade o
direito à educação e às transformações que ela proporciona.

02
03
Entre olhares: a entrevista
jornalística como prática
pedagógica

Prof. Sandro Galarça

Introdução

E ste livro nasceu da constatação de que a Universidade


Regional de Blumenau (FURB) não se conhece muito bem. O
Projeto Cognitum, do latim noticiar, dar a conhecer, tem justamente
a finalidade de aproximar o conhecimento produzido nos muros da
universidade e socializá-lo, em primeira instância, dentro da própria
FURB. Por meio de sua ampla divulgação, que se utiliza das redes sociais
e de diversos formatos de mídia, também tem a intenção de chegar ao
grande público. O mote central do Projeto Cognitum é a disseminação
da pesquisa produzida através de décadas de conhecimento acumulado.
Na segunda década do século XXI e às vésperas de completar
60 anos de história, a Universidade Regional de Blumenau atravessa
um dos seus maiores desafios institucionais. Por um lado, as
transformações induzidas pela passagem da COVID-19 pressionam o
padrão convencional de organização acadêmica da universidade; por
outro, a disseminação do negacionismo científico questiona a validade
da atividade de pesquisa. Considerando estas ameaças, os cursos de
Publicidade & Propaganda e Jornalismo da FURB, com a participação
dos programas de pós-graduação em Administração (PPGAD) e em
Desenvolvimento Regional (PPGDR) instigam a comunidade acadêmica
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a conhecer melhor o desenvolvimento da atividade científica na FURB.
Para isso, apresentam o Projeto Cognitum.
O Projeto Cognitum constitui-se na realização de um conjunto
de 14 entrevistas com pesquisadores que, ao longo de suas atividades
na universidade, traçam o desenvolvimento das atividades científicas
na FURB. Neste sentido, tem como objetivo a edição de um livro em
formato impresso e um e-book, a realização de um documentário
em vídeo e a disponibilização de um conjunto de podcasts com os
pesquisadores entrevistados. Representa o resultado de uma atividade,
ao mesmo tempo, pedagógica, mas também política, na medida que
assinala a importância da pesquisa científica no desenvolvimento da
região do Vale do Itajaí. Portanto, o Projeto Cognitum procura dar
visibilidade a expertise acadêmica e científica acumuladas na FURB.
Tal atividade envolveu diversos atores do cenário da
universidade, numa ação inter e multidisciplinar. Participaram
ativamente o Laboratório de Áudio, Laboratório de Vídeo e
Laboratório de Fotografia do Departamento de Comunicação; os
cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda; programas de
pós-graduação em Administração (PPGAD) e em Desenvolvimento
Regional (PPGDR); projetos de extensão Informação e Cidadania e
Edujornalismo e Letramento Digital; Editora da FURB; Repúblika –
criatividade aplicada (agência experimental do curso de Publicidade
e Propaganda), Coordenadoria de Comunicação e Marketing; e
direções das sete unidades universitárias da Universidade Regional
de Blumenau (Figura 1). Os 14 pesquisadores entrevistados foram
escolhidos pela comissão executiva do Projeto Cognitum, a partir
de uma lista prévia com 28 nomes, indicados pela direção de cada uma
das unidades universitárias da FURB.

05
Figura 1. Atores envolvidos

Essa articulação acadêmica evidencia a interdisciplinaridade e


a aproximação dos estudantes com a realidade profissional, na medida
que emula metodologias de trabalho atuais e conectadas com as
demandas locais e regionais. A preocupação com a qualidade do produto
– em livro, vídeo e áudio – não negligencia, em nenhum momento,
os objetivos pedagógicos das disciplinas e espaços laboratoriais
envolvidos. Pelo contrário, potencializa, por meio de um produto real,
a interação entre projetos subjetivos e objetivos de aprendizagem nas
suas mais diversas formas de aplicabilidade.
Dentre tantos atores responsáveis pela condução do presente
projeto que se materializa em livro, destaque para o protagonismo dos
estudantes e docentes de dois cursos da comunicação: Publicidade e
Propaganda e Jornalismo. O curso de Publicidade e Propaganda da
FURB tem destacada atuação no âmbito do ensino, da pesquisa e da
extensão. Em 2021, completa 30 anos de atuação e é o primeiro curso
de Santa Catarina. Seu projeto político-pedagógico busca capacitar
profissionais com competência para atuar em diferentes setores da
comunicação, como agências de publicidade, produtoras de áudio

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e vídeo, gráficas, empresas de webdesign, estúdios de animação,
institutos de pesquisa, veículos de comunicação, entre outros. No
contexto da infraestrutura do curso, o laboratório denominado Agência
Experimental ocupa papel central.
Por outro lado, o curso de Jornalismo da Universidade Regional
de Blumenau (FURB), implantado em 2014, é o primeiro curso de
Jornalismo do Brasil a seguir as novas Diretrizes Curriculares Nacionais
(DCNs). Um dos componentes curriculares que procura atender ao
espírito das DCNs é Laboratório de Entrevista no Jornalismo, que
viabilizou a operacionalização técnica desse projeto. Essa articulação
de saberes por meio de eixos transversais e integradores pode ser
observada já no objetivo geral da disciplina, que diz: “aplicar as
técnicas de seleção, captação, redação e difusão de notícias a partir da
escolha das entrevistas, respeitando a ética na relação com as fontes;
estabelecer relações de confiança com as fontes e com o público;
praticar entrevistas ao vivo nos meios eletrônicos; e exercitar a edição
do conteúdo nos meios impresso e eletrônico”.
Uma forma de materializar esses processos de ensino-
aprendizagem por meio das práticas laboratoriais previstos na disciplina
ocorre principalmente pelo planejamento, produção e publicação de
produtos interdisciplinares que se utilizam de entrevistas jornalísticas
como método de obtenção de informações. O Projeto Cognitum,
interdisciplinar desde sua concepção, atende a essa expectativa. Está
baseado na expertise de diferentes áreas do conhecimento e do diverso
perfil docente para a materialização, através da articulação sistemática
de ações que cruzam os eixos de fundamentação e, ainda possibilita
uma iteração complementar e necessária entre a graduação e a pós-
graduação através da pesquisa e de seus pesquisadores.
A nova concepção da sociedade sugere uma maior aproximação
dos estudantes com um mercado emergente, pautado mormente pela
abundância das novas tecnologias de produção, distribuição e consumo
de conteúdo midiático, sem, entretanto, menosprezar a abordagem
humanística que caracterizou os primeiros cursos de jornalismo por
meio de disciplinas originárias das Ciências Humanas, como Filosofia,
Sociologia, Antropologia, por exemplo.

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A entrevista jornalística, a seu turno, age como catalisador
neste processo, porque viabiliza tanto as questões metodológicas sob
o viés jornalístico quanto é instrumento de aplicabilidade pedagógica,
visto que seu sucesso depende: a) da elaboração de uma pauta; b)
da compreensão de processos de pesquisa jornalística baseados em
critérios de noticiabilidade; c) de um acompanhamento docente nas
diferentes etapas de execução; d) da aplicação de uma série de teorias
ancoradas no campo jornalístico e nas Ciências Humanas; e) de um
cuidadoso processo de seleção e edição de informações jornalísticas;
f) no conhecimento prévio das fontes de pesquisa jornalística; g) da
construção adequada de um texto com rigor e adequação à linguagem
jornalística; h) de uma postura que privilegia a ética e empatia no
tratamento com as fontes.
Fundamental para a metodologia de apuração no jornalismo, a
entrevista cumpre diferentes papéis ao longo do processo de produção
e levantamento de informações que serão transmitidas pelos meios de
comunicação sob a ótica do interesse público (MILLER-CARPENTER;
CEPAK; PENG 2018). Pode-se categorizar a entrevista em quatro tipos
básicos: a) como etapa do levantamento e apuração de informações
para a construção de uma notícia ou reportagem; b) como meio de
acesso coletivo a determinadas fontes, realizadas de forma provocada
ou espontânea; c) como um gênero jornalístico; d) como um produto
midiático.
A realização de entrevistas como metodologia básica para a
busca de informações e cujo processo culmina na produção de textos
jornalísticos não foi um método presente desde as fases iniciais do
jornalismo, como nos lembra Schmitz (2011). Em sua fase mais
embrionária, mas já como produto da ascensão burguesa na Europa do
início do século XVII, os primeiros jornais impressos de periodicidade
regular se limitavam a reproduzir pequenas notas comerciais, reportar
eventos sociais e informações de caráter generalista. Trata-se da fase
que Charron e Bonville (2004) chamam de “jornalismo de transmissão”,
que se caracterizava por transmitir ao público as informações que
chegavam aos publishers, sem alterar seu conteúdo.

08
O surgimento do repórter, nesse contexto, introduz a
metodologia da entrevista como estratégia essencial que cumpre tarefas
fundamentais no cotidiano do jornalismo como conhecemos hoje. As
entrevistas como metodologia de apuração têm como funções básicas:
a) comparar versões diferentes sobre o mesmo fato; b) descobrir
informações exclusivas por meio do acesso a fontes de informação
confiáveis e a cuja recorrência legitima o processo de investigação; c)
checar informações que chegam às redações por meio das mais diversas
formas, como material produzido pelas assessorias de comunicação,
contribuição dos leitores ou sugestões de pauta de determinados
segmentos; d) ilustrar histórias protagonizadas por pessoas das mais
diferentes origens; e) traduzir linguagem técnica para o discurso
jornalístico conhecido por sua coloquialidade e universalidade; f) dar
voz às fontes especialistas como forma de legitimar um discurso de
autenticidade e veracidade, marcas do texto jornalístico.
De acordo com Lage (2001), a entrevista é o procedimento
clássico de apuração de informações em jornalismo. Para ele, é
uma expansão da consulta às fontes, com o objetivo de coletar as
interpretações e a reconstituição dos fatos. A palavra entrevista é
ambígua, e pode significar: a) qualquer procedimento de apuração
jornalística junto a uma fonte capaz de diálogo e de resultar em
informações; b) uma conversa de duração variável com personagem
notável ou portador de conhecimentos ou informações de interesse
para o público; c) a matéria publicada com as informações colhidas.
Do ponto de vista dos objetivos, as entrevistas podem ser assim
classificadas: a) ritual (formato mais breve, ocorre geralmente quando
o interesse está na exposição da voz ou da figura do entrevistado);
b) temática (quando aborda um tema específico, sobre o qual se
supõe que o entrevistado tenha domínio do conteúdo, autoridade
reconhecida ou opiniões relevantes acerca de determinado fato ou
evento); c) testemunhal (representa o relato de uma fonte sobre um
fato ou acontecimento a que ele assistiu, viveu ou presenciou); d) em
profundidade (quando o objetivo da entrevista não é um tema em
particular ou um acontecimento específico, mas a figura do entrevistado
ou a sua representatividade em determinada área do conhecimento).

09
No que diz respeito à entrevista como um gênero jornalístico, em
que ela por si agrega um conjunto de características que lhe conferem
tal status, ela pode ser adaptada de acordo com o suporte em que a
divulgação será feita. Assim, encontramos entrevistas impressas (em
jornais, revistas); no modelo digital e on-line (publicadas em blogs, sites
de conteúdo, portais de informação); em formato sonoro (entrevistas
divulgadas em rádios ou disponíveis em outras mídias sonoras, em
formato de podcasts disponíveis nas mais variadas plataformas); e em
formato de vídeo (apresentadas em emissoras de televisão ou como
documentários de cinema, mídia digital ou internet).
No jornalismo impresso, o conteúdo da entrevista pode ser
tratado como notícia, dar origem a uma reportagem ou, ainda ser
publicada em formato de perguntas em respostas, também conhecido
como entrevistas em pingue-pongue (LAGE, 2001; STEWART, CASH
JUNIOR, 2015). Quando o conteúdo resultante de uma entrevista
é tratado como notícia, tomam-se os mesmos procedimentos de um
texto informativo. Ordenam-se as informações a partir do primeiro
parágrafo jornalístico (por meio do lead ou lide), agrupando-se os dados
e opiniões apurados no processo noticioso em ordem decrescente de
importância, ou seja: parte-se do mais importante, do mais novo para
o menos relevante (formato da pirâmide invertida).
Quando uma entrevista será apresentada em formato pingue-
pongue, obedece a outros critérios de seleção e edição de conteúdo.
Nesse caso, é necessário transcrever a íntegra das declarações do
entrevistado. A seguir, é preciso traduzir a fala para o texto escrito,
o que envolve a supressão de redundâncias, repetições, a extração
de pausas desnecessárias e outras expressões que só têm sentido no
contexto falado ou quando o diálogo se estabelece com o jornalista que
realiza a coleta das informações. Quanto menos adaptado ao formato
escrito for o texto, mais fiel e espontâneo ele será, mas também será
mais ambíguo e de difícil leitura. Cabe ao jornalista realizar o processo
de edição com o olhar atento às particularidades de um texto escrito,
sua fluência, clareza, coerência e coesão textual (PEREIRA JUNIOR,
2010; COIMBRA, 1993; ALTMAN; LOREDANO, 2004).

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Ao produzir o texto final de uma entrevista em formato pingue-
pongue, o jornalista precisa compreender o universo cognitivo do seu
leitor. Precisa colocar-se no lugar de quem recebe o texto, o que Eco
(1994) chama de “o leitor ideal”. O leitor não é ideal porque existe,
mas porque pertence ao mundo das ideias, é projetado pelo escritor
em busca de uma certa materialidade, de uma certa referência. O
leitor ideal do jornalista é, por um lado, nunca ouviu falar sobre o
entrevistado ou sobre o assunto de que ele trata e, portanto, precisa
receber mais detalhes e uma necessária contextualização a respeito do
conteúdo; e também, por outro, quem tem conhecimento aprofundado
sobre o entrevistado e razoável background sobre a temática central do
que se apresenta no texto acabado.
Dessa forma, a entrevista em formato pingue-pongue tem
algumas características estruturais e conceituais (LAGE, 2001;
SILVA, 2009) que precisam ser levadas em consideração: a) antes da
apresentação das perguntas e respostas e sequência, é preciso produzir
um breve texto de apresentação sobre o entrevistado, situando-o
no universo do interesse jornalístico e demarcando os motivos da
publicação da entrevista; b) a edição deve privilegiar o formato escrito
e o ritmo de leitura do público leitor; c) são permitidas intervenções
pós-entrevista, como a alteração da ordem das respostas e a divisão
de respostas muito longas em duas ou três em sequência; d) também
é facultado ao jornalista a supressão de determinadas respostas que
não fiquem claras ou que não contribuam com o conteúdo trabalhado
durante o texto; e) a expressão final da entrevista precisa agregar certo
valor cognitivo ao público-alvo.

Considerações finais
Os procedimentos técnicos da produção e realização de
entrevistas jornalísticas são a base do conhecimento adquirido
durante o curso superior em Jornalismo da Universidade Regional
de Blumenau (FURB). O conhecimento articulado por meio dos eixos
fundamentais preconizados pelas Diretrizes Nacionais Curriculares
(DCNs) para o ensino de Jornalismo no Brasil é evidenciado em diversos
componentes curriculares do curso da FURB. De forma proposital, as

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habilidades e competências necessárias ao exercício profissional estão
imbricadas aos conteúdos programáticos nas oito fases da matriz
curricular. A realização de entrevistas é um método presente nas
mais diversas disciplinas dos eixos de fundamentação humanística,
de fundamentação processual, de fundamentação específica, de
fundamentação contextual, de fundamentação profissional e de
fundamentação laboratorial.
No primeiro semestre letivo do ano de 2021, os sete alunos
matriculados na disciplina de Laboratório de Entrevista no Jornalismo
produziram 14 entrevistas com professores pesquisadores que são
referência em suas áreas de atuação. Participaram ativamente do
processo de realização do Projeto Cognitum, na discussão e
elaboração das pautas para as entrevistas, dos roteiros de perguntas,
da entrevista em si e na adaptação aos diferentes formatos em que o
conteúdo se apresenta.
O projeto, de caráter evidentemente pedagógico, reuniu um
conjunto de habilidades e competências jornalísticas demandadas
durante sua execução. Foi necessário articular saberes nas mais
diferentes áreas do jornalismo, por meio de práticas laboratoriais e
de reuniões de planejamento e produção de conteúdo informativo.
A participação dos laboratórios específicos do Departamento de
Comunicação da Universidade Regional de Blumenau foi determinante
na execução do projeto, cujo acompanhamento dos professores
garantiu a unidade e a identidade dos produtos, sem esquecer o caráter
formativo aos alunos envolvidos no ensino-aprendizagem.
O Projeto Cognitum é uma evidência inquestionável de que
a Universidade, como polo irradiador de conhecimento por meio da
pesquisa, do ensino, da extensão e da inovação, interfere positivamente
na realidade social da região em que está inserida. Além disso, promove
articulações teórico-metodológicas que estabelecem a práxis de forma
orgânica e espontânea, no que diz respeito ao sistema de aprendizagem
coletiva por meio de práticas conectadas com a realidade profissional
sem diminuir a importância do conhecimento científico.

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Referências Bibliográficas
ALTMAN, F.; LOREDANO, C. A arte da entrevista. 2. ed. São Paulo: Boitempo,
2004. 478 p, il.

COIMBRA, O. O texto da reportagem impressa: um curso sobre sua estrutura.


Sao Paulo: Ática, 1993. 183p. (Fundamentos, 95).

ECO, U. Seis passeios pelos bosques da ficção. São Paulo: Companhia das
Letras, 1994. 158 p, il.

FLORESTA, C.; BRASLAUSKAS, L.; PRADO, M. Técnicas de reportagem e


entrevista: roteiro para uma boa apuração. São Paulo: Saraiva, 2009. 163 p, il.

GUEDES CAPUTO, S. Sobre entrevistas: teoria, prática e experiências.


Petrópolis (RJ): Vozes, 2006

LAGE, N. A reportagem: teoria e técnica de entrevista e pesquisa jornalística.


Rio de Janeiro: Record, 2001

MACEDO, M.; CARRASCO, L. (Orgs.). (Con)textos de entrevista: olhares


diversos sobre a interação humana. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2005. 285
p, il.

MILLER-CARPENTER, S. & CEPAK, A. & PENG, Z. (2018). An Exploration


of the Complexity of Journalistic Interviewing Competencies. Journalism
Studies. 19. 2283-2303. 10.1080/1461670X.2017.1338155.

PEREIRA JUNIOR, L. A apuração da notícia: métodos de investigação na


imprensa. 4. Ed. Petrópolis (RJ): Vozes, 2010

SCHMITZ, A. Fontes de Notícias: ações e estratégias das fontes no jornalismo.


Florianópolis: Combook, 2011.

SILVA, N. O gênero entrevista pingue-pongue: reenunciação, enquadramento


e valoração do discurso do outro. São Carlos: Pedro & João Ed, 2009. 199 p, il.

STEWART, C. J; CASH JUNIOR, W. Técnicas de entrevista: estruturação e


dinâmica para entrevistados e entrevistadores. 14. ed. Porto Alegre: AMGH,
2015. 410 p., il.

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Formação e Desenvolvimento da
Pesquisa Científica na FURB
Dr M. Mattedi
Dra F. Zucco
Dr S. Galarça

1 - Introdução
Pesquisar cientificamente é fazer muitas coisas de forma
simultânea (Figura 1). Afinal, a pesquisa científica constitui, ao mesmo
tempo, um processo burocrático porque a ciência é uma instituição
altamente regulamentada; a pesquisa científica é também um processo
político, pois a produção do conhecimento científico implica a mediação
de muitos interesses; além disso, a pesquisa científica compreende um
processo social que envolve o esforço colaborativo de muitas pessoas;
a pesquisa científica é localizada espacialmente, já que a ciência
possui territorialidade muito bem localizadas; a pesquisa cientifica
é um processo econômico pois é a base da inovação tecnológica; a
pesquisa científica é também um processo cognitivo, já que gera novos
conhecimentos; a pesquisa científica é uma atividade literária porque
os cientistas passam a maior parte do tempo lendo e escrevendo.
Portanto, ser pesquisador envolve do domínio de habilidades muito
diferentes (MATTEDI, SPIESS, 2020).
Isto significa, inversamente, que a atividade científica pode ser
abordada sob muitos aspectos diferentes. Do ponto de vista da gestão
científica, considerando os processos de avaliação e produtividade;
pode ser examinada por meio das relações de poder na comunidade
científica através da ciência política; além disso, a atividade científica
pode ser examinada através da abordagem sociológica e considerando
as relações que a ciência mantém com o contexto social; já considerando
sua territorialidade é possível também efetuar uma geografia da ciência,
mostrando a expressões espaciais da produção científica; acoplada à

14
atividade científica encontra-se também a reflexão epistemológica
sobre a possibilidade e validade do conhecimento científico; nos
últimos anos se formou e disseminou também o que ficou conhecido
como Science Studies, que tematizam os processos sociais da atividade
científica (MATTEDI, 2017). É por isto, portanto, que recentemente
alguns especialistas no desenvolvimento científico propuseram a
criação de uma ciência da ciência.

Figura 1 – Multidimensionalidade da atividade científica

Neste sentido, o entendimento da pesquisa científica envolve a


consideração tanto de processos cognitivos quanto de processo sociais.
Afinal, a produção do conhecimento científico não é apenas uma relação
do cientista com mundo, mas também uma relação com outros cientistas.
Consequentemente, pressupõe a consideração de: a) Regras Técnicas:
conjunto de protocolos metodológicos que estabelecem a relação que o
cientista mantém com o objeto de pesquisa; b) Regras Morais: conjunto
de protocolos normativos que estabelecem as relações entre o cientista
e a comunidade científica. Por isto, o desenvolvimento da atividade

15
científica implica, ao mesmo tempo, uma reflexão sobre o domínio de
pesquisa, mas também uma reflexão sobre as condições de pesquisa.
Este processo indica que o entendimento da atividade científica e seu
produto, o conhecimento científico, pressupõe a consideração não
somente do Problema da Demarcação (separação entre ciência e não-
ciência), mas também o Problema da Institucionalização (separação
entre comunidade científica e sociedade).
Atualmente, a preocupação com a atividade científica é ainda
mais importante porque a universidade em geral e a ciência em
particular encontram-se sob ataque. Este ataque, pode-se dizer, que
é bifronte na medida em que vem de dentro e de fora da comunidade
científica: a) Ataque Externo: caracteriza-se pelo questionamento
da validade do conhecimento científico (KAUFMAN, KAUFMAN,
2019; PIGLIUCCI, BOUDRY, 2013); b) Ataque Interno: a interdição
do direito de divergir pelo constrangimento da liberdade de cátedra
(TOSI, WARMKE, 2020). O efeito combinado destes dois fenômenos
vem comprometendo o desenvolvimento da pesquisa científica.
Afinal, a desorganização social do ceticismo acabou favorecendo o
surgimento do Sociologismo. O Sociologismo compreende a conversão
da crítica sociológica da atividade científica numa ideologia que nega
a validade da ciência. Afinal, compreende uma espécie de Raciocínio
Motivado (KUNDA, 1990). Ou seja, o Sociologismo constitui uma
contextualização social que questiona seletivamente os fatos científicos
segundo a conveniência política.
É neste contexto cognitivo e político que o desenvolvimento da
pesquisa científica na Universidade Regional de Blumenau (FURB)
se torna relevante analiticamente (SHMITT, D. J, 2016). A FURB
constitui uma fundação municipal pública fundada em 1964 pela
comunidade regional. Conta com aproximadamente dez mil alunos
distribuídos em cursos de graduação e pós-graduação. O processo de
institucionalização das atividades de pesquisa na FURB inicia em 1972
com a criação do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPTB). A partir
dos anos 2000 a pesquisa cientifica foi progressivamente hospedada
nos programas de pós-graduação acompanhando a tendência
nacional. Neste sentido, verifica-se que o desenvolvimento da pesquisa
científica na FURB se estabelece numa tensão entre a necessidade
16
de resposta às questões territoriais locais e, ao mesmo tempo, a
necessidade integração a comunidade científica nacional. Portanto, o
desenvolvimento da pesquisa na FURB informa não somente sobre
as relações universidade-comunidade, mas também sobre as relações
centro-periferia na comunidade científica.

A necessidade de aproximação contextual e integração
acadêmica se materializa na trajetória dos pesquisadores entrevistados.
Cada pesquisador à sua própria maneira indica os desafios cognitivos
e institucionais e, inversamente, a adoção de estratégias para superar
os impasses. Neste sentido, revela-se um duplo movimento: a)
Reconhecimento social regional: a necessidade de responder aos
problemas de desenvolvimento locais; b) a Credibilidade científica
internacional: validação das descobertas científicas na comunidade
científica. Isto significa que não basta somente produzir dados,
interpretá-los e publicá-los, mas é preciso também intervir no contexto
social. Neste sentido, argumentamos que a especificidade institucional
da FURB torna o ciclo de produção do conhecimento (CALLON et. al,
1995) mais instável. Em outras palavras, seu processo de formação
e desenvolvimento favorece a criação de novas ideias, porém impede
seu desenvolvimento. Ou seja, enquanto coletividade exprime a
diversidade de papéis do cientista, bem como a estrutura dos domínios
de pesquisa.
Esta trajetória não é uma propriedade exclusiva dos
pesquisadores da FURB, mas o efeito emergente que estrutura a
pesquisa científica. Afinal, a atividade científica possui uma organização
local, porém uma avaliação global: enquanto a pesquisa está organizada
em universidades, o reconhecimento passa por revistas e associações.
Portanto, nossa hipótese sobre o desenvolvimento da pesquisa na FURB
é que a criatividade para o desenvolvimento científico é condicionada
pela necessidade de formação profissional dos alunos. Para desenvolver
este argumento, o texto está divido em quatro partes principais: 1)
Inicia-se com esta breve contextualização dos desafios cognitivos e
normativos do desenvolvimento da pesquisa; 2) examina as principais
estratégias de abordagem da relações entre contexto social e atividade
científica para construção do modelo de análise; 3) aplica o modelo
de análise ao processo de formação e desenvolvimento das atividades
17
de pesquisa científica na FURB; 4) termina com apresentação das
principais constatações e desafios da pesquisa.

2 – A abordagem da pesquisa científica


Apesar das diferentes dimensões e enfoques, o que caracteriza
o desenvolvimento da pesquisa científica é sua relação com o contexto
social. A consideração da relação da pesquisa com o contexto social
é importante porque ela afeta não somente o processo de construção
dos problemas de pesquisa, mas também a mobilização dos recursos
para explorá-los e, sobretudo, a própria criação dos acordos sobre
os fenômenos. Neste sentido, a questão central da análise do
desenvolvimento da pesquisa constitui em determinar seu grau de
independência dos pesquisadores com relação a sociedade. Esta questão
possibilita o estabelecimento de duas abordagens predominantes: a)
Influências da Atividade Científica no Contexto social; b) Influência
do Contexto Social na Atividade Científica (Figura 2). Embora estas
abordagens não analiticamente excludentes, a aplicação retorna
resultados diferentes. Portanto, isto significa a relação entre a pesquisa
científica e contexto social na FURB deve ser considerada de forma
bidirecional.

Figura 2 – Relação entre contexto social e atividade científica

O Contexto Social compreende o ambiente específico em que


se estabelecem as interações sociais. Neste sentido, constitui o efeito

18
emergente produzido pelas Disposições Subjetivas dos indivíduos
(dimensão simbólica) e Possibilidades Objetivas (estruturas
materiais) (BOURDIEU, 1980; HABERMAS, 1987; GIDDENS, 1989).
Compreende, assim, uma pré-condição da ação individual e significa que
toda ação social ocorre dentro de uma estrutura (material e simbólica)
pré-existente. Caracteriza-se pela interpenetração de três fenômenos
que se encontram socialmente relacionados: a) Burocratização; b)
Mercantilização; c) Individualização. Embora essas regras condicionem
simbólica e materialmente a ação individual, elas não são permanentes,
pois são sustentadas e modificadas pela própria ação. Fornecem as
condições necessárias para ação e os significados atribuídos às pessoas
de um determinado grupo às coisas e acontecimentos. Constituem,
neste sentido, um conceito condicional que permite situar socialmente
a ação dos indivíduos.
Já a Atividade Científica diz respeito ao conjunto de práticas que
tornam possível a produção do conhecimento científico. Estas práticas
envolvem um amplo conjunto de operações de produção e circulação
de enunciados: transformações de enunciados observacionais sobre
o mundo, e enunciados observacionais em enunciados teóricos com
enunciados pré-existentes (CALLON, 1989). As atividades científicas,
então, são constituídas por componentes que se caracterizam por
vários componentes da prática científica. Entre eles destacam-se,
por exemplo, o conjunto de operações do dia a dia que definem e
circunscrevem o objeto de pesquisa; mas também os procedimentos
e técnicas utilizadas na definição de uma área de investigação e sua
tentativa de resolução; além disso, a ideia de quais são as explicações
validade e os modelos explicativos apropriadas; é preciso considerar
também que a prática de pesquisa delineia a área de preocupação
imediata; e, por último, os valores e crenças que o definem como
‘científico’ e legitimam a atividade (Whitley, 2000).
A relação entre Contexto Social e Atividade Científica pode
ser representada por meio da aplicação do conceito de simetria. O
conceito de simetria indica a divisão na qual as partes do elemento
divido são iguais. Sendo assim, a aplicação do conceito de simetria
permite detectar as semelhanças e diferenças que se estabelecem entre
Contexto Social e Atividade Científica. Considerando estas relações
19
podemos identificar três tipos de mediação entre o Contexto Social e
a Atividade Científica. Consequentemente, podemos estabelecer três
hipóteses de trabalho para análise do desenvolvimento da pesquisa
na FURB: a) Simetria Parcial: a atividade científica é autônoma com
relação ao contexto social; b) Simetria Integral: a atividade científica é
condicionada pelo contexto social; c) Simetria Generalizada: a atividade
cientifica condiciona o contexto social. Ou seja, o processo de formação
e desenvolvimento da pesquisa na FURB a partido da consideração da
trajetória de seus pesquisadores pode se interpretada de três formas
distintas de abordagem:
a) O paradigma dos produtores: O Paradigma dos
Produtores deriva da abordagem institucional da atividade científica.
Foi desenvolvida a partir da consideração da ciência enquanto uma
instituição social. Neste sentido, focaliza o comportamento dos
cientistas enquanto um grupo profissional específico. Neste tipo de
abordagem, a pesquisa cientifica é considerada como uma profissão.
Uma profissão para ser autônoma necessita de organização interna e
de membros motivados a reconhecer a validade das normas (VICNK,
2007). Ou seja, trata das características da atividade científica
enquanto em grupo profissional específico. Este enforque envolve
tanto a consideração da atividade científica visando determinar qual é o
papel do cientista na sociedade, quanto qual é o padrão de organização
interna da comunidade científica. É possível diferenciar duas linhas
de desenvolvimento predominantes: a) Escola de Columbia: foco na
estrutura normativa da ciência (MERTON, 1977; SZTOMPKA, 1986)
b) Escola da Filadélfia: foco da estrutura avaliativa da ciência (PRICE,
1963).

Figura 3 – Modelo de abordagem institucional

20
Por um lado, investiga-se a estrutura normativa da comunidade
científica para determinar quais são as funções sociais dos cientistas.
Mais precisamente, como o conjunto de normas que regulam
o comportamento dos cientistas garantem o fornecimento de
conhecimentos certificados para a sociedade. Desta forma, a função
de cientista se institucionaliza socialmente garantindo a produção
contínua de conhecimento científico. De uma atividade autodidata e
isolada a pesquisa científica se transforma numa atividade reconhecida
e coletiva. Dito de outra forma, uma espera de atividade social e
cognitiva diferente das outras formas de atividade e crenças (Merton,
1970). Porém, para garantir a autonomia da comunidade com relação
a sociedade pressupõe-se a neutralidade dos cientistas. Para isso, os
cientistas constroem mecanismos de regulação e se apresentam para
a sociedade como uma comunidade regida por regras e controles
internos, e por isso reivindicam reconhecimento social, apoio e
autonomia institucional.
Por outro, concentra- se sobre o trabalho científico e o sistema de
recompensa da ciência (reward system of Science). Parte do pressuposto
que, apesar da integração normativa (igualdade normativa), existe uma
hierarquia entre os cientistas (desigualdade social). Em efeito, este
padrão de análise se concentra sobre o como o sistema de recompensas
estabelece uma forma de hierarquização com base na troca entre
originalidade da descoberta científica e reconhecimento institucional.
Baseia-se, neste sentido, num modelo de relacionamento transacional:
quanto mais original a descoberta científica, maior o reconhecimento
(HAGSTROM, 1965). Isto significa que as posições profissionais se
estratificam segundo a qualidade das publicações dos cientistas em
termos das frequências de citações e o prestígio das revistas onde os
artigos são publicados (BELLIS, 2009). Neste sentido, verifica-se um
deslocamento da questão do conhecimento para a questão da avaliação
da atividade científica em geral e a centralidade do artigo científico em
particular (BIAGIOLI, LIPPMAN, 2020).
Verifica-se, assim, que no Paradigma dos Produtores o
contexto social é operacionalizado para explicar a pesquisa de forma
organizacional. Assim, neste tipo de abordagem, a questão central
do desenvolvimento da atividade científica na FURB é saber como se
21
estabelece a integração dos cientistas na comunidade científica e qual
o padrão de reconhecimento. Ou seja, como se materializa a estrutura
normativa da ciência na FURB e como se posicionam os cientistas na
comunidade científica. Neste sentido, o desenvolvimento da pesquisa
na FURB parece obedecer a Lei de Lotka (URBIZAGASTEGUI , 2008).
A Lei de Lotka indica a existência de uma pequena minoria integrada
nacional e internacionalmente, e de uma grande maioria que se
caracteriza por uma produção local. Neste caso, parece que o padrão de
organização da comunidade científica condiciona a atividade científica.
Trata-se, assim, de determinar quais são os mecanismos por meio dos
quais a atividade científica se autonomiza na FURB e quais são as
condições por meio das quais se estabelecem a diferenciação social.
b) O paradigma do produto: Uma segunda forma de abordar
a pesquisa científica na FURB é considerar a prática científica. A
consideração da prática científica desloca o foco da mediação normativa
da interação dos cientistas para a questão do produto da atividade
científica. O pressuposto básico desta forma de abordagem considera
que as características do conhecimento, suas formas de aquisição,
conversões e aplicações dependem de relações sociais. Os domínios de
pesquisa não são escolhidos ao acaso, mas em função de sua relevância
social (STEINER, BERNAL, 1989). A influência social e econômica
difusa desencadeia uma convergência da atenção do cientista para
determinadas temática (BARNES, 1985). Isto significa que a condição
de classe e os interesses ideológicos condicionam não somente a
escolha dos objetos, mas também seu tratamento e, consequentemente,
o próprio conhecimento científico. Em outras palavras, estabelece a
existência de uma relação funcional entre os papéis sociais exercidos
pelo cientista e o tipo de conhecimento produzido.
Ou seja, o foco se desloca para as influências do contexto social
no conhecimento científico. Pressupõe-se, assim, que o conhecimento
científico é condicionado por fatores sociais. Isto é, pressupõe que os
fatos científicos estão impregnados de convenções sociais. O que está
em jogo é a neutralidade e a objetividade do cientista, e desta forma a
própria validade do conhecimento científico (COLLINS, 1992). Afinal,
o desenvolvimento da atividade científica é guiado por um conjunto de
regras tácitas que evoluem progressivamente com a transformação da
22
sociedade. Logo, a forma de realizar a atividade científica em geral e o
método científico em particular dependem de um acordo social sobre
os modos de aplicação. É por isto que existe flexibilidade interpretativa
das constatações científica. Afinal, dificilmente os fatos conduzem
diretamente a verificação ou refutação de uma hipótese de pesquisa.
Mas, ao contrário, implicam diversos processos de relação com o
conhecimento existente. Consequentemente, implicam o entendimento
das situações locais de produção do conhecimento.

Figura 4 – Modelo de abordagem individualista

Pode-se dizer, desta forma, que o desenvolvimento da atividade


científica depende das condições sociais. Dito de outra forma, a
experimentação científica depende das culturas locais de cada grupo
científico, notadamente seus hábitos quanto a maneira de estabelecer
os protocolos de pesquisa. Este processo envolve um conjunto de
operações retóricas e políticas para convencer que é racional acreditar
nos resultados apresentados pela demonstração. Por isto, a questão
central aqui é mostrar que o conhecimento científico constitui uma
construção que se explica por fatores sociais. De fato, o conhecimento
científico constitui crenças que são justificadas por protocolos que
possibilitam o estabelecimento do consenso. Logo, a validade de
uma nova descoberta científica depende, fundamentalmente, da sua
compatibilidade com o conjunto de crenças adquiridas e reconhecidas

23
como válidas. Ou seja, a validade de uma constatação científica depende
da sua articulação aos elementos precedentes. Isso pressupõe ligar este
sistema de convenções aos interesses do grupo.
Conclui-se que o Paradigma do Produto rompe com o
pressuposto da separação entre o Contexto Social e a Atividade
Científica. Isso significa que a confrontação entre teorias científicas
constitui uma confrontação entre grupos sociais com interesses
políticos e cognitivos divergentes. Estes grupos são o resultado, ao
mesmo tempo, da estruturação interna da comunidade científica entre
pesquisadores, mas também da estruturação externa à comunidade
científica. Assim, por um lado, o desenvolvimento de uma pesquisa
pressupõe a consideração das habilidades teóricas e experimentais de
cada pesquisador (socialização acadêmica); mas também, por outro,
está relacionado à posição social do pesquisador (sociolocalização).
As diferenças em geral e as disputas científicas resultariam, assim,
do tecido cognitivo e social que é estabelecido pela trajetória de cada
cientista (BLOOR, 1991). Isso significa que existe uma dependência
causal aos interesses sociais e cognitivos que deixam traços no conteúdo
do conhecimento científico.
Considerando os dois paradigmas conjuntamente, pode-se
se dizer que a pesquisa científica constitui uma disputa constante
por reconhecimento e credibilidade. Esta disputa se estabelece,
simultaneamente, em quatro dimensões principais: a) A luta pela
facticidade das constatações empíricas no laboratório; b) A luta pela
credibilidade das constatações na comunidade científica; c) A luta
pela pertinência das constatações nas agências de financiamento; d)
A luta pela legitimidade social das constatações (Figura 5). Pressupõe,
assim, não a oposição entre autonomia (neutralidade e objetividade)
ou dependência (crenças e ideologia), mas à necessidade de integração
na análise da atividade científica. Indica que é necessário integrar
os fatores sociais aos fatores cognitivos na análise da atividade
científica na FURB. Verifica-se, assim, que para entender os limites e
potencialidades da pesquisa desenvolvida na FURB é preciso articular o
micro nível individual do cientista no laboratório (Atividade Científica)
com o macro nível organizacional (Contexto Social).

24
Figura 5 – Os horizontes da pesquisa científica

Portanto, verifica-se que as atividades científicas são organizadas


contextualmente em unidades sociocognitivas que estão relacionados
entre si e a sociedade. Por um lado, a carreira científica é constituída por
elementos de reconhecimento, atribuídos pela comunidade científica
ao cientista; por outro, o desenvolvimento da carreira do cientista
materializa interesses sociais. Isso indica que o desenvolvimento
da pesquisa constitui o processo complexo que pressupõe tanto a
existência de condições sociais específicas de organização quanto
o desenvolvimento de muitas habilidades individuais. Pode-se se
dizer que os fatores sociais constrangem e potencializam a atividade
científica. É nesse sentido que se pode dizer que o desenvolvimento
da Atividade Científica na FURB está relacionado ao Contexto Social
regional do Vale do Itajaí: a pesquisa científica na FURB constitui
o efeito emergente da mediação de Regras Morais (organização
institucional) e Regras Técnicas (habilidade cognitivas). E é por isso
que o desenvolvimento da atividade científica constitui muitas coisas
ao mesmo tempo.

25
3 - A institucionalização da atividade científica na FURB
O desenvolvimento das atividades de pesquisa científica na
FURB acompanha o ciclo organizacional (Figura 6). Este processo
constitui, ao mesmo tempo, um motivo de celebração, mas também
de preocupação. Afinal, a formação e desenvolvimento da pesquisa
científica na FURB enceta uma antinomia: quanto maior a consolidação
institucional da Pesquisa na FURB, menor sua capacidade de
interferência no desenvolvimento do Vale do Itajaí. Ou seja, o aumento
do reconhecimento científico da FURB vem acompanhado do declínio
da importância regional. Este processo está relacionado à substituição
do modelo organizacional de pesquisa Integrado Localmente hospedada
nos institutos de pesquisa para um modelo de Competição Nacional nos
programas de pós-graduação. Nesse sentido, considerando a relação
entre Contexto Social e Atividade Científica o processo de formação e
desenvolvimento da pesquisa na FURB pode ser dividido em duas fases
principais: a) Institutos de Pesquisa; 2) Programas de Pós-graduação.

Figura 6: Ciclo de vida organizacional da FURB

26
3.1 - Institutos de Pesquisa
Os institutos de pesquisa foram órgãos suplementares da
universidade vinculados à Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação.
O processo de implantação das atividades de pesquisa se estabelece
através da criação do Instituto de Pesquisa Tecnológica (IPT)
em 1972. Neste período, como indica a Figura 6, a FURB estava
terminando seu primeiro ciclo de desenvolvimento organizacional e
iniciando o segundo. O quadro docente era formado principalmente
por professores oriundos do ensino médio e por quadros técnicos da
indústria têxtil. Ou seja, a atividade acadêmica constitui uma atividade
parcial ou mesmo complementar, na medida que a dedicação exclusiva
a FURB estava restrita às atividades administrativas. Isso indica que
o desenvolvimento da pesquisa na FURB em geral e a criação do IPT
constitui o primeiro mecanismo de profissionalização da atividade
acadêmica (SILVA, 2003). Além disso, observando-se o ciclo de
desenvolvimento organizacional da FURB na Figura 6, verifica-se
também que a pesquisa nasce antes da criação da universidade em
1986.
a) Instituto de Pesquisa Tecnológicas: A criação do IPT
emula o modelo de pesquisa desenvolvimento do Instituo de Pesquisa
Tecnológica da USP. O objetivo era atender, principalmente, às
crescentes demandas de testes para as indústrias da região. Com a
expansão da área técnica, os pesquisadores visualizam a possibilidade
de prestação de serviço para a sociedade mediante a utilização da
infraestrutura laboratorial existente. Por isso, o IPT iniciou suas
atividades desenvolvendo análises químicas como a de calcário, argila,
fécula, metais, produtos orgânicos, identificação de minerais e produtos
químicos inorgânicos. Isso aconteceu porque o curso de Química foi o
primeiro a vincular suas atividades ao IPT. Com o passar do tempo,
durante os anos 80, passou também a desenvolver atividades nas áreas
de materiais, solos, estruturas, emissões, elétrica, entre outas. No
final da década de 90, passou a denominar-se Instituto de Pesquisas
Tecnológicas de Blumenau (IPTB). Neste sentido, o IPTB-FURB
consolidou sua posição como referência no Estado de Santa Catarina
para a realização de ensaios laboratoriais.

27
b) Instituto de Pesquisa Sociais: Já Instituto de Pesquisa
Sociais (IPS) foi criado em 1984 como centro de referência na pesquisa
social. Por um lado, constitui a tentativa de estender para a dimensão
econômica e social o case de sucesso do ITP; mas também, por outro,
garantir estabilidade acadêmica para um conjunto de professores da
área de Ciências Sociais Aplicadas e de Humanas. Tinha o objetivo
de investigar sobre a realidade política e socioeconômica do Vale do
Itajaí. Entre os principais projetos desenvolvidos no IPS destacam-
se o projeto de Política Urbana e Patrimônio Arquitetônico, o cálculo
mensal de Índice de Variação Geral de Preços de Blumenau (IVGP), a
Incubadora Tecnológica de Iniciativas Populares (ITCP), o Programa
Interdisciplinar de Sociometria, além do PROTEUS. Uma característica
importante é que o IPS reunia pesquisadores de diversos departamentos
e com expertises multidisciplinares como, por exemplo, Arquitetura,
Economia, Sociologia, História, entre outras. Portanto, pode-se dizer
que o IPS constitui um spin off organizacional do IPT.
c) Instituto de Pesquisa Ambientais: Posteriormente,
esse modelo de organização da pesquisa foi estendido para as questões
ambientais com a criação do Instituto de Pesquisas Ambientais (IPA)
em 1995. O IPA constitui o efeito emergente da criação do Projeto Crise
em 1983. Nesse sentido, integra organizacionalmente a problemática
da gestão dos desastres com a problemática da questão ambiental no
Vale do Itajaí. O propósito era deixar a população informada sobre
as condições do tempo e quanto à previsão dos níveis do rio Itajaí-
Açu. Mais tarde originou o Instituto de Pesquisas Ambientais (IPA)
em 1995 com a missão de produzir projetos sobre desenvolvimento
sustentável e o meio ambiente, tendo como foco operacional a gestão
ambiental da Bacia Hidrográfica do Rio Itajaí. Neste sentido, fica clara
a relação entre a expertise acumulada institucionalmente na FURB
e as demandas da comunidade regional. Como foi o último instituto
a ser criado, concentra-se não somente na prestação dos serviços de
pesquisa, mas também na geração de conhecimento e disseminação de
informação.
Nesse sentido, a atividade de pesquisa em geral e a pesquisa
científica é concebida como uma forma de resolver problemas (Figura
7). Por um lado, os institutos eram formados por pesquisadores que
28
possuíam expertises técnicas e compromissos normativos muito
variados; por outro, a criação dos institutos atendeu também as
demandas provenientes da comunidade regional. Ou seja, a criação dos
institutos de pesquisa na FURB visava a resolver problemas relacionados
ao padrão predominante de desenvolvimento socioeconômico regional.
Nesse sentido, destacam-se três eixos principais: a) os problemas
relacionados à inovação tecnológica e ligados ao IPT; b) os problemas
ligados às dimensões históricas e sociais ligadas ao IPS; c) as questões
relacionadas aos problemas ambientais do IPA. Uma característica
marcante das atividades de pesquisa desenvolvidas nos institutos
constitui e constituía o caráter multidisciplinar das esquipes. Além
disso, os institutos constituam também um espaço de formação técnica
e profissional para muitos estudantes.

Figura 7 – Estrutura organizacional dos institutos de pesquisa

29
As diferenças de concepção e implantação dos institutos
acabaram criando diferenças organizacionais. De um lado, o IPT, cuja
formatação é claramente voltada para o mercado, e cuja estratégia é
busca de maior autonomia universitária; de outro, o IPS e o IPA, que
se opõem à ideia de autonomia, na medida em que não teriam as
mesmas condições de captação de recursos. Assim, considerando a
dinâmica de desenvolvimento de modelo organizacional de pesquisa,
verifica-se o surgimento de novas vertentes de interesses. Com isso, os
institutos foram progressivamente alargando relações com a sociedade
e internamente procuraram novos departamentos/profissionais para
encontrarem as soluções. Porém, em 2010, esse modelo de prestação de
serviços foi reestruturado. Por um lado, a prestação de serviços existente
foi transferida para o Instituo FURB; por outro, os equipamentos foram
alocados para os departamentos. O grande diferencial dos institutos
foi sua capacidade de identificação de problemas e apresentação de
soluções a partir de informações obtidas e tratadas localmente.

3.2 - Programas de Pós-graduação


A partir do final dos anos 80 e início dos 90 verifica-se uma
profunda mudança na relação entre o Contexto Social e a Atividade
de Pesquisa na FURB. Por um lado, as transformações induzidas pela
abertura e desregulamentação das atividades produtivas pelo governo
Collor desencadearam uma profunda reestruturação da economia
regional; por outro, a transformação da FURB numa instituição
pública induz um maciço de qualificação do quadro de profissionais.
Associado a esse processo observa-se também a modificação do
padrão de organização da pesquisa no Brasil pelo fortalecimento das
atividades de pós-graduação (Figura 8). O efeito combinado desses
três fenômenos possibilitou o processo de implantação das atividades
de pós-graduação na FURB. A implantação da pós-graduação na FURB
não substituiu imediatamente as atividades de pesquisa desenvolvidas
nos institutos. Pode-se dizer, ao contrário, que a expertise acumulada
e alguns projetos desenvolvidos nos institutos se converteram em
programas de pós-graduação.

30
O Contexto Social fixa um conjunto de Recursos e Regras
que foram combinadas regionalmente para possibilitar a criação e a
implantação da pós-graduação na FURB. Mais precisamente, como
as relações entre as mudanças institucionais e as normas afetaram as
decisões. Pressupõem, assim, a consideração dos fatores conjunturais
que condicionaram as necessidades políticas, técnicas e normativas para
o processo de realização das atividades de pesquisa. Compreendem,
desta forma, uma estrutura de oportunidade que permitiu o
alinhamento interno e externo à FURB. Precisam ser consistentes com
o contexto político, econômico e social para encorajar os professores da
FURB a conceberem e implantarem a pós-graduação. Nesse sentido, o
processo de formação e desenvolvimento da pesquisa científica na pós-
graduação na FURB constitui o efeito emergente de três fenômenos que
se encontram relacionados (Figura 8): a) A restruturação produtiva do
Vale do Itajaí; b) A verticalização acadêmica da FURB; c) O padrão de
regulação da CAPES.

Figura 8 – Condicionantes da pós-graduação na FURB

Diferente dos institutos, a pós-graduação não constitui


uma mediação sociotécnica direta entre a produção científica e
os problemas locais. Esta mediação é feita por meio de atividades

31
muito heterogêneas como, por exemplo, a formação acadêmica e
o desenvolvimento de pesquisa. Neste sentido, mobiliza, reúne e
alinha ativamente tanto elementos cognitivos e normativos, quanto
institucionais e tecnológicos. Afinal, entram recursos, informações,
documentos, instrumentos, competências, e saem comunicação,
inovação e reputação. Assim, uma dissertação de mestrado ou uma
tese de doutorado constitui o resultado da estabilização de uma rede
sociotécnica muito ampla. Afinal, como indica a Figura 5, a concepção
e o desenvolvimento de pesquisa cientifica implica muitas habilidades.
Ao mesmo tempo, os programas de pós-graduação podem ser descritos
como unidades cognitivas de produção. Por isso, os programas de pós-
graduação convertem problemas locais em soluções globais, e aplicam
soluções globais a problemas locais.
Considerando esses fatores, o desenvolvimento da pesquisa nos
programas de pós-graduação da FURB cumpre duas funções principais.
Por um lado, a pós-graduação confere títulos acadêmicos. Nesse sentido,
constitui uma forma de qualificação profissional. Afinal, o treinamento
de pós-graduação pode ser visto como uma forma de aprendizado
estabelecido por uma guilda (Vinck, 2007). Por outro, um programa de
pós-graduação constitui também a produção de novos conhecimentos.
É por isso que os programas de pós-graduação absorvem a maior parte
dos orçamentos de ciência e tecnologia. Compreendem, desta forma,
o aprofundamento de conhecimentos num domínio de pesquisa que
já está consolidado. Assim, a validação de novos conhecimentos não é
feita apenas com a defesa, mas também com a publicação em veículos de
comunicação científica ou pela obtenção de patentes. Resumidamente,
um programa de pós-graduação pode ser considerando, ao mesmo
tempo, como um centro de produção de:
a) Pós-graduação como Certificação Acadêmica:
A pós-graduação nasce na FURB com a criação do Mestrado em
Educação. A criação do Mestrado em Educação tem como objetivo
principal a qualificação do corpo docente interno. Como no início dos
Anos 90 a FURB se transforma numa instituição de caráter público,
a consequente implantação do Plano de Cargos e Salários passa a
valorizar a qualificação acadêmica na carreira docente. Neste sentido, a
Administração Superior aproveita a disponibilidade de doutores na área
32
e atrai um grupo de doutores de outras instituições para qualificação
do corpo docente. Por isso, no início este programa não foi submetido
a CAPES e seguia apenas os regulamentos do Conselho Estadual de
Educação. Com o passar do tempo, atrai também docentes de outras
instituições, principalmente, do sistema Associação Catarinense de
Fundações Educacionais (ACAFE). Portanto, a pós-graduação nasce
para satisfazer interesses internos e não dentro de uma política de
expansão das atividades pesquisa.
b) Pós-graduação como Produção Cognitiva:
Posteriormente, no final dos anos 90 a atração de novos doutores e
a interiorização da pós-graduação possibilita a expansão da pós-
graduação para outras áreas. Isso ocorre partir da experiência
acumulada com o Mestrado em Educação e o processo de interiorização
das atividades de pós-graduação promovida pela CAPES (Figura 9).
Assim, verifica-se que o desenvolvimento da pós-graduação na FURB
está relacionado a Fase de Expansão da CAPES. Ou seja, a combinação
de fatores internos e externos: por um lado, a melhoria das condições
de trabalho pelo caráter público; por outro, o aumento de recursos
investidos em bolsas e projetos de pesquisa pela CAPES. Além disso,
é preciso destacar também que a procura por pós-graduação na FURB
está relacionada também ao processo de massificação da formação
superior com a expansão da oferta de vagas públicas e privadas.
Portanto, o desenvolvimento das atividades de pesquisa de pós-
graduação na FURB possui características específicas.

Quadro 9 – síntese do modelo de regulação da pesquisa CAPES

33
Nesse sentido, o fator estruturante das atividades de pesquisa
em pós-graduação na FURB é a multidimensionalidade. Esse
processo está relacionado a dois fatores principais: a) Perfil Docente:
devido ao tamanho institucional, é muito difícil reunir uma equipe
de pesquisadores especialistas numa mesma disciplina na FURB; b)
Abrangência Regional: a concorrência com os programas gratuitos
faz com que a pesquisa de pós-graduação da FURB tenha uma escala
regional. Essa, evidentemente, não é uma característica específica da
FURB, porém tem um efeito direto no perfil na produção dos seus
programas de pós-graduação. Por um lado, esse processo dota os
programas de pós-graduação da FURB de uma baixa cumulatividade
interna, com os trabalhos dos pesquisadores não servindo de referência
para os membros da própria equipe; por outro, atrai mestrandos
e doutorandos sem um projeto acadêmico muito bem definido.
Consequentemente, a pós-graduação da FURB ainda não conseguiu
construir uma identidade teórica.
Dessa forma, a relação entre atribuição de títulos e a produção
de fatos científicos é contraditória. Afinal, enquanto o valor do primeiro
depende da escassez (prestígio), o valor do segundo depende da
abundância (aplicação). Isso significa que enquanto o valor prático da
pesquisa aumenta, o valor simbólico do título diminui. Por isso, os efeitos
do crescimento da população da pós-graduação são ambivalentes: a)
Profusão de Conhecimentos: o aumento exponencial do conhecimento
científico; b) Desvalorização da titulação: massificação da atividade de
pós-graduação. Ou seja, como para obter um título os estudantes são
obrigados a produzirem uma pesquisa original: quanto maior o número
de fatos científicos, maior o número de títulos. Assim, a inflação de
fatos científicos desencadeia uma deflação dos títulos acadêmicos.
Portanto, o suprimento de novos fatos científicos contradiz suprimento
de títulos: o efeito combinado deste processo desencadeia, ao mesmo
tempo, o aumento das disputas por recursos e por reconhecimento.
Portanto, a pós-graduação está relacionada ao efeito combinado
do processo de reestruturação produtiva, da mudança institucional da
FURB e das políticas da CAPES. São as necessidades de entender as
mudanças processadas no padrão predominante de desenvolvimento
da região, associadas ao aumento de doutores na FURB e ao processo
34
de interiorização da pós-graduação no Brasil que criam as condições
para o processo de implantação da pós-graduação. Porém, a operação
destes fatores é processualmente contraditória. Afinal, o processo de
implantação da pós-graduação reflete os limites de uma região em
crise, da falta de experiência universitária em pesquisa e a inexistência
de apoio institucional. Por isso, o principal desafio da pesquisa na
FURB constitui romper o processo de isolamento político, cognitivo
e financeiro. Este processo envolve a busca de apoio na sociedade, de
suporte na FURB e acreditação da CAPES. Afinal, para o funcionamento
da pesquisa é preciso atrair alunos, criar suporte organizacional e
receber reconhecimento.
Verifica-se, assim, que a implantação da pós-graduação na
FURB vai progressivamente reduzindo o papel do modelo de pesquisa
dos institutos. Este processo engendra duas transformações profundas:
a) a flexibilidade necessária para pesquisa aplicada dos institutos
não é compatível com o treinamento especializado da pesquisa
básica dos programas de pós-graduação; b) a diferenciação vertical
do processo do processo de pós-graduação se opõe a massificação
horizontal dos institutos. Ou seja, o modelo de institutos baseia-se
num pesquisador generalista e flexível, enquanto os programas de pós-
graduação baseiam-se num pesquisador especializado e rígido. Isso
acontece porque enquanto os institutos funcionavam pela demanda
de pesquisa, os programas de pós-graduação funcionam por oferta
de pesquisa. Assim, enquanto o foco da pesquisa nos institutos era a
resolução de problemas relacionados ao desenvolvimento regional, o
foco da pesquisa na pós-graduação se concentra academicamente na
comunicação científica.

4 – Considerações finais
Embora a pesquisa científica possa ser muitas coisas ao mesmo
tempo, constitui paradoxalmente uma atividade social muito frágil.
A compreensão científica do mundo baseia-se numa série de teorias
e equações que dependem da validade de um conjunto de suposições
fundamentadas. Por um lado, para que ela possa existir é necessário a
existência de condições estáveis entre o Contexto Social e a Atividade

35
Científica. Ou seja, o padrão de Atuação do Cientista depende do
conjunto de Recursos e Regras disponíveis. Por outro, a circulação
de desinformação confere ao público boas razões para questionar
a confiabilidade dos cientistas. Isto significa que a produção do
conhecimento científico depende, ao mesmo tempo, do alinhamento
de dinheiro, tempo, regras e, sobretudo, da confiança num resultado
protelado e, muitas vezes, incerto; mas também dos fatores que afetam
a conduta científica e a confiança nas afirmações comunicadas pela
comunidade científica. Portanto, todas as afirmações científicas são
provisórias e podem ser futuramente alteradas.
Também na FURB a pesquisa científica é muitas coisas ao
mesmo tempo e sua existência é muito instável. Verifica-se, neste
sentido, passagem de um modelo organizacional Integrado Localmente
hospedado nos institutos de pesquisa para um modelo de Competição
Nacional nos programas de pós-graduação. No Modelo Integrado
Localmente o objetivo da pesquisa era fornecer respostas para os
problemas do desenvolvimento regional; já no Modelo Competição
Nacional o foco obtenção da melhor avaliação para a disposição de
recursos e atração dos melhores estudantes. Isso indica que quanto
mais integrada a comunidade científica nacional e internacional mais
estratificada internamente a estrutura de pesquisa na FURB. Isso
acontece porque se migrou da pesquisa aplicada desenvolvida nos
institutos para a pesquisa básica na pós-graduação. Ou seja, a pesquisa
passa a se orientar por Fatores Endógenos (sistema de avaliação),
em detrimentos de Fatores Exógenos (demandas sociais). Diminui,
portanto, a influência do Contexto Social no desenvolvimento da
Pesquisa Científica.

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38
39
Engenheiro Civil pela Universidade Federal de
Santa Catarina, mestre em recursos hídricos
e saneamento pelo Instituto de Pesquisas
Hidráulicas da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul e doutor em Física e Química
Ambiental pelo Institut National Polytechnique
de Toulouse. Pós-doutorado no Institut de
Mécaniques de Fluides de Toulouse e Cemagref,
na França.

Prof. Dr. Adilson Pinheiro


Por Maria Luiza de Almeida Kuster

Apresentação

A dilson Pinheiro é natural da cidade de Agrônomica, mas


ainda quando pequeno mudou-se com a sua família para
cidade de Blumenau. Atualmente Adilson é professor aposentado,
depois de 35 anos de trabalho na Universidade Regional de Blumenau
(FURB), ele se aposentou em agosto de 2020.
O professor fez sua graduação de Engenharia Civil na
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), sempre gostou
de estudar então seguiu fazendo mestrado em Recursos Hídricos e
Saneamento pelo Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, doutorado em Física e Química
Ambiental pelo Institut National Polytechnique de Toulouse na
França e ainda Pós-doutorado no Institut de Mécaniques de Fluides de
Toulouse (1996) e Cemagref também na França. Na FURB ele lecionou
algumas matérias de Engenharia Civil e atuou nas áreas de hidrologia,
recursos hídricos e saneamento ambiental, com destaque para o estudo
do transporte de poluentes em bacias hidrográficas, modelização
hidrológica e tratamento de resíduos agroindustriais.

40
Por Maria Luiza de Almeida Kuster

Mesmo após se aposentar, ele não largou os recursos hídricos.


Ele tem como hobby ser editor chefe de duas revistas focadas na área
de recursos hídricos, e conta que viver nesse modelo de divulgação de
conhecimento técnico científico na área de recursos hídricos, lhe dá
muito prazer.
Sua expressão é de felicidade ao contar que é casado, tem duas
filhas e que em breve seu neto completará 1 ano. Com uma família
bem unida, Adilson conta que seus dias são divididos entre a cidade de
Blumenau e Camboriú que é onde mora seus pais e parte dos irmãos.
Sua jornada como pesquisador teve início no ano de 1986
quando recebeu um convite da FURB para substituir temporariamente
um professor que precisava ser licenciado e essa substituição ocorreu
no Projeto Crise, que depois evoluiu para o Instituto de Pesquisas
Ambientais. Junto às pesquisas, Adilson atuava como professor no
curso de Engenharia Civil. Confira abaixo a entrevista completa desse
pesquisador do Centro de Ciências Tecnológicas (CCT) da FURB.

Cognitum: De onde surgiu a vontade de estudar as questões


de recursos hídricos e principalmente ambientais?
Adilson Pinheiro: Eu tenho uma história que se inicia com um
problema regional. Nós temos em Blumenau um problema que são
as enchentes e as inundações. Em 1980, quando eu iniciei o curso de
Engenharia Civil, eu era um estudante da Universidade Federal de
Santa Catarina e quando retornei ao semestre aconteceu naquele final
de ano uma enchente, e foi ali que despertou um pouco de interesse.
Mas principalmente em 1983, quando aconteceram em Santa Catarina
e em especial em Blumenau várias enchentes que tiveram um efeito
muito grande na sociedade como um todo. Tanto na UFSC como na
FURB foram criados grupos de trabalho para estudar diversas soluções
para esse tipo de problema e eu como estudante, participava de um
grupo de pesquisa na UFSC que envolvia estudantes da engenharia

41
Prof. Dr. Adilson Pinheiro

civil, estudantes da engenharia sanitária, que naquela época eram os


cursos que estavam associados a esses problemas.

Na minha trajetória da Engenharia Civil eu tinha um principal interesse


que era a construção civil onde o foco eram as edificações. Mas foi
durante as catástrofes hídricas que eu mudei totalmente o meu foco,
que foi para a área de recursos hídricos. Depois, quando eu terminei no
final do ano de 1984 o curso de Engenharia Civil, eu iniciei o mestrado
no Instituto de Pesquisas Hidráulicas de Porto Alegre e pouco tempo
depois eu voltei para a FURB para continuar trabalhando nessa área
temática.

Cognitum: O senhor é natural de Blumenau?


Adilson Pinheiro: Eu sou natural da cidade de Agronômica, cidade
vizinha a Rio do Sul, mas eu moro em Blumenau desde pequeno,
minha família se mudou para cá quando eu estava iniciando o quarto
ano primário.

Cognitum: Como foi sua jornada até você ser o pesquisador


que é hoje e como isso influenciou a pessoa que você é?
Adilson Pinheiro: O fato de a UFSC ter iniciado esse grupo de pesquisa,
eu como estudante, foi a minha maior motivação para eu ser um
pesquisador. Tanto é verdade que quando eu estava terminando meu
curso de graduação, o meu TCC foi um trabalho totalmente direcionado
para a área de pesquisa. A minha trajetória já foi muito focada na questão
de pesquisa, de buscar inovações, melhorias e contribuições que a gente
pudesse dar para a sociedade, principalmente tratando um tema que
era muito importante para a região e para o estado e até mesmo para o
Brasil. As pesquisas feitas durante a minha jornada tiveram inovações
sobre esse problema regional, é um tema que em termos de avanços
que a gente obteve foram importantes para o Brasil como um todo.
Então isso sempre foi uma grande motivação que impulsionou eu ter
uma formação acadêmica e atuação na área de pesquisa.

42
Por Maria Luiza de Almeida Kuster

Cognitum: E resumidamente, quem é o Adilson hoje? Pai?


Marido?
Adilson Pinheiro: Eu sou um professor aposentado. Depois de 35 anos
de trabalho na FURB eu me aposentei em agosto do ano de 2020.
Tenho uma esposa que também é professora na universidade, sou pai
de dois filhos e tenho um neto que vai fazer um ano na semana que
vem. Posso dizer que eu tenho uma família bastante unida, os meus
pais moravam em Blumenau, mas atualmente moram em Camboriú,
junto com uma parcela de irmãos que também moram em Camboriú e
uma outra parcela mora em Blumenau.

Cognitum: O senhor tem algum hobbie? Se sim, qual?


Adilson Pinheiro: Eu participo de várias atividades, sempre sou
muito associado com a pesquisa, mas atualmente eu participo de uma
associação profissional que é a ABRhidro (Associação Brasileira de
Recursos Hídricos) onde eu já fui presidente e tenho um envolvimento
muito grande com ela. Existe uma atividade que eu faço e que eu diria
que é o meu verdadeiro hobby, que é ser editor chefe de duas revistas
focadas na área de recursos hídricos. Uma é a revista brasileira de
recursos hídricos e outra é a revista de gestão de águas da América
Latina. Fazer editoriais dessas revistas é o meu grande passatempo,
eu vivo muito nesse modelo de divulgação do conhecimento técnico
científico na área de recursos hídricos e isso me dá muito prazer.

Cognitum: O senhor tem uma lista extensa de atividades


realizadas na FURB como professor, qual foi o cargo que o
senhor mais gostou e se sentiu realizado de estar e por quê?
Adilson Pinheiro: Um dos grandes trabalhos que eu realizei na FURB foi
ter participado da construção do projeto Programa de Pós-graduação
em Engenharia Ambiental. Eu iniciei junto com uma equipe de outros
professores a construção do curso de mestrado e acabei atuando como
coordenador na consolidação desse curso de mestrado do Programa
de Pós-graduação em Engenharia Ambiental. Posteriormente eu
liderei o processo de construção do projeto do curso de doutorado em
Engenharia Ambiental e deixei então a coordenação quando o curso
43
Prof. Dr. Adilson Pinheiro

de doutorado já estava bem consolidada sua implantação. Então a


minha grande contribuição na FURB, digo a principal foi efetivamente
a construção e consolidação do Programa de Pós-graduação em
Engenharia Ambiental.

Cognitum: Como iniciou como pesquisador na Furb?


Adilson Pinheiro: Quando eu ainda era estudante de mestrado no
instituto de pesquisas hidráulicas na UFRGS, em 1986, fui convidado
pela FURB para substituir temporariamente um professor que
precisava ser licenciado e essa substituição ocorreu no Projeto Crise,
que depois evoluiu para o Instituto de Pesquisas Ambientais. Dentro
dessa estrutura do Instituto de Pesquisas Ambientais tinha o Centro
de Operação do Sistema de Alerta de Cheias da Bacia do Itajaí. Esse
convite que recebi da FURB foi efetivamente para trabalhar com o
sistema de previsão e alerta de cheias, em que a gente desenvolveu
alguns trabalhos muito interessantes, como por exemplo o mapeamento
de áreas inundáveis, que tem sido utilizado no planejamento urbano
de Blumenau e que operacionalizavam o sistema de alerta de cheias.
Ou seja, a gente fazia previsão de cheias que era divulgado para a
comunidade. Esse foi o meu início como pesquisador. Junto à pesquisa
tinha também as atividades de ensino e eu nesse caso estava atuando
no curso de Engenharia Civil.

Cognitum: Lembra do seu primeiro projeto?


Adilson Pinheiro: O projeto do sistema de previsão e alerta de cheia foi
um dos primeiros projetos que a gente teve na região em nível nacional,
além de ter sido o primeiro projeto nesse tema. Eu acabei participando
com uma equipe no desenvolvimento quando nós continuamos um
trabalho que já estava sendo desenvolvido por outros pesquisadores
anteriormente. Foi a partir daí que tivemos oportunidades de construir
outros projetos com mais abrangência, inclusive expandindo da área
do problema de enchente para um problema ambiental como uma
questão que integrava vários outros componentes, por exemplo, a
questão do uso do solo na bacia, desenvolvimento econômico que se

44
Por Maria Luiza de Almeida Kuster

percebia na região. Tudo isso estava associado a esse projeto que se


relacionava com a previsão e alerta de cheias. 

Cognitum: Como foi a construção do seu “relacionamento”


com a FURB?
Adilson Pinheiro: A gente sempre teve uma relação muito forte, tanto
a universidade me oportunizando com coisas boas, eu me comprometi
muito fortemente com a universidade, querendo oferecer o melhor que
eu podia no sentido de contribuir com o engrandecimento da FURB.
Para mim a universidade sempre foi fundamental, por exemplo, em
1990 quando teve um programa de capacitação a FURB me permitiu
sair um período para fazer a formação do doutorado e quando eu
retornei a gente liderou um processo que foi o projeto do programa
de capacitação de pós-graduação de engenharia ambiental. Ela me
oportunizou vários benefícios e por outro lado também me comprometi
nas melhorias e no engrandecimento da instituição.

Cognitum: O senhor já trabalhou em outras duas instituições:


uma no Paraná e outra em Brasília. Mas focou seus estudos e
suas pesquisas mais na FURB. Por quê?
Adilson Pinheiro: Eu sempre trabalhei na FURB, essas outras
instituições que tenho no currículo eu anotei como se tivesse participado
ativamente com as instituições, mas na prática trabalhei na FURB. Eu
já tive parcerias com várias instituições, sejam instituições nacionais,
internet e instituições internacionais, isso sempre foi um fator muito
importante de trabalhar em equipes interinstitucionais, eu participei
na UNAM com a UNB em um projeto de cooperação Internacional,
foi muito importante. Com o Paraná, Rio Grande do Sul e com outras
instituições de outros estados brasileiros nós tivemos uma série de
projetos, que a gente chama de redes interinstitucionais, que foram
extremamente importantes para a área de recursos hídricos e na minha
contribuição para a pesquisa sempre foram muito importantes esses
trabalhos de cooperação com instituições nacionais e internacionais.

45
Prof. Dr. Adilson Pinheiro

Cognitum: Qual é o diferencial em pesquisa que o senhor vê


na Furb?
Adilson Pinheiro: A Furb tem uma questão que é muito importante, é
uma instituição municipal que as pessoas sempre viram ela como uma
instituição do mesmo porte das grandes instituições, sejam federais ou
estaduais. Então eu acho que esse foi o grande diferencial que a gente
teve na Furb, que a comunidade acadêmica sempre teve um grande
comprometimento com a instituição para fazer com que ela saísse do
seu contexto municipal e regional para uma abrangência e importância
nacional e Internacional. Como eu comentei anteriormente, por
exemplo, o Projeto Crise e o Centro de Previsão e Alerta de Cheia
foi um projeto pioneiro em nível nacional nessa área. Então quando
se fala em termos de enchentes e inundações, Blumenau é uma das
referências e eu acho que isso foi importante contribuição que a FURB
deu para a ciência nacional. Esse foi o grande diferencial, a FURB
sempre se posicionou como uma liderança em vários setores ao nível da
comunidade acadêmica estadual e da comunidade acadêmica nacional.

Cognitum: Qual foi o seu maior projeto de pesquisa dentro


da FURB?
Adilson Pinheiro: Eu sempre tive evoluções que aconteceram ao
longo do tempo, posso dizer que o Projeto Crise foi o pioneiro.
Depois participei junto com outros pesquisadores na construção
do Instituto de Pesquisas Ambientais e também no projeto do
Programa de Pós-graduação de Engenharia Ambiental, que também
foi um projeto vencedor e muito importante. Tivemos vários outros
projetos de pesquisas que foram fundamentais, em que uma série de
projetos de pesquisa foram financiados pela Finep em parceria com
instituições do Rio Grande do Sul, do Paraná e de Santa Catarina e
que foram fundamentais na construção de uma rede de pesquisa de
base que envolveram implantação de laboratórios experimentais e de
monitoramento na área de recursos hídricos que foram importantes pra
desenvolver centro de conhecimento e de capacitação de profissionais
especializados na área de recursos hídricos de engenharia ambiental.
Trata-se de uma série de projetos que foram desenvolvidos e esses

46
Por Maria Luiza de Almeida Kuster

financiados pela Finep, iniciaram em 2005 e vieram até o período de


2018 a 2019, que foi quando a gente finalizou os últimos projetos da
Finep e do CNPq que estava mais ou menos correlacionado com essa
temática de monitoramento em bacias hidrográficas.

Cognitum: O senhor consegue ver o impacto das suas


pesquisas no desenvolvimento das cidades do Vale do Itajaí?
Adilson Pinheiro: A gente tem deixado várias bases no desenvolvimento
da cidade. Um dos sistemas importantes que a gente participou como
pesquisador foi por exemplo a construção do mapeamento de áreas
inundáveis, que é a base para o planejamento urbano e regional. Isso
partiu de Blumenau e de outros municípios e também teve nossa
participação. Inclusive a gente está participando agora no último que é
do município de Pomerode. Então em vários municípios a gente deixou
uma contribuição para o planejamento urbano destes locais, além
claro de todo esse processo de previsão e alerta de cheias que foram
importantes e que hoje isso tem sido passado para outras instituições
essa responsabilidade. Mas ela sempre esteve a cargo da FURB e a
gente esteve junto nesse processo.

Cognitum: O senhor realizou uma pesquisa sobre “Dinâmica


da poluição por agroquímicos na bacia do Itajaí”. Acredito
que ela tenha sido bastante esclarecedora e tenha descoberto
dados surpreendentes. Pode falar um pouco como foi realizá-
la?
Adilson Pinheiro: Essa pesquisa sempre teve um trabalho associado
à qualidade de águas na bacia do Itajaí e nós sempre acompanhamos
alguns elementos poluentes importantes, principalmente poluentes
da atividade agrícola, como por exemplo os agrotóxicos utilizados
na produção agrícola. Mais recentemente nós estamos trabalhando
com outros componentes de produtos farmacêuticos e com outros
elementos que a gente chama de poluição emergente, que são poluições
não correntemente desenvolvida. Então são temas mais recentes, por
exemplo utilização de medicamentos, antibióticos, hormônios que
podem ser encontrados em águas superficiais e em águas subterrâneas.

47
Prof. Dr. Adilson Pinheiro

Esse tipo de trabalho tem sido desenvolvido na bacia do Itajaí e a gente


vem fazendo isso desde o começo dos anos 2000, sempre pesquisando
ocorrências dessas moléculas que acontece em pequenas quantidades.
Elas não aparecem em grandes quantidades, sendo assim a gente
precisa usar tecnologias analíticas, ou seja, para uma boa determinação
das quantidades de moléculas os equipamentos precisam ter uma
boa performance e é esse trabalho que a gente desenvolveu bem
diferenciado no estado de Santa Catarina e eu diria que em nível do
Brasil são poucas as instituições que têm desenvolvido esse tipo de
trabalho com qualidade de águas superficiais e águas subterrâneas.

Cognitum: Como o senhor avalia o futuro da pesquisa no


Brasil, dentro desse cenário de cortes públicos e da falta de
investimentos em diversas áreas do conhecimento?
Adilson Pinheiro: A gente está em uma situação bastante complexa,
devido à crise do Coronavírus nós tivemos cortes substanciais de
investimentos em pesquisa e da pós-graduação. Isso certamente vai
refletir sobre o futuro, principalmente no que vai acontecer com os
grupos de pesquisa que parte de seus trabalhos podem ser bloqueados
ou com pouca possibilidade de avanços. Isso vai comprometer bastante
a qualidade da pesquisa e da produção científica. Já estamos observando
que em 2021 a quantidade de trabalhos apresentados para as revistas e
mesmo para os eventos científicos reduziram substancialmente e se com
a tendência de cortes sendo cada vez mais aprofundado eu acho que o
comprometimento com a pesquisa nos próximos anos vai ser bastante
severa. Então acredito que o governo precisaria necessariamente
mudar a forma como tem sido tratado a pesquisa e o desenvolvimento
técnico científico, para buscar manutenção pelo menos das condições
anteriores. Nós já ficaríamos satisfeitos se as condições anteriores
a pandemia elas pudessem ser mantidas, mas eu não tenho muita
confiança de que isso possa acontecer de verdade. Essa é uma situação
um pouco lamentável que nós estamos vivendo hoje.

Cognitum: Como o senhor avalia a importância da pesquisa


realizada pela FURB para a sua área de conhecimento?

48
Por Maria Luiza de Almeida Kuster

Adilson Pinheiro: Na minha área de conhecimento a gente deu uma


grande contribuição para pesquisa científica nacional, nós deixamos um
legado bastante importante e isso tem se refletido na nossa participação
e em vários outros momentos, juntos às agências de fomento, junto a
associações técnicos profissionais associado a recursos hídricos e isso a
Furb tem sido bastante pioneira e tem deixado bastante contribuições
significativas. Juntamente com outros professores eu participei de
grupos que contribuíram para a construção e desenvolvimento da gestão
de recursos hídricos. Então na implementação da política de gestão de
recursos hídricos no estado de Santa Catarina, e mais particularmente
na bacia do Itajaí, a FURB foi importante nessa contribuição e todo
mundo reconheceu o quanto foi importante os pesquisadores da FURB
nessa construção da gestão de recursos hídricos e no uso sustentável
dos recursos ambientais.

Cognitum: O senhor tem algum conselho que poderia dar


para aqueles que estão iniciando agora as suas pesquisas?
Adilson Pinheiro: Uma coisa importante para os pesquisadores
é sempre persistir. A gente às vezes principalmente quando está
iniciando tem uma certa dificuldade de alcançar apoio financeiro para
as pesquisas, então uma questão importante é a construção de um
grupo de pesquisa em que ele possa ter um pesquisador líder. Esses
associados do pesquisador líder começam a construir uma base de
conhecimento. As parcerias institucionais também são importantes
no desenvolvimento de um pesquisador, pois ele não deve pensar em
trabalhar sozinho, mas sempre em parceria com outros pesquisadores,
principalmente aqueles que já estão consolidados e é a partir dali que
se constrói e se fortalece os trabalhos dos pesquisadores.

Cognitum: Poucos sabem das vantagens e das oportunidades


que a FURB oferece para pesquisadores, o senhor poderia
contar um pouco sobre esse universo de pesquisador na
FURB?
Adilson Pinheiro: Nós sempre tivemos grandes apoios da FURB
para que a gente pudesse desenvolver de forma bastante autônoma e

49
Prof. Dr. Adilson Pinheiro

sempre houve uma priorização em relação à pesquisa. Tanto é que hoje


os pesquisadores têm um regime de trabalho diferenciado dos demais
servidores que não são pesquisadores e que atuam na pós-graduação,
tem um tratamento diferenciado que é extremamente importante
para o desenvolvimento de cada um no sentido de eles se sentirem
amparados para desenvolverem o melhor que eles têm, no sentido de
construção de conhecimento e de transformação desse conhecimento
no interesse da sociedade seja regional, estadual e nacional.

Cognitum: Qual é a importância das pesquisas para


comunidade no geral?
Adilson Pinheiro: As pesquisas têm dois aspectos que são importantes.
O primeiro está relacionado àquelas pesquisas de conhecimento de
base que não permitiu o desenvolvimento de novos conhecimentos. E
tem aquela pesquisa aplicada. Na FURB a gente tem trabalhado muito
no sentido da pesquisa aplicada, nós buscamos resolver problemas
regionais e por isso que a pesquisa ela se torna importante para a
região quando ela dá a sua contribuição na busca de soluções. Por
exemplo nos trabalhos que a gente tem desenvolvido junto com outros
pesquisadores na FURB temos buscado soluções para problemas como
de gestão de manejo de resíduos sólidos, de manejo de águas urbanas
para problemas ambientais. Todos esses problemas de abrangência
regional têm tido trabalho na FURB no sentido de trazer contribuições
e soluções para esses problemas. A importância tanto da FURB e da
pesquisa na FURB no desenvolvimento de soluções para promover uma
regional, tem sido bastante importante e ele tem sido bem reconhecido
pela sociedade de forma geral.

Cognitum: Como o senhor vê o posicionamento do governo


sobre as questões ambientais?
Adilson Pinheiro: Um momento bastante difícil porque a questão
ambiental requer uma política mais protetiva e a gente tem tido uma
política muito de protetiva, de liberação para o interesse de grandes
grupos e não necessariamente para os interesses da sociedade e
principalmente na questão ambiental que a gente tem um problema

50
Por Maria Luiza de Almeida Kuster

local mais que se expressa no contexto é global. Por exemplo no caso


das mudanças climáticas que tem abrangência global e que o Brasil
tem uma participação muito forte nesse componente, as políticas
públicas nacionais elas teriam que ter uma contribuição mais forte
na minimização dos problemas advindos das mudanças climáticas
globais. O governo anterior tinha algumas políticas de preservação e
de conservação dos recursos naturais e no atual governo isso deveria
ter continuado, mas infelizmente ele não tem ampliado essas políticas.
Muito pelo contrário ele tem tentado minimizar o máximo possível e
isso vai ter repercussões certamente no médio e longo prazo. Então a
gente espera que isso se reverta num futuro breve.

Cognitum: Infelizmente, é notório que o atual governo não dá


a importância que deveria ao meio ambiente, o que o senhor
acha que será das nossas matas e bacias no futuro?
Adilson Pinheiro: É lamentável que a gente tenha uma política
pública tão permissiva, a gente esperaria que pudesse ser melhor
utilizado conhecimento científico nas políticas públicas. No caso desse
momento que a gente está vivenciando a pandemia do Coronavírus,
a ciência tem um papel importante, tanto é que foram desenvolvidas
vacinas num período de tempo extremamente curto e que o governo
federal infelizmente tem tido uma postura negacionista em relação
ao conhecimento técnico científico e tenha adotado um discurso
completamente alheio, um discurso sem uma base conceitual
minimamente razoável. Se tivesse um discurso com uma base conceitual
que defendesse alguns princípios da ciência, mas isso não é o caso, mas
mesmo assim é lamentável que a gente esteja nesse quadro presente
no Brasil.

51
Doutorado em Educação e mestrado em
Política Científica e Tecnológica pela
Universidade Estadual de Campinas, pós-
doutorado em Educação pela Universidade
de São Paulo. Tem experiência nas áreas de
Educação, Epistemologia, Educação Agrária,
Educação Comparada, Educação Profissional e
Tecnológica, Saúde, Desenvolvimento Regional
e Meio Ambiente.

Prof. Dr. Adolfo Ramos Lamar


Por Gabriela Zimmermann

Apresentação

A dolfo Ramos Lamar é natural de Cuba e entrou na pesquisa


muito antes de vir para o Brasil. Filho de um mecânico
e de uma dona de casa, nasceu no bairro portuário Jesús Maria, um
antigo bairro ao lado de estação de trem, e que possuía uma usina
termoelétrica na capital de Cuba, Havana. Mas Adolfo pouco se lembra
de Jesús Maria, pois com apenas alguns anos de vida, mudou-se para
um bairro mais moderno, a Praça da Revolução, próximo à Esplanada
dos Ministérios.
Graduado em Licenciatura em Filosofia pela Universidade de La
Havana (1982), veio para o Brasil com a oportunidade de fazer mestrado
em Política Científica e Tecnológica pela Universidade Estadual de
Campinas, a UNICAMP (1995). Fez doutorado em Educação (1998),
também pela UNICAMP e pós-doutorado pela Universidade de São
Paulo (USP) em Epistemologia da Educação (2007).
Em Cuba, toda educação básica é gratuita, com uma condição
razoável de infraestrutura e alimentação, acesso à cultura e esporte.
Em sua infância, Adolfo Lamar fez seu ensino fundamental em uma boa

52
Por Gabriela Zimmermann

escola, com infraestrutura e organização de qualidade, bem preparada.


Após, foi para escola militar, depois para escola urbana e em seguida
para escola rural, onde passava quatro horas do seu dia trabalhando e
quatro horas em aula.
Boa parte dos estudos aconteceu em sistema interno. Na escola
militar, ia para sua casa uma vez por semana, e na escola rural, que
ficava em uma pequena ilha chamada Ilha da Juventude. Podia ir para
casa a cada dois meses.
Hoje, Adolfo é professor na Universidade Regional de Blumenau,
com a disciplina de Fundamentos Epistemológicos da Educação, mas
na sua juventude não tinha interesse em lecionar.
Foi quando chegou na Universidade de La Havana (UH),
para iniciar sua graduação, que recebeu a oportunidade de ser
professor. A UH possui um sistema chamado “aluno ajudante”, em
que determinados alunos são chamados para auxiliar professores nas
aulas. Foi ajudando professores que adquiriu habilidades pedagógicas
e começou a se interessar pelo ensino. Ao final do curso, foi selecionado
para ser professor universitário.

Cognitum: Morando hoje no Brasil, quais são as principais


diferenças de acesso, estrutura e qualidade de ensino entre
Cuba e Brasil?
Adolfo Lamar: O acesso é diferente. Para as pessoas que são de classe
média é bom ter acesso à universidade, sem se preocupar muito com
a questão do custo. Sem estudar não conseguimos ser engenheiros,
médicos, professores. E apesar de ser um país pobre, lá as universidades
têm moradia, uma alimentação razoável, acesso à cultura, acesso ao
esporte, acesso à biblioteca. Então apesar de ser um país pobre, em
Cuba temos condições para poder chegar ao ensino superior.

53
Prof. Dr. Adolfo Ramos Lamar

Cogitum: O que faz nas horas livres? Gosta de que tipo de


leitura? Séries? Filmes?
Adolfo Lamar: Eu gosto muito de literatura que fala sobre toda a
história da ciência, literatura nacional com história social do mundo,
a história cultural. Uma época eu lia os clássicos, mas agora, como
tenho muitas coisas do trabalho, venho lendo muita coisa de história,
cultura, porque é interessante. E também séries relacionadas à história
da humanidade, da ciência. Também assisto muitas coisas de esporte e
música, que também é importante.

Cognitum: Como concilia o trabalho com a vida pessoal?


Adolfo Lamar: Quase 24 horas de trabalho, a vida pessoal fica meio
difícil. Estamos em um contexto da pandemia e o trabalho aumentou.
Estamos sujeitos a ficar estressados. Passamos a maior parte da vida
na universidade e agora, com a pandemia, ficamos menos. Em meu
país, a biblioteca da universidade abre nos domingos, então muitas
pessoas passam o final de semana na biblioteca.

Cogitum: Em que momento você começou a ter interesse em


lecionar?
Adolfo Lamar: É interessante, pois foi em um contexto diferente do
Brasil. Geralmente em Cuba, os alunos são captados para serem
professores no Ensino Médio, então já no ensino médio, recebiam
proposta para ser professor. Existia o chamado Destacamento
Pedagógico, o aluno que estava no ensino médio começava a ser
formado para ser professor. Porém, nunca aceitei ser isso. Não gostava
de ser professor, achava muito difícil a disciplina. Na Universidade de
Havana, tem um sistema chamado “aluno ajudante”, que é um pouco
diferente do PIBID (Programa de Bolsas de Iniciação à Docência).
Determinados alunos são chamados para auxiliar alguns professores
nas aulas. Então eu fui chamado para ser auxiliar de professor nas
aulas da própria universidade, fui ganhando um pouco de habilidade
pedagógica e fui aprendendo. Então comecei a gostar do ensino pela
pesquisa, porque não queria ser professor. E depois fui me formando

54
Por Gabriela Zimmermann

na questão pedagógica e no final do curso fui selecionado para ser


professor universitário.

Cognitum: Como foi sua trajetória profissional no Brasil até


o ingresso na universidade?
Adolfo Lamar: Em Cuba, eu era professor da Universidade Central
na cidade de Santa Clara. Após terminar o serviço social, que é uma
exigência de Cuba para você pagar seus estudos, passei no concurso
para professor no Instituto Superior de Ciências Agrícolas. Tínhamos
problemas de moradia, e o governo tinha uma política de tentar
minimizar isso. Era um programa de microbrigada em que o governo
dava terreno e material de construção para determinadas empresas e
instituições, e os próprios funcionários tinham que construir as casas
e prédios. Então eu fui liberado durante três anos para trabalhar como
operário de construção. Eu era pago como professor, porém as 40 horas
eram na construção. Quando terminei minha etapa na construção, fui
chamado a fazer minha candidatura a doutor, que é similar ao PhD.
Acontece que depois fiquei sabendo que tinha a oportunidade de fazer
mestrado na UNICAMP. Em Cuba não havia mestrado na época, e quase
ninguém sabia aplicar o mestrado. E outro problema é que naquela
época em Cuba, quando você fazia doutorado não se tinha disciplina,
era mais pesquisador, e você defendia o doutorado pela Academia de
Ciência, que era um sistema diferente. Quando cheguei na UNICAMP
para fazer mestrado, estava fazendo doutorado em Cuba. Foi assim que
cheguei ao Brasil. Na minha época de licença para fazer o doutorado,
cheguei ao Brasil para fazer mestrado. Ao finalizar o mestrado,
continuei na UNICAMP, mas fui para a área de educação, trabalhar
na Epistemologia da Educação. Depois fui para a área de Política da
Ciência e da Tecnologia e passei para a Faculdade de Educação, onde
fiz o doutorado na área de Epistemologia da Pesquisa em Educação.
Depois que terminei na UNICAMP, eu passei num concurso para
professor na Universidade Federal do Espírito Santo, só que nessa
época aconteceu uma greve e eu não conseguia assumir em Vitória.
Então fiquei um tempo desempregado e comecei a trabalhar vendendo
classificados pelo bairro de Campinas. E também fiquei três meses
55
Prof. Dr. Adolfo Ramos Lamar

como professor substituto de Filosofia da Ciência na UNESP. Depois,


apareceu a oportunidade de trabalhar como professor no programa
de pós-graduação em Educação na Universidade Federal da Bahia, na
cidade de Ilhéus. Esse foi meu primeiro emprego como concursado no
Brasil. Trabalhei lá durante três anos. Depois apareceu a oportunidade
de vir para Blumenau e foi assim que cheguei aqui.

Cognitum: Como você enxerga, atualmente, a área da


Educação?
Adolfo Lamar: A área da educação está em uma época muito difícil, de
crise, de corte, de problemas na organização, no gerenciamento. Você
fala com os colegas, com os professores, alunos, com os servidores, e
estamos num momento muito difícil.

Cognitum: Quando falamos de lecionar em meio à uma


pandemia, sabemos que diversas coisas mudaram. Como
você enxerga essas mudanças?
Adolfo Lamar: Temos que pensar na história de vida de cada professor,
de também da própria FURB. Porque geralmente minhas aulas eram
presenciais. Com urgência, determinados professores precisaram
mudar suas mentalidades com relação à internet e a dar aula pela
internet. E foi com muito apoio que conseguimos entrar um pouco
neste caminho. Porque é um caminho difícil dar aula somente pela
internet. Penso a tecnologia é boa, mas quem decide não é a tecnologia.
O principal e mais importante são as pessoas.

Cognitum: Quais são as maiores dificuldades de lecionar


durante o COVID e como elas podem ser contornadas?
Adolfo Lamar: É muito mais difícil dar aula a distância ou de forma
remota porque o pessoal pensa que você está 24 horas por dia ligado à
internet e isso é um problema. Além disso, sou de uma época em que
era mais presencial. Agora se passa para EAD, é um pouco diferente. E
estamos em uma cidade em que se tem muito curso de EAD, e a FURB
era a que tinha mais cursos presenciais, então foi um choque cultural

56
Por Gabriela Zimmermann

para algumas pessoas. Então temos que entrar nessa questão do uso
da tecnologia, mas penso também que a FURB precisa, quando se tem
oportunidade, de usar o curso presencial.

Cognitum: Como você percebe a pesquisa dentro das escolas?


Existe alguma vontade de instigar o interesse dos jovens na
pesquisa científica?
Adolfo Lamar: É importante. O extinto Conselho Federal de Educação
do Brasil falava que o pesquisador deveria ser formado no mestrado,
e a gente percebe quando chega no Brasil, que muitos alunos de
graduação não fazem TCC. Ainda bem que em alguns lugares os
alunos estão sendo formados mais cedo, na própria escola. Porém é
um problema econômico, político e cultural. A iniciação científica não
deve começar na universidade, deve começar antes. Porém temos que
dar condições, mudar a cabeça, a cultura, criar mais bibliotecas, mais
oportunidades econômicas. Muito intercâmbio. É importante, ajudar
na internacionalização das crianças. Portanto é importante estimular a
pesquisa nas escolas, e a gente aprende muito isso com os orientandos
de mestrado. Na região, muitos professores da educação básica
não realizam pesquisa. Eles pensam que a pesquisa é somente um
problema da FURB, não da educação básica. Então temos que mudar a
mentalidade e mudar a política, os apoios e etc.

Cognitum: Sua linha de pesquisa é “tendências


epistemológicas e metodológicas”. Em que momento você
percebeu que deveria seguir essa linha?
Adolfo Lamar: Na realidade, o estudo sobre tendências epistemológicas
começou quando eu iniciei o doutorado. E nesta época eu já tinha
quase 10 anos de formado, então antes já havia pesquisado sobre
pensamento latino-americano, sobre filosofia da ciência, filosofia da
tecnologia e sociologia da ciência. Quando fui para a área de educação,
foi que começaram meus estudos sobre epistemologia nesta área, na
UNICAMP. Passar pela UNICAMP, e ter os professores que tive, foi
de grande ajuda para o meu futuro como professor e para as pesquisas
sobre o assunto. Eu já tinha uma base em Cuba. Possuíamos professores

57
Prof. Dr. Adolfo Ramos Lamar

que ministravam disciplina racional como problema filosófico das


ciências naturais e exatas. Então eu já tinha uma base filosófica para
ser aplicada quando cheguei no doutorado em educação da Unicamp.
A tendência epistemológica se relaciona com meu doutorado e também
de alguma forma com meus estudos no curso de graduação em filosofia.
Porque em Cuba eu era do grupo de materialismo dialético que é a
chamada epistemologia da teoria marxista.

Cognitum: Qual a importância de entender sobre as


tendências epistemológicas e metodológicas na educação?
Adolfo Lamar: É muito importante. Quais são as ideias de conhecimento,
relação entre teoria e prática, a questão da credibilidade das teorias
pedagógicas, das teorias científicas. E isso é importante não somente
para entender a educação, mas é importante para entender a indústria,
a agricultura e a formação humana. E epistemologia ajuda a entender
muito do que tem acontecido com a humanidade.

Cognitum: A sua pesquisa atual, que teve início em 2019, e


é sobre “A produção de Teses de Doutorado e Dissertações
de Mestrado sobre Educação Agrária na América Latina e no
Caribe”, em parceria com o Observatório Iberoamericano
de Estudos Comparativos em Educação (OIECE) do qual a
FURB é uma das fundadoras. Como está sendo fazer essa
pesquisa durante a pandemia? Quais foram as principais
dificuldades?
Adolfo Lamar: Fica difícil! Temos pouco contato com os alunos, tem
bolsistas que nem conhecemos. E os próprios alunos também estão
com muita pressão, então é muito difícil fazer.

Cognitum: Das suas pesquisas realizadas na FURB até agora,


quais tiveram mais relevância? Quais foram as maiores
pesquisas?
Adolfo Lamar: Na FURB temos feito diversas pesquisas. Sob a base
epistemológica temos feito pesquisas sobre a epistemologia da educação

58
Por Gabriela Zimmermann

física no Brasil, com o professor Gamboa. Fizemos uma pesquisa


do Projeto Alfa da União Europeia, o que foi interessante pois tinha
professores da Alemanha, da Espanha, da Argentina, da Costa Rica.
Então foi um grande aprendizado, pois eu era o professor mais jovem.
E também temos a pesquisa de educação comparada onde trabalhamos
a questão da política nacional, a questão da epistemologia, e também
trabalhamos, sobretudo nos últimos tempos, a questão da agricultura.

Cognitum: Como o senhor resumiria a pesquisa realizada na


FURB para a sua área de conhecimento?
Adolfo Lamar: Nossa pesquisa tem visibilidade e a FURB tem apoiado,
temos que considerar isso. Também temos que considerar que estamos
no interior e em comparação a outras universidades, temos tido
visibilidade em nosso próprio programa. Estou satisfeito com nossos
orientandos, com o grupo de pesquisa e com a universidade.

Cognitum: Como você avalia o futuro da pesquisa no


Brasil, diante desse cenário de cortes públicos e falta de
investimentos em diversas áreas do conhecimento?
Adolfo Lamar: O futuro é difícil quando falamos de recursos,
determinadas ideias diferentes de como deve estar a ciência, a
tecnologia, de nossa independência cientifica e tecnológica. Então
temos uma grande disputa.

Cognitum: Como que você resumiria a sua trajetória de


pesquisa realizadas na FURB e qual a contribuição desse seu
trabalho para sua área de conhecimento?
Adolfo Lamar: Acho que a minha trajetória tem sido minimamente
razoável, tenho colocado um pouco minha experiência, meus estudos
no Brasil, em Cuba, na Espanha. Também minha experiência de
contato com o pessoal de outras universidades brasileiras. E penso que
estou satisfeito com minha trajetória aqui na FURB.

59
Prof. Dr. Adolfo Ramos Lamar

Cognitum: Como você enxerga o futuro da educação no país


com influência das mudanças causadas pelo COVID?
Adolfo Lamar: O futuro é difícil. E temos muitas incertezas. Temos
que ser otimistas e temos que olhar um pouco além da crise. Porque já
passamos por muitas crises, diversos contextos, e esperamos que essa
situação ajude a melhorar muitas coisas na área da educação, na área
da saúde, da cultura, em muitas áreas. Esperamos que melhore o país
que é o maior da América Latina, e, portanto, tem muita influência sob
os outros países.

Cognitum: O que você acredita que veio de mais positivo e de


mais negativo para o mercado da educação?
Adolfo Lamar: Algumas pessoas falam que a questão da tecnologia
é positiva, mas muita coisa não foi positiva e sim, mostrou muitos
problemas que temos para solucionar, para pensar, para brigar, para
discutir. Colocou muitas coisas que estavam escondidas na frente.

Cognitum: Quais são as suas projeções para a Educação?


Adolfo Lamar: Parece que a tendência é continuar o neoliberalismo.
A tendência da educação como uma mercadoria. E é importante saber
isso. Porém temos que ser otimistas. Temos que pensar em fortalecer
a educação pública, aumentar os recursos para a educação, temos que
pensar positivo, mas sermos realistas.

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61
Doutor em Direito Público pelo Programa de
Pós-Graduação em Direito da Universidade
do Vale dos Sinos - UNISINOS. Mestre em
Ciências Jurídicas pela Universidade do Vale
do Itajaí - UNIVALI. Especialista em Direito
Administrativo pela Universidade Regional de
Blumenau - FURB. Professor e pesquisador dos
Programas de Mestrado em Direito (PPGD) e
Administração (PPGAd) da FURB.

Prof. Dr. Alejandro Knaesel Arrabal


Por Thiago Gomes

Apresentação

A LEJANDRO KNAESEL ARRABAL é coordenador do centro


de ciências jurídicas e professor do curso direito na FURB,
além de integrar o núcleo de inovação da universidade. Graduado
em Direito no ano de 1996 na FURB, o pesquisador finalizou sua
especialização em direito administrativo em 1999. De 2000 a 2003
fez mestrado em ciência jurídica na Universidade do Vale do Itajaí e
desde o ano de 2017 é doutor em direito. Suas pesquisas dedicam-se a
temas como direitos de propriedade intelectual, políticas de inovação,
inovação organizacional, além criatividade, cultura e desenvolvimento
tecnológico.

O senhor é natural de Blumenau? Você tem filhos?


Sou natural de Blumenau, nascido e criado nessa cidade muito
linda, muito bacana. Tenho dois filhos, uma menina e um rapaz. Ele
entrou no curso de direito e está no quinto semestre, já a menina

62
Por Thiago Gomes

está terminando o terceiro ano do ensino médio, apesar de não ter


escolhido uma graduação, creio que ela fará algo relacionado a área
de desenvolvimento de tecnologias, mais próximo a biotecnologia, algo
nesse viés.

O que o senhor faz nas horas livres?


Sempre gostei muito de tecnologia, isso me fez estar sempre muito
centrado em TV, computador, esse tipo de entretenimento relacionado
a campos multimidiáticos. Mas com o tempo a gente aprende que é
fundamental a gente dedicar o espaço para a família, então eu posso
dizer que nas horas vagas, agora, meu lazer é poder curtir com a família
e estabelecer um programa em comum, ou seja, definir juntos o que
vamos fazer.

O que levou o senhor a optar pela primeira graduação em


direito?
Eu poderia ter caminhado pelo viés um tanto óbvio para mim, que
seria me render a inclinação por tecnologias e talvez fazer computação
ou sistemas, algum curso que tivesse associado a isso. Mas, à época, eu
ouvi o conselho dos meus pais. Minha mãe e meu pai, ambos trilharam
seus caminhos em uma perspectiva econômica de classe média, eram
trabalhadores autônomos. Dentro deste cenário, encontraram as
dificuldades que todo mundo encontra e reconheciam claramente que
era necessário que as pessoas soubessem seus direitos. Talvez a vida
pudesse ter sido melhor, então sobre essa perspectiva, a sugestão dos
meus pais foi acolhida por mim e eu sou muito grato por isso, muito
grato. A formação jurídica me ofereceu oportunidades, não que a vida
não pudesse ter sido legal também e boa agradável em qualquer outra
área profissional, mas eu realmente sou muito grato por tudo que eu
aprendi, tudo que eu aprendo ainda com o direito.

O que levou o senhor a se aproximar da Tecnologia,


integrando o núcleo de inovação tecnológica da FURB?

63
Prof. Dr. Alejandro Knaesel Arrabal

Eu não esqueci a tecnologia. É uma das paixões, então na graduação


aquela época eu percebi algum reflexo da tecnologia no direito, mas
não era tão evidente quanto é hoje. Eu me formei em 1995, quando
surgia a internet no Brasil no ponto de vista comercial. Muitas coisas
aconteceram para o direito e certamente vão acontecer em relação as
transformações no âmbito tecnológico e no contexto da sociedade,
trazendo para nós e para todas as áreas. Eu tinha muito interesse em já
estudar essas possíveis relações, então levando em consideração o que
se especulava na época, percebi ainda na graduação aquele universo
tecnológico, relacionando que, no direito, não iria demorar muito para
existirem processos por meio eletrônico. Isso já acontecia em outras
áreas, mas o direito não tinha. Então, para mim, essas relações entre
tecnologia e direito me deram muitas oportunidades e são muito
gratificantes.

A propriedade intelectual e o direito digital ganham cada vez


mais espaço por conta do avanço tecnológico. Quais são os
casos mais comuns?
Essa é uma questão que a gente pode ver sobre suas perspectivas. Uma
é mais próxima do que eu estava comentando antes que é a influência
da tecnologia no direito, trazendo outras perspectivas de atuação que
antes não haviam sido imaginadas. Fazer uma audiência a distância se
tornou relativamente comum agora em função da pandemia por ser
necessário, mas já era sugerido por alguns entusiastas e trabalhado há
mais de década atrás. Existe uma outra perspectiva que é exatamente
a qual o direito observe os fenômenos tecnológicos e aí, dentro dessa
linha do que você perguntou, existe uma série de questões hoje. Talvez
o tema de maior repercussão diz respeito à questão das notícias falsas,
do impacto que a internet trouxe. Ela trouxe potenciais fantásticos,
mas assim como todos os outros fenômenos, nem tudo são flores,
ela acabou trazendo também inúmeros desafios como a questão da
privacidade quanto à questão do direito de imagem das pessoas. Nós
temos que repensar também que o direito talvez possa trazer para além
da “letra fria da Lei”.

64
Por Thiago Gomes

Como o senhor relaciona a tecnologia ao direito em sala de


aula com os alunos?
Do ponto de vista nacional os cursos de direito, já de algum tempo, se
viram na necessidade de integrar elementos relacionados a tecnologia.
Relembrando a pergunta sobre a propriedade intelectual, de alguma
maneira ela acompanha esse universo por uma série de fatores. Então
a questão da propriedade intelectual aparece dentro desse cenário. Mas
pensando no curso de Direito nós estamos refletindo muito sobre a
abordagem dos temas de maneira transversal embora o nosso curso não
ofereça uma disciplina específica. Sobre tecnologia e inovação a gente
espera poder oferecer experiência ao aluno no trânsito do curso, uma
relação mais integrada com diversas outras práticas e conhecimentos.
Então o professor que leciona disciplinas da área penal, por exemplo,
dificilmente não irá falar de questões relacionadas ao impacto da
tecnologia e desse contexto ao trabalhar em sala de aula sobre o direito
de contratos. Então inevitavelmente estamos buscando nos preparar e
estamos trabalhando nesse sentido no âmbito geral do curso.

Como um aluno do curso de direito pode inovar na profissão?


A questão da inovação no direito passa por um diálogo com questões
que aparentemente não estão relacionadas a Inovação. A gente pensa
em inovação como algo novo. Mas, o novo depende de contexto, então
os aspectos que existem são os aspectos que precisam ser tratados
dentro da realidade contemporânea, como a questão da ética, como
a questão da sustentabilidade. O grande desafio para o direito é como
ele pode contribuir para ser um coadjuvante no sentido de tornar essas
expectativas realidade. O direito não pode viver apenas na citação
teórica, ele precisa lidar com teoria e prática sempre juntas nesse
processo, por isso que ensino, pesquisa e extensão precisam atuar de
maneira tão integrada ao ponto de não conseguir perceber onde começa
uma e termina a outra. Isso é algo que é muito transformador para o
direito contemporâneo. Um aluno para inovar e trazer as inovações
para sua realidade local e nacional implica em ele saber estabelecer
um diálogo muito estreito com o desafio que ele tem de, ao mesmo
tempo, lidar com tecnologias e com informatização. É fundamental ele

65
Prof. Dr. Alejandro Knaesel Arrabal

não esquecer que a alteridade é saber se comunicar, saber informar


as pessoas e poder contribuir de alguma maneira na melhoria da
qualidade de vida de quem está no entorno.

Como o curso de direito vem se atualizando em relação as


novidades tecnológicas?
O profissional do direito em especial no nosso curso precisa mais do
que acompanhar as novidades. Eles são protagonistas nesse processo,
e ser protagonista nesse processo é ter visão crítica do aspecto que a
pesquisa pode oferecer. É um comportamento que faz parte da produção
científica e da pesquisa que é fundamental para o profissional. Acho
muito importante que a gente consiga perceber que a universidade
é uma pluralidade, ela é um pluriverso, e nessa pluralidade o que a
gente tem de muito precioso nesse espaço é a possibilidade de diálogo
com conhecimentos e saberes diferentes como em direito como no
jornalismo como o pessoal do Design, computação, estabelecendo
um diálogo com estreitamento que permita a gente aprender juntos.
Pode mudar o código, pode mudar um pouco a linguagem, mas
existem pontos de convergências com interesses em comum em todas
as áreas. A universidade é um espaço muito privilegiado, pois dá essa
oportunidade. Quem passa pela Universidade sem perceber esse a
riqueza desse ambiente é um passageiro, não vive a universidade
com tudo que ela tem de potencial. É isso que a gente quer a gente
quer. É oferecer a possibilidade de uma vivência aqui que não seja
só uma passagem né, que ela traga uma qualidade e uma substância
significativa para vida do aluno, mas ao mesmo tempo ele entenda que
ele pode trazer essa mesma alteridade.

O que é o núcleo de inovação da FURB e quais atividades ele


realiza atualmente?
O núcleo de inovação tecnológica na Furb que tem o nome de AGIT,
agência de inovação tecnológica, nasceu em 2004 no momento em que
surge uma lei no Brasil que estabelece que as instituições de ensino nas
universidades, principalmente as públicas, deveriam instituir núcleos
que fossem responsáveis pela aproximação da Universidade com setor

66
Por Thiago Gomes

produtivo regional. A agência de inovação na Furb tratou algumas


aproximações e eu tive a oportunidade de ser convidado por que eles
que estavam já ensaiando os primeiros passos para desenvolver um
projeto semelhante. Hoje o AGIT conta com um corpo de docentes e
bolsistas e cujo o papel fundamental é estreitar esse diálogo entre o
setor produtivo regional e a universidade. Eu falei antes a importância
que a gente tem de conversar, e a universidade precisa conversar
sempre com a comunidade, a gente sabe disso, mas o estreitamento
dela com o setor produtivo e os diversos segmentos produtivos da
indústria ao pequeno e grande empresário do grande empresário. Isso
é uma prova muito grande para a Universidade, pois quem se forma
aqui vai entrar no mercado e vai lembrar da universidade. A FURB
pode trazer um incremento para uma atividade econômica ao estreitar
o laço das relações entre o setor produtivo e a universidade.

Como o senhor resume a importância da pesquisa realizada


na FURB?
Quando a gente fala em pesquisa pode passar muitas coisas pela
cabeça, mas eu acredito que a gente possa eleger aqui um olhar em
relação a pesquisa que diz respeito a descobrir. Eu vejo a questão da
pesquisa mais do que um grande desafio para revelar algo que talvez já
esteja aí, pois podemos encarar a pesquisa assim como todo o esforço e
dedicação no sentido de revelar o que está escuro, não que ele não sabe,
mas essa postura revela outras partindo de uma premissa de que as
coisas já estão prontas. O processo de pesquisa não é apenas revelação,
ele também é a construção, então ao se desenvolver pesquisa o que que
a gente está construindo é uma realidade. Ao construir essa realidade
nós fazemos parte dela também, então quando desenvolve pesquisa
é algo significativo para mim, para os meus pares, para a sociedade.
Não se deve pensar na pesquisa apenas como um preciosismo, mas sim
como mais um item na relação ensino e aprendizagem.

Qual a relação que a Agência de Inovação Tecnológica - AGIT


mantém com o curso de direito da FURB?

67
Prof. Dr. Alejandro Knaesel Arrabal

A Agência de Inovação Tecnológica é o setor da FURB responsável por


gerenciar os ativos intangíveis relacionados a P&D, desenvolvidos na
Universidade. Assim, a equipe da Agência conta com a participação
de membros com formação jurídica, em articulação com engenheiros,
pesquisadores e docentes de diversas áreas. A importância da
Propriedade Intelectual e a necessidade de pesquisas na área
oportunizará muito em breve uma integração ainda mais estreita do
Curso com a Agência, possibilitando o envolvimento dos alunos do
Direito com as atividades práticas da AGIT, no contexto das ações de
inovação e sua relação com o mercado.

Qual o objetivo do grupo de pesquisa DTIn - Direito,


Tecnologia e Inovação que o senhor lidera?
Trata-se de um grupo de pesquisa multidisciplinar, vinculado aos
grandes temas jurídicos que dizem respeito ao desenvolvimento de
Novas Tecnologias, a partir da relação entre a Universidade e diversos
setores produtivos (tecnologias industriais, produtos e serviços de
software, economia criativa, entre outros). O grupo procura também
realizar estudos a respeito do desenvolvimento de tecnologias no
Direito, investigando recentes transformações e tendências do setor.

A FURB possui um fórum universitário, em que alunos


podem praticar o que foi aprendido no decorrer do curso e
ainda auxiliar a população da região. Qual a importância da
dessa estrutura na formação de um acadêmico em direito?
O diálogo permanente entre a teoria e a prática é fundamental para
a formação do profissional do Direito. A experiência oferecida no
ambiente do Núcleo de Prática Jurídica (antigo Fórum do Município
de Blumenau) tem sido aperfeiçoada ao longo dos anos. No período da
Pandemia, por exemplo, as atividades continuaram em regime remoto,
de modo que a comunidade local pode contar com atendimento on-
line. Entre outras atividades lá realizadas encontram-se a resolução
consensual de conflitos e a prática do processo judicial eletrônico. O
Núcleo assume relevante papel no diálogo permanente da comunidade

68
Por Thiago Gomes

com os alunos do Curso, oferecendo benefícios à sociedade e qualificação


aos futuros profissionais.

Com o avanço ainda maior da tecnologia, o senhor vê


um interesse maior dos estudantes de direito na área
de tecnologia, assim como o senhor teve ao longo de sua
carreira?
Com certeza. Nos últimos anos o Direito tem despertado para a
realidade tecnológica em várias frentes. De modo geral, os alunos
procuram aproximar sua formação aos recursos tecnológicos e a
comunicação digital. O mundo jurídico tem se transformado de modo
que estamos caminhando para o conhecimento de novas tecnologias
aplicadas ao Direito, assim como desenvolvendo competências que
tornem os egressos da FURB partícipes ativos do cenário tecnológico.

Um dos objetivos da Agência de Inovação Tecnológica, a qual


o senhor integra, é ser referência em inovação no estado de
Santa Catarina. Como senhor avalia a evolução da AGIT na
busca por esse objetivo?
O fomento à Inovação tem crescido na região e com ele o compromisso
FURB em prover condições efetivas para transformar ideias em bens e
serviços relevantes para a sociedade. A Agência de Inovação Tecnológica
assume uma posição fundamental nesse contexto, oferecendo meios
para a interação efetiva da Universidade com o mercado. A recente
conquista do Prêmio Stemmer de Inovação Catarinense (2021) indica
que a trabalho realizado até agora já gerou impactos socioeconômicos
relevantes, de modo que a Agência já inspira outras organizações
no Estado, o que torna o compromisso institucional ainda mais
significativo.

Como o senhor atrela o desenvolvimento econômico da


região à criação da FURB em meados dos anos 60?
A FURB é, sem dúvida, uma Universidade cuja história integra-se
profundamente a história do povo de Blumenau e do Vale do Itajaí. Da

69
Prof. Dr. Alejandro Knaesel Arrabal

formação de profissionais nos mais diversos campos de atividade, ao


desenvolvimento de pesquisas e ações extensionista, a FURB é parte
constitutiva da vida de todos em nossa região.

Qual a importância da pesquisa da FURB no desenvolvimento


regional?
A FURB é um signo de grandes valores e um deles é a presença dessa
instituição na vida das pessoas da região. Eu posso falar isso por mim.
Foi perguntado no início se eu era de Blumenau. Eu sou de Blumenau,
eu me vejo nessa cidade e a minha formação, tirando o ensino
fundamental que foi em escola pública, quando eu ingresso no ensino
médio eu entro na Furb via ETEVI que na época era escola técnica. Dali
em diante a FURB é minha segunda casa. Eu digo isso com profunda
admiração por essa instituição, já estou aqui pelo menos como docente
há mais de 20 anos nessa trajetória. Desde o período do colegial já se
passaram quase 30 anos convivendo com a FURB e, no estreitamento
com os meus pares, alunos e professores a gente vê o impacto que essa
instituição tem para nossa região, não só aqui, a gente ouve também
sobre a Furb em outros lugares em outras cidades. Às vezes a gente
se sente pressionado por gigantes, mas o valor e importância que essa
instituição tem para nossa região é algo surpreendente talvez a gente não
consiga visualizar esse todo mas, talvez o tempo nos ajude. De tempos
em tempos a gente ouve testemunhos de pessoas, empreendimentos
acontecerem. No direito, juízes, promotores, advogados e muitos
profissionais da nossa região que estão fora do Brasil ou que estão no
Brasil são egressos da FURB. Isso só para falar do curso de direito. Eu
tenho aproximação com alguns outros cursos e testemunho também
a importância das engenharias, do Jornalismo e de tantos outros
cursos aqui que sem a universidade talvez Blumenau e região fossem
diferentes, não sei como, mas quero dizer isso porque a FURB faz a
diferença para nós todos.

Como você avalia o futuro da pesquisa no Brasil, diante


desse cenário de corte públicos e falta de investimentos em
diversas áreas do conhecimento?

70
Por Thiago Gomes

Eu sempre fui refratário de que é no momento de dificuldade que as


oportunidades surgem. Hoje eu dou um pouco de chance a essa ideia.
Eu não gosto muito dessa frase, pois ela faz com que em algum momento
a gente busque legitimidade para momento de dificuldade, como se
a gente precisasse de dificuldade. Como professor eu já vi isso sendo
deturpado, pois me parece equívoca a ideia de que se o melhor só vem
após uma crise, então eu tenho de provocar uma crise. Principalmente
no processo de aprendizagem eu nunca vi isso com bons olhos. As
dificuldades se impõe de forma circunstancial. Isso, obviamente, sem
afastar as situações que são provocadas, mas não me parece que esse
seja o caminho. Nesse momento de dificuldade financeira e de recursos
escassos por conta do aumento das demais demandas da sociedade,
desenvolver pesquisa é algo que não pode esmorecer. Como docente,
não consigo ver o futuro da pesquisa de uma maneira que não seja a
otimista. Por essa perspectiva, penso que temos condições de encontrar
caminhos para fazer com que a pesquisa aconteça. Talvez os recursos
possam ser realocados. Tanto a pesquisa básica quanto a pesquisa
aplicada são muito importantes, a história já revela isso, e há um temor
de que a pesquisa básica seja colocada em segundo plano pois tudo deve
ser funcional e oferecer resultado. Esse temor é justificável até certo
ponto, já que a atividade de pesquisa necessita de um investimento
mais caro. Estar em uma universidade é estar num ambiente em que
nós podemos trabalhar com a ideia de erro, mas a expectativa social
nos leva a um embate em relação a isso. Para a sociedade não se pode
errar por conta das graves consequências. Então, equacionar essa
relação entre o que representa a expectativa social no sentido de obter
resultado e efetivamente desenvolver a atividade de pesquisa, para
mim, tem condições de dinamizar isso que é tão caro e importante
para todos nós. Vejo isso não só como professor, mas como alguém
que vê a pesquisa como fator fundamental para a sociedade. Espero
que o governo atual e os próximos possam fazer da pesquisa no Brasil
algo prioritário. É algo que a muito tempo vem sendo demandado pela
sociedade.

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Doutor em Comunicação, licenciado em Letras,
bacharel em Jornalismo e em Direito, analista
político na mídia regional, professor do
Departamento de Comunicação, do Programa
de Pós-Graduação (Mestrado e Doutorado)
em Desenvolvimento Regional e do Programa
de Pós-Graduação (Mestrado) em Direito da
FURB-Universidade Regional de Blumenau.

Prof. Dr. Clóvis Reis


Por Júlia Bernardes Laurindo

Apresentação

A mante dos esportes ao ar livre e de momentos de silêncio,


o professor Clóvis Reis utiliza destes momentos para
descomprimir e desacelerar da sua rotina de professor de comunicação.
Formado em três graduações, letras, direito e jornalismo. Ainda antes
de concluir a primeira graduação, de Letras, iniciou sua carreira como
professor de português e inglês em escolas de ensino fundamental e
médio. Já como professor universitário, em 2021 completa 30 anos,
com o curso, que atua de Publicidade e Propaganda da FURB, além
disso, leciona aulas de Rádio e comunicação para o curso de Jornalismo,
que iniciou suas aulas em 2014.
Apaixonado desde criança pela escrita e área da comunicação,
antes de ser professor, Clóvis Reis trabalhou como repórter em rádio,
depois disso, foi colunista em jornais da região de Blumenau. Na área da
pesquisa, seu foco é no desenvolvimento regional, pesquisando sobre
mídias, comunicação, comunicação e desenvolvimento, comunicação
e turismo, e comunicação e desastres. Foi o primeiro da família que

72
Por Júlia Bernardes Laurindo

ingressou na graduação e agora, abre as portas do ensino superior


sendo professor e instigando seus alunos.

Cognitum: Podemos começar com uma introdução com seu


nome completo, idade, se é casado, tem filhos e netos.
Clóvis Reis: Meu nome é Clóvis Reis, eu sou graduado em Jornalismo,
Letras e Direito. Nasci em 09 de dezembro de 1968, portanto tenho 52
anos. Sou pai do Clóvis Reis Júnior, da Priscila Reis e do José Mateus
Reis e avô da Antônia Reis Konning.

Cognitum: Qual a sua memória favorita nos tempos de


escola? Do ensino fundamental e médio?
Clóvis Reis: Eu sempre gostei das disciplinas relacionadas a Língua
Portuguesa, Redação, Literatura e Gramática. E aí, tudo que era
relacionado a isso, leitura, poesia, teatro, música. Tudo que envolvia
essa área de comunicação e expressão.

Cognitum: Qual que era o seu maior sonho durante a infância,


já pensava em ser professor?
Clóvis Reis: Desde que eu comecei a pensar sobre o que eu queria ser
eu tinha na minha mente que queria trabalhar com comunicação. E
foi minha primeira escolha desde o princípio. Queria trabalhar com
comunicação. E de fato foi a área a qual me dediquei inicialmente na
minha atividade profissional antes de me dedicar à educação. Durante
um período muito longo eu exerci as duas atividades simultaneamente,
e de fato, faço isso ainda hoje. Mas hoje minha principal ocupação
é a atividade como professor e eu iniciei na atividade da área da
comunicação.

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Prof. Dr. Clóvis Reis

Cognitum: Outros membros da sua família também seguiram


para a área acadêmica?
Clóvis Reis: Eu fui o primeiro neto tanto da parte de uma família,
quanto de outra que teve curso superior. Minha família tanto por parte
do pai, quanto por parte da mãe, são famílias de trabalhadores, de
operários, trabalhadores rurais, e são famílias numerosas. Treze filhos
de um lado, nove de outro, e eu fui o primeiro representante dessas duas
famílias que teve curso superior. E depois que se abriram essas portas,
esse horizonte, vários outros primos também fizeram curso superior.
Alguns deles são professores assim como eu, e outros, seguiram a área
da comunicação, então tem uma incrível coincidência nessa trajetória
familiar.

Cognitum: Já pensou desde o início da primeira graduação a


ser professor e pesquisador? Como surgiu essa oportunidade?
Clóvis Reis: Olha, fui muito interessante essa história porque o meu
primeiro curso superior, foi o curso de Letras, e eu de fato sempre gostei
de estudar então tinha uma certa facilidade. E fazendo esse curso, que
era um curso com qual eu me identificava profundamente desde o
início, foi uma trajetória muito prazerosa para mim desde o princípio.
Mas, eu me imaginava até aquele momento tendo outro rumo na
minha carreira profissional, até que um dia numa atividade, e aí você
vê a importância do professor. Um professor meu, nós estávamos aqui,
no Complexo Esportivo (da FURB) ali tem uma área de festas. Era final
de semestre, acabaram as aulas, a gente foi ali se reuniu, enfim, teve
um momento de congraçamento. Eu já estava quase no fim do curso e
aí aquele professor, o Demerval Mafra, meu professor de Linguística,
ele disse: “Clóvis, tu já pensasses que tu poderias ser professor, aqui
na FURB?” Aquilo mexeu comigo profundamente porque a FURB é
uma instituição grandiosa demais para mim. Então eu disse: “Como,
professor?” Ele respondeu: “Você tem todos os requisitos para ser
professor aqui nessa Universidade. Você deveria se propor a pensar a
respeito disso.” E aquilo era algo tão longe do meu horizonte daquele
meu mundo, e da minha história pessoal, que pela primeira vez alguém
tinha mostrado para mim assim uma coisa tão grande da qual poderia

74
Por Júlia Bernardes Laurindo

fazer parte. E a partir daquele dia, daquela conversa, eu tenho ela muito
vívida na minha lembrança, dos meus colegas que estavam juntos, a
surpresa que aquela fala despertou. E a partir daquele dia eu disse: eu
vou ser professor da instituição. E me dediquei para conseguir chegar
aqui. Tenho muito orgulho da FURB, dessa Universidade da qual eu
faço parte.

Cognitum: E qual que o senhor observa ser o maior desafio


na docência?
Clóvis Reis: O mundo muda muito rapidamente, é uma frase de senso
comum essa. E o nosso grande desafio, por outro lado, é conseguir
capturar, captar essas mudanças e conseguiu estabelecer um diálogo
com os estudantes dentro dessa realidade que está sempre mudando.
Porque de nada adianta você dominar um conteúdo, tem informação a
respeito daquilo, ser autoridade reconhecida naquilo que você tem que
ensinar, se você não consegue de fato dialogar com os estudantes, para
eles conseguirem entender aquela matéria que você está lecionando.
E o sucesso desse processo, pela minha experiência pessoal, eu tenho
percebido, está muito mais relacionado ao modo como você dialoga
com os estudantes. E isso, é a chave para você conseguir fazer com que
esse processo de ensino-aprendizagem tenha êxito. Então, me parece
que hoje, nesse mundo de mudanças muito aceleradas, é um enorme
desafio para quem está na atividade do magistério da docência como
um todo.

Cognitum: Antes de ser professor de comunicação, o senhor


também trabalhou como repórter, do que mais sente falta
dessa rotina da redação?
Clóvis Reis: Eu acho o seguinte, a gente ter esse vínculo, esse pé na
realidade, extra universidade, ele é fundamental para você entender
quais são as dúvidas, quais são os dilemas reais que um estudante da
área para qual você está lecionando, para conseguir entender as coisas
que passam pela cabeça dele. Então, eu procuro sempre na minha
atividade como professor, manter esse contato com esse mercado
profissional no qual os meus estudantes vão atuar, ou já estão atuando,

75
Prof. Dr. Clóvis Reis

para conseguir fazer com que o processo de ensino-aprendizagem dê


bons frutos. É isso que eu faço nessa atividade, não sinto saudades
digamos assim, porque não larguei completamente, mas vejo que isso
é fundamental, é muito importante, para você ter bons resultados na
sala de aula.

Cognitum: Terminando a sessão de perguntas pessoais, o


que o senhor gosta de fazer no tempo livre? Gosta de viajar
com a família, livros, esportes?
Clóvis Reis: Eu gosto de atividades ao ar livre, gosto de correr, caminhar,
gosto de fazer trilhas, de voar de parapente. Eu gosto de ficar ao ar livre,
e muitas vezes, ficar sozinho. E eu gosto de ficar sozinho assim, não
sempre, mas, esses momentos de encontro comigo mesmo, para mim
são importantes para dar um freio de arrumação nessa vida louca que
a gente tem, no dia a dia especialmente atuando como professor, numa
área onde as coisas estão ficando de cabeça para baixo né. Eu comecei
a dar aula em 1991, e se você pegar qual era o cenário da comunicação
daquele momento e como é hoje, meu Deus do céu, nós estamos num
outro mundo. Então, dar essas paradas assim ficar sozinho na natureza,
sair para caminhar, correr, voar, momentos de silêncio, me ajudam a
me manter centrado na minha atividade como professor.

Cognitum: E em 1991 começou aqui na FURB já como


professor, ou foi outra instituição?
Clóvis Reis: Eu comecei dando aula, eu fazia meu primeiro curso, foi o
de Letras como eu falei. E quando eu comecei a faculdade eu trabalhava
como jornalista já, e no meio da faculdade ali, um pouquinho antes de
terminar, eu já quis começar a ter essa experiência do ensino. Então,
eu parei a minha atividade profissional na redação, e me dediquei e
passei a ser professor de ensino básico e do ensino médio, e fazia a
faculdade à noite. Comecei primeiro como professor no ensino básico e
do ensino médio, como professor de Português, que a minha faculdade
é na área de Letras. E também dei aulas de Inglês, porque (a formação)
era Letras, Português e Inglês. Mas, na maioria das vezes dava aula
de Português. Até que depois eu vim dar aula aqui na FURB, quando

76
Por Júlia Bernardes Laurindo

começou o curso de Comunicação, de Publicidade e Propaganda, que


está fazendo 30 anos. E aí eu comecei dando aula de Língua Portuguesa
nesse curso, porque eu era formado em Letras e eles entenderam que a
minha vivência na comunicação, com o tempo que eu tinha dedicado,
já tinha alguma experiência na área de comunicação. Eu comecei
a trabalhar muito jovem, e isso poderia ajudar. Então primeiro eu
passei pelo ensino básico e médio, e daí depois, vim dar aula de Língua
Portuguesa na universidade.

Cognitum: E como foi a sua primeira experiência como


professor aqui da Universidade, lembra como se sentiu antes
das primeiras aulas?
Clóvis Reis: Ah me senti, muito assim com consciência do desafio
que eu estava enfrentando, do desafio intelectual, ser professor
de Universidade realmente algo que exige muita preparação dos
professores, e pela minha trajetória de vida pessoal, um filho de pais
que não tinham estudos, de uma família humilde, de uma família de
trabalhadores rurais, trabalhadores da indústria e operários. E de
repente, está lá o Clóvis Reis professor de Universidade, meu Deus
o que é isso? Que mudança maravilhosa de vida que aconteceu, que
história fantástica. Então por um lado esse senso desse desafio, e
dessa oportunidade pessoal e por outro, a clareza de que ser professor
de Universidade era algo que exigia muita responsabilidade, muito
estudo, muito compromisso, muita preparação, um desafio profissional
enorme que desde o princípio me trouxe muita alegria.

Cognitum: E como professor, no geral, qual foi a experiência


que mais marcou, ou quais experiências que mais marcaram
o senhor?
Clóvis Reis: Talvez possa parecer lugar comum isso, mas a coisa mais
legal é quando você vê o sucesso do aluno. Sou professor da área da
comunicação e vendo os meus alunos fazendo sucesso, andar na rua
e dizer: poxa esse daí foi meu aluno sabe, um publicitário de sucesso,
um jornalista de sucesso, que está numa grande empresa, num posto
de responsabilidade, ocupando espaços. Isso foi algo que para mim me

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Prof. Dr. Clóvis Reis

enche de alegria de orgulho, quando a gente vê que todo aquele esforço


foi recompensado, porque, o sucesso do meu aluno, do estudante que
frequenta as minhas aulas, é o meu sucesso. É o sinal de que o que
estou fazendo está dando certo.

Cognitum: E como pesquisador, como foi a sua primeira


experiência, foi ainda na graduação ou já foi como professor?
Clóvis Reis: Meu início da atividade como pesquisador se deu como
professor, porque naquele momento em que eu era estudante, não tive,
bom, estamos falando de bastante tempo atrás. Era uma outra forma
de pensar o processo de formação, e naquele momento, não visualizei
nenhuma, nunca chegou a meu conhecimento essa possibilidade.
Então, quando me tornei professor, tive a oportunidade de iniciar a
atividade de pesquisa. E, de maneira bastante embrionária, tateando,
tentando descobrir. Depois que fui para o doutorado, quando você vai
para o doutorado, é que você realmente mergulha de cabeça na pesquisa.
Quando eu voltei do doutorado, foi assim uma mudança de paradigma
completa. Assim, uma outra visão do que é educação universitária, do
que é Universidade, do que é o papel do professor de uma universidade,
de uma instituição com uma FURB. De fato eu me tornei um professor
pesquisador a partir do doutorado. E quando ingressei como professor
na pós-graduação, nos programas de mestrado e doutorado, aí isso
passa a ser incorporado de fato à tua rotina de trabalho.

Cognitum: Um dos focos da sua pesquisa é a mídia regional.


Como que surgiu a vontade de se aprofundar no tema?
Clóvis Reis: Blumenau, o Vale do Itajaí e Santa Catarina são, mas
Blumenau em concreto é referência na área da comunicação no Brasil.
Nós aqui tivemos a primeira emissora de rádio, a primeira emissora
de televisão, o primeiro jornal offset do estado de Santa Catarina. Nós
temos uma indústria da comunicação muito forte. O primeiro curso
de publicidade de Santa Catarina, o primeiro curso de comunicação
do interior do estado, tudo isso surgiu aqui. E a gente escutava todo
mundo falando sobre isso, e essa história não estava contada. Então
eu pensei, poxa, nós temos que contar essa história, porque história

78
Por Júlia Bernardes Laurindo

as pessoas vão esquecendo essas histórias e daqui a pouco a gente


não tem isso materializado publicado em nenhum lugar. Então o
meu primeiro interesse começou em contar essas histórias, a história
do rádio, a história dos meios de comunicação aqui da nossa região,
documentar tudo isso. E no momento seguinte, depois que eu cumpri
essa etapa de ter registro desses dados e ter essas publicações e isso ter
ganhado algum destaque, comecei a pensar: qual é o papel dos meios
de comunicação no desenvolvimento que nós temos? De que modo eles
influenciaram o desenvolvimento que nós tivemos, e de que modo eles
são resultados desse processo de desenvolvimento. Minha pesquisa vai
no sentido de tentar estabelecer uma relação entre a comunicação e o
desenvolvimento da nossa região.

Cognitum: E ainda no tema regional, você também atua


no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento
Regional (PPGDR). como é conduzir e orientar esses novos
pesquisadores aqui da região?
Clóvis Reis: É um processo desafiador, mas, igualmente enche de
alegria quando você pega alguém pela mão, alguns com mais, ou
menos experiência. Aqueles que têm menos experiência, é uma tarefa
mais desafiadora, mas também alegra mais, quando você vê que você
conseguiu orientar um estudante e apresentar esse novo mundo a ele,
para ajudar a dar os primeiros passos junto com você e você produzir
um conhecimento novo. Isso que é a pesquisa, essa produção desse
conhecimento novo, não a repetição do conhecimento que já está aí,
mas, a partir desse conhecimento que já dominamos, acrescentar
elementos que permitam que esse conhecimento avance. E é isso que
a gente faz ao orientar um estudante de mestrado ou de doutorado. No
âmbito do mestrado em uma caminhada ainda Inicial nessa atividade
de pesquisa. Mas, já em nível de doutorado, é um passo adiante, porque
a partir do doutorado o próprio estudante já gera conhecimento, gera
novas teorias, produz uma tese, e com isso o conhecimento dialoga com
as teorias anteriores, mas, começam a surgir também novas teorias.

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Prof. Dr. Clóvis Reis

Cognitum: Na sua opinião, qual é a contribuição da sua


formação e a sua experiência profissional para as pesquisas
sobre desenvolvimento regional realizadas aqui na FURB?
Clóvis Reis: Como eu me concentro sobretudo na área da Mídia Regional,
isso, a interface com outros aspectos do desenvolvimento como o
turismo também, comunicação no turismo, eu acredito que as pesquisas
que realizei, a experiência que eu tenho na área da comunicação facilita
o meu trabalho no sentido de estabelecer uma relação entre esses
dois campos. A indústria da comunicação, e sobretudo indústria da
comunicação regional, e o desenvolvimento regional, ou seja, entender
como se dão os processos de desenvolvimento, quais são os sujeitos,
quais são as estruturas, que num dado período de tempo, e não dado
território, dialogam, estabelecem relações, e permitem que a gente
entenda como se deu esse processo de desenvolvimento. No meu caso
específico no âmbito da mídia regional.

Cognitum: E qual a importância da FURB no desafio de


fortalecer o cenário acadêmico regional?
Clóvis Reis: A FURB ocupa um papel da maior importância, se você
pegar as diferentes áreas do conhecimento em âmbito regional,
praticamente em todas você vê a participação da FURB. É difícil você
ter uma área de saber aqui no âmbito regional que você não consiga
estabelecer, bom, aqui você vê a marca da FURB, um pioneirismo,
aqui a instituição foi precursora em tantas áreas, em tantos âmbitos
de atuação que isso é quase inseparável. E você praticamente tem que
contar a história da região a partir da história da FURB. Por que foi
a atividade da FURB que de algum modo produziu um certo tipo de
desenvolvimento da nossa região. Assim como a própria Universidade
é resultado desse processo de desenvolvimento, ela também produz
um certo desenvolvimento, e faz com que a região, incide no rumo que
a região toma.

Cognitum: Na sua opinião, qual é o maior desafio para os


professores pesquisadores, e o que a realidade da FURB
ensina sobre isso?

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Por Júlia Bernardes Laurindo

Clóvis Reis: O principal desafio da pesquisa no Brasil, hoje, é o


financiamento. Cada vez você tem menos recursos e é muito difícil
você pesquisar sem ter os recursos para isso. Em algumas áreas isso
é muito mais difícil do que em outras, embora, todas elas necessitem
de financiamento. E quando nós vemos que esses financiamentos com
essas fontes de recursos, estão cada vez mais escassos, fica muito difícil
você conseguir trabalhar. No caso da nossa instituição, em que o modelo
de financiamento é muito ancorado na cobrança de mensalidade
dos alunos da graduação, isso se torna um desafio o equilíbrio desse
orçamento. Então, cada vez mais nós vamos nos defrontando com esse
dilema e a saída sempre é a busca do financiamento, do apoio, dos
recursos governamentais externos. Não obstante, o que a gente observa
é uma contenção cada vez maior desses recursos, em todos os âmbitos
governamentais, o que sem dúvida compromete o futuro da pesquisa.

Cognitum: E ainda no assunto sobre verbas, nos últimos


anos, as pesquisas acadêmicas, principalmente dos cursos de
ciências humanas, estão recebendo poucas verbas públicas e
atenção. Algumas vezes, a comunidade geral concorda com
essa diminuição, como mudar o pensamento dessas pessoas,
provar a importância da área de pesquisa e da FURB nesse
contexto?
Clóvis Reis: Me parece que esse é o grande desafio dessa área.
Mostrar para a sociedade como a pesquisa pode ser importante para
que a sociedade se entenda, para que a sociedade perceba como
se estabelecem certas relações no seu dia a dia. Esse é o papel das
Ciências Humanas e o que nós estamos vendo é cada vez mais um
direcionamento dos recursos sobretudo para a área de tecnologia, em
busca desse resultado imediato, desse resultado econômico. Porque as
pessoas não percebem, as instituições não percebem, que pensar como
ocorrem esses processos de desenvolvimento, é importante porque
ele incide sobre o próprio desenvolvimento. Então me parece que
esse é o grande desafio dessa área, para a área das Ciências Humanas,
conseguir com que as pessoas vejam qual é a importância da área, e a
ela, atribuam o devido valor.

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Prof. Dr. Clóvis Reis

Cognitum: E qual foi a orientação que você achou mais


desafiadora como professor?
Clóvis Reis: Toda orientação é desafiadora, porque no âmbito da
graduação, por exemplo, os estudantes, eles veem a atuação deles, é
voltada, ao longo dos quatro anos, quatro anos e meio, cinco anos,
que fica na instituição, eles aprendem um fazer profissional. Em
linhas gerais é isso. Poderíamos dizer de outro modo, mas é isso. E
quando você tem que fazer um trabalho de conclusão de curso, que
é a primeira atividade científica que eles têm que fazer, isso é uma
completa novidade para eles. Eles ficaram quatro anos aprendendo a
fazer as coisas de um jeito, e de repente têm que fazer uma atividade
científica de iniciação científica que é um TCC. Então, como você tem
contato com aquilo pela primeira vez isso é um desafio na área de
orientação. Em nível de mestrado e doutorado, os desafios são outros,
porque você tem que estar permanentemente se atualizando, porque
embora os programas de pós-graduação tenham uma área onde eles
concentram suas atividades, os estudantes estão chegando sempre
aqui com interrogações, com dúvidas, com motivações que fazem
com que a gente, como professor que vai orientá-los, tenha que estar
permanentemente atualizado e aprendendo junto com eles. Às vezes,
o estudante chega aqui com um questionamento em torno do qual ele
quer fazer um trabalho de pesquisa, uma dissertação de mestrado,
tese de doutorado, e você não tem a resposta para aquela dúvida que
ele tem. Então esse é um desafio e a parte mais emocionante, mais
interessante do processo, porque vocês dois vão caminhar juntos, vão
aprender juntos, vão construir conhecimento juntos, que vai culminar
ao afinal em uma dissertação, uma tese de doutorado, um TCC. Que vai
produzir um conhecimento novo, que vai dar uma contribuição para a
sociedade e que vai mostrar como o conhecimento evolui. Desafiador,
instigante e motivo de grande realização também.

Cognitum: Qual é o seu conselho inicial para quando começa


a orientar a pesquisa de algum aluno?
Clóvis Reis: Varia muito de caso a caso, se eu fosse dar um conselho,
você tem que fazer algo que te motiva, tem que ter motivação, porque

82
Por Júlia Bernardes Laurindo

é muito difícil fazer para quando você não tem motivação. Se você
tem motivação, se você quer fazer, por mais problemas que surjam no
caminho, ao longo da jornada, você vai conseguir superar. Se aquele
tema te instiga, se aquilo te provoca, se aquilo te apaixona de fato, você
vai conseguir fazer e vai fazer bem. Então o meu primeiro conselho,
se fosse dar um conselho para alguém, é que quando fosse pesquisar,
procure pesquisar algo que lhe traz uma motivação profissional,
motivação pessoal, motivação intelectual, porque ela é fundamental
nessa atividade de pesquisa. Uma atividade de pesquisa não é uma
corrida de cem metros, a pesquisa é uma corrida de fundo, é uma meia
maratona, é uma maratona. Então, não adianta você largar muito
bem e passado um mês, dois meses, três meses, não conseguir seguir
adiante. Um processo de mestrado dura dois anos, o processo de
doutoramento dura quatro anos, então você tem que ter fôlego para
conseguir terminar essa maratona. E a motivação, eu acho que é esse
elemento que dá energia para seguir adiante.

Cognitum: Na sua opinião, como podemos tornar as


pesquisas de mais fácil acesso para a sociedade? Para maior
entendimento, pensa que tem alguma preocupação da Furb
em socializar e simplificar os resultados dessas pesquisas
científicas?
Clóvis Reis: Eu acho que esse mostrar para a sociedade, dividir esse
conhecimento, divulgar, é fundamental para dar o retorno para a
sociedade, que afinal de contas é quem financia a pesquisa. E para que
a sociedade veja como isso é importante, como isso ajuda a sociedade,
como lhes é útil. E o que a gente percebe é que muitas vezes essa
divulgação, esse diálogo, não ocorre, e isso explica o porquê, e não é
uma coisa dentro da nossa instituição, é no Brasil inteiro, enfim em
nível Mundial. Quando a gente fala que se está cortando o recurso para
pesquisa, as pessoas nem sabem o que significa, qual é a implicação
que isso tem, porque isso é problemático, qual é a consequência disso.
Então, esse diálogo permanente com a sociedade é fundamental para
o futuro da pesquisa, o futuro da Universidade de um modo geral. E o
que a gente percebe é que temos, de algum modo, temos que avançar
aqui.
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Prof. Dr. Clóvis Reis

Cognitum: Como fazer com que essas pesquisas cheguem de


maneira mais fácil na população?
Clóvis Reis: Olha, a Universidade e não é apenas a nossa, é do sistema
de pós-graduação, que privilegia um certo tipo de resultado. Que é
a chamada publicação científica, o que ranqueia as instituições, e
quando a gente fala ranking, a gente fala de distribuição de recursos,
porque as instituições são ranqueadas. Aquelas que são melhores
ranqueadas recebem mais recursos. O que ranqueia as instituições é
fundamentalmente a publicação em revistas científicas. Isso realmente
é importante, você tem que fazer as coisas e divulgar para a comunidade
científica, mostrar algo, é assim que a gente viu agora, na questão das
vacinas contra o Coronavírus. Como esse processo, as pessoas começaram
a falar: ah saiu nessa revista, saiu naquela revista, onde que é o fórum
onde os pesquisadores comunicam os resultados das pesquisas. Isso
é importante, mas não é só isso. Como nós pesquisamos os assuntos
locais, nós temos que mostrar ao final da pesquisa. Ir lá e mostrar para
as pessoas o que a gente descobriu, o que a gente identificou, quais são
as conclusões a que nós chegamos. Eu vou lá e pesquiso determinado
problema de uma determinada comunidade. Eu vou lá, ouço eles, eles
abrem as portas, eles me mostram, então eu levanto os dados depois
eu volto para a Universidade, acabo minha pesquisa, publico e aquela
comunidade nunca sabe o que aconteceu. Nem lembra que teve alguém
ali pesquisando isso. E isso pode ajudar a resolver aqueles problemas
que foram identificados no curso da pesquisa. Então, essa maior
proximidade com as comunidades é fundamental, essa devolutiva do
resultado da pesquisa, e, além disso, uma coisa que a gente tem falado
bastante aqui é pegar esse conhecimento que a gente produziu e ter esse
diálogo com a comunidade, publicar nas revistas científicas e depois
tentar desenvolver soluções a partir daquele conhecimento. Que ele
não fique limitado a uma publicação. Que é importante, repito, mas
não fique limitado a uma publicação, mas, que se torne algo palpável
para sociedade, para a indústria, para uma comunidade, enfim.

Cognitum: E na sua opinião, qual que é o maior desafio


na hora de trazer os alunos para o mundo acadêmico de
pesquisa?
84
Por Júlia Bernardes Laurindo

Clóvis Reis: Olha, isso já não era fácil, e está ficando cada vez mais difícil,
inclusive, trazer as pessoas para a Universidade. Hoje é um grande
desafio. Mostrar que isso é importante para a sua vida, para o que
ela quer fazer, para sua atuação profissional. Dentro da Universidade
trazer para o mundo da pesquisa dependendo da área de atuação do
professor é algo muitíssimo difícil, porque o estudante não consegue
ainda ver que aquilo pode ser importante para sua formação. Eu acho
que esse é o argumento que a gente tem que trabalhar, mostrar para o
estudante como aquilo vai ajudá-lo a ser um profissional melhor, se ele
para realizar essa atividade.

Cognitum: Em relação à área das suas pesquisas, você


participou da construção do projeto do Sistema Pronto da
saúde pública. O que mais marcou durante o processo?
Clóvis Reis: O que mais me marcou foi a gente desenvolver algo que
ia ser entregue para a comunidade, que não ia ficar limitado a uma
produção intelectual, publicada em uma revista, que não ia se resumir
em um artigo científico. O que me gratificou é ver hoje, por exemplo,
quando as pessoas vão marcar, agendar, fazer o seu agendamento da
sua vacina contra a Covid, elas usam um sistema que foi criado aqui
na universidade, e do qual eu participei. E pensando as questões da
comunicação ali envolvidas, poxa, que legal né, hoje todo mundo
agendando sua vacina pelo Pronto. Algo que foi criado aqui dentro,
que é uma solução completa, na área da saúde, para a gestão do
sistema público de saúde de Blumenau, que fantástico saber que foi
desenvolvido aqui, e que eu tive oportunidade de participar.

Cognitum: O senhor tem muitas pesquisas na área de


gêneros e formatos radiofônicos, até trabalhou na rádio
como repórter. E qual é a maior mudança que percebe na
área, quais as perspectivas para o futuro?
Clóvis Reis: Olha, a área da comunicação está de cabeça para baixo,
lembrar como que eu comecei, como era há trinta anos, e como ela
é hoje então... A comunicação mudou completamente, e nos últimos
quatro, cinco anos, isso se acelerou de uma maneira fantástica.

85
Prof. Dr. Clóvis Reis

Essa guinada tecnológica que nós temos na área da comunicação é


impressionante. E não é diferente no caso do rádio. O rádio, assim
como o jornal, a televisão, está passando por um processo de mudança
completa. E está sendo muito desafiador e empolgante, estimulante,
pensar esse processo, ver o que está acontecendo e projetar cenários,
levar os alunos a pensar sobre isso. Eu insisto muito para os alunos que
eles não podem ver a comunicação, pensar a comunicação, com aquelas
motivações que talvez tenham trazido para cá. Que a comunicação está
mudando, e que eles têm que pensar sua inserção profissional a partir
desses novos paradigmas. Incluído aí o rádio. Hoje, quando a gente
fala de rádio, não se resume aquela transmissão por onda Hertziana,
que caracterizou o rádio até muito recentemente. Hoje nós temos o
rádio em diferentes plataformas, oferecendo diferentes conteúdos,
e outras mídias que se originaram a partir do rádio nesse cenário de
mídia sonora. Então a indústria está passando por um processo de
transformação muito acelerada, e é isso que eu procuro mostrar para
os estudantes.

Cognitum: O senhor orientou a tese de doutorado “Uma


proposta de análise dos homicídios do Brasil baseada nos
determinantes socioambientais da saúde”. Como foi orientar
e trabalhar com o tema de violência?
Clóvis Reis: Foi muito interessante, porque esse trabalho teve uma
grande repercussão nacional e internacional. Os artigos decorrentes
desse trabalho estão entre os meus artigos mais citados nas plataformas
internacionais de produção científica. Nós começamos analisando
a motivação inicial dessa tese, que era a seguinte: nós queríamos
estudar bullying, na internet. Que era um processo, naquele momento,
que todo mundo estava discutindo. E quando a gente começou a
aprofundar e levar esse trabalho adiante, aquela violência que era uma
violência simbólica, importante, mas ela era simbólica, ela acabou indo
para outro patamar. A gente começou a ver uma série de coisas que
estavam acontecendo. Foi aí que nos interessamos mais pelo tema da
violência de uma maneira geral, do que aquela motivação inicial. Ou
seja, é um exemplo de uma pesquisa que começou querendo pensar
algo, e de repente quando a gente começou a mexer com os números,
86
Por Júlia Bernardes Laurindo

com os dados, nós vimos que tinha algo muito maior que precisava ser
compreendido, e que aquilo, de fato era mais importante do que aquela
motivação inicial. Que aquilo permitia, nesse caso, aí a gente começou
a analisar a relação entre violência e desenvolvimento regional, quais
eram os determinantes sociais, de como eles variavam de acordo com
a região, como a violência produzia, e era produzida em algumas
regiões. E foi de fato um trabalho interessante e aquilo que eu falei
no início, às vezes o aluno chega uma inquietação, com uma dúvida,
e você vai crescendo e aprendendo junto com o estudante. A conhecer
esse fenômeno que nós estamos estudando, para mim, foi, sem dúvida,
a tese mais desafiadora que eu já orientei, e que teve uma grande
repercussão. Impressionante como esse trabalho é lido e estudado e
como ele repercute nas plataformas científicas.

Cognitum: Por já ter atuado em áreas de pesquisa de saúde,


qual a sua visão sobre quais métodos de notícia deveríamos
usar na área da saúde e jornalismo? Principalmente no
momento de pandemia que vivemos?
Clóvis Reis: É um grande desafio, porque o que a gente tem percebido
é que informação de menos é ruim, mas a informação demais também
acaba gerando algum tipo de controvérsia. O que percebemos é que,
por exemplo, na cobertura das vacinas, a ênfase que foi dada para
alguns tipos de reações, que é um processo normal na produção de
uma vacina, e como a mídia queria acompanhar tudo isso e noticiar,
acabou colocando essa discussão na pauta. Isso acabou gerando, de
certo modo, uma preocupação das pessoas e uma reticência, uma
rejeição à própria vacina. Ou a preferência por uma ou outra vacina,
por um fator relacionado à reação, por exemplo, que é o que nós
estamos vendo agora, as pessoas preferem uma vacina a outra. Porque
as notícias que surgiram durante a cobertura acabaram tendo esse tipo
de interpretação. Acho que esse é o grande desafio, quem sabe quando
você dá uma notícia saber que tipo de reação ela pode provocar nas
pessoas, e tentar calibrar isso adequadamente na cobertura jornalística.
Para você dizer: está acontecendo isso, esse é o quadro, mas enfim de
um modo que não provoque uma reação, todos nós queremos tomar
vacina. E a gente, diariamente, jornalista dizendo que a vacina provoca
87
Prof. Dr. Clóvis Reis

reação, o que acontece: isso está levando as pessoas a não se vacinarem.


É esse equilíbrio, essa calibragem que a gente precisa ter na cobertura.
Dizer isso, explicar isso para as pessoas mas, ao mesmo tempo, dizer:
isso é um processo normal, acontece e o mais importante é se vacinar
nesse caso em concreto.

Cognitum: Como a pandemia afetou o modo de fazer


pesquisas dentro da FURB?
Clóvis Reis: Em algumas áreas isso mudou profundamente. Em outras
áreas não, mas em áreas onde a gente precisa ter um trabalho de campo
externo, especialmente naquele momento em que houve uma grande
paralisação das atividades em função do crescimento da contaminação,
em função da gente também não sabia exatamente como se portar, não
sabia ainda o que era seguro. Por exemplo, hoje em dia a gente sabe, aqui
(ambiente da entrevista) não oferece perigo nenhum né. Embora essa
doença seja muito perigosa, se ficarmos em um local aberto, distantes
um do outro e com máscara, é seguro. Mas, naquele primeiro momento
a gente não sabia disso. Então, aquilo acabou desencadeando um certo
pânico e uma paralisia, as pessoas ficaram congeladas, paradas, e vai
ser um desafio retomar isso, porque as pessoas, muita gente ainda está
nesse estado de congelamento. Então, em algumas áreas foi bastante
difícil. Agora, naquelas áreas em que a pesquisa tem um caráter mais
teórico, o impacto da pesquisa, em si mesmo, não foi tão grande embora
as pessoas todas tenham sido impactados e isso impacta a pesquisa
também.

Cognitum: E qual a importância da pesquisa produzida na


universidade no momento de pandemia?
Clóvis Reis: Nossa, é fundamental! Porque, de onde vieram essas
vacinas? Vieram de institutos de pesquisa, está aí explicado, a
ciência que produziu a solução para esse desafio que nós estávamos
enfrentando. E onde se produz ciência? No nosso caso é aqui na
Universidade. Então, tomara que as pessoas consigam estabelecer
essa relação, porque daí elas vão ver que realmente é importante a
Universidade, foi lá que surgiram as pesquisas, foi lá que foi possível

88
Por Júlia Bernardes Laurindo

compreender como prevenir, como tratar a doença. No caso da nossa


universidade com esse centro de estudo das doenças relacionadas ao
Pós-Covid. A FURB vai ser a referência na região. É a universidade
que está ali, graças a ela que nós estamos conseguindo lidar com essa
situação, que nós conseguimos enfrentar o problema. Eu acho que isso
facilita a compreensão do papel social da universidade.

Cognitum: E como os professores e pesquisadores podem


fortalecer a pesquisa agora, o que podemos esperar para
esses próximos anos?
Clóvis Reis: Olha, nós estamos em um cenário de transição, é um
cenário de completa transição. E talvez seja muito especulativo, colocar
aqui um cenário. O que a gente percebe de uma maneira geral, é uma
oportunidade, é uma chance de se mostrar para a sociedade, de ter o
seu valor reconhecido. Mas, por outro lado, também acerta assim, as
pessoas um pouco receosas em relação futuro, de uma maneira geral,
e eu acho que é um desafio ver como isso repercute na sociedade e
consequentemente na universidade.

Cognitum: E como o senhor pensa que o período de pandemia


vai afetar a comunicação e os veículos de imprensa?
Clóvis Reis: Eu acho, que de alguma maneira, se fala do tal do Pós-
Covid, tudo voltando ao normal. Eu acho que o que vem é um novo
normal, novo jeito, tinha umas coisas de um jeito e a gente teve que
lidar com a situação de diferentes formas durante a pandemia. E,
quando passar a pandemia eu acho que muitas dessas coisas aqui para
nós estão sendo extraordinárias, vão ser o normal. Sabe, não é muito da
comunicação, por exemplo, para a gente era muito precioso as pessoas
todas tinham que estar no estúdio de televisão, de rádio, durante
uma transmissão. E isso implica deslocamento, perda de tempo, de
dinheiro e de oportunidades. E a gente vê que com essas tecnologias
que estão à disposição a gente consegue fazer de modo muito melhor
e certas transmissões ficam até mais interessantes. Vamos pegar o
exemplo da televisão: na televisão era tudo bonitinho, calculado com
iluminação, não podia ter isso, o cenário não sei, durante a pandemia

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Prof. Dr. Clóvis Reis

como é que foi: uma câmera, um celular, todo mundo dentro de casa,
aquele é o cenário e bola para frente, vamos assim. Isso permitiu que a
gente mantivesse a cobertura, foi só uma coisa boa, isso avançou. Nós
podemos, nós sabemos lidar com isso. Isso é bom que porque pode ser
assim. Não fica tão bonito, tem problema de iluminação, cenário, mas,
eu consigo ter um correspondente em tudo quanto é lugar agora, porque
as pessoas se acostumaram, viram que o importante é o conteúdo, é
informação, mais do que aquela estética. Isso na televisão, no rádio,
você pega um programa com participação de muitas pessoas, vinham
todas elas no estúdio, oito pessoas no estúdio, pois você consegue
ter o mesmo programa com uma pessoa no estúdio e as outras sete
em lugares diferentes do mundo. O que a tecnologia permite e essa
tecnologia já estava aí, a gente não usava. E agora com as mudanças que
ocorreram durante a pandemia, a gente passa usar sem preconceito,
incrementando a qualidade dos trabalhos.

Cognitum: E o senhor já pensa em alguma pesquisa que pode


ser feita neste cenário? De alguma das áreas que custam
pesquisar.
Clóvis Reis: O que eu quero, estou muito interessado em pesquisar,
são essas relações entre tecnologia e comunicação. Cada vez mais o
papel da tecnologia está sendo, está afetando o fazer profissional na
área de comunicação, do Jornalismo, da Publicidade, e o que eu quero
é entender, saber como isso vai influenciar o nosso fazer profissional
e eventualmente até substituir. O avanço da Inteligência Artificial e o
que significa para Publicidade e para o Jornalismo, que impactos tem
no mercado profissional, para audiência, e para a sociedade. É um tema
que me interessa muito e que com o avanço da tecnologia, com esse uso
intensivo que nós fazemos da tecnologia durante a pandemia, está me
ocupando mais agora a mente e a minha agenda de pesquisa no futuro.

Cognitum: E como o senhor avalia o futuro da pesquisa


no Brasil diante desse cenário de cortes públicos, falta de
investimento em diversas áreas de conhecimento?

90
Por Júlia Bernardes Laurindo

Clóvis Reis: No Brasil nós temos a tradição de ter a pesquisa baseada


na Universidade e com financiamento público. Nós vamos ter que
começar a enfrentar essa realidade, e fazer com que as pesquisas
ocorram em outros lugares. Sob a pena de não ter pesquisa, você acha
que ia buscar financiamento privado para as pesquisas que a gente faz.
E aí vai ocorrer uma transformação. Os pesquisadores vão precisar
ser mais eficazes e demonstrar qual é importância daquelas pesquisas
que estamos fazendo, para que isso atraia mais pessoas, desperte mais
interesse e a gente possa conseguir um financiamento. É assim que
vejo, além de um posicionamento político, claro. Para a gente conseguir
recuperar esse espaço e essa verba pública, que a gente vê cada vez mais
diminuindo. Mas eu acho que além disso nós vamos ter que dar essa
guinada para a busca de financiamentos nacionais e internacionais em
outras fontes.

Cognitum: E como que o senhor resumiria a importância


da pesquisa realizada na FURB na área de desenvolvimento
regional? E sob o viés da comunicação?
Clóvis Reis: Sem dúvida, a pesquisa no desenvolvimento regional
ajuda as regiões a se entenderem melhor, a entenderem como ocorrem
os processos de desenvolvimento, e nesse sentido o PPGDR da
FURB representa uma grande contribuição para essa região, com as
suas inúmeras pesquisas realizadas. Isso acontece em outras regiões
também, porque nós acolhemos estudantes do Brasil inteiro, e de outros
lugares, de outros países. Então, os processos de desenvolvimento em
diferentes regiões passam a ser estudados e compreendidos a partir da
pesquisa que nós realizamos. E no caso concreto da comunicação, como
a comunicação produz o desenvolvimento, como o desenvolvimento
produz a comunicação, como é a comunicação do desenvolvimento,
me parece que são questões que nós já temos bastante conhecimento
acumulado, mas que a gente pode avançar. Porque se você pegar o
que era essa região aqui há 30 anos e como era a comunicação aqui,
como é o desenvolvimento, como está essa região hoje, e como está
essa condição a gente vê que houve uma mudança completa e que as
relações se estabelecem de modo muito diferente hoje. Essa região
foi precursora em diferentes âmbitos da comunicação no passado e
91
Prof. Dr. Clóvis Reis

hoje ela não é. Por que isso está ocorrendo? O que que mudou? Acho
que é uma interrogação que precisamos começar a nos fazer. O que é
determinante hoje para um pioneirismo na área da comunicação, que
foi no passado que permitiu que a gente fosse precursor e que hoje a
gente já não tem esse papel que tivemos em outro momento.

Cognitum: E para finalizar, o que o senhor pretende fazer


daqui a 10 ou 20 anos?
Clóvis Reis: Provavelmente daqui a dez anos vou estar em atividade.
Idade intelectual intensa, espero. Daqui a vinte anos eu não sei, daqui
a vinte anos estarei com 73 anos, espero estar lúcido, bem de saúde,
aproveitando a vida ao lado da minha família, estando bastante com
eles. E, se me for permitido ainda estar na ativa nessa minha área de
atuação, na área da comunicação, da pesquisa, do ensino, da extensão
também. Mas, numa outra pegada, num outro momento da vida com
outro tipo de relação profissional. É isso que eu espero.

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93
Graduado em Medicina pela UFRGS, mestre
em Saúde Pública (Epidemiologia) pela UFSC e
doutor em Ciências (Medicina Preventiva) pela
FM-USP. Atualmente, é professor do quadro da
Universidade Regional de Blumenau (FURB) e
médico da Prefeitura Municipal de Blumenau.

Prof. Dr. Ernani Tiaraju de Santa Helena


Por Natiele de Oliveira Vanderlinde

Apresentação

O gaúcho Ernani Tiaraju de Santa Helena, além de atuar na


medicina, é professor e pesquisador no Centro de Ciências da
Saúde (CCS) da Universidade Regional de Blumenau (FURB). Casado,
pai de dois filhos e apaixonado por montanhas, seu maior passatempo
é escalar, ou seja, tem uma forte ligação com a natureza.
Há 27 anos, quando iniciou na FURB, Ernani não imaginava
sentir-se tão realizado no seu trabalho como pesquisador. É bom
lembrar que ele ajudou a desenvolver o ramo da pesquisa no CCS, que
naquela época, não era tão rico como hoje. Segundo o médico, a pesquisa
realizada na Universidade é fundamental tanto para a região, quanto
para os alunos e, apesar de precisar de algumas melhorias, avalia que a
pesquisa realizada pela FURB está num alto nível de qualidade.
O pesquisador fez mestrado em Saúde Pública pela Universidade
Federal de Santa Catarina e doutorado em Medicina Preventiva pela
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Hoje em dia,
atua diretamente no combate a pandemia da Covid-19, ajuda na
vigilância a analisar os dados sobre o cenário regional. O pesquisador

94
Por Natiele de Oliveira Vanderlinde

tem estudos de utilização de medicamentos, doenças crônicas na


atenção primária à saúde e adesão ao tratamento em doenças crônicas
como aids, hipertensão e diabetes. O seu maior projeto no momento
é o estudo de coorte sobre condições de vida e saúde de adultos em
Pomerode, Santa Catarina (SHIP-Brazil).
Na Medicina, Ernani já atuou na Unimed e o seu antigo trabalho
foi no atendimento a pacientes nos Ambulatórios Gerais de Blumenau
pelo Sistema Único de Saúde. Como professor, já orientou mais de
60 alunos em suas bancas de apresentação do Trabalho de Conclusão
de Curso. Tem 67 produções bibliográficas, entre elas, livros, artigos,
ensaios e teses. É fluente em quatro línguas diferentes, sendo elas
português, inglês, espanhol e alemão.
Orientar alunos é uma das coisas que o pesquisador mais gosta
nessa área. Uma prova disso, é que daqui a 10 anos ele ainda se vê
realizando pesquisas, mas claro, como conta, escalando mais. Saiba
um pouco mais sobre a trajetória deste importante pesquisador na
entrevista a seguir.

Cognitum: O senhor iniciou seus estudos em Medicina na


Universidade Federal do Rio Grande Sul. Por que o senhor
resolver cursar Medicina?
Dr. Ernani: Sou nascido Porto Alegre e me criei lá. Então, quando
decidi que ia tentar vestibular para Medicina, as opções que existiam
para nós em Porto Alegre são três universidades, sendo que a que era
pública era a Universidade Federal, a única que eu tinha condição de
fazer. Minha família não tem dinheiro para pagar uma universidade
como a PUC, por exemplo. A minha única opção era: ou eu entrava na
Universidade Federal, ou eu entrava na Universidade Federal (risos).
Sem contar que, assim, a UFRGS, até hoje tem uma tradição muito
forte na área de Medicina no Brasil inteiro. Tem um nome muito bom.

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Prof. Dr. Ernani Tiaraju de Santa Helena

Tem um corpo de professores muito bom, uma estrutura muito boa.


Então, dei sorte em entrar numa universidade como essa.

Cognitum: E por que Medicina?


Dr. Ernani: O principal é que eu gostava de números, sempre gostei
muito de números. Gostei de Matemática e muitas pessoas até se
assustaram, amigos, na época em que eu estudava, e dizendo: “mas por
que tu não vais pra Engenharia? Eu disse: porque além de gostar de
números, eu gosto de pessoas. A Medicina era a grande possibilidade
de cuidar das pessoas. A sensação de poder estar junto, poder ajudar,
de poder compartilhar isso com as pessoas me levou pra essa área.

Cognitum: Quando vieste para Blumenau, tinhas quantos


anos?
Dr. Ernani: Eu cheguei aqui com 32 anos.

Cognitum: O senhor tem filhos?


Dr. Ernani: Sim. A Carolina e o Henrique.

Cognitum: Quais são as idades deles? O que é que eles fazem?


Dr. Ernani: A Carolina é a mais velha. Os dois fizeram há pouco tempo
aniversário, na semana passada, inclusive. Ana Carolina tem 27 anos.
Fez Design na Universidade Federal. Os meus dois filhos foram para
a área de Humanas e Artes. Na verdade, gostam muito de criação.
Minha filha gosta tanto de criação que foi criar pão. Ela é padeira
(risos). Fez Design, mas trabalha em uma padaria artesanal. E o meu
filho, Henrique, tem 24 anos, se formou esse ano em Publicidade e
Propaganda na Cásper Líbero, em São Paulo e agora voltou para cá e
está trabalhando em Camboriú, numa agência de publicidade. Trabalha
na área de criação de marcas e tal.

Cognitum: O que o senhor gosta de fazer nas horas livres?

96
Por Natiele de Oliveira Vanderlinde

Dr. Ernani: O que eu gosto muito de fazer, e que eu tenho feito muito
pouco, é escalar. Eu gosto muito de montanha (risos). O pessoal gosta
muito de mar. O pessoal aqui curte muita praia, né?! Eu, não. Sempre
gostei de montanha. Então, assim, eu, podendo, dou uma fugida para
algum lugar alto, frio, e que seja para acampar, fazer trilha, ou para
escalar, mesmo, a escalada em rocha, assim, faz bastante tempo, agora,
faz muito tempo eu não estou conseguindo fazer, a pandemia me tirou
totalmente da atividade, mas eu curto muito esporte de natureza.

Cognitum: Que diferente! Enfim, o senhor tem algum tipo de


literatura que prefere? Algum filme, série?
Dr. Ernani: É mais fácil eu te dizer o que eu não gosto. Eu não gosto,
por exemplo, de filme de terror, assim, nunca gostei. Eu sou muito
eclético em música, escuto do pagode ao funk, passando pela música
clássica. O que aparecer, eu escuto. Já o rock pesado e sertanejo não
curto muito, mas eu costumo ser aberto para ouvir bastante coisa.
Literatura, a mesma coisa, sou meio devorador, o que aparece, tendo
livro, tendo tempo, eu estou lendo.

Cognitum: Atualmente, o senhor além de médico é professor


aqui?
Dr. Ernani: Eu tenho 40 horas aqui na Furb como professor,
pesquisador e trabalho 10 horas como médico na Prefeitura de
Blumenau. Atualmente, atuo na vigilância epidemiológica.

Cognitum: Certo. Quais foram seus trabalhos anteriores?


Agora, na pandemia, continuam os mesmos?
Dr. Ernani: Eu, na prefeitura, nos últimos dez anos, na verdade, de 2010
até o início agora da pandemia, em 2020, eu estava no ambulatório
geral, atendendo na área de atenção primária, que é o que eu curto
muito fazer, mas eu também curto também bastante Epidemiologia,
da Vigilância Epidemiológica, do Controle de Doenças e tal. Com
esse início da pandemia, fui convocado para sair do ambulatório e ir

97
Prof. Dr. Ernani Tiaraju de Santa Helena

para vigilância para ajudar nessa análise dos dados, dos números, do
caminhar da pandemia.

Cognitum: Em relação à pandemia, o que é que mudou mais


na sua rotina de trabalho? O senhor em algum momento foi
para o “home office”, tanto lá na prefeitura, quanto aqui na
FURB?
Dr. Ernani: Não, não na prefeitura, porque, justamente, me puxaram
para Vigilância Epidemiológica, pra estar junto do controle da doença,
do acompanhamento, do monitoramento, esse meu horário estou
fazendo direto lá. Na universidade, com a questão do “online” eu
acabei fazendo “home office”, minhas aulas, tudo, nossa pós-graduação
decidiu também manter as atividades em “home office”. E foi, muito,
muito desafiador no início, porque, assim, eu já não tenho mais 15 anos.
Estou mais perto da aposentadoria, do que do início da minha carreira
docente e isso colocou muitos desafios para readaptar todo o teu jeito
de dar aula, minha maneira de se aproximar dos alunos, através de
um método, uma maneira que a gente não estava acostumado. E,
certamente, a maior dificuldade não é você dar uma aula teórica na
telinha do computador. Você tem que pensar em outras maneiras de
tornar interessante aquele momento que você está ali com os alunos.
Isso é muito desafiador para a minha geração, muito desafiadora
(risos). Foi e está sendo bastante difícil. Mas, enfim, os “feedbacks”
que eu tenho tido têm sido positivo dos alunos.

Cognitum: O senhor sente que o seu trabalho, agora, sendo


médico, é mais valorizado por conta do coronavírus?
Dr. Ernani: Olha, o que eu costumo brincar é que até uns dois anos
atrás o Brasil tinha 200 milhões de treinadores da seleção brasileira.
Agora ele tem 200 milhões de infectologistas, 200 milhões de
epidemiologistas. Todo mundo agora acha que entende alguma coisa
de controle da pandemia (risos). Quando, na verdade, a gente que
mexe, lida com números e com dados, essa parte de doenças infecciosa
e de epidemias, sim, a gente tem sido mais exposto, vamos dizer assim,
na mídia. Não sei se a palavra certa é valorizada, mas mais expostos,

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Por Natiele de Oliveira Vanderlinde

sim. Porque o Brasil está tão polarizado, com várias coisas, várias
polarizações, que até isso, quer dizer, você tem profissionais médicos
que falam uma coisa, profissionais que falam outra.

Cognitum: Agora partindo mais para a realidade da FURB.


Como e quando o senhor começou aqui?
Dr. Ernani: Eu cheguei aqui na FURB em julho de 1994. E, na época, o
curso de Medicina estava na primeira turma, ainda, e precisava de um
Professor para a área de Saúde Coletiva, que é a área que eu trabalho.
Por um acaso, assim, foi uma coisa bem casual. Eu tinha ficado um ano
trabalhando em Florianópolis. Eu tinha voltado de São Paulo. Fui fazer
uma pós-graduação em São Paulo e aí voltei para Florianópolis. Tinha
aparecido uma oportunidade lá e apareceu essa oportunidade aqui em
Blumenau vim, por vários motivos familiares e pessoais. Resolvi tentar
dar uma chance pra cá e vim para a Universidade, para trabalhar em
outros lugares, na prefeitura, aí as coisas se encaixaram e estou aí até
agora.

Cognitum: Antes de entrar na FURB o senhor era médico


clínico. Por que que o senhor foi pra dentro da Universidade?
Dr. Ernani: Eu sempre gostei da aula. Sempre! Sempre fui rato de
biblioteca. Acho que foi por influência pessoal, minha mãe é professora
e quando era pequeno me levava para o colégio, eu ficava no contraturno
dentro da biblioteca, sempre fui meio “nerd”. Curtia essa coisa de
aula. Quando eu fui fazer a faculdade também gostava. Fui monitor
em algumas atividades na universidade, como aluno. Depois fui para
a residência médica que eu fiz lá na USP e naquela época a gente tinha
um bloco, um período nosso da residência, que a gente acompanhava
monitorava, tutoreava os alunos do curso. E eu amava aquilo. Eu dizia:
Meu negócio vai esse mesmo, quer dizer, eu vou posso ficar com um pé
no serviço, trabalhando, mas a minha carreira vai ser na universidade.

Cognitum: O senhor deu aula em algumas disciplinas do


curso de Nutrição, Farmácia, Saúde Coletiva e Medicina.

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Prof. Dr. Ernani Tiaraju de Santa Helena

Dentro desses cursos que o senhor deu aula, quais foram os


que o senhor mais gostou de ministrar?
Dr. Ernani: Olha, eu te digo assim, ó. Eu não olho por cursos, talvez
porque a nossa saúde coletiva seja uma área muito interdisciplinar,
a gente conversa com todos os cursos e a minha formação foi assim
quando fiz a residência e na própria prefeitura. Para mim, eu te digo
assim: às vezes você tem uma turma que você se apaixona mais num
curso, outra turma no outro e aí tem uma turma tão legal, outra nem
tanto e assim vai. Eu tive ótimas experiências com alunos de todos os
cursos e algumas poucas experiências não tão boas (risos), mas é assim
mesmo, que a vida da gente assim a gente enfrenta. Eu tive sorte de
a maioria ser boa, o que já é uma grande coisa que me deixa muito
contente.

Cognitum: O senhor já participou de muitas bancas


como orientador. Tem alguma que se destacou mais pro
desenvolvimento do curso de Medicina aqui na FURB?
Dr. Ernani: Ah, não sei. Eu já orientei, de fato, muitos alunos tanto
em projetos de iniciação científica que passaram comigo e trabalhos
de conclusão de curso e tal. Eu sempre brinco com eles, e eles falam:
“não professor, não é assim!”. E eu falo: não. É assim, sim! O papel
do orientador é que nem técnico de futebol, ou seja, quando ganhou,
parabéns para o jogador. Ou seja, eles fizeram um bom trabalho. Se
tem alguma coisa errada, é a culpa do orientador (risos). Tudo que
teve de bom dos trabalhos, foram muito por mérito dos alunos, que
correram atrás, se dedicarem e se esforçarem. Enquanto orientador,
tem que ter mais um papel de dar um toque, respeitar um pouco o
jeito do aluno fazer a coisa e dizer: isso aqui não está legal. Isso aqui
você vai ter que ajustar. Eu seria muito injusto em nominar fulano ou
beltrano, porque aí seria muita sacanagem, mas, muitos alunos dão um
“feedback” depois para gente. Dizem: “Professor, foi legal, porque…”.
Eu me lembro de um que disse assim: “Professor, quando eu entrei
na residência e eu mostrei o meu trabalho de TCC... Dali em diante,
os orientadores da residência mandavam os outros residentes falar
comigo na hora de fazer pesquisa”. Isso é uma coisa extremamente

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Por Natiele de Oliveira Vanderlinde

gratificante, porque não é só o resultado do trabalho em si do TCC ou


do projeto de iniciação, mas o que fica com o aluno para ele levar para
o resto da vida profissional dele. Ou seja, isso é mais importante!

Cognitum: O seu primeiro prêmio, foi em 2017, com o


trabalho Atividades para a Melhoria de Adesão na Carta de
Serviços de Saúde do SUS, do Estado de São Paulo. O que
esse prêmio representou pra sua carreira? E como ele foi
importante naquele momento para a tua trajetória e o seu
trabalho na FURB?
Dr. Ernani: Na verdade não diria que é um prêmio meu, mas é um
prêmio da equipe, com quem eu trabalhei em São Paulo. A minha
tese de doutorado foi bem nessa época eu defendi em 2007. Esse
trabalho foi parte do meu projeto de doutorado junto com o resto da
equipe, trabalhando sobre essa temática da não adesão terapêutica das
pessoas tomarem ou não tomarem os seus remédios. Isso tem todo um
impacto no resultado final dos tratamentos. A gente queria trabalhar
e buscar formas de melhorar. Foi muito gratificante, nesse sentido.
Eu pude trazer desse trabalho, não só desse especificamente, mas dos
que a gente fez lá, uma coisa sem mudar o jeito que deu dá aula e de
algumas questões de como abordar com os meus pacientes. Esse foi um
aprendizado muito rico. Claro que a menção honrosa foi muito legal, é
bacana. Todo mundo, vai lá e tal. Aliás, nem fui eu que subiu no palco
lá, foi outra colega de equipe. A chefe que foi lá receber. Mas isso, é
ótimo!

Cognitum: Essa primeira pesquisa, foi sobre a adesão ao


tratamento farmacológico de pacientes com hipertensão
arterial e/ou diabetes? No programa de Saúde da Família
de Blumenau. Por que o senhor resolveu iniciar a pesquisa
nesse assunto?
Dr. Ernani: Essa pesquisa é uma parte da minha tese de doutorado
e na verdade eu já estava trabalhando no que eu tenho. A gente tem
um grupo de pesquisa aqui que é o GECEM, o grupo catarinense
epidemiologia de medicamentos, que eu trabalho com professora

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Prof. Dr. Ernani Tiaraju de Santa Helena

Nevone e outras professoras do curso de Farmácia. E é essa temática a


gente já vinha fazendo algumas coisas. E aí quando eu pensei em fazer
o doutorado, eu digo, essa é uma das grandes possibilidades. Aí, lá na
USP, eu voltei para a faculdade de medicina e tinha uma colega que é
uma referência nacional, eu diria, quase internacional, na questão da
adesão em AIDS. Não é? Que é uma temática superimportante e ela me
acolheu como, como orientando. Essa etapa da questão, que é uma das
questões que os médicos, meus colegas, fazem, é dizer: “ah, o paciente
tem que tomar tal coisa”. A gente aprende, ensina, muito pelos alunos
o que é o certo. Ou seja, o que é o medicamento adequado, o que é
que tem evidência científica. O que é comprovado e que vai fazer bem
do paciente. Essa é uma parte do problema. A outra parte é: será que
eles estão entendendo que a gente está falando? Será que eles vão de
verdade fazer isso? Essa era a questão que me incomodava. Essa foi
a questão de pesquisa. Ou seja, que fatores que mexem e que faz as
pessoas tomarem ou deixarem de tomar porque quem não gosta? Isso
é o desafiador do contato do médico com o seu paciente. E é claro que
como se eles não tomarem vai ter um impacto no controle da pressão.
Enfim, no caso da AIDS, enfim, de qualquer uma dessas doenças, é um
foco muito importante da questão do cuidado do paciente.

Cognitum: Qual o senhor considera a sua principal pesquisa,


ou seja, a que gerou mais resultado, tanto para a FURB,
quanto para a comunidade em geral?
Dr. Ernani: Essa pesquisa que foi a da adesão, foi a minha segunda
maior pesquisa. A que gerou muitos produtos, teve vários artigos,
muita divulgação científica aqui e em São Paulo e tudo mais. Tanto
que até hoje ela é muito citada nas minhas estatísticas de pesquisador.
A pesquisa maior que eu tive a oportunidade de coordenar é o Projeto
Vida e Saúde em Pomerode, que começou em 2011 e que a gente conclui
a coleta de dados no final de 2018, e agora, nós estamos na fase do
processamento e da entrega desses resultados. Isso está saindo muito
material, vai ser a maior quantidade de resultados que eu devo ter.

Cognitum: Qual a importância de uma pesquisa dessa?

102
Por Natiele de Oliveira Vanderlinde

Dr. Ernani: Ah! Ela tem várias dimensões. A primeira delas é que
essa pesquisa trouxe uma coisa pro nosso centro, de você botar um
monte de professores de diversos cursos pra conversar, pra pensar e
pesquisar, o que não era uma tradição de CCS. O CCS é um centro que
não é mais antigo da universidade e sempre teve uma tradição mais
forte no ensino. Alguns professores tinham pesquisas, pontualmente,
nas quais eu me incluía, mas muito pontual. Se você botar todo mundo
de diversas áreas pra se sentar e conversar e dizer vamos pensar e
nos integrar. Essa pesquisa foi um grande ponto de encontro, com
limitações, claro! Outros professores não quiseram participar ou não
puderam, enfim, mas juntou muita gente. A segunda questão é que ela
remete para uma coisa muito importante hoje para as universidades,
que é a internacionalização. Ou seja, não dá mais para você pensar
que se faz ciência ou se faz pesquisa fechada no nosso mundinho,
não é, atendendo, não é, à nossa necessidade só loco-regional. Eu
tenho que pensar aqui na hora que eu estou fazendo pesquisa aqui,
eu tenho que dialogar com quem tá lá fora, eu posso fazer em parceria
com eles, o produto que sai daqui ele pode se internacionalizar e vice-
versa, eles podem nos trazer coisas. Essa pesquisa traz uma dimensão
que é bastante importante para a nossa universidade e para o nosso
centro, pelo fato de ter então um convênio, ter toda uma estrutura ter
possibilidade. Já mandamos até aluno da graduação fazer estágio lá.
Fez estágio lá, quando eu estava, fui fazer um pós-doutorado e uma ex-
aluna foi lá também fazer estágio na graduação. Então abriu algumas
portas nesse sentido. E por outro lado que é uma coisa também muito
desafiadora, que é o relacionamento com a comunidade, não é? Acho
que, assim: a universidade ela tem que devolver para o médio-vale,
não só para Blumenau, mas para o médio-vale, uma produção do seu
conhecimento. A gente teve a possibilidade, com o apoio de todos os
prefeitos que passarem em Pomerode desde o início do projeto que
a gente começou a pensar a pesquisa em 2011, todos eles apoiaram,
incondicionalmente, colocando o material, infraestrutura, pessoal da
prefeitura. Eles têm sido extremamente parceiros em relação a isso.
E, é claro, não posso deixar de falar que para a universidade tem sido
também muito desafiador. Como eu já trabalho com pesquisa em um
número muito grande de pessoas, falei para a galera: olha, nós estamos

103
Prof. Dr. Ernani Tiaraju de Santa Helena

mantendo uma aventura, porque pesquisa desse tamanho é cara, dá


trabalho, não é para um ano, não é para dois, é para 10, 15, 20 anos
de produção. Então, tu tens que pensar a médio e longo prazo. Onde
nós vamos estar daqui a dez anos? Então isso é uma coisa que ainda
é difícil para a gente visualizar. Mas eu acho que esse desafio nós
vamos vencendo. Essa pesquisa trouxe inúmeros desafios, mas por
outro lado inúmeras possibilidades. E aí, a gente vê do que as pessoas
são feitas quando elas pegam um desafio, enfrentam e produzem
alguma coisa ou então deixam estocados dados. E isso eu não aceito.
Eu particularmente, não aceito. Minha grande agonia é: eu preciso
devolver esses dados para comunidade da Pomerode. Inclusive, essa
semana eu tive a oportunidade de estar com prefeito. E disse: prefeito,
agora a pandemia está começando a acalmar, quando eu vou voltar
para poder devolver o projeto na Câmara de Vereadores, de voltar no
Conselho Municipal de Saúde, de ir aos bairros, começar a fazer isso?
Dar essa devolutiva pra população, não só pros profissionais, mas à
população mesmo. É um direito deles.

Cognitum: Tanto o senhor quanto os pensadores envolvidos


nesse projeto pensam em fazer um estudo desses em
Blumenau?

Dr. Ernani: Nós já estamos com muito trabalho (risos). Seria legal
ter. A grande ligação que a gente teve e o estímulo para fazer é que
aqui tinha uma questão Pomerana, que é uma coisa muito diferente.
Dá pra gente fazer em Blumenau? Talvez desse, mas, de novo: o que
nós vamos trazer de novidade? O que vai ser de importante? Qual a
diferença de conteúdo, de resultados, do que se espera em Blumenau
diferente, por exemplo, em Pomerode? Então, porque, de novo, é
muito dinheiro! Quando eu falo, é porque eu estou falando de muito
dinheiro, são milhões. Tem que ter um aporte que valha a pena. Já
discutimos, sondamos, pensamos sobre essa ideia e atualmente nós
estamos investindo em continuar o estudo em Pomerode. Então,
queremos, ano que vem, voltar e reexaminar todo mundo, que é o
Estudo de Seguimento que a gente fala. Estão investindo nisso, até

104
Por Natiele de Oliveira Vanderlinde

porque dinheiro para pesquisa está muito curto. Pra tudo está curto.
Na pesquisa está mais curto, ainda.

Cognitum: De que forma a pesquisa realizada no ambiente


da FURB impacta no desenvolvimento regional?
Dr. Ernani: Vou falar mais da área médica, porque talvez seja o que eu
mais conheça. Sei que a gente tem vários produtos dos vários programas
de pós-graduação que estão fazendo coisas muito interessantes.
Para nós, eu vou te dar só um exemplo, que foi do próprio chip lá
em Pomerode. Nós acabamos a coleta de dados em junho de 2018 e
em julho fui fazer a primeira devolutiva com os resultados parciais
para a comunidade. Mostrei algumas características de estilo de vida
das pessoas, que elas estão muito acima do peso, que consomem
muitos doces, açúcar, refrigerante, muita coisa desse tipo. E são mais
sedentárias, um padrão pouco mais grave do que a média do Brasil.
Ainda comparei e mostrei, olha: isso aqui é coisa que me preocupa
bastante. No início de 2019, o Prefeito aprovou uma lei na Câmara,
proibindo o Município de comprar açúcar, pro uso, para as crianças e
pra todo o resto. Fui lá numa reunião e ele disse: “agora café aqui não
tem mais açúcar, se quiser trazer de casa, porque nós vamos começar a
fazer uma campanha para diminuir o consumo de açúcar na cidade, e
incentivar a pessoa andar de bicicleta”. Isso é muito legal, não é? Quer
dizer: as pessoas estão vendo o resultado e vão fazer alguma coisa. Ele
fez a parte dele. Se foi simpático ou não, se gostaram ou não, eu não
sei, (risos)! Mas às vezes é isso. Alguém tem que fazer. Provocar, fazer o
enfrentamento, para mobilizar. Esse é um exemplo, claro, mas a gente
tem outros, é claro.

Cognitum: A sua pesquisa atual é sobre a qualificação da


rede de cuidados em DSTs, AIDS e hepatites virais em
regiões prioritárias no Estado de Santa Catarina e São Paulo.
Atualmente, o que já pode se dizer que foi concluído nesse
trabalho? E de que maneira essa pesquisa impacta na FURB?
Dr. Ernani: Veja, essa pesquisa da verdade eu entrei nela como um
co-participante. Ela foi uma encomenda do Ministério da Saúde para

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Prof. Dr. Ernani Tiaraju de Santa Helena

o pessoal da USP, a minha orientadora, com quem eu trabalhei com o


pessoal da USP, ela trabalha com a questão da AIDS, como eu falei para
você, como a avaliação de qualidade em AIDS e com a questão do serviço
de atendimento e da adesão em relação a AIDS. E aí eles queriam fazer
um estudo em São Paulo. E ela propôs fazendo um em outro Estado
da Federação, para poder ter dados comparativos, pra ver como é que
estava a qualidade da assistência, tanto dos serviços especializados
de AIDS, quanto da questão da atenção básica. No caso de Santa
Catarina, ela convidou eu e o professor José Francisco Albieiro, que é
do curso de Fisioterapia, fomos pesquisadores da FURB, que fizemos
contato com a Secretaria de Estado, enfim, com Secretários municipais
e montamos a estrutura logística, vamos dizer assim, da pesquisa
aqui no Estado. Essa pesquisa tinha mais um caráter de promover a
discussão. Era menos uma pesquisa de campo, de coletar dados das
pessoas, mas o que nos interessava muito saber como era como que
as pessoas estavam assistindo as pessoas: dificuldades, problemas.
Não trabalhamos só com a questão da AIDS, mas também com outras
infecções sexualmente transmissíveis, enfim. E apareceram algumas
coisas interessantes do ponto de vista, por exemplo, do crescimento
que estava se observando da sífilis congênita e da sífilis em gestantes. E
o quanto a assistência estava falhando numa doença que é uma doença
controlada que é tratada com uma penicilina que é baratíssimo. Então
a gente meio que colocou um pouco isso a nu e aí se discutiu. Foi
muito legal, porque as pessoas do serviço estavam junto e se debateu,
então, que estratégias devem ser adotadas para tentar reverter isso. E
parece que realmente se reverteu, porque o ângulo de inclinação caiu
um pouco. Já não tem mais tanto. Algumas ações foram tomadas e
passaram a ser efetivas. Também se gerou aqui alguns trabalhos de
alunos de graduação vinculada. A gente procura sempre como eu faço,
quando eu estou participando de uma pesquisa nacional, uma pesquisa
local, trazer os alunos de graduação, trazer os alunos de pós-graduação
junto, pra participar e ganhar experiência e fazer os seus TCC, etc.

Cognitum: Como o senhor vê o futuro da pesquisa na FURB?


Dr. Ernani: Olha eu devo confessar que eu estou bem preocupado.
Não sei se é só por causa da FURB. Mas eu acho primeiro por uma
106
Por Natiele de Oliveira Vanderlinde

conjuntura nacional. Houve um desinvestimento na pesquisa no Brasil


desde 2015 para cá e com agravamento de 2019 para frente. Então,
assim: nunca se cortou tanto do CNPq e da CAPES, das agências de
fomento e das bolsas, enfim, todo sistema de pós-graduação nacional.
E essa é uma coisa crítica, porque eu acho que não tem país que vá
pra frente que não pesquise. Como é que nós vamos ter patente, como
é que nós não ter tecnologia, como é que nós vamos fazer as pessoas
melhorarem e ter melhores professores, terem os melhores cientistas,
terem melhores profissionais qualificados no mercado, se eu não invisto
pesquisa? Então, assim, nós tivemos um “boom” dos anos 2000-2003
até 2015: foi uma época áurea que entrou muito dinheiro e a gente
conseguiu fazer muita coisa e isso você vê na quantidade de publicações
e na qualidade da publicação nacional na métrica internacional. O
Brasil subiu vertiginosamente e está caindo vertiginosamente. Isso é
dinheiro, não tem jeito! Não é? Tem que ter investimento. Então, não
tem esse investimento. Então, a gente está à mingua na pesquisa daqui
na FURB, e em outros lugares, todo mundo está nessa aí. Por outro
lado, na universidade nós passamos por várias dificuldades financeiras,
como todo o resto do país. Então, isso é uma é uma dificuldade, da
universidade de definir, um pouco, seu rumo. Para onde eu vou? Qual o
meu sonho de consumo? Que tipo de universidade que eu vou ser? Mas
isso, desde 94 eu estou vendo. Então, desde quando eu cheguei aqui.
E eu sou um cara muito otimista, sim, apesar de falar isso que eu falei.
Eu sou muito otimista, porque quando eu cheguei em 94, eu já cheguei
querendo fazer pesquisa. E a gente tinha um edital por ano com 12 ou
13 bolsas para os pesquisadores. Era uma coisa ínfima! Praticamente,
acho que tinha um ou dois programas de pós-graduação, que eu acho
que era Educação e Administração. Hoje nós temos 13 programas de
pós-graduação, nós temos várias iniciativas da universidade, para
bolsas, para alunos de graduação. Temos um corpo de pós-graduação
funcionando, temos vários professores doutores; na época não tinham
praticamente nenhum. Então eu sou otimista, eu acho que a gente está
avançando e eu espero que a gente possa avançar cada vez mais.

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Prof. Dr. Ernani Tiaraju de Santa Helena

Cognitum: Para o senhor, que é médico, professor e


pesquisador, qual a importância de fazer pesquisa dentro de
uma universidade?
Dr. Ernani: A gente tem uma modalidade de professores que fazem
alguma pesquisa. Mesmo em universidades federais a gente tem muito
isso. São professores que fazem pesquisa e fazem outra atividade. Nas
privadas, não. O cara só dá aula e é aquela coisa meio de colégio mesmo.
Poucas são as universidades que têm a instituição de pesquisa, que é
uma realidade muito europeia e americana. Quer dizer, você arruma
um contrato numa universidade europeia de que? De investigador.
Você não vai dar aula. Vai ser investigador. A Universidade contrata
investigadores, pesquisadores. E essa é uma coisa que eu acho que
é uma verdade brasileira que ainda não resolveu. Então, fico me
perguntando, eu vou tentar em algum outro lugar? Aonde? (risos) O
Brasil não tem uma tradição de institutos de pesquisa. São Paulo tem
um pouco isso. Rio de Janeiro tem alguma coisa. Mas disseminado
no Brasil? Não temos. Algumas áreas específicas criaram empresas
públicas. A Embrapa por exemplo. O que se sabe de pesquisa na agro
no Brasil e no Mundo, muito se deve à Embrapa que é uma empresa
pública. E ali tem espaço para investigadores, mas a gente não tem
muito isso. A universidade ainda é esse espaço, mas talvez eu não
precisasse pensar sobre isso. Quando é que eu vou começar a pensar
em ter investigadores? Não é? Eu sei que isso também está vinculado
a uma necessidade de financiamento, que eu acho que é um outro
problema, que é como que a iniciativa privada vê as universidades?
Quer dizer: a iniciativa privada muitas vezes critica a universidade
pública, quem sabe, vamos botar um aporte de recurso para eu resolver
um problema da melhoria da minha vida da minha empresa? Paga para
o pesquisador ele vai dar para resolver isso, pra ti? Não. A gente não
tem essa cultura. No Brasil, é sempre a cultura imediatista: “eu resolvo,
eu faço a gambiarra para resolver a coisinha aqui”, ou então: “eu
compro uma tecnologia de alguém de fora e boto aqui dentro”, quando,
na verdade, podia estar aqui dentro da universidade, da FURB, ou em
qualquer outro lugar. Então, é preciso avançar muito isso ainda, para
a universidade poder ter mais autonomia, ter mais recurso e poder
contratar, talvez, investigadores e os professores.

108
Por Natiele de Oliveira Vanderlinde

Cognitum: Quais são os impactos que a pesquisa realizada


aqui na FURB proporciona para o Blumenauense e para o
pessoal de fora?
Dr. Ernani: Quando a gente fala em impacto de pesquisa, eu te diria que
existem impactos de várias ordens. Na área médica propriamente dita,
na área que eu trabalho, mais especificamente, que é da área de saúde
pública, nós temos uma vinculação, uma tradição lá no CCS, no curso
de medicina e diversos cursos na saúde, uma história de vinculação
muito forte com o SUS, da nossa região, não só daqui de Blumenau, da
cidade, mas, enfim, de toda a região. Isso tem se traduzido na forma
de respostas a perguntas que pessoas que o SUS faz, eu vou te dar
um exemplo: nosso programa de pós-graduação em Saúde Coletiva,
quando os alunos entram, muitas vezes não em todas as turmas, mas
em muitas turmas, a gente se senta com eles e ouve as ideias deles:
“ah, eu gostaria de fazer tal coisa”, “vamos fazer tal coisa”. Vocês já
perguntaram pro gestor do SUS o que é que ele está precisando? “Ah,
não. Não perguntamos”. Então, vamos lá conversar com ele. Às vezes,
a gente marca reuniões com os gestores do SUS junto com os pós-
graduandos, para debater o que é que que eles estão precisando. Ou
seja, vão tentar buscar soluções para os problemas da vida real. E eu
acho que temos feito isso para várias prefeituras, para Gaspar, para
Blumenau, pra várias a gente tem devolvido isso. E a pesquisa, ela tem
uma outra coisa que, às vezes, não é uma coisa muito palpável, ou seja,
não é um produto que você vai lá e toca, mas é assim: como sai a cabeça
do cara que foi para a pós-graduação, do cara que fez pesquisa, e como
é a cabeça do cara que nunca fez isso? Pesquisador é um bicho curioso.
Pesquisador é um cara inquieto. Então, quem tem aquela inquietude,
assim, esse incômodo, é que vai fazer uma pesquisa na pós ou na
graduação. Vejo nos alunos claramente isso, ele sai depois daquilo, um
pouco de outro jeito, sabe? Alguns saem de verdade picados pelo bicho
da pesquisa (risos) e aí passam a pensar como pesquisadores, também,
com a dúvida, com a incerteza, com a vontade de descobrir. E isso para
a prática cotidiana, eu acho que é superimportante. É uma coisa que eu
não te falei. A vezes é uma coisa impalpável, mas que significa muito.

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Prof. Dr. Ernani Tiaraju de Santa Helena

Cognitum: Sim. O que o senhor acha que precisa melhorar


na pesquisa da FURB?
Dr. Ernani: Eu acho que nós precisamos fazer uma lista, (risos). Seria
muita maldade (risos). Eu acho que temos que ter um pouco esse
desequilíbrio. Desequilibro não diria, mas, assim, esse excesso de horas
que nós temos que dar de aula, nos tira da pesquisa. Eu mesmo estava
com 12 horas, agora estou com 20. Então, assim, são 8 horas a menos
que eu tenho para escrever um artigo, para orientar um aluno, para
fazer uma outra coisa. Eu entendo que isso acontece por dificuldades
da universidade, gerais, etc. Vou dar minha contribuição, o que tiver
ao meu alcance, mas, obviamente, isso é um problema. Porque são 8
horas de Hernani, mais 8 do João, mais 20 de não-sem-quem. Quando
tu somas, na verdade, você tem um conjunto de tempo de trabalho
que você poderia estar se dedicando a isso, e que você não está. Você
está pra outra coisa. E a vida de professor, se você quiser ser um bom
professor, eu sei que a maioria são bons professores, se dedica. Não
é as 20 horas que eu dou dentro do “on line”, ou do “on life”, ou do
contato com os alunos, é mais! Porque eu tenho que em geral pegar um
horário para preparar, se eu quiser dar uma boa aula, tem que corrigir
o que os outros fizeram, dar o “feedback” pra eles e lá se foi muito mais
do que as 20 horas aula. Por isso, você não consegue fazer pesquisa.
Esse é um dilema meio estrutural, assim: como é que eu resolvo isso?
Eu não tenho fórmula pra isso! Talvez se melhorar os alunos rever,
enfim. Eu estou cada vez mais convencido: eu não sou gestor, eu sou
pesquisador e se eu vou deixar o gestor resolver (risos). Mais que isso
(risos) atrapalha bastante, sim. Infraestrutura também. Eu, como
sou da saúde pública, eu não demando tanto de laboratórios, mas é
claro que temos necessidade de ter mais e mais laboratórios. Porque, a
pesquisa cada vez se sofistica mais, precisa de mais tecnologia. Então,
essas são questões que impactam bastante, dificulta.

Cognitum: Como o senhor se vê daqui a 10 anos?


Dr. Ernani: Então, esse é o dilema de quem está quase se aposentando.
Mas eu não me vejo fora da universidade ainda. Eu estou com 58 anos.
Posso me aposentar daqui a um ano e meio. Mas pretendo continuar

110
Por Natiele de Oliveira Vanderlinde

pelo menos com a pós-graduação. Por um lado, porque gosto muito


da pós. Gosto de pesquisa, como falei. Gosto de orientar alunos. Essa
é uma coisa que eu curto bastante. E, por outro lado, eu tenho um
sentimento de que todos os dados que coletamos nesse projeto de
Pomerode, precisam, ainda, sair. Tem muita coisa. Eu gostaria muito
de poder ajudar a prestar contas disso para a comunidade. Eu acho
que vamos levar pelo menos mais uns 10 anos (risos), dando essa
devolutiva. Acho que daqui a 10 anos eu ainda vou estar pesquisando,
mas com certeza, fazendo mais trilhas (risos).

Cognitum: Como o senhor resumiria a pesquisa realizada na


FURB, na sua área de conhecimento?
Dr. Ernani: Ah! Nós avançamos muito, avançamos muito. Nós não
estamos devendo grandes grupos não, em âmbito nacional. Assim,
vejo que a gente participa de reuniões e é claro que, grandes equipes
nacionais têm uma produtividade maior. E como eu estou te falando,
nós aqui somos muito custo efetivo. O pessoal não se dá conta de quão
custo efetivo nós somos. O pessoal da universidade reclama, a gestão
reclama. Mas eu costumo dar um exemplo onde eu fiz a minha pós-
graduação, minha residência lá na USP. Que é no departamento de
medicina preventiva, é o departamento mais pobre da Faculdade de
Medicina da USP. Lá tem em torno de 20 professores e tem quatro
secretárias. O curso de Medicina da FURB tem quase 100 professores
e tem um secretário (risos). E chefe de departamento tem oito áreas. A
gente consegue resolver e fazer muita coisa com muito pouco. Na saúde
coletiva é muito isso também. Então, a gente fez muito com muito
pouco. Mas em termos de qualidade, em termos de possibilidade de
resultados, nós não estamos devendo, não. Não estamos devendo.

Cognitum: Agora pensando um pouquinho mais positivo.


Após a pandemia, quando isso tudo acabar, vamos esperar
que logo, qual a primeira coisa tanto pessoal e profissional
que o senhor quer fazer?
Dr. Ernani: Eu quero pegar meu carro e passar 30 dias rodando até a
Patagônia e voltar. Só acampando e fazendo trilha. Essa coisa que eu

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Prof. Dr. Ernani Tiaraju de Santa Helena

estou mais a fim de fazer, além, é óbvio, de dar um beijo e um abraço


nos meus filhos, que a gente está mais de um ano e pouco nessa de não
se encontrar. Porque eu acho que essa dos familiares de abraçar e beijar
já tá meio batido. Todo mundo fala a mesma coisa então isto é meio
óbvio. Porque eu sou de descendência italiana e espanhola, aí a gente
se abraça, se beija, é uma coisa muito sangue quente. Então, isso nós
estamos sentindo muita falta. Mas, assim, eu estou muito precisando
sair e ir pro meio do mato, dar uma espairecida.

Cognitum: Como o senhor resumiria a sua trajetória de


pesquisa realizada na FURB e qual a contribuição deste
trabalho para a sua área de conhecimento?
Dr. Ernani: Considerando como eu cheguei na FURB e como estou
agora, me sinto muito realizado. Acho que eu vim dar aula para o
curso de medicina e hoje estou aqui dando entrevista pra você, tendo
coordenado uma pesquisa grande, ter feito tanta coisa. Então, eu
pude, com um conjunto de outras pessoas, de outros colegas, ajudar
a desenvolver a pesquisa no Centro de Ciências da Saúde e deixar ela
num patamar acima daquilo que eu encontrei naquela época. Então,
eu só posso dizer que eu sou uma pessoa realizada, nesse ponto de
vista. Hoje, eu tenho quase 50 publicações, em revistas. Vou ter um
pouco mais com esse negócio do chip, o que é uma coisa enorme para
uma universidade do interior de Santa Catarina, do jeito que estava,
quando eu cheguei, foi muito legal, foi muito importante. O que é
que eu posso ter ajudado? Com as pesquisas e com os alunos a gente
acaba fazendo muitos filhos. Os nossos alunos são um pouco do nosso
espelho, a nossa imagem. Eu brinco que eu já tive alguns “feedbacks”
de alunos dizendo: “Professor, às vezes eu vou tentar arrumar um
emprego num lugar e quando fala que é da FURB, eles dizem: - É da
atenção primária. Chama os da FURB primeiro.” Eles vinculam essa
ideia da saúde pública e da atenção primária da FURB ser muito forte,
não só aqui no Médio Vale. Isso foi em Curitiba. Um “feedback” de
um aluno ano que foi tentar a vaga em Curitiba, na prefeitura. Eles
disseram: “quem é da FURB vem antes aqui, que eu vou contratar”.
Isso, obviamente, deixa a gente lisonjeado. A gente está no caminho

112
Por Natiele de Oliveira Vanderlinde

certo. Nós estamos fazendo a coisa certa. Pelo menos, na minha área,
estamos fazendo a coisa certa!

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Doutor em Engenharia Mecânica pela
Universidade Federal de Santa Catarina.
Pós-doutorado em administração e professor
visitante na California State University, EUA.
Professor visitante em 2012 e Pós-doutorado em
administração na Halmstad University, Suécia.
Professor titular da Universidade Regional de
Blumenau (FURB) desde 1995.

Prof. Dr. Gérson Tontini


Por Giulia Godri Machado

Apresentação

G érson Tontini é paranaense nascido em Ponta Grossa, mas


viveu quase sempre em Blumenau. Atua na FURB como
professor com dedicação exclusiva desde 1997, onde desenvolveu
diversas pesquisas nas linhas de estratégia e competitividade. O
pesquisador entrou para a instituição logo no início da carreira, então
tem a vida profissional muito conectada à universidade.
Ganhou pelo menos cinco prêmios por artigos e resultados na
área acadêmica, além de ser editor associado do International Journal
of Quality and Service Sciences, desde 2017 e bolsista em produtividade
de pesquisa do CNPq nível 2.
Hoje, os filhos moram longe de casa — a filha está na Austrália e
o filho no Rio Grande do Sul —, mas a tecnologia os mantém próximos.
Ele mesmo morou fora do país várias vezes, o que fez com o que o
processo dos filhos morarem longe da família fosse mais natural.
Gérson já passou períodos no Japão, Estados Unidos e Suécia,
todas as vezes por motivos acadêmicos: tem dois pós-doutorados,
em 2003 pela Califórnia State University, onde também atuou como
114
Por Giulia Godri Machado

professor visitante, e em 2015 pela Halmstad University, além de ter


feito duas especializações no Japão entre 1992 e 1993.
O vínculo com Blumenau é forte, e apesar dos períodos morando
no exterior, é nessa cidade em que ele tem raízes, tanto que se considera
blumenauense.
Na vida de Gérson nunca houve uma divisão muito definida entre
trabalho e vida pessoal. Curioso por tentar entender o funcionamento
das coisas e saber cada vez mais, o premiado pesquisador sempre
trabalhou muito. Entretanto, quando não está trabalhando encontra o
lazer nos filmes. Foi coordenador de planejamento da FURB em duas
oportunidades, de 1998 a 2002 e de 2006 a 2010. Também atuou como
presidente do conselho diretor da Fundação Fritz Müller, instituição
de educação voltada para o mundo empresarial.
Algumas das pesquisas desenvolvidas por ele abordam temas
como os controles de gestão nos âmbitos estratégico e operacional
das organizações, na gestão de instituições de ensino superior, gestão
de suprimentos e logística, influência da qualidade da gestão na
sobrevivência de micro e pequenas empresas, identificação do impacto
dos atributos de bens e serviços na satisfação dos clientes. O primeiro
momento na universidade foi a graduação em Engenharia Mecânica
pela UFSC, em 1986.

Cognitum: Quando surgiu o interesse pela pesquisa?


Gérson Tontini: Quando terminei a graduação fiquei um tempo nas
empresas, aí retornei para o mestrado, e ao fazer o mestrado se aprende
que é sempre interessante saber um pouco mais sobre as coisas. Na
verdade, eu sempre digo que a gente acaba descobrindo que sabe
praticamente nada sobre as coisas, então ficamos tentando saber mais.
A razão é um pouco mais a curiosidade, de querer saber o que está por
trás das coisas.

115
Prof. Dr. Gérson Tontini

Cognitum: O que fez com que decidisse seguir em frente nos


estudos e lecionar?
Gérson Tontini: Essa decisão de lecionar foi uma consequência do
interesse por pesquisa. A gente entra na pesquisa e tem o interesse de
começar a mostrar para as pessoas como as coisas funcionam. Esse é o
meu viés original de engenheiro, o que está por trás das coisas. Depois
você tem naturalmente a tendência de querer passar para as pessoas
como funcionam os fatos, então acho que é uma tendência natural.

Cognitum: Por que a escolha do pós-doutorado foi em


Administração?
Gérson Tontini: A minha graduação, mestrado e doutorado são em
Engenharia Mecânica, e o meu doutorado foi mais em ciências da
computação, na parte de redes neurais artificiais. Só que eu já tinha
exercício durante o mestrado e doutorado na área de gestão da qualidade,
devido àquela especialização que eu tinha feito no Japão. E aí eu entrei
aqui na FURB na área de Administração, e fazer o pós-doutorado
nessa área é algo inerente daquelas partes de pesquisa, porque pós-
doutorado é muitas vezes mais uma atualização que você tem naquilo
que você já está fazendo. Então como eu já estava trabalhando na
questão de diferentes aspectos dentro da Administração, naturalmente
o pós-doutorado fica nessa área.

Cognitum: Você tem algumas pesquisas desenvolvidas na


linha de gestão de empresas e competitividade. O que o levou
a pesquisar essa área?
Gérson Tontini: Isso se iniciou quando eu ainda estava no doutorado.
Na minha estadia no Japão a gente trabalhou muito com essa questão de
gestão da qualidade, e muito relacionado à parte de gestão de empresas.
E vindo daí surge essa questão de produtividade, competitividade,
que são inerentes e muito conectadas com a questão de gestão da
qualidade. Então acabamos trabalhando dentro desse contexto, tanto
daquele início de formação, quanto mais para a frente. É uma área bem
interessante, onde você entende como as coisas estão funcionando
entre empresas e pessoas, isso é bastante interessante de se ver.
116
Por Giulia Godri Machado

Cognitum: Entre os projetos de pesquisa que você desenvolveu


aqui na Furb, qual considera o mais relevante?
Gérson Tontini: Tem duas linhas de pesquisa: o inicial, dentro dessa
parte de identificação do que influencia o consumidor na sua decisão,
baseado no que a gente chama de necessidade do consumidor. Isso veio
lá daquela época no Japão, na questão de qualidade e produtividade,
a gente trabalhou um pouco isso, e daí continuei trabalhando nessa
direção de como que você projeta um produto, um serviço, desenvolve
ele e o gerencia visando a questão de necessidades, satisfação e lealdade
do consumidor. Essa é uma linha, que seria entre você desenvolver
e oferecer um produto ou serviço para o cliente, atendendo as suas
necessidades e expectativas. A outra é um pouco mais pra dentro da
empresa, que seria esse dos modelos de produtividade na gestão das
organizações que é como você as organiza justamente para poder
entregar esse produto ou serviço de acordo com o desempenho
esperado. Então é outra linha de pesquisa que é o desenvolvimento de
modelos de maturidade da gestão de empresas.

Cognitum: A Fundação Fritz Müller, onde você já atuou, e a


FURB, produzem um impacto na região. O que mais essas
instituições poderiam fazer para que os resultados das
pesquisas beneficiassem mais diretamente a sociedade?
Gérson Tontini: A Fundação Fritz Müller é muito voltada para a
capacitação das empresas, como de executivos. E uma das coisas que
falta e não é só o caso da FURB, são todas as universidades, eu diria
que é uma característica do Brasil, é justamente essa conexão entre o
que está sendo desenvolvido de pesquisa dentro da instituição e como
repassar isso para as empresas, para a sociedade. Esse é o grande
desafio, porque primeiro você faz pesquisa, e eu diria que isso ocorre
não só no nosso país mas no mundo inteiro, sobre aquilo que você quer
fazer e sobre aquilo que você já sabe. É claro que depende da área do
conhecimento, em algumas mais, outras menos. Ou seja, começa-se a
pesquisar sobre coisas que nem sempre são necessidades da sociedade.
Você tem um conhecimento e existe uma lacuna, que é como fazer as
instituições de pesquisa estarem desenvolvendo trabalhos baseados

117
Prof. Dr. Gérson Tontini

nas necessidades da sociedade. Como transferir isso para a sociedade,


é o outro grande desafio que se tem, porque geralmente, tanto a
sociedade quanto as empresas querem decisões mais simples, e os
pesquisadores gostam de fazer coisas muito complexas, então você tem
que conseguir traduzir isso e trazer interesse da própria sociedade a
ver esse conhecimento. Então temos essas questões, precisamos estar
alinhados a pesquisar sobre coisas que são necessidades da sociedade,
tanto no presente quanto no futuro. Não estou dizendo que acontece
em todos os casos, mas de maneira geral isso é uma carência que existe
nas universidades como um todo. A outra questão é como fazer essa
conexão para esse conhecimento chegar até a sociedade, esses são os
dois grandes desafios que considero que temos.

Cognitum: Você fez duas especializações no Japão. Como


esse período contribuiu na sua formação? Como auxiliou no
trabalho de professor e pesquisador na FURB?
Gérson Tontini: Foi a minha primeira viagem internacional, paga pelo
governo japonês. O primeiro ponto foi abrir a cabeça. Eu fui para lá sem
saber inglês, então eu aprendi. Os cursos eram lecionados em inglês, o
que me fez aprender que você vai para outra país sem saber falar aquele
idioma, e você consegue se comunicar. Esse é um grande ganho e abre
a cabeça porque de maneira geral estamos sempre envolvidos em um
casulo, que são os nossos parentes e amigos, a nossa sociedade logo em
volta. Começamos a enxergar todo mundo como se fosse aquilo. Então
quando você vai para esse outro ambiente distinto, você abre o seu
cérebro e percebe que existem mais coisas no mundo do que aquilo que
você vê todo dia. Essa é uma grande abertura, eu diria que essa talvez
tenha sido a maior contribuição que teve, essa exposição a situações
totalmente distintas da nossa realidade.

Cognitum: E isso agregou à pesquisa desenvolvida na FURB?


Gérson Tontini: Agregou sim, tanto é que eu tenho toda essa linha
de pesquisa baseada, em termos de conhecimentos, baseada no que
aprendi lá, então houve essa contribuição do ponto de vista de interesse
de uma linha de pesquisa, além da abertura para querer ver coisas

118
Por Giulia Godri Machado

novas. Então agregou tanto em crescimento pessoal, quanto em termos


de desenvolvimento de uma área específica do conhecimento.

Cognitum: Qual a contribuição que a pesquisa feita na FURB


tem para o desenvolvimento regional?
Gérson Tontini: É uma boa pergunta, justamente por aquilo que eu
falei, a gente tem pouco conhecimento de fato, pelo menos na nossa
área. Todo o sistema é montado para se produzir mais conhecimento,
mas a gente não tem uma conexão muito forte com a sociedade de
fato, então esse é um grande desafio que a gente tem que trabalhar.
Mas eu diria em muitas áreas têm um resultado grande, nós temos as
partes das ações sociais da FURB, que são muito fortes, então esse lado
realmente provoca um impacto bastante grande na sociedade. Já na
questão da produção do conhecimento o grande desafio é conseguirmos
montarmos mecanismos para que a gente desenvolva trabalhos na
área de pesquisa que sejam mais alinhados de fato às necessidades da
sociedade. Então do ponto de vista de desenvolvimento da sociedade,
a FURB é fantástica, tem uma inserção de capacitação de pessoas, de
educação de pessoas e uma série de ações sociais muito fortes. Na área
de pesquisa eu diria que ela precisa melhorar, precisa avançar.

Cognitum: Que avaliação o senhor faz sobre a importância


do PPGAD – Programa de Pós-Graduação em Administração
– para a pesquisa na FURB?
Gérson Tontini: Esse é o segundo programa de pós-graduação da
FURB, e em termos de reconhecimento institucional externo é muito
forte, principalmente no mundo acadêmico, porque na escala que vai
até 7, o nível 5 é o máximo que os programas que não têm doutorado
conseguem ir, e nós temos. Na área de Administração, Ciências
Contábeis e Turismo, é o único programa no Brasil nessa característica
entre 150 programas, que chegou a esse nível sem ter o doutorado. E,
em todas as áreas do conhecimento se eu não me engano, vimos ali
quando a gente foi apreciado com isso, só tem 16 nessa situação, ou
seja, em termos de qualidade e de percepção por parte da comunidade
científica ele tem um grande resultado, com certeza.

119
Prof. Dr. Gérson Tontini

Cognitum: Você é bolsista de produtividade em pesquisa do


CNPq - nível 2. O que isso significa para o PPGAD e para o
status da FURB como instituição que tem uma forte tradição
em pesquisa científica?
Gérson Tontini: Para o programa você ter pessoas com reconhecimento
pela produtividade em pesquisa ajuda na própria avaliação externa,
então eu diria que com certeza existe uma importância. Já a instituição
tem vários, então é apenas mais um, mas eu diria que talvez o maior
impacto de ter essa questão da produtividade em pesquisa, é você ter o
reconhecimento. O maior impacto que isso tem dentro dos programas
é em cima dos próprios pesquisadores, porque você quer manter aquele
status que você teve, por isso se chama produtividade em pesquisa,
e a auto pressão é tão grande que faz as pessoas se movimentarem
muito mais por conta de terem atingido esse nível. Então eu diria
que o fato de se ter isso aí ajuda institucionalmente você a manter
essa produtividade e conseguir alavancar no campo de pesquisa um
reconhecimento maior, resultados melhores e assim por diante.

Cognitum: Em seu atual trabalho de pesquisa, o senhor


desenvolve um projeto guarda-chuva que procura
desenvolver diferentes modelos para avaliação do grau
de maturidade de organizações no que está relacionado
à estratégia organizacional. Como se mede a maturidade
de uma organização? Quais são os indicativos? O que essa
pesquisa já revelou desde 2015?
Gérson Tontini: Como é um guarda-chuva, a gente desenvolve
diferentes modelos de maturidade da gestão da organização em
diferentes áreas do conhecimento, então temos na área de gestão de
lean manufacturing, que a gente ganhou um prêmio internacional faz
dois anos por ele, aí temos modelos na área de maturidade da gestão
de saúde, são diferentes modelos, então o que temos desenvolvido
de pesquisa é em diferentes áreas do conhecimento. Desenvolver
modelos que mensuram o grau de maturidade que a empresa tem na
gestão desses diferentes tópicos, ter diferentes dimensões da empresa,
de como ela é gerenciada, que você mensura, e você tem diferentes

120
Por Giulia Godri Machado

níveis de maturidade, tem alguns modelos que são três níveis, tem
alguns que são cinco níveis. Por exemplo, no nível um é informal, as
atividades são informais, não existe uma gestão estruturada. No nível
três é estruturado, é formalizado, e no nível 5, que seria o máximo, ele
é formalizado, estruturado e é gerenciado e melhorado continuamente.
Então a maneira como você organiza isso em diferentes áreas dentro da
empresa ou diferentes tópicos, como é que você organiza e gerencia a
empresa são os modelos de maturidade de maneira geral. Trabalhamos
muito forte na gestão hospitalar e na gestão de manufatura.

Cognitum: Em sua publicação mais recente, de 2021, o


senhor escreve sobre a relação entre moderação da aliança
estratégica na relação entre capacidade de absorção e
inovação. O que isso significa e quais os resultados abordados
nesse artigo?
Gérson Tontini: Você tem uma capacidade, que vamos chamar aqui de
absorção, que é como você absorve o conhecimento, então você tem
pessoas que trabalham com desenvolvimento de produtos, processos,
novas tecnologias dentro das empresas, e vão absorver o conhecimento.
E tem a inovação. Quanto mais você tem de alianças, cooperações que
você tem com organizações de pesquisa, outras empresas, fornecedores,
clientes, mais eficiente vai ser o conhecimento que você adquiriu e a
inovação que você conseguiu fazer daquilo ali. Então basicamente essa
é a pesquisa.

Cognitum: A sua primeira pesquisa iniciou em 1996, e é


sobre o programa 5S e a criação de materiais instrucionais
para implantar esse método nas empresas. Quais foram
os principais resultados da pesquisa? Como esse método é
utilizado atualmente?
Gérson Tontini: O 5S é Seiri, Seiton, Seiso, Seiketsu e Shitsuke, são
cinco palavras que vêm do Japão, e que eu inclusive aprendi por lá. São
coisas simples de como você organiza o ambiente de trabalho, como
você limpa, entre outras coisas. Na época nós fizemos uma pesquisa,
porque na década de 1990 tínhamos bastante movimento ali na questão

121
Prof. Dr. Gérson Tontini

da gestão da qualidade, então fizemos uma entrevista com 70 empresas


para ver como é que estava o nível de implantação e de utilização do 5S
nelas. Com esse resultado fizemos um diagnóstico e passamos de volta
para a empresa — nisso entra a ideia de se fazer a pesquisa passando
para a sociedade algum resultado — então fizemos o diagnóstico e
enviamos para cada uma das empresas como é que estava o relatório
gerencial de como elas da aplicação dessas práticas em relação às
outras 70 que tinham implantado essa metodologia. Basicamente foi
esse o enfoque dos primeiros trabalhos aí.

Cognitum: E essas são empresas aqui da região?


Gérson Tontini: Foram de toda Santa Catarina. Conseguimos 100
empresas. 30 se negaram a responder, foi uma parte que tinha dito
que havia implantado, mas depois se negaram a responder, então
provavelmente fracassaram. 70 aceitaram. A entrevista era feita por
telefone na época. E foram empresas de todas as áreas do conhecimento,
porque uma ia indicando a outra, aí contatávamos aquela empresa,
conversávamos com ela, porque a gente não sabia que empresas que
tinham essa metodologia implantada, e fomos fazendo essa bola de
neve onde uma empresa indicava a outra para sabermos quem já tinha
implantado.

Cognitum: Entre 1999 e 2000 você desenvolveu uma pesquisa


sobre a influência da qualidade da gestão na sobrevivência
de micro e pequenas empresas. Como esse tipo de pesquisa
pode contribuir em um cenário como esse em que estamos
vivendo, de pandemia?
Gérson Tontini: O que que acontece, se você conseguir descobrir
como as microempresas precisam funcionar ou estão funcionando
em relação aos requisitos de competitividade, você consegue passar
para elas melhores maneiras de conduzirem as suas ações. Em um
momento de pandemia, eu diria que a replicação de uma pesquisa
como essa seria bastante importante, principalmente para saber como
agir no momento de crise. O importante seria a gente descobrir como
elas estão se virando, buscar aquelas que sobrevivem, aquelas que não

122
Por Giulia Godri Machado

sobrevivem, e transformar isso em um conhecimento que pudesse em


outros momentos de crise ser utilizado de maneira mais correta. Mas
como já faz mais de 20 anos da pesquisa, fica mais difícil.

Cognitum: Como você avalia o atual momento da pesquisa


na FURB?
Gérson Tontini: A universidade tem um grande desafio, justamente
por causa dessa crise, então há um problema de recursos de todos os
lados, tanto das fontes de recursos governamentais que se tinha acesso,
em que houve uma redução muito grande, quanto da sociedade,
onde os recursos também estão escassos. A pesquisa passa por um
momento de grande desafio. Eu até diria que isso é ao mesmo tempo
um problema, e uma chance de mudar a maneira de fazer as coisas,
de buscar como conseguir recursos para poder manter e melhorar
o sistema. As crises fazem com que o todo sistema acabe achando
melhores maneiras de funcionar, porque a gente se acostuma a uma
maneira de fazer as coisas, e temos dificuldades de sair daquela região,
não conseguimos mais enxergar outras oportunidades, e as crises
trazem essa grande possibilidade de fazer você acordar para coisas que
não conseguia enxergar. Então a crise traz uma oportunidade de fazer
grandes mudanças, de poder ter ainda mais inserção, principalmente
na questão de pesquisa, em resolver problemas da sociedade, e de
inovações, de coisas que a gente não conseguia enxergar antes. Então
eu diria que um momento de crise é ao mesmo tempo um desafio, mas
é uma oportunidade.

Cognitum: E como vê o futuro da pesquisa na FURB?


Gérson Tontini: Tendo em vista essa mudança de cenário econômico
no Brasil, pelo menos no curto prazo ou no médio prazo isso deve se
manter, teremos que alterar a maneira como se fazia antes. A parte
de cooperação com outros grupos de pesquisa, outras instituições, é
algo em que precisamos ir em frente para poder evoluir. Teremos que
melhorar a questão de networking e de trabalho de cooperação para
esses grandes desafios que existem de carência de recursos. Esses são
problemas que devem continuar, e o grande desafio é fazer as pessoas

123
Prof. Dr. Gérson Tontini

saírem dessa zona de conforto em que você está acostumado e não


enxerga, é aquilo que eu falei antes. Então um dos desafios que a gente
tem é fazer com que as pessoas parem de ter resistência de mudar
algo, para ir para outros focos mais adequados à realidade atual da
instituição.

Cognitum: Como você resumiria a importância da pesquisa


realizada na FURB para a sua área de conhecimento?
Gérson Tontini: Ela tem conseguido trazer ótimos resultados,
principalmente em termos de evolução do conhecimento, tanto nessa
questão das duas linhas dos modelos de maturidade, quanto desse
desenvolvimento de métodos e maneiras de se fazer o desenvolvimento
de produtos e serviços, temos evoluído nisso aí.

Cognitum: Como você avalia o futuro da pesquisa no


Brasil, diante desse cenário de cortes públicos e falta de
investimentos em diversas áreas do conhecimento?
Gérson Tontini: Essa crise deve ficar, o Brasil está perdendo pessoas
muito capazes e realmente é uma grande perda. Nós vamos pagar durante
bastante tempo pelo por essa perda de pessoas e de competências,
e vai ser um grande trabalho de reconstrução. Hoje os estados estão
conseguindo manter um pouco melhor o sistema, se você ver São Paulo
ainda consegue manter, até Santa Catarina tem conseguido fazer um
bom trabalho aí de manter, mas tem um abalo e esse abalo vai existir
por algum tempo. Então o grande desafio é conseguirmos manter o que
temos até passar essa crise, e depois recuperar as pessoas, os talentos.
E essa diminuição, vamos dizer assim, da capacidade que vai ocorrer
por conta disso, é natural, então vai ser necessário um tempo para
recuperar essa questão. Obviamente, uma crise também é um momento
de oportunidade, então pode ser que nós melhoremos a maneira com
que nós fazemos aquilo, e possamos de maneira mais rápida voltar em
um patamar até superior, mas vamos ver o que vai ocorrer.

Cognitum: Como se vê daqui a 10, 20 anos? O que pretende


fazer no futuro?

124
Por Giulia Godri Machado

Gérson Tontini: Boa pergunta, já estou em uma carreira bem


avançada, daqui a pouco está na hora de tirar aquelas férias por tempo
indeterminado. Mas provavelmente vou continuar me dedicando de
alguma forma ao meio acadêmico, porque ficar sem fazer nada não
consigo.

125
Graduado em Engenharia Química pela FURB,
possui mestrado e doutorado em Eng. Química
pela UNICAMP. É professor do Departamento
de Eng. Química (FURB) e atua como membro
permanente do Programa de Mestrado em Eng.
Química (FURB), e colabora com os programas
de mestrado e doutorado da UNICAMP e da
UFSC.

Prof. Dr. Henry França Meier


Por Maria Luiza de Almeida Kuster

Apresentação

H enry França Meier é um dos grandes nomes do Centro de


Ciências Tecnológicas (CCT) da Fundação Regional de
Blumenau (FURB). Nascido no oeste de Santa Catarina, em Joaçaba, o
professor do departamento de Engenharia Química da FURB já morou
em Balneário Camboriú e em Jaraguá do Sul. Foi no Ensino Médio que
ele percebeu que tinha afinidade com cálculos e para ter certeza fez
um teste vocacional que só confirmou que sua área era a de Ciências
Exatas.
Formado em Engenharia Química na FURB e com mestrado
e doutorado em Engenharia Química na Universidade Estadual de
Campinas (UNICAMP), Henry fez diversas amizades na universidade
em Campinas e trouxe várias inovações da UNICAMP para a Furb,
transformando totalmente o curso da Engenharia Química na
universidade.
Casado há 34 anos e pai de duas meninas, Henry conta com
orgulho da sua filha que seguiu seus passos e fez graduação de Biologia,

126
Por Maria Luiza de Almeida Kuster

pós-graduação em Engenharia Florestal e recentemente mudou


completamente de área e está estudando Medicina em Buenos Aires.
Apaixonado por natureza e esportes, Henry tem o objetivo de
virar um minimalista e se tornar um homem do campo autossustentável.
Viver com o mínimo possível tornou-se sua meta após inúmeros
projetos realizados que mostravam que cuidar melhor da natureza é
necessário. Na entrevista ele cita o filósofo Sêneca que propaga que
após uma certa idade o homem deve se retirar da vida pública e ele
concorda com o filósofo e segue a mesma linha para o seu futuro.
Henry tem presente em sua história uma forte parceria com
a Petrobras. Ela está presente desde muito cedo na sua jornada na
pesquisa cientifica. Em fevereiro de 2021 ele finalizou um projeto de
42 meses. Esse projeto resultou para Petrobras um grande retorno
financeiro, podendo dizer que todo o investimento que a Petrobras
fez em muitos laboratórios foram pagos em seis, sete meses todo
investimento, tendo um retorno em torno de R$50 mil a R$100 mil
por dia.
Esses fortes laços fizeram com que Henry juntamente a
universidade levassem a indústrias diversas soluções que mudaram
processos dentro de empresas. Abaixo você lê a entrevista completa
com esse grande pesquisador.

Cognitum: Como entrou no universo das pesquisas? O senhor


é natural de Blumenau?
Henry França Meier: Eu sou do Oeste de Santa Catarina, nasci em
Joaçaba, mas vim muito cedo muito cedo para o litoral eu morei em
Balneário Camboriú depois eu fui pra Jaraguá do Sul. Ali é uma coisa
interessante porque no fundo eu acho que o ponto de inflexão nessa
tomada de decisão por seguir uma carreira científica aconteceu já
no segundo grau (Ensino Médio), que eu fiz um curso que na época
a gente chamava de científico e era um curso no colégio Marista na
127
Prof. Dr. Henry França Meier

região de São Luís onde eu tive professores excelentes de Física,


Matemática e Química. Lá eu acabei pegando a experiência do ensino
integral, pois fazíamos o ensino profissionalizante pela manhã e
estendia com outras matérias pelo período da tarde para consolidar
a minha formação de científico do segundo grau. Um pouco anterior
a mim, existia o Científico, que era o segundo grau, hoje já não é mais
segundo grau também, mas existia o Científico e ele mudou para o
ensino profissionalizante no segundo grau. E essa escola acabou que
ela acabou indo um pouco contra esse ensino profissionalizante, ou
digamos assim ela sentiu a necessidade de continuar com o Científico.
Então ela fez uma experiência, dando uma formação extra no período
vespertino e aquilo ali me despertou mais ainda. Eu lembro que na
época eu fiz o teste vocacional e apareceu Engenharia Química aí eu
não tive dúvidas.

Cognitum: Como foi sua jornada até ser o pesquisador que


é hoje e como isso influenciou a pessoa que o senhor é hoje?
Henry França Meier: Bom, o que mais despertou, mais me transformou
nessa jornada foi a curiosidade. Eu sempre fui uma pessoa bastante
curiosa sempre queria saber o porquê, por que que aquilo funcionava
daquele jeito e a criatividade.

Então assim, a curiosidade e a criatividade foram duas coisas que se


aliaram para formar o que eu que eu sou hoje. Eu nunca tive nenhuma
preocupação em fazer algo que as pessoas, talvez, seguir por exemplo
um paradigma que estivesse errado e depois eu teria que reconhecer
que eu tinha errado, eu nunca tive esse problema de assumir e de
defender alguma ideia e depois chegar e rever.

Eu brincava que eu era uma metamorfose ambulante. Eu até tenho um


colega que sempre brincava “O que tu leste? O que tais estás lendo?”
porque, em função do que eu estava lendo eu era aquela pessoa. Eu
acabava incorporando muito as coisas, e é claro retendo aquilo que era
bom e despertando cada vez mais a curiosidade e a criatividade. Isso
foram dois aliados na minha carreira, então digamos que essa questão
de não ter medo de errar.
128
Por Maria Luiza de Almeida Kuster

Isso eu acabei construindo, eu tomei algumas decisões científicas


na minha vida, alguns paradigmas porque as mudanças científicas,
as revoluções científicas elas acontecem por quebra de paradigmas.
Mesmo assim falando em revoluções científicas de grande repercussão,
você pode trazer isso no teu cotidiano. As revoluções, as novidades que
acontecem dentro da ciência acontecem com quebra de paradigma.

Eu acompanhei a carreira de vários colegas, até mesmo em outras


instituições, que têm um medo enorme de assumir um paradigma e
daqui a pouco esse paradigma cai por terra e a pessoa cai por terra
junto e isso restringe a sua capacidade de atuação. Isso eu vi em
várias pessoas. Vi elas desenvolverem o medo de ser criticado pela
comunidade científica.

Eu cheguei uma época, para você ter uma ideia, eu trabalho com
turbulência em fluídos e turbulência é um fenômeno difícil, por assim
dizer. Até a Física Teórica hoje tem dificuldade explicar muito bem a
turbulência. Tem até uma piada de um pesquisador que eu li uma vez
em um artigo ele diz o seguinte: Deus criou os céus e a Terra e quando
ele terminou a obra da criação, ele se sentou embaixo de uma árvore e
ficou contemplando a natureza que recém tinha criado e aí ele começou
a ver uma cachoeira e o movimento que o fluido tinha na cachoeira
que era um movimento extremamente caótico, complicado. Era a
turbulência que ele havia criado. Então, ele olhou aquilo e viu toda
aquela complexidade, aquele caos e aí ele teve a inspiração suficiente
para criar também o diabo.

Assim é a turbulência em fluidos, até hoje é um problema aberto na


Física Teórica. Teve uma ocasião que eu resolvi revisitar os clássicos,
porque eu achava que precisava quebrar um paradigma. Nós tínhamos
que quebrar a tradicional abordagem da turbulência e atacar o
problema de outra maneira e eu propus na época um projeto, baseado
em leituras que tinha feito de outras áreas, usar uma dimensão extra,
uma dimensão extra espacial, além das três que a gente conhece que
a gente trabalha na turbulência com o espaço/tempo. As variações
acontecem em um tempo e acontece em um espaço e o espaço é

129
Prof. Dr. Henry França Meier

tridimensional e aí eu incluí uma quarta dimensão. Que era uma


dimensão que era responsável pela turbulência. Propus um projeto
de pesquisa e submetido ao CNPq sem ter nenhuma publicação, sem
ter absolutamente nada feito, exceto alguns testes que a gente fez no
laboratório. Tinha um aluno na época de mestrado depois virou aluno
de doutorado e hoje é professor da Unicamp, ele se empolgou então
ele me acompanhou e aí eu submeti. O que aconteceu? Fui refutado na
hora, disseram “Não, você não tem publicação”.

Na época eu precisava de um computador que trabalhasse com 64


bits, porque na época a precisão que eu precisava ter com uns cálculos
numéricos os computadores de 32 bits não davam. Então, eu precisava
de um computador de 64 bits e isso era uma novidade, custava caro
para poder pôr em xeque e testar as hipóteses a abordagem que a gente
chamou de Penta Dimensional, três dimensões espaciais, o tempo e
mais uma quarta espacial, era um problema em cinco dimensões.
Foi completamente refutado, eu não fiquei com vergonha nenhuma
eu disse: “Não, tudo bem. Está bom, o material ainda está lá, um dia
ainda vou voltar nisso e eu ainda acredito nisso”. Mas aí conversando
com um colega que é escritor da UNICAMP que costuma, além de
escrever livros didáticos, ele também é poeta e escritor e inclusive já
foi finalista de prêmio Jabuti de Literatura. Eu contei essa história a
ele e o que aconteceu? Eu virei um conto em um dos livros dele, o livro
se chama “Histórias Prováveis” do autor Marco Aurélio Cremasco. Lá
ele colocou um conto contando, mais ou menos, essa história pela qual
eu tinha passado. Claro que criou um pouquinho mais de fantasia, mas
pelo menos serviu para alguma coisa, eu virei um conto no livro de
Literatura. Eu não fiquei com vergonha disso, eu assumi isso, tenho
a documentação quanto a isso e um dia quero voltar, quiçá, puder
ainda comprovar essa teoria ainda. Teoria que chamei de “Teoria do
Enroscamento Dimensional”

Cognitum: E resumidamente, quem é o Henry Hoje? Pai?


Marido?
Henry França Meier: Eu sou casado desde minha graduação. Casei
muito cedo, casei com 22 anos e minha esposa tinha 19 anos na
130
Por Maria Luiza de Almeida Kuster

ocasião. Tivemos uma filha muito cedo e hoje nós temos duas filhas
e estamos casados há 34 anos. Temos essas duas filhas, uma delas
seguiu um pouco o exemplo do pai, ela fez Biologia, depois ela acabou
fazendo mestrado em Engenharia Florestal e começou a trabalhar na
área florestal. E pasme, ela resolveu mudar completamente de área
e hoje ela faz medicina em Buenos Aires, na universidade de Buenos
Aires. Está fazendo medicina lá e está adorando, se encontrou, achou
a carreira que ela procurou e eu nunca interferi nisso também, sempre
estimulei ela a estudar e agora ela está estudando cada vez mais na área
da medicina. Está no seu segundo ano lá em Buenos Aires.

Cognitum: O senhor tem algum hobbie? Se sim, qual?


Henry França Meier: Eu já tive vários, eu sempre fui uma pessoa que
gostei e sentia necessidade de praticar esportes, então eu fiz de tudo na
minha vida, quase me tornei um jogador de futebol e já joguei basquete,
joguei futebol de salão, joguei tênis, então assim, à medida que eu fui
envelhecendo eu comecei a diminuir um pouco a intensidade. Depois
do tênis eu tive várias lesões, mas cheguei a participar de campeonatos
e depois eu comecei a nadar, até hoje eu nado.

O esporte para mim é uma coisa necessária, eu estou dizendo isso e estou
bastante preocupado, porque com a pandemia eu dei uma segurada
com relação a isso, até voo livre eu fiz, curso de parapente, eu sempre
gostei disso. Mas a nos últimos tempos o que tem mais me atraído são
as caminhadas, então eu costumo caminhar, fazer caminhadas longas,
trilhas longas, claro que comecei fazendo trilhas pequenas e depois
quando eu vi eu estava caminhando o dia inteiro. Por exemplo, eu saía
daqui de Blumenau e até e fui até Pomerode e voltava. Minha esposa é
uma companheira que me acompanha nessas atividades.

O contato com a natureza é algo que me atrai muito e hoje eu estou


me preparando, eu sempre digo eu estou numa fase de transição para
virar um homem do campo. O que eu quero fazer é colocar todos os
projetos que eu sempre quis fazer e nunca tive tempo, por exemplo,
projetos de sustentabilidade. Ser suficiente, em termos energéticos,
ter sua produção de energia de várias formas, eu trabalho nessa área
131
Prof. Dr. Henry França Meier

de energia, eu sou bolsista de produtividade em desenvolvimento


tecnológico na área de energia. Então eu sempre tenho vários projetos
que eu quero fazer, construções sustentáveis, fazer tudo isso e eu estou
nessa fase de transição. Eu me dedico um pouco a isso como hobby, por
exemplo, como é que funciona assim um sistema off grid, quer dizer
você ter uma geração de energia elétrica sem necessidade de uma de
uma distribuidora e você está uma energia eólica com energia solar
que é o sistema que eu estou bolando para minha aposentadoria. Viver
em um lugar mais tranquilo, eu sempre gostei muito de contemplar a
natureza e eu quero continuar fazendo isso agora nos próximos anos.

Eu tenho um sonho de me tornar um minimalista, de viver com o


mínimo possível e produzir meu próprio alimento. Eu tenho essa
necessidade de acalmar, eu tenho um livro do Sêneca, que é um livro
clássico, faz parte de uma trilogia “Sobre a tranquilidade da alma: Sobre
o Ócio”. Ele fala que chega uma certa idade que o ser humano ele tem
que ser retirar da vida pública. Sêneca foi senador romano, então ele
chegou em uma determinada fase da vida dele em que ele concluiu que
deveria fazer uma retirada da vida pública e fazer uma introspecção,
mudar completamente seu estilo de vida e eu estou passando um
pouco por essa por essa ideia de me retirar da vida pública. Minha vida
é muito corrida, como um cientista eu tenho muitas atividades, são
muitas coisas que acontecem ao mesmo tempo, projetos com muita
responsabilidade e chega um momento que a gente cansa, que está na
hora de a gente começar a contemplar um pouco mais e essa é a minha
inspiração para daqui a uns três anos, mais ou menos, quando eu me
aposentar eu quero me dedicar a isso.

Cognitum: Como iniciou como pesquisador na FURB?


Henry França Meier: Eu fiz o meu mestrado na área de simulação de
processos químicos na área do Engenharia Química. Eu tive a sorte em
ter um orientador, professor Milton Mori da Unicamp. Hoje ele está
aposentado, mas ele era uma pessoa que teve uma carreira acadêmica
praticamente toda formada nos Estados Unidos. Eu o conheci logo que
ele voltou ao Brasil. Então ele estava com a corda toda, trabalhou na
área nuclear com simulação de reatores nucleares e ele me inspirou
132
Por Maria Luiza de Almeida Kuster

muito nisso. Ele começou a trazer coisas que não tinha aqui no Brasil
e eu acabei tendo essa sorte. O professor Milton teve uma carreira
meteórica na UNICAMP e no Brasil também. Ele foi diretor da faculdade
por diversas vezes, foi presidente da Fundação de Desenvolvimento
da Unicamp (FUNCAMP). Ele é uma pessoa que conhecida no Brasil
inteiro pela sua capacidade de articulação na questão de desenvolver a
pesquisa, eu aprendi muito com isso.

Quando eu vim da UNICAMP não tinha nem computador aqui, então


eu lembro que na época a pró-reitora de pesquisa tinha um computador
na pró-reitoria que ela emprestava algumas horas por semana para que
eu viesse lá continuar os estudos que eu estava fazendo com o professor
Milton na UNICAMP. Eu nunca abandonei essas parcerias, depois
voltei para UNICAMP para fazer o doutorado e fiquei mais quatro anos
e até hoje temos trabalhos em conjunto.

Depois do doutorado eu voltei com um enxoval, digamos. O professor


Milton disse assim “Olha, o que que você quer como enxoval para
começar a sua carreira? Tem duas opções: uma estação gráfica (um
computador) ou um software”, porque ele já sabia das dificuldades que
eu iria encontrar aqui, pois eu já tinha enfrentado elas no mestrado. O
software que faz fluidodinâmica que estuda turbulência que é a área
que estudo e o software custavam caríssimo, muito mais que a estação
gráfica, um computador muito bom para aquela época em 98. Aí eu
optei por trazer o um software, que era um software de uso restrito,
era necessário pedir licença para as forças armadas porque era um
software usado também na área bélica, área de energia atômica, energia
nuclear. Precisei até fazer um cadastro na polícia federal para poder
trazer o software. Aí eu vim com esse software pra cá e comecei a me
questionar onde iria instalar. Comecei a ver algumas disponibilidades
e na sequência acabei fazendo alguns projetos com o professor Milton
e comecei a trazer recursos de projetos de pesquisa aplicada junto a
Petrobras. Foi aí que consolidei ao laboratório trazendo computadores,
priorizando essa parte numérica, mais de cálculo numérico e de
simulação numérica que é a área que a gente trabalha.

133
Prof. Dr. Henry França Meier

Depois eu comecei a migrar para o lado experimental, quando a gente


começou a fazer experimentos em escala reduzida, pois sentíamos a
necessidade de ter experimentos em escala reduzida. Então, a gente
acabou consolidando uma estrutura que hoje é praticamente referência
no Brasil e por que não também dizer no exterior. Pouca gente conhece,
mas nós temos uma estrutura que alia tanto a parte experimental,
quanto a parte numérica.

Nós temos a nossa última aquisição que foi um cluster, um computador


numérico de alto desempenho, ele tem 540 núcleos e foi instalado no
data center da FURB e ele é dedicado para a gente fazer as simulações
que a gente precisa fazer com a Petrobras. Então nós temos esse que
foi um projeto financiado pela Petrobras no valor de quase R$1 milhão
e carinhosamente demos um nome a ele: Fritz Müller. E temos um
outro que não está no data center, mas que está no laboratório que é
o que tem 260 núcleos de processamento numérico que é o Osborne
Reynolds, que é um dos precursores da turbulência.

Além dessa estrutura a gente tem várias unidades piloto em escala


reduzida, com equipamentos de medição de propriedades dos fluidos
em escoamento que são equipamentos modernos que utilizam técnicas
a laser, técnicas tomográficas, técnicas de imagem. Nós temos por
exemplo uma super câmera, High Speed Camera, nela conseguimos
fazer filmagens em alta velocidade e aí começa a enxergar fenômenos
que a gente não conseguiria ver a olho nu, nós temos uma limitação
de frequência em até 24 hertz a gente consegue capturar, mas as
frequências mais altas a gente não consegue capturar, o nosso olho
não consegue enxergar. Então usamos a super câmera, capturamos
uma imagem e depois podemos analisar em câmera lenta. É quando
desacelera o fenômeno e começa a enxergar.

Toda essa estrutura está consolidada e a gente tem aplicado isso


junto à indústria trazendo resultados. Teve um momento que eu era
um aprendiz de cientista depois me tornei um cientista e então como
cientista procurei consolidar a minha ferramenta de trabalho, tanto
em termos de computação quanto em termos de experimentos físicos

134
Por Maria Luiza de Almeida Kuster

e associado a isso a formação de recursos humanos. Nós temos uma


equipe grande trabalhando com a gente. São alunos de mestrado,
alunos de doutorado, alunos até de pós-doutorado fazendo trabalhos
para a gente e isso tudo sem investimento da universidade, exceto pelas
minhas horas, o meu trabalho, mas é em termos de equipamentos a
gente tem alguns milhões de reais que foram todos obtidos com projetos
externos com financiamentos externos e isso pouca gente conhece.
Essas nossas atividades elas são às vezes, muito mais reconhecidos
fora da região, em outros estados como Rio de Janeiro, São Paulo e até
mesmo fora do Brasil a gente acaba sendo mais conhecido. É aquela
velha máxima: “Santo de casa não faz milagres”.

Cognitum: Lembra do seu primeiro projeto?


Henry França Meier: O primeiro projeto mesmo foi durante o mestrado
e já foi um projeto com participação da Petrobras. Ali eu conheci um
profissional da Petrobras que hoje é meu colega e que trabalha comigo.
Ele é voluntário na nossa universidade, é o doutor Waldir Martignoni.
Ele fez toda uma carreira na Petrobras, desenvolveu uma carreira
científica dentro da Petrobras e não seguiu a linha administrativa,
ele ficou mais na linha da pesquisa e do desenvolvimento, inclusive
fez doutorado no Canadá. Quando eu estava fazendo mestrado ele
conheceu o meu orientador e nos trouxe um problema que estava
enfrentando. Era um reator de pirólise de finos de xisto aqui na unidade
da Petrosix em São Mateus do Sul, próximo aqui no Paraná, quase
divisa com Santa Catarina. Lá existe uma mina de xisto betuminoso, é
quase como um petróleo que não teve tempo suficiente para se tornar
petróleo, ele é rico em betume e querogênio. E o betume o querogênio
são substâncias parecidas com o petróleo, mas que faltaram alguns
milhões de anos na sua formação. Outra coisa que pouca gente sabe,
existe uma reserva de xisto que é a Reserva Irati, que começa lá no
Mato Grosso e termina no Uruguai, então nós temos uma quantidade
gigantesca de xisto betuminoso. Em alguns lugares ele aflora, por
exemplo, ali em São Mateus é um lugar que é há um afloramento
desse material, então esse material é retirado e submetido a uma
fonte térmica a calor de tal maneira que na ausência de oxigênio esse
material não queima. Acabamos acelerando aquele tempo que o xisto
135
Prof. Dr. Henry França Meier

não teve para se transformar em petróleo, então a gente acelera coisas


que levariam milhões de anos a gente faz uma retorta de xisto, a gente
acelera esse processo levando o esse material a temperaturas na faixa
de 500° centígrados na ausência de oxigênio. Foi em cima desse tema
que eu me envolvi com uma pesquisa e foi ali que eu fiz o meu primeiro
trabalho na pesquisa aplicada junto a Petrobras que se tornou a minha
dissertação de mestrado.

E foi nesse momento que eu conheci o Waldir Martignoni. Ele se


aposentou na Petrobras e depois convidamos ele para ser professor
visitante. Depois de dois anos terminou o prazo de professor visitante
e se tornou um professor voluntário, atividade que ele exerce até hoje.
Ele é uma pessoa que tem muito a contribuir.

A partir dessa pesquisa eu comecei a trabalhar com os processos de


produção de combustíveis, porque no fundo, a pirólise do xisto produz
um óleo, é muito parecido com o petróleo e ele é passado pelo processo
de refino e produz gasolina, diesel e todos os derivados a partir do
óleo de xisto. Inconveniente do xisto é que ele é fóssil, evidentemente,
o custo do barril de petróleo produzido pelo xisto é maior do que o
custo do barril do petróleo convencional. A Petrobras detém toda essa
tecnologia, mas economicamente ele não é competitiva com o petróleo,
mas foram nesses meandros que eu comecei a me envolver com as
atividades de pesquisa aplicada.

Na sequência eu fiz inúmeros outros projetos com a Petrobras,


inclusive hoje a gente tem o projeto V&VinCFD que terminamos agora
em fevereiro. Foram 42 meses e tivemos resultados fantásticos para a
Petrobras e para nós também. Consolidou ainda mais nossa estrutura,
tem o projeto UlLTRAMIST que é o desenvolvimento de um
dispersor de carga que tem cooperação com universidade de Bremen na
Alemanha, inclusive com alunos trabalhando lá e fazendo doutorado.
Temos também um projeto junto com a Unicamp que é o projeto
DGAS, que é sobre desenvolvimento tecnológico de dispersores e
distribuidores de gás para a Petrobras também. E temos um projeto de

136
Por Maria Luiza de Almeida Kuster

infraestrutura que é do Cluster Fritz Muller, que foi montado começo


desse ano posto em operação agora faz alguns meses.

Então é uma coisa que começou lá atrás e ela se propagou, eu abracei


essa ideia, nunca deixando de lado os fundamentos sempre tentando
associar os fundamentos com as aplicações de tal maneira que a parte
cientifica nunca foi deixada de lado.

Cognitum: Como foi a construção do seu “relacionamento”


com a universidade?
Henry França Meier: Teve diversos momentos, alguns momentos bons
e alguns momentos não tão bons. Muitas das pessoas com as quais
eu conversei dentro da universidade ou que eu precisei de apoio a
maioria me apoiou eu não tenho dúvidas, principalmente ao nível da
reitoria, todos os reitores, eu não tenho o que reclamar. Eles sempre
viram a importância das atividades, sempre reconheceram isso, mas
eu tive alguns percalços, pessoas que não entendiam muito bem, que
achavam às vezes, até pelo fato de a gente estar fazendo pesquisa
aplicada, envolvendo indústria, eles achavam que isso não era papel
da universidade. Teve até discurso que isso não trazia benefícios
para a universidade e que a gente estava resolvendo os problemas da
indústria e não estava resolvendo os planos da universidade. Então,
tivemos momentos ruins, discussões longas com algumas pessoas que
foi cansativo, que surgia até a vontade de desistir e não por falta de
opção, pois eu já recebi o convite para trabalhar em outros lugares,
até mesmo quando terminei o doutorado a UNICAMP queria que eu
ficasse lá. Mas eu optei em vir para a FURB, porque eu acreditava que
era possível fazer o que estou fazendo hoje. E eu não me arrependo
dessas decisões que eu tomei, claro que foi bastante exaustivo teve
momentos que a gente cansou de não ser reconhecido e das pessoas
não entenderem a ideia, não acreditarem muito que a pesquisa poderia
alavancar as atividades da universidade. Às vezes um pouco de confusão
entre atividade meio e atividade fim da universidade, as pessoas que
estão fazendo um meio não entendem muito bem a atividade fim, então
eles acabam dando mais importância para o meio do que para o fim.
Nas reitorias e pró-reitorias a gente sempre teve um relacionamento
137
Prof. Dr. Henry França Meier

muito bom, sempre recebíamos apoio de todos, em todas as questões


que pelas quais eu passei, que não foram poucas porque eu estou há 35
anos na universidade.

Eu acompanhei diversos momentos históricos dentro da universidade,


momentos bons e ruins, momentos de dificuldade como este em que
a gente está passando hoje. Hoje é um momento que a universidade
precisa mudar um pouco seu conceito, ela precisa entender que o
mundo mudou bastante e que temos que nos adaptar, temos que ter
uma certa resiliência a ponto de superar todas essas dificuldades. Em
relação à gestão atual, vejo que são pessoas bem intencionadas, mas
nós temos que fazer alguma coisa a mais. Eu vejo que pela pesquisa a
gente consegue fazer bastante coisas, sempre apostei nisso, tanto que
eu nunca segui nenhuma carreira que não fosse a carreira científica
acadêmica, já fui chefe de departamento, coordenador de graduação,
mas eu nunca gostei da parte administrativa, eu sempre me dediquei
mais ao papel de estar no laboratório, de fazer pesquisa.

Eu vejo que a universidade hoje está vivendo um outro momento também


essa incorporação dessas técnicas de ensino a distância mediado por
tecnologia, a semipresencial, a ideia do OnLife foi genial, em que a gente
pode gravar as aulas, passar as aulas, pode fazer atividades síncronas
ou assíncronas. Toda essa conjuntura tem que ser incorporada para
o sucesso da própria instituição como uma instituição de referência.
A FURB é uma instituição de referência, apesar de que às vezes as
pessoas não conhecem, mas a repercussão que a FURB tem lá fora é
grande. Nós temos aí universidades parceiras como UNICAMP que
tem um reconhecimento com relação à FURB que é algo indescritível,
alunos da FURB são os primeiros a serem chamados para fazer pós-
graduação lá, pelo menos na minha área, na Engenharia Química. E
outras universidades federais nos tratam de igual para igual, então a
FURB não é uma universidade pequena, é uma universidade grande,
ela tem uma história a ser contada e é uma história de sucesso.

Existe um site chamado Scopus que é um indexador de produção


científica, eu venho acompanhando a evolução da FURB diariamente.

138
Por Maria Luiza de Almeida Kuster

O número de publicações serve também para o pesquisador, mas serve


também para as instituições, então você começa a ver qual é o número de
publicações que as universidades possuem naquele instante e ao mesmo
tempo o número de citações aquelas publicações. Como eu trabalho
com modelagem matemática, simulação eu consigo ver o crescimento
exponencial, a gente tem falado muito na pandemia sobre que os
modelos epidemiológicos mostram um crescimento exponencial do
vírus. A FURB tem um histórico científico de crescimento exponencial,
então a gente começou a produzir cientificamente ali no começo dos
anos 80, acho que foi no começo dos anos 80 a primeira publicação
científica. Foi de um professor indiano que estava observando a falha
no campo geomagnético que havia aqui na nossa região e ele veio para
FURB e ficou bastante tempo. Ele e outro professor fizeram essa que
foi a primeira publicação da universidade. A partir dessa publicação
a gente vê o crescimento exponencial, uma curva crescente tanto nas
publicações quanto nas citações das publicações. E hoje a FURB está num
patamar que a gente olha o histórico dela e é um crescimento saudável.
Se a gente vê outras instituições de mesmo porte que a FURB a gente vê
o seguinte vem crescendo e daqui a pouco cai aí depois subiu de novo,
ou seja, não existe aquela constância, não existe aquele crescimento que
é saudável. Eu quando vi esses gráficos fiquei impressionado porque
para um gestor olhar isso é ver que aqui a coisa está andando e está
andando do jeito certo. E essa capacidade de adaptação, que é começar
a interagir com a indústria começar a desenvolver projetos de pesquisa
mais aplicados e não só com a indústria, mas na área social também. A
área social também tem um exemplo de atuação, temos aí o mestrado
em Desenvolvimento Regional e o pessoal faz trabalhos excepcionais
com cooperação com desenvolvimento social e desenvolvimento
regional. Temos uma história, que se formos olhar nós tínhamos aqui o
projeto que era projeto crise era um projeto que eu monitorava toda a
questão das enchentes com um rigor científico que era louvável. Temos
vários projetos que vieram ao longo desses tempos. Nós tivemos os
institutos de estudos de pesquisa tecnológica que mudaram algumas
coisas.

139
Prof. Dr. Henry França Meier

Foram cometidos alguns erros ao longo dessa trajetória e um deles, por


exemplo, foi a desativação dos institutos. Nós tínhamos um instituto,
o IPT da FURB, que ficava no Câmpus 2. Até hoje as pessoas da minha
idade conhecem o Câmpus 2 como IPT, porque ali era o Instituto de
Pesquisas Tecnológicas, todo e qualquer problema que a sociedade
tinha, acabava batendo lá. Apareciam coisas impressionantes. Apareceu
um que cara achou uma pedra no fundo do quintal e levou a pedra e
aconteceu recentemente com um colega nosso. Um rapaz levou uma
pedra a ele, pois desconfiava que era algo importante um meteorito
e levava para a gente inspecionar. Eu mesmo já recebi um fóssil, uma
pata de dinossauro, ou seja, havia um contato muito mais próximo. E
essa história dos institutos acabou na primeira dificuldade, eu acho foi
um erro que se cometeu nessa trajetória. Tiveram muitos acertos, mas
tiveram os erros também e um deles foi a eliminação dos Institutos.

Hoje em dia temos o Instituto FURB, ele é um instituto mais virtual


e juntou tudo em um só, mas aquela época existia um setor físico,
tínhamos laboratórios, prestávamos serviços. E hoje diminuiu muito
isso, perdeu esse protagonismo que a gente tinha na comunidade,
claro que ganhou se um outro protagonismo que foi a questão da pós-
graduação os cursos se consolidaram, surgiram as pós-graduações.
Hoje a gente é referência em cursos de pós-graduação, mestrado e
doutorado, mas não precisava ter acabado, eu achei que foi um erro
estratégico.

Cognitum: O senhor já trabalhou em outras duas instituições


internacionais: uma na Alemanha e outra na Suécia. Como
foram essas experiências?
Henry França Meier: Na Alemanha eu fiz um projeto com a Capes que se
chamava BRAGECRIM. A Capes é a Coordenadoria de Aperfeiçoamento
da Pós-graduação do país e o existe um órgão similar que é o DFG lá
na Alemanha. Esse BRAGECRIM era um programa de cooperação
entre universidades brasileiras e universidades alemãs. E antes do
BRAGECRIM eu fiquei como professor visitante na Universidade de
Bremen. Fiquei três meses como professor visitante. Lá na Alemanha
tem uma característica diferente daqui. Eles têm o que eles chamam
140
Por Maria Luiza de Almeida Kuster

de Profession que é um sujeito que é quase como catedrático, dono


da cátedra. Nem todo professor lá é Profession, existem os teachers
também. Quando eu fui para lá eu fui tratado como Profession, era um
respeito que eu nunca fui tão respeitado em toda a minha trajetória.
O pessoal falava que o alemão é fechado, principalmente no norte
da Alemanha que onde fica Bremen, que eu teria dificuldade de me
relacionar, mas como eu fui como Profession, chegava cinco para meio-
dia o pessoal batia na minha porta para me convidar para almoçar
com eles. E eu ia almoçar com eles no Menza, que é um restaurante
universitário e eu fazia questão de ir. No final dos três meses eu já
estava que não podia nem ver mais a comida alemã, há muito tempero
e no final parecia tudo igual. Eu comia macarrão pensava que estava
comendo peixe, era tudo muito temperado que eu não me habituei
muito. Mas fui tratado com muito respeito. Como resultado desses três
meses abriram oportunidade, a gente acabou aplicando algumas coisas
que eles não tinham lá. Eles tinham uma parte experimental muito bem
desenvolvida e nós tínhamos uma parte computacional e de simulação
numérica que a gente estava na crista da onda. A gente resolveu em
três meses um problema que eles estavam há quatro anos tentando
resolver. Conseguimos apresentar resultados mais avançados que os
quatro anos que eles já tinham se dedicado. Isso despertou interesse de
a gente continuar com a cooperação e quando eu voltei ao Brasil eles
fizeram o convite para a gente participar nesse programa BRAGECRIM
para a CAPES e do DFG. Nesse programa foram quatro anos que eu
tinha reuniões anuais ou na Alemanha ou aqui no Brasil. Na Alemanha
em teoria ficava lá 15 dias, 21 dias às vezes participava das reuniões e
continuava desenvolvendo. Foi quando a gente começou a trabalhar
no desenvolvimento de um processo de produção de nano partículas.
Até hoje, depois desses quatro anos que a gente continuou trabalhando
efetivamente, mandando alunos para lá tivemos alunos de mestrado,
doutorado e graduação vários alunos com várias missões científicas.
Criamos essa cooperação e em 2018 eu os envolvi em um projeto da
Petrobras, quando a gente contratou a universidade de Bremen por
um projeto da Petrobras aqui no Brasil para que eles fizessem uma
parte que a gente não conseguiria fazer aqui . Eles tinham Know-how
experimental para fazer. Hoje nós continuamos com essa parceria até

141
Prof. Dr. Henry França Meier

janeiro de 2022. Tem um aluno nosso que terminou o mestrado e foi


contratado pela universidade de lá para fazer o doutorado, o Mateus.
Nós temos contato semanal toda quinta-feira a gente tem uma reunião
com o grupo de Bremen, em que a gente deixa as pesquisas nesse tema
desenvolvimento de dispersores de carga, que é um tema que a gente
está trabalhando. A gente sintoniza as atividades aqui no Brasil com as
atividades na Alemanha.

Já na Suécia foi um pouquinho diferente. Lá nós participamos de um


programa sueco que é o programa Linnaeus Palme. São projetos de
cooperação internacional onde professores da Suécia vêm para cá e
dão aulas aqui na pós-graduação e nós como professores daqui vamos
para lá e damos aulas na pós-graduação. Eles têm uma pós-graduação
em engenharia de energia e a cada dois anos eu fico lá pelo menos um
mês, 21 dias de modo formal, dando um curso concentrado dentro
do Programa de Engenharia de energia. Já participei duas vezes e a
terceira teria acontecido em janeiro de 2021. Eu gosto do inverno, então
eu fugia do verão daqui e ia para o inverno de lá. A gente continua com
essas cooperação. Em Bremen eu não cheguei a dar aula, fiquei mais
como orientação de pesquisa, mas na Suécia a gente dá aula e é uma
experiência extremamente rica. A primeira disciplina que eu colaborei
lá foi uma disciplina de o tratamento de resíduos que a Universidade
de Boras, que é uma cidade referência no termo de reciclagem e
aproveitamento dos resíduos. Tudo nasceu dentro da universidade,
eles têm produção de energia elétrica a partir do lixo, produção de
biogás a partir do lixo orgânico. O modelo sueco é algo impressionante,
eu poderia ficar falando a noite inteira sobre as experiências que eu tive
lá. Foram experiências muito boas, mas uma que mais me marcou foi
o fato de dar aula para um curso internacional, um curso de mestrado
onde tinha uma pessoa era sueca, mas ele era de uma etnia lá do norte
da Suécia, que se chama Sami que é uma etnia que é quase um esquimó.
Era a única pessoa que era dali o restante era gente do mundo inteiro
então tinha algumas pessoas do Bangladesh, México, Paquistão, Índia.
Tinha uma professora completamente multicultural, digamos assim.
Eu lembro que uma das aulas que eu a vi apresentar lá ela pediu para
cada um apresentar sua família na sua cidade de origem então os

142
Por Maria Luiza de Almeida Kuster

caras montaram um PowerPoint mostrando sua família, para a gente


conhecer como é que era a realidade de cada país. Essa experiência é
fantástica e até hoje a gente tem essa cooperação. Agora com o problema
da pandemia coibiu essa mobilidade, então que a gente passar por
esse período a gente deve continuar fazendo essas atividades tanto de
ensino como a parte de colaboração com pesquisa com eles.

Cognitum: Comparado à essas instituições internacionais a


FURB tem uma boa infraestrutura para essas pesquisas?
Henry França Meier: Depende muito da área, eles têm uma estrutura
de apoio que é algo que a gente não tem aqui, por exemplo, eles têm lá
um setor que trabalha com a parte hidráulica, um setor que trabalha
com a parte elétrica, um setor que trabalha com a parte de segurança.
Tudo o que você está fazendo dentro do laboratório se você precisa
de alguma coisa você tem uma equipe especializada que te dá apoio.
Então esse é um grande diferencial que aqui nós temos a nossa divisão
de administração do câmpus que não dá conta nem da manutenção da
universidade quase. Então é diferente, mas não quer dizer que a gente
não tem esse apoio a gente tem um apoio do DAC, o pessoal colabora,
nos dá apoio mas sempre na medida do possível.

Como eu falei antes a gente na área computacional, nessa área que eu


trabalho, na área de fluidodinâmica a gente tem mais infraestrutura
que eles em Bremen. Nós temos um cluster melhor, temos unidades
experimentais, um número mais variado de unidades experimentais, a
gente tem mais alunos do que eles, eles têm menos alunos e têm muita
dificuldade de ter alunos de pós-graduação principalmente. Hoje eu
diria que o nosso laboratório aqui ele está em pé de igualdade eu estou
falando agora do laboratório de fluidodinâmica, computacional e de
verificação e validação esses dois laboratórios o pessoal que vem de fora
fica impressionado com o que encontra aqui. Nós estamos muito bem
nessa parte analítica também. Na parte de análises químicas nós temos
o pessoal da química, o pessoal do laboratório de combustíveis que faz
parte da estrutura do centro tecnológico, eles têm equipamentos que lá
fora são difíceis de achar.

143
Prof. Dr. Henry França Meier

Cognitum: E qual foi o que o senhor mais gostou de produzir?


E por quê?
Henry França Meier: Eu vou dizer uma que eu terminei agora há
pouco, foi um trabalho que tivemos a fase 1 de um projeto que foi a
Verificação e Validação em CFD Aplicado ao Refino do Petróleo. Esse é
o título do projeto. Nessa fase 1 ele tem um período de quatro anos em
que a gente foi amadurecendo e construindo protocolos de pesquisa
e desenvolvimento para os diferentes fenômenos que acontecem,
fenômenos multifásicos, escoamentos, multifásico. Para você ter uma
ideia, o escoamento é mais do que um fluido então um escoamento
multifásico típico, por exemplo é quando a gente faz um transporte de
partículas por um gás. Isso a gente chama de escoamento gás-sólido.
Agora eu tenho também transporte de escoamentos gás-líquido, então
eu tenho um gás e um líquido, são duas fases, uma fase liquida e outra
fase gasosa escoando. Esses escoamentos são escoamentos complexos
em condições de turbulência nos fluidos e exigem protocolos e de
abordagem. Nos primeiros quatro anos a gente desenvolveu muitos
protocolos e as metodologias de abordagem. Então a gente consolidou
uma infraestrutura, recursos humanos e a gente produziu conhecimento
científico nos primeiros quatro anos. Diante desse amadurecimento
a gente enxergou a possibilidade de começar a ter mais aderência às
aplicações industriais e a gente começou a resolver de fato os problemas
industriais. A gente começou a pegar esses protocolos, fizemos a fase
2 do projeto que terminou agora dia 25 de fevereiro e essa semana
eu terminei o relatório final consolidado. Nessa segunda fase a gente
conseguiu produzir mais aderência às aplicações industriais e elencou
alguns focos dentro de diferentes refinarias da Petrobras onde poderia
aplicar aqueles protocolos de pesquisa foram desenvolvidos e que
poderia resolver ou minimizar problemas crônicos que a indústria
estava enfrentando. O problema crônico é um problema como uma
cólica, é uma dorzinha lá que eu não desaparece e que o indivíduo fica
tomando um analgésico, mas que o indivíduo não sabe muito bem o
que é. Isso existe em alguns processos como no processo de produção
de químicos e derivados de petróleo, esses processos foram idealizados
há muito tempo, tem projetos que são antigos e eles têm limitações.
Algumas simplificações foram impostas para que se pudesse funcionar

144
Por Maria Luiza de Almeida Kuster

e isso acarretou numa dificuldade crônica, um problema crônico. A


gente identificou cinco problemas crônicos e aí a gente começou aplicar
esses protocolos e teve um que se destacou, que foi uma Caldeira de
recuperação. Era uma Caldeira que ela recupera calor que sai por uma
chaminé, produz um monte de gás quente e esse gás quente a 400ºc
/500°c quase eram emitidos diretamente na atmosfera. Então para não
emitir isso que daria uma poluição térmica eles montam caldeiras que
recuperam parte da energia desse gás abaixando ele de 400º a 180º por
exemplo e libera o gás a 180º e vão a 400º. Com isso produzem vapor
que tocam uma turbina. Com essa turbina é produzida energia elétrica,
então eles têm uma termoelétrica. Só que elas nunca operam só com
recuperação elas têm um combustível suplementar elas começam com
combustível e metade daquilo que elas produzem eles queimam o gás
combustível e a outra metade da produção é obtida com a recuperação
do calor daquele gás que ia ser jogado fora. E essa Caldeira ela ficou
há praticamente 15 anos sem operar a recuperação porque toda vez
que eles aplicavam retomavam a operação dela com a recuperação ela
falhava. A Caldeira é um prédio de quase 10 andares de tão grande
que é a estrutura. Para você ter uma ideia uma das maiores caldeiras
daqui da nossa região são de 30 toneladas/hora de vapor as maiores
e essa era de 140 tonelada/hora. É uma cadeira muito grande. E essa
de 140 estava produzindo 70 e queimando combustível porque ela não
conseguia recuperar. E toda vez que botava para recuperar a caldeira
começava a falhar e por segurança eles tinham que parar. A gente
entrou nesse problema e começamos a aplicar todas as técnicas que
a gente vem desenvolvendo e aplicando todos os protocolos. Primeiro
para obter um diagnóstico para dizer por que que ela falhava e depois
oferecer um prognóstico. Acabamos entrando nas minúcias, nos
detalhes a gente aplicou é Rocket Science, aplicamos ciência de foguete
para resolver o problema, o que tem de mais moderno em termos de
técnicas científicas a gente aplicou. Descobrimos a causa e oferecemos
um diagnóstico com o mínimo de intervenção, digamos que não
precisava fazer uma cirurgia, mas precisava fazer um tratamento que
já ia dar uma melhorada, não ia resolver mas ia dar uma melhorada.
Com essa mínima intervenção conseguimos recuperar 30% dos gases
sem fazer nada então a gente aumentou em 30% da capacidade da

145
Prof. Dr. Henry França Meier

Caldeira. Na verdade a gente não aumentou a capacidade, a gente


parou de queimar o gás, então paramos de utilizar combustível fóssil,
fizemos uma descarbonização da indústria de refino de petróleo. E isso
foi um case de sucesso, a gente propôs eles fizeram e está operando
desde setembro do ano passado até agora recuperando 30% dos gases.
Isso significa em termos financeiros que todo o investimento que a
Petrobras fez em muitos laboratórios desde a criação foram pagos em
seis, sete meses. Todo investimento que eles fizeram proporcionou um
retorno em torno de R$50 mil a R$100 mil por dia. Para mim isso foi
o exemplo mais marcante de que vale a pena fazer pesquisa, investir
em pesquisa e desenvolvimento. Só essa aplicação já pagou todo
custo que a Petrobrás teve com a gente, com os laboratórios desde o
ano 2000 que não foi pouco. Isso virou um case de sucesso dentro da
Petrobras e a gente acaba recebendo um pouco os louros dessa fama,
digamos. Como não houve uma produção de propriedade intelectual
isso é direito deles não podemos dizer que queremos uma parte, isso
não está acertado em contrato. Mas nós estamos discutindo projetos
futuros, nós já vamos agora em novembro continuar um outro projeto
em cooperação e em outubro vamos renovar esse projeto por mais 18
meses. Já conversei com um interlocutor para estender o de dezembro
por mais 12 meses. Com isso, a gente consegue manter a estrutura
em funcionamento, mantendo a equipe que não é uma equipe muito
grande. Isso é uma coisa que eu sempre procuro enfatizar, não é um
trabalho só meu, é um trabalho de equipe, que reúne várias pessoas,
desde da iniciação cientifica até o pós-doutorado tem contribuição.
Todos tiveram de alguma maneira contribuição. Eu sempre falo, sonho
que se sonha só é sonho, mas sonho que se sonha junto é realidade.
Então todas as pessoas que trabalharam nesse projeto sonharam que
isso ia dar certo e deu certo. Depois desse case, digamos que eu poderia
terminar a minha carreira, eu me sinto confortável em dizer que eu
acho eu contribui com o país com esse trabalho, não só com a formação
de uma geração de pesquisadores. Hoje nós temos ex-alunos que são
professores na UNICAMP, na UFSC, que saíram de dentro dos nossos
laboratórios. Tem pessoas que estão no Estados Unidos, outros que
estão no Canadá, na Alemanha, ou seja, temos vários egressos em
diversos lugares do país. Criamos uma escola e esse último projeto

146
Por Maria Luiza de Almeida Kuster

que citei foi o projeto que veio a coroar todo esse trabalho. A gente
acreditou e está aí a prova, o que tem um pouco de relação com o que
falei lá no começo que eu não tenho medo assumir um compromisso,
poderia ter dado errado, mas eu fui lá e fiz.

Cognitum: Qual foi o seu maior projeto de pesquisa dentro


da FURB?
Henry França Meier: Em termos de repercussão eu acho que esse últi
é o meu maior projeto, porque veja ele teve um impacto econômico,
tem um impacto ambiental e teve um impacto social no entorno todo.
Em termos de impacto eu acho que eu não vi nem um outro de todos
que eu participei, um impacto tão amplo dentro de um inspeto desde
a economia até o lado social. Chegamos a ter 40 pesquisadores, desde
iniciação cientifica até o pós-doutorado, tivemos também quatro ou
cinco professores e alunos de mestrado, doutorado, iniciação cientifica
e pós-doutorado.

Cognitum: Como a FURB te auxiliou nessa jornada de


pesquisa?
Bom, a FURB vem modernizando a sua capacidade de dar suporte.
Hoje a gente tem um escritório de gestão de projetos e ele sempre nos
auxiliou nessa consolidação. A gente precisa fazer prestação de contas,
são termos de cooperação, os recursos que a gente pede eles têm
que estar previstos no projeto, nós não podemos comprar qualquer
coisa, precisa estar previsto no projeto. Então tem uma atividade de
prestação de contas, tem uma atividade de contratação de pessoal,
tudo isso acaba sendo gerido pelo escritório de gestão de projetos que é
uma novidade também e assim o funcionamento dele tornou-se muito
melhor, apesar de já existir antes tornou-se muito melhor depois dessa
renovação da nova gestão, em que pessoas com um pouquinho mais de
visão de pesquisa científica estão à frente desses escritórios. O pessoal
tem colaborado nesse sentido, ainda tem algumas divergências com o
pessoal da contabilidade, recursos humanos e tem algumas arestas ali
ainda que aquilo que eu digo às vezes as pessoas elas não tem muita visão
da pesquisa científica e tecnológica então eles são administradores,

147
Prof. Dr. Henry França Meier

contadores mas eles não conseguem entender um pouco que a pesquisa


científico-tecnológica ela tem uma dinâmica diferente. Já começa com
os prazos, todos os projetos que a gente faz são com prazo determinado,
precisamos fazer dentro do prazo senão a gente é obrigado a fazer um
aditivo de prazo, é um processo demorado. Melhorou muito com o
entendimento melhor também do Núcleo de Inovação Tecnológica
colaborou um pouco mais nessa direção com Vinícius, Alejandro que
são pessoas que conseguem ver a pesquisa científica como ela é. Tem
coisas que são diferentes, a dinâmica é completamente diferente de
você fazer uma outra atividade administrativa dentro da universidade.
Tem um caso típico, a gente recebe bolsas, por exemplo. Eu tenho
uma bolsa de pesquisa, desenvolvimento e inovação que é paga pela
Petrobras. A Furb não paga nada só que tem um entendimento dentro
da unidade ainda que diz que bolsa é salário e eles incorporam isso
dentro do meu salário, isso não poderia de jeito nenhum, o salário é
uma coisa e a bolsa de incentivo à pesquisa que é dado pela Petrobras
não tem nada a ver com meu salário, então não deveria aparecer como
meu salário como acontece. Em outras instituições como a Unicamp
com as universidades federais, aqui o pessoal ainda não amadureceu
em relação a isso, por incrível que pareça eles tratam bolsa como
salário. Isso desmotiva, como eu já estou quase no final eu falo para os
que estão vindo: “Vocês terão que resolver esse problema, pois eu não
consegui”. Essas dificuldades existem e precisa de amadurecimento
para as pessoas que estão fazendo a atividade meio que não é a
atividade fim. Às vezes elas confundem um pouco a atividade meio com
a atividade fim, que é uma coisa natural, não culpo ninguém disso, é o
próprio sistema que acaba colocando eles em determinado lugar e as
pessoas acabam achando que as suas atividades são a mais importante
enquanto o que é mais importante é a pesquisa, ensino e extensão. Isso
é o mais importante para a universidade, é isso que se deve priorizar.
Vamos fazer ensino de qualidade, vamos fazer pesquisa de qualidade
e vamos fazer extensão de qualidade e como consequência vamos
administrar isso com qualidade. Agora não vamos criar cada vez mais
barreiras para desestimular o pesquisador a buscar recursos. Já teve
casos que eu passei, que eu trouxe um projeto de R$2 milhões e o cara
olhou e disse “Mais trabalho pra nós?” Já escutei também “tu te cuida,

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Por Maria Luiza de Almeida Kuster

que tu vai enfartar, é muita atividade”. No escritório de gestão e projetos


da antiga gestão o sujeito me falou isso, me desestimulou a trazer um
projeto de R$2 milhões para dentro da FURB. Pode não parecer muito,
mas a repercussão de um projeto desse olhando de fora do estado de
Santa Catarina, fora de Blumenau em relação às outras universidade
são pouquíssimas as universidades que conseguem um projeto de R$2
milhões. Então é esse pensar, essa falta de conhecimento com relação
ao que é a pesquisa, o que podemos produzir com a pesquisa, isso às
vezes desanima. Eu já pensei em desistir, só não desisti por causa dos
meus alunos, por eles eu me entrego.

O que nos distingue dos centros universitários? Qual é o nosso


diferencial? É a pesquisa e extensão, se não tiver a pesquisa e extensão,
nós deixamos de ser universidade. Esse é o nosso grande diferencial e
é nisso que nós temos que apostar. Não é porque foi comigo mas é um
exemplo que eu sempre acreditei nisso e deu certo então se deu certo
comigo pode dar certo com outro. Então porque os outros também
não podem fazer isso? Vamos estimular, nós temos profissionais aqui
com gabarito sensacionais, temos professores que são reconhecidos
internacionalmente, vamos facilitar a vida desse povo, fazer com
que eles tenham um pouco mais de incentivo para fazer as coisas
acontecerem para trazer recursos, trazer trabalhos que vão trazer
repercussão porque às vezes não é só o dinheiro mas a própria a própria
repercussão que a universidade tem fora. É difícil quantificar o retorno
o reconhecimento enquanto uma instituição de qualidade faz ensino,
pesquisa e isso não tem preço. Os outros centros universitários não
conseguem fazer.

Cognitum: O senhor tem três linhas de pesquisa: Verificação


e Validação em Fluidodinâmica Computacional. Modelos
Microscópicos e Fluidodinâmica Computacional.
Modelagem, Simulação e Otimização de Processos. Qual
delas o senhor mais consegue ver o impacto e a influência
aqui na nossa região?
Henry França Meier: Essas linhas fazem parte da mesma coisa, o
que nós fazemos é criar modelos e construir modelos matemáticos
149
Prof. Dr. Henry França Meier

para representar os fenômenos da natureza, levá-los para dentro


do computador, virtualizar, criar cenários virtuais e com a análise
desses cenários. Eu sempre digo que é uma divisão platônica: existe o
mundo real e o virtual, então o que nós fazemos é uma transposição,
saímos do real e vamos para o virtual. Como fazemos isso? A gente
usa a apreensão sensível, que é aquilo que a gente enxerga e aquilo
que a gente consegue medir. Antigamente para Platão era aquilo que
a gente conseguia presenciar com os sentidos. Hoje em dia temos
equipamentos de precisão de medição, por exemplo, como a High
Speed Camera que comentei antes, com ela podemos desacelerar
os fenômenos que acontecem com frequências muito rápidas. Você
começa a enxergar uma realidade completamente diferente, começa a
ver um mundo completamente diferente, digamos que começa a sair
da caverna de Platão. Ou seja, para fazer essa transposição é usada
a apreensão sensível e também a razão, a lógica matemática e incluo
também as emoções, pois não é só aquilo que a gente mede nem só
aquilo que raciocinamos, mas são as emoções que a gente tem. Tem
uma máxima que é um erro de Descartes que diz “Penso, logo existo”.
Na verdade, não é bem assim, é “Penso, tenho emoções, logo existo”.
As neurociências estão chegando a essa conclusão. Então, usando
apreensão sensível, a razão e as emoções a gente consegue fazer essa
transposição. Levamos isso para o mundo virtual, onde toda essa nossa
realidade é representada por um conjunto de equações matemáticas.
Essas equações matemáticas são levadas para dentro do computador,
onde resolvemos estas equações. Então a gente virtualiza a realidade
e cria cenários virtuais e esses cenários virtuais são utilizados para
fazermos a volta. Quando voltamos do virtual e vamos para o real e
então tomamos uma decisão no mundo real. Essa volta que pegamos,
esse cenário que às vezes seriam impossíveis de realizar no real, mas no
virtual eu posso pegar a caldeira e explodir ela que ninguém vai morrer.
Agora se eu fizer no real eu posso matar uma população, uma cidade.
Aqui no meu computador consigo até explodir um reator nuclear,
será só um cenário virtual, nesses cenários eu consigo tomar decisões
quando eu interajo novamente no real. Então eu fecho um ciclo: saio
do real, vou para o virtual e retorno para o real. Essas três linhas de
pesquisa fazem isso, por isso não é uma coisa dissociada, elas trabalham

150
Por Maria Luiza de Almeida Kuster

juntas, pois nem tudo é teórico, às vezes precisamos de experimentos,


precisamos fazer medições, constituição de modelos. Quando voltamos
para o mundo e aplicamos estaríamos fazendo, nas palavras de moda,
uma engenharia 4.0 ou até 5.0. Aplicando as mesmas técnicas que o
pessoal da NASA usa para saber se é possível levar uma nave espacial
para Marte, nós fazemos aqui para resolver uma Caldeira da Petrobras,
um problema da nossa região. Estamos aplicando técnicas modernas
porque hoje o conhecimento está disponível, nós temos que se nos
empoderarmos desses conhecimentos e dessas ferramentas. Nessa
conjuntura que operamos enquanto professor, pesquisador e enquanto
cientista. Um exemplo disso em tempo real. No começo da pandemia
a primeira coisa que eu fiz foi pegar os modelos epidemiológicos
e criar um modelo matemático e um cenário aqui para Blumenau.
Confesso que fiquei apavorado, mas não falei para ninguém. Mandei
uma mensagem para a reitora e disse: “Olha o negócio é sério”. Foi a
única coisa que eu pude dizer. E aqui em casa eu não avisei ninguém
porque eu cheguei a um momento ali que nós íamos ter 1500 mortos
em Blumenau. Os modelos estavam mostrando, caso nada fosse feito,
essa seria a realidade. Mas tá quase confirmando o cenário virtual.
E naquele cenário virtual o que se mostrava é que nós precisávamos
fazer alguma coisa, temos que nos isolar, vamos nos isolar, vamos
usar máscara, tudo isso fruto da ciência, a ciência nos mostrou isso.
Esse negócio de imunidade de rebanho ou tentar buscar uma vacina,
porque esse negócio de pegar a doença, não dá. Os modelos mostravam
claramente que precisávamos diminuir a mobilidade, só reduzindo a
mobilidade verificado no mundo virtual e agora presenciamos no
mundo real. Infelizmente atingindo mais de 500 mil mortos no Brasil.

Cognitum: Atualmente o senhor está desenvolvendo a


pesquisa “Unidade Piloto Experimental para Tratamento
de Água de Processo por Ozonização”. Como surgiu essa
pesquisa? A partir de qual problema?
Henry França Meier: Isso é resultado do nosso reconhecimento externo,
todas as universidades sabem que a gente tem protocolos de projetos
de unidades experimentais orientadas por simulação numérica, projeto
orientado por simulação por virtualização. Quando a gente vai projetar
151
Prof. Dr. Henry França Meier

uma unidade experimental para representar um fenômeno é um


tempo no laboratório em condições similares aquelas que acontecem
na indústria, na sociedade. Esse caso em particular é um problema
de tratamento de água nas plataformas de petróleo. Quando eles
estão perfurando petróleo, extraindo petróleo, existe a contaminação
de água com componentes orgânicos e esses componentes orgânicos
precisam ser oxidados antes de devolver a água para o mar. Então tem
um processo de oxidação avançada em que isso é obtido pela utilização
do ozônio. Só que tem um grupo de pesquisa na UFSC que está fazendo
um projeto para a Petrobras nessas plataformas de petróleo, mas eles
não tem Know-how para construir uma unidade experimental então
eles nos contrataram para dar o suporte e a gente aplicar esse projeto
orientado por virtualização e criar um laboratório virtual primeiro.
Depois disso eles podem contratar uma empresa que vai construir um
laboratório. Nós estamos fazendo uma unidade virtual de tratamento
de águas de exploração do petróleo por ozônio. Nós estamos com
uma maquete virtual pronta, na qual primeiro estamos vendo todas
as possibilidades fazendo todos os cálculos que precisamos fazer
usando o computador e introduzindo também uma questão estética
de organização de layout, de organização dessa unidade experimental.
Como nós temos essa experiência que é reconhecida fora da nossa
região, as pessoas estão nos contratando para fazer isso. Esse foi um
caso, um grupo de pesquisa com o qual eu já tenho colaboração há
muito tempo é um laboratório da UFSC que nos conhecem muito bem
e viram que quem tinha que fazer éramos nós. É um projeto de curto
prazo, mas que vai ter repercussão lá na frente. Nós estamos apoiando
outros grupos de pesquisa fazendo isso.

Cognitum: Em 2014 o senhor desenvolveu o projeto


“Aperfeiçoamento da capacidade instrumental dos
Programas de PG da Universidade Regional de Blumenau”.
Ele foi desenvolvido dentro da Furb e para Furb. Poderia
explicar um pouco sobre a realização desse projeto?
Henry França Meier: Esses trabalhos são projetos institucionais de
captação de recursos para a compra de equipamentos. Existem alguns
órgãos federais entre eles a Finep, tem também a Capes e o próprio
152
Por Maria Luiza de Almeida Kuster

CNPq que tem esses programas. Eu acho que esse era do CNPq acho
que era o pró-equipamentos, se não me falha a memória. São recursos
que o governo federal libera para as universidades que elaboram um
projeto identificando quais são os equipamentos que cada programa de
pós-graduação precisa para alavancar suas pesquisas. Cada programa
faz uma proposta de preferência que seja até multiusuário, que mais do
que um programa possa usar o mesmo equipamento e com isso a gente
submete por um edital público, e o projeto pode ser aprovado ou não.
Nesse caso foi aprovado e a partir disso a gente compra equipamentos
de grande porte que tem um custo muito elevado. Normalmente são
equipamentos importados e tem todo um processo de importação.
Isso repercute em todos os programas de pós-graduação, sempre
tentamos encontrar um equipamento que mais do que um grupo de
pesquisa possa utilizar. Infelizmente, esses programas a partir de
2018 começaram a minguar e hoje praticamente não temos mais esses
editais disponíveis, os recursos para a pesquisa no país estão escassos
e isso também tem um pouco de relação com esse descrédito pela qual
a ciência está passando no Brasil.

Cognitum: O senhor tem algum conselho que poderia dar


para aqueles que estão iniciando agora as suas pesquisas?
Henry França Meier: Eu tenho muita esperança e acredito que as
coisas podem mudar, que as coisas precisam mudar e que isso tudo
é passageiro. Sempre falo em época de crise eu posso garantir, você
pode ter dinheiro, mas o dinheiro você pode perder, você pode ter
bens materiais, mas pode perder eles de uma hora para outra, agora
o conhecimento ninguém te tira. As pessoas podem te tirar tudo, mas
o conhecimento é irreversível. As pessoas que optaram em aprender
mais, em conhecer mais e em se dedicar nesse momento de crise,
você pode ter certeza que você vai ter uma coisa para o resto da vida
que é o conhecimento, que ele se torna irreversível e pode ser que ser
mestre agora não seja muito importante do ponto de vista económico,
mas daqui alguns anos isso pode fazer a diferença. Então investir na
carreira nunca é demais.

153
Prof. Dr. Henry França Meier

Eu sou idealista e sonhador, eu acho que a gente vai superar isso tudo
e que daqui a pouco vão começar a dar valor cada vez mais, pois é o
que acontece fora, nós temos que olhar para fora. Lá em Campinas tem
um bairro que é o Barão Geraldo e lá tem algumas colinas e havia um
professor que era português. Ele dizia para um colega: “Você precisa
olhar para além das colinas do Barão Geraldo, olhe lá para fora, não
fique olhando aqui para dentro”. A mesma coisa eu digo aqui: nós
temos que olhar para além das colinas da Vila Itoupava, nós temos que
olhar lá para frente, lá pra fora. Como os países estão se desenvolvendo?
Negando a ciência? Não investindo em ciência e pesquisa? O que eles
estão fazendo? Como as pessoas se desenvolveram?

Vamos olhar historicamente, fazer uma analise histórica, como


os atuais países desenvolvidos atingiram isso? Foi investindo em
educação, fazendo pesquisa, investindo em ciência, investindo no
ensino, então se você puder fazer isso, você não vai perder, pois é
irreversível. Trabalhar agora, você pode ganhar mais do que R$1.500
fazendo mestrado, não precisa ir muito longe, nós abrimos um edital
agora para iniciação científica para trabalhar nos laboratórios e temos
quatro vagas. Dessas quatro vagas as bolsas variam de R$400 a R$780
com duas bolsas acho que de R$700 uma de R$400 e outra de R$500,
alguma coisa assim. As pessoas não vêm, teve um candidato, projetos
nesse nível onde nós temos egressos em todos os lugares e apareceu
um candidato, épocas passadas nós tínhamos fila de espera.

Porque está acontecendo isso? Porque as pessoas preferem fazer um


bico ali que eu ganho um pouquinho mais do que ganhar R$780 como
bolsista de Iniciação Científica, vamos olhar só para esse, o cara vai
pegar um pouquinho mais ali só que ele vai deixar e aprender o que
ele iria aprende no IC, ele vai deixar de se apoderar de ferramentas
que lá na frente ele vai precisar, conhecimentos que ele não tem como
adquirir e aí a coisa vai mudar.

Eu falo isso para que as pessoas invistam nas suas carreiras, estudem.
Existem momentos que são para investir. Em épocas de crise eu
não vou ganhar dinheiro, eu vou sobreviver e vou investir na minha

154
Por Maria Luiza de Almeida Kuster

carreira. Se você conseguir fazer isso, está ótimo, depois da tempestade


vem a bonança. Já estamos vendo algumas melhoras e vamos olhar lá
para fora, vamos olhar para frente, analisar historicamente que não
podemos esquecer a parte histórica e os exemplos das ações que se
desenvolveram, como se desenvolveram. É nesse sentido que eu penso
em estimular os alunos a fazerem pós-graduação.

Cognitum: Qual é a importância das pesquisas para


comunidade no geral?
Henry França Meier: A importância da pesquisa é fundamental hoje
em dia. Nós estávamos com um aumento, analisando a questão da
saúde. Por exemplo, as pesquisas na área da saúde fizeram com que a
estimativa de vida das pessoas crescesse com a probabilidade, diminuiu
um pouco agora com a pandemia foi um caso à parte. Mas houve um
incremento não só na expectativa de vida, mas também na qualidade
de vida e isso foi promovido através de pesquisas na área médica.
Antes ser diagnosticado com certas doenças era um atestado de óbito
praticamente. Hoje em dia com os avanços da medicina isso virou
banal, eu passei por uma dificuldade recentemente, fui diagnosticado
com Câncer de Tireoide e lembro que há 20, 30 anos eu tive uma colega
que quando ela soube era um atestado de óbito. Eu fui lá, fiz a cirurgia,
um dia depois estava em casa não precisei fazer tratamento e estava
completamente curado, nem cicatriz ficou, só uma coisa mínima e de
onde veio tudo isso? Da ciência.

Vamos olhar a quantidade de energia que nós usamos e a quantidade


de energia que nós usávamos, no tempo dos meus pais por exemplo.
A quantidade que um indivíduo gastava durante a sua vida não chega
nem um ano de vida das novas gerações. Nós estamos usando uma
quantidade enorme de energia e aumentando cada vez mais e foi a
ciência que trouxe essas inovações, a ciência que permitiu com que o
homem voasse com uma máquina mais pesada do que o ar. Daqui a
pouco teremos os aviões hipersônicos aqui, pois já está sendo cogitado
isso. Pega um avião hoje e amanhã você já está na Europa e isso foi
possível pelo desenvolvimento da indústria aeronáutica que agora está

155
Prof. Dr. Henry França Meier

falando em fazer uma viagem transatlântica de até 4 horas, com aviões


hipersônicos.

Vamos olhar para a tecnologia da informação. A pesquisa que eu fiz


no meu mestrado já foi uma pesquisa avançada. Eu usei recursos
computacionais que na época só tinha dentro das universidades, mas
se eu olhasse pra frente naquela época e visse o que eu estou fazendo
hoje eu iria dizer que é ficção cientifica, porque não se tinha ideia. Um
exemplo, teve um sujeito da minha área de mecânica dos fluidos que
foi Moody, ele desenvolveu o diagrama de Moody. Ele levou a vida
inteira para fazer o diagrama e está em tudo que é livro de mecânica
dos fluidos. Hoje construímos o diagrama de Moody em menos de um
minuto, coisa que ele levou a vida inteira e isso só foi possível com
o desenvolvimento da ciência. A nossa qualidade de vida em maneira
geral também melhorou com o desenvolvimento da ciência e eu não
tenho duvida nenhuma que a ciência é um motor para o bem-estar da
sociedade e precisa ser bem aplicada. Comentei no começo que estou
virando mais minimalista, que estou querendo diminuir o consumo de
energia, eu consumo muita energia e vejo que preciso diminuir para
ser sustentável, para que as próximas gerações possam ter a mesma
qualidade de vida que eu tive. Nós estamos acabando com a nossa
natureza, estamos vivendo um período de extinção em massa como
nunca visto antes na história geológica do planeta. Então precisamos
parar para pensar um pouco sobre o que estamos fazendo, o que nós
queremos? Queremos criar um planeta desabitável para as nossas
próximas gerações? Teremos que ir para Marte? Nós vemos aí emissão
de gás de efeito estufa, desmatamento, extinção em massa, temos
que usar a ciência para reverter esse processo, precisamos pensar
nas próximas gerações. Eu penso muito como podemos contribuir, o
exemplo da caldeira que estamos fazendo a descarbonização, aquilo
pra mim, é uma vitória. Pois estamos diminuindo as emissões de
carbono fóssil da atmosfera uma pequena quantidade, com um
único equipamento, mas aquilo tem uma repercussão enorme, uma
quantidade gigantesca de carbono que estamos deixando de queimar.

156
Por Maria Luiza de Almeida Kuster

Cognitum: Com a atual crise econômica que chegou junto


ao COVID-19, tivemos vários cortes de verbas, inclusive nas
pesquisas. O senhor sentiu esse corte? Poderia dizer qual é o
impacto nas suas pesquisas?
Henry França Meier: `Começou com a Petrobras, que teve uma redução
enorme de investimentos. Nós temos um projeto que estamos fazendo
com a Unicamp que houve uma redução de 68% dos recursos, ficamos
com 32% do recurso total do projeto. Isso foi motivado pela crise
pela qual a Petrobras entrou com a pandemia. Hoje ela está meio que
superando um pouco essa crise e está recuperando a sua capacidade de
investimento em pesquisa e desenvolvimento.

Um outro impacto que me deixa mais assustado é essa questão do


descrédito com relação ao que a ciência disse principalmente com
relação aos aspectos da pandemia que eu estava falando antes. Se
você pega os modelos epidemiológicos você vê que é necessário fazer
isolamento social, usar máscara e que a vacina é importante. Só que a
gente teve uma campanha de desinformação nesse sentido. Eu conheço
pessoas que se recusam a tomar a vacina e dizem que vacina não serve
para nada e tem teorias da conspiração. Uma coisa que eu fiquei
sinceramente estupefato com o nível de ignorância da nossa própria
sociedade nesse sentido. Isso tem um impacto de longo prazo porque
está desestimulando as pessoas. Eu tenho conversado não só com
relação a isso, mas também a falta de investimento, falta de perspectiva
em pesquisa e desenvolvimento, falta de recursos está desmotivando
as pessoas a fazerem pós-graduação.

Eu tenho um colega na Unicamp que foi formado aqui que durante


a pandemia ele perdeu dois alunos de doutorado que desistiram de
fazer o doutorado e ele não consegue mais encontrar ninguém para
substituí-los, porque desde muito tempo não se atualiza uma bolsa de
pós-graduação. Então nós estamos aí com uma bolsa de pesquisa por
uma bolsa da Capes ou do CNPq de mestrado por R$1.500 por mês
com o compromisso de que a pessoa não pode fazer nenhuma outra
atividade que não seja a bolsa, que não seja atividade de pesquisa
e outra bolsa de doutorado de R$2.200 a pessoa só pode fazer o

157
Prof. Dr. Henry França Meier

doutorado, não pode ter nenhuma outra atividade. Eu estou com dois
alunos agora que eles poderiam ir pra Unicamp fazer doutorado. Hoje
eu tive uma conversa com eles eu e disse que eles precisavam tomar
uma decisão e eles disseram que não querem ir pois não dá para viver
em Campinas com R$2.200, pois não consegue ter um outro emprego.
Precisa se dedicar para fazer pesquisa, precisa se envolver, não é nos
fins de semana, não é da meia noite às 6h da manhã, é full time a
pesquisa é uma coisa que demanda tempo. E isso acaba desmotivando
as pessoas e esse negacionismo em relação a ciência de não acreditar
em vacina e essas fake news que se passam acabam desacreditando.
Eu já vi gente que acredita que a Terra é plana, em pleno século 21,
um indivíduo tem coragem de dizer que isso de a terra ser redonda é
uma enganação. Só que isso as mídias sociais, principalmente as redes
sociais elas acabam difundido isso e tem um efeito devastador. As
pessoas estão desacreditando, não querem mais fazer mestrado, não
querem mais fazer doutorado, eu vejo adolescentes que não querem
mais ir para universidade, que querem fazer escola militar, a que ponto
nós chegamos. Então esse descrédito me preocupa bastante, essa
desmotivação. Nós vamos ter uma repercussão absurda, parece que
voltamos 50 anos e isso me preocupa muito nos próximos anos.

Cognitum: Como o senhor resumiria sua trajetória de


pesquisa realizada na FURB e qual a contribuição deste
trabalho para a sua área de conhecimento?
Eu já contei bem a minha trajetória eu posso dizer que eu me realizei,
eu estou realizado com o que eu fiz e com o que eu estou fazendo, eu não
me arrependo de ter tomado as decisões que eu tomei. Investi muito na
minha carreira, teve momentos que eu quase não via os meus filhos
crescerem, épocas de pós-graduação e épocas que eu estava fazendo
doutorado foi uma loucura. O meu doutorado foi uma coisa assim
traumática, eu levei um tempo para me recuperar porque foi algo que
exigiu muito, mas eu não me arrependo eu acho foi uma fase difícil mas
eu sempre fiz aquilo que eu gosto. Eu vejo que essa trajetória foi uma
trajetória de sucesso, eu estou satisfeito com aquilo que eu desenvolvi.

158
Por Maria Luiza de Almeida Kuster

Uma coisa que me deixa também muito feliz é a capacidade de


produção de sucessores. Uma vez perguntaram ao Einstein “Qual é o
segredo do sucesso?” E aí ele escreveu assim: sucesso é igual a X +Y.
Ele dizia que o X era o trabalho e o Y é a diversão, então você tem
que trabalhar e se divertir. Precisa ter um tempo para si, como eu
disse, eu fiz muita atividade, exercício, atividade externa onde eu
extravasava aquele estresse do próprio doutorado, principalmente na
fase do doutorado. Mas eu ainda vivo um estresse muito grande, tenho
muitos compromissos. E esse problema fica cada vez pior, não pense
que vai melhorar, só vai ficar mais difícil, então as preocupações são
outras hoje.

Eu brincando em reservadas proporções eu coloquei sucesso, em


hipótese alguma me comparar com Einstein, mas eu penso que sucesso
é X+Y+Z e o Z é preparar sucessores, ou seja, trabalho, diversão
e preparação de sucessores. O que eu quero dizer com isso é que eu
me sinto feliz, eu já participei da formação de alunos e hoje já estou
vendo esses meus alunos formarem os seus próprios alunos. Isso é
uma coisa maravilhosa para um professor. Eu tenho uma colega que
foi minha aluna no mestrado e doutorado e que foi coordenadora da
pós-graduação da Engenharia Química da UFSC durante muitos anos,
a Cintia Soares. Hoje é colega, mas eu vi ela crescer de adolescente
até virar professora, passar por aprendiz de cientista e se tornar uma
cientista que vai produzir novos cientistas. E eu participei da primeira
defesa de aluno dela de doutorado. Na defesa eu fiquei pensando em
todas essas etapas que estive junto a ele e que agora ela pegou um aluno
que fez iniciação científica, fez um mestrado e agora está fazendo um
doutorado e hoje esse aluno é colega de trabalho dela. Então ver isso
acontecer com ela também é gratificante, ver seus sucessores. Outro
exemplo o meu colega na UNICAMP, o Dirceu Noriller fez graduação
aqui, iniciação cientifica, mestrado e doutorado, foi professor conosco
e agora está lecionando na Unicamp.

Então essa escola que está sendo formada a partir das nossas atividades
está repercutindo, está se espalhado pelo mundo inteiro. Para mim
preparar sucessores também é gratificante. Eu sou muito grato por

159
Prof. Dr. Henry França Meier

isso, acho que fui muito privilegiado nesse sentindo, algumas coisas
dependeram de mim, mas eu tive muita sorte de estar no momento
certo, na hora certa, com as pessoas certas, tomar decisões e escolher
decisões. Além de ser cientista eu também acredito em Deus, acredito
em um ser superior e eu vejo que eu fui muito abençoado nesse sentido
e eu sou muito grato a tudo o que me aconteceu.

160
161
PhD em Administração pela Vanderbilt
University, TN (USA), com concentração
em Administração de Sistemas de Ciência
e Tecnologia. Mestrado em Administração
da Tecnologia pela Vanderbilt University,
TN (USA). Especializações em Gestão da
Tecnologia e Cooperação Técnica Internacional
pela FEA/USP. Graduado em Direito pela
Universidade Nove de Julho. Pós-Doutorado em
Administração pela FEA/USP.

Prof. Dr. Leonel Cezar Rodrigues


Por Giulia Godri Machado

Apresentação

P esquisador, PhD em Administração e colecionador de canecas


nas horas vagas, Leonel Rodrigues nasceu em Ituporanga, no
Vale Sul do Itajaí, mas cresceu em Rio do Sul. Logo na adolescência
veio para Blumenau, onde entrou para a universidade, tornando-
se bacharel em Química pela Furb em 1973. No ano seguinte tirou a
licenciatura para o mesmo curso na instituição.
A trajetória na Furb, onde atuou como professor e pesquisador
entre 1976 e 2004, foi marcada pela criação de projetos como o Instituto
de Pesquisas Tecnológicas de Blumenau (IPTB), o Programa de Pós-
Graduação em Administração Stricto Sensu — no qual atuou como
coordenador — e um período à frente da Pró-Reitoria de Pesquisa e
Pós-Graduação da Universidade, além de uma “escapada” para os
Estados Unidos para cursar o mestrado e doutorado.
Apesar de estar aposentado, Leonel não tem muito tempo livre
durante o dia. Isso porque os trabalhos como professor do mestrado
profissional em Direito da Universidade de Araraquara e Consultor
da Capes, na Diretoria de Relações Internacionais, exigem muito do

162
Por Giulia Godri Machado

seu tempo. E o próximo ano também já tem agenda preenchida como


Consultor da UNESCO.
É coautor de quatro livros e possui linhas de pesquisa nos
campos de empreendedorismo, estratégias competitivas, inteligência
competitiva, tecnológica e de negócios, e inovação.
No âmbito familiar, Leonel tem dois filhos e uma neta. A filha
mora na Inglaterra há cerca de três anos e o filho na Alemanha há dois.
Aos 72 anos, ele ainda dá continuidade à coleção de canecas
que iniciou quando foi morar no Estados Unidos, em 1984. A primeira
caneca é da sua Universidade preferida, a Vanderbilt University (USA).
A ela seguiram-se cerca de 20 universidades que conheceu enquanto
estava nos USA. Hoje, a coleção se estende para países que visita como
os europeus, Rússia, Turquia, e praticamente todos da América do
Sul. Leonel tem tantos itens na coleção que não se recorda do número
exato. O objetivo agora é reunir canecas de estados brasileiros — isso
se o tamanho da estante e a esposa permitirem, já que as peças são alvo
de constantes negociações pelo casal.

Cognitum: Entre os projetos de pesquisa que você desenvolveu


na Furb, qual considera o mais relevante?
Leonel Rodrigues: A pesquisa que considero mais relevante no qual
tomei parte ativa, foi o desenvolvimento do processo de desidratação
de banana. Na verdade, o processo de desidratação serve para outros
alimentos, como cebola, alho, maçã, mamão etc. Este projeto foi
originalmente financiado pela FINEP. Ficou parado durante o período
em que estive nos USA, mas foi aprontado e transferido no início
da década de 1990, para a Indel Alimentos Ltda. A empresa hoje,
infelizmente, não existe mais. A importância deste projeto foi muito
grande, para a história da FURB como universidade. Este projeto,
associado ao desenvolvimento de sabonetes finos, iodato de potássio
e outros que àquela época estavam incipientes ainda, sustentou as
163
Prof. Dr. Leonel Cezar Rodrigues

evidências de pesquisa, exigidas pelo MEC, para aprovar o projeto de


Universidade, encabeçado pelo Prof. Arlindo Bernard, então Reitor.
Pesquisa e produção científica na FURB, obviamente, eram ainda
tímidas naquele tempo. Mas evidências (por amostras levadas a
Brasília pelo Prof. Arlindo) das bananas, maçãs e mamões desidratados
comprovaram que a FURB tinha pesquisa e fazia a verdadeira extensão
(contribuição direta para o desenvolvimento socioeconômico local e
regional. Assim, a FURB, sem ter nenhum curso de Pós-Graduação
stricto sensu (o que hoje seria inconcebível), recebeu o título de
Universidade, já em 1986.

Cognitum: De onde surgiu o interesse pela pesquisa nessas


áreas? Fale um pouco sobre a sua trajetória.
Leonel Rodrigues: Eu queria usar o meu interesse em Administração
dentro da área de Química, e então comecei a me interessar por
Administração da ciência e da tecnologia. Montei com mais dois
colegas (Prof. Haymo Mueller (in memoriam), também químico, e o
Prof. Aloir Arno Spengler, biólogo e depois Chefe de Gabinete de várias
Reitorias), o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT, mais tarde
IPTB), em 1974. O primeiro Diretor Superintendente do Instituto foi
o Dr. Aloisio Leon da Luz Silva, Engenheiro Químico, de Brusque. Até
1976, fui pesquisador, mas minha função era estruturar o Instituto,
escrevendo desde estatuto até regimento e outros procedimentos
internos. Nos dois anos seguintes atuei como diretor ou chefe de
divisão de análise instrumental. De 1979 a 1984 fui diretor do próprio
Instituto. Naquele tempo era um colegiado que votava em candidatos a
Diretor Superintendente, e o prefeito era quem nomeava, por Portaria
própria o diretor do Instituto, de lista tríplice. A nomeação tinha um
período de dois anos, permitida reeleição. Em 1982, fui reeleito por
novo período. Em 1984 eu fui para os Estados Unidos fazer o mestrado
em Administração da Tecnologia, porque essa era minha área, era
isso que eu queria precisava fazer, pois não tínhamos nenhum Mestre
ou Doutor no Instituto. Depois do Mestrado fiz o doutorado em
Administração de Sistemas de Ciência e Tecnologia de Universidades.
Então, a minha área de concentração é em sistemas de pesquisa de
instituições de ensino superior. Voltei em meados de 1990 para o
164
Por Giulia Godri Machado

Brasil, em janeiro de 1991 assumi a Superintendência de Pesquisa e


Desenvolvimento (depois da reforma estatutária, passou a ser Pró-
Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação). Durante esse tempo (1992),
com mais quatro colegas da comunidade aqui de Blumenau, fundamos o
BLUSOFT, que é a incubadora municipal de Software. No início de 1994
assumi a direção do BLUSOFT por 4 anos (até 1997), período em que o
BLUSOFT passou a ser uma incubadora de Software e Alta Tecnologia,
porque eu imaginava que sendo uma incubadora da cidade, deveria
ter objetivos mais amplos. Depois que deixei a direção, o BLUSOFT
voltou a ser uma incubadora especializada em Software. Quando saí
da Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação, montei o mestrado em
Administração da FURB em 1995, onde atuei como coordenador até
2003. Em 1999 eu e minha equipe elaboramos o projeto para aprovação
pela CAPES. Este foi o primeiro curso de pós-graduação stricto sensu
da FURB a ser recomendado pela CAPES e reconhecido pelo MEC. Em
2003 me aposentei por antecipação (70% da aposentadoria) e fui para
São Paulo, porque queria uma outra experiência. Fui contratado pela
UNINOVE, uma Universidade de cerca de 170.000 alunos e para a qual
eu já havia montado, em 2001, o mestrado em Administração. Então
em 2004 eu fui para lá e fui absorvido pelo Programa da UNINOVE.
Aí fiquei como professor, pesquisador e Coordenador dos Doutorados
Interinstitucionais (DINTER) do nosso Programa com a UFMS e
UFMT, até 2019, quando fui desligado e me mudei para Brasília (minha
esposa recebeu um convite do Centro Universitário de Brasília –
UniCEUB, para coordenar os cursos da área de Gestão, na modalidade
“a distância”). Como eu já estava aposentado, fui junto. Coloquei à
disposição meu currículo e a CAPES me contratou como consultor,
também por indicação de um amigo de dentro da CAPES. Nesse último
um ano e meio foi isso que eu fiz,isto é, tenho sido consultor da CAPES
para a área de Relações Internacionais (DRI).

Cognitum: O que mais marcou a sua carreira nos tempos de


FURB?
Leonel Rodrigues: É difícil falarmos de nós mesmos, mas eu acho que
posso dizer que o que marcou minha carreira foram as coisas em que
contribuí para a construção da Universidade. Em primeiro lugar, como
165
Prof. Dr. Leonel Cezar Rodrigues

já falei, a criação do IPT. Aquele espaço da rede ferroviária que hoje é


usado pela área das Engenharias e do Instituto, é um local que no início
da década de 1970 nós conquistamos como verdadeiros desbravadores,
já que ninguém alocado na sede da Antônio da Veiga, queria ir lá para
a “estrada de ferro”. Nossa insistência em fincar bandeira naquele
espaço, restou importantíssimo para a FURB. Lá florescem hoje, além
do próprio Instituto, as áreas das Engenharias (Civil, Elétrica, Química),
entre outras que foram deslocadas para lá. Hoje é um espaço nobre e
de muito valor para a FURB. Neste período, montar o Instituto, criar
uma estratégia de pesquisa e desenvolvimento, montar as vitrines de
tecnologias, expandir as Divisões do Instituto para a Microbiologia e a
Engenharia Civil, me marcou para a vida. Depois disso, uma segunda
coisa que marcou M estrado e um Doutorado nos Estados Unidos. Eu
desconheço outra pessoa que naquele tempo tenha saído sem fazer
o mestrado diretamente para outro país, em especial para os EUA
(que era tido como um país “bicho-papão” pela exigência de seu nível
educacional). O pessoal ia muito para a Europa, especialmente para
a França, porque era mais tranquila a Pós-Graduação lá, mas já com
o Mestrado feito no Brasil. Então esse também foi um dos marcos na
minha carreira, ser o primeiro que saiu da FURB para fazer a Pós-
Graduação stricto sensu, (no caso o mestrado e depois o Doutorado).
Não tenho certeza, mas penso até que fui o primeiro no estado de Santa
Catarina. Outro evento que marcou minha carreira, foi a estruturação
da Superintendência de Pesquisa e Desenvolvimento. Quando assumi,
em 1991, ela simplesmente não existia, ninguém sabia o que fazer,
então estruturamos toda a sua organização, seus programas e suas
coordenadorias internas. Em termos programas, o Programa de
Incentivo à Pesquisa (PIPe) e Programa Institucional de Bolsas de
Iniciação Científica (PIBIC), foram programas importantes para a
função de pesquisa da Universidade e que possivelmente, perduram
até hoje. As primeiras 20 bolsas do PIBIC fui eu que consegui, lá no
início da minha gestão. Também implantamos um sistema de avaliação
e seleção de projetos, que é uma orientação de como elaborar um
projeto de pesquisa na FURB. Depois, a cocriação do Blusoft, que é
uma a incubadora de empresas de software. E, por fim, a implantação
do Mestrado em Administração, hoje doutorado, geminado com a

166
Por Giulia Godri Machado

Contabilidade. A elaboração e aprovação desse projeto (Mestrado)


na FURB, a aprovação na CAPES, foi tudo trabalho meu durante a
minha gestão de sete anos em que estive na liderança desse Programa.
No período do Mestrado lançamos a Revista de Negócios da FURB e
criamos o espaço físico do Mestrado, em frente ao CCSA, com salas
para pesquisa, estudos e Orientação para os Professores do Programa.
O Mestrado teve importância na minha carreira, por suas implicações
para outras áreas além da Administração. Com ele, inauguramos
uma nova fase na academia furbiana: a série de reconhecimento de
programas de pós-graduação stricto sensu. A estratégia que usei foi
utilizada por todos os pelos outros Programas para aprovação, como os
Mestrados em Educação, Desenvolvimento Regional, Meio Ambiente
e Química aprovados logo depois. O lastro que este Mestrado criou
na instituição, permitiu à FURB transformar-se, de fato, em uma
Universidade dentro dos critérios do MEC. Todos esses elementos,
em sua essência, perduram até hoje, e tiveram impacto direto sobre o
sistema de pesquisa da FURB. Então acho que esses quatro elementos
são os que mais marcaram a minha carreira. Outros eventos, acho
que tiveram impacto sobre os valores e procedimentos internos. Por
exemplo, quando saí para o doutoramento, a FURB não tinha nada
estruturado que pudesse, ao mesmo tempo, estimular o professor
a ir estudar em outro país, mas manter o vínculo e voltar para a
universidade, contribuindo para a sua evolução como instituição.

Cognitum: Qual a importância da pesquisa produzida na


FURB para o desenvolvimento regional?
Leonel Rodrigues: Eu perdi muito do conhecimento do que acontece
na FURB, especialmente nos últimos dez anos. Antes disso, o que
eu posso dizer é que a FURB, para mim, sempre foi um modelo de
instituição que se distinguia no Brasil. A FURB talvez nunca teve a
noção de quão avançado tem sido o seu modelo de instituição no Brasil.
Talvez por isso não tenha sabido aproveitá-lo adequadamente. A FURB
possui um modelo estrutural que chamamos de externalista. Isto é, sua
pesquisa, em essência de caráter aplicado, coloca-a como produtora
de tecnologia. Este modelo institucional sempre me atraiu. Para mim
sempre foi muito interessante - e sempre um orgulho – tem podido
167
Prof. Dr. Leonel Cezar Rodrigues

falar da estrutura dessa universidade, mesmo fora do Brasil, como nos


Estados Unidos. A maioria das Universidades nasce ou é estabelecida
com uma visão internalista. Isto o que significa dizer que elas nascem
com o objetivo de ensinar e profissionalizar os alunos segundo as áreas
do conhecimento (Biologia, Química, Matemática; Administração,
Economia, Ciências Contábeis; Medicina e Ciências da Saúde, etc.).
Obviamente, sua estrutura administrativa, preza a gerência acadêmica
(disciplinas, professores responsáveis, cumprimento de carga horária,
avaliação etc.). Neste caso, a pesquisa é feita dentro dos departamentos,
ou sob a Coordenação dos cursos. Sua atenção e linguagem, então
é totalmente acadêmica, isto é, a instituição internalista não sabe
conversar com as organizações e o mundo empresarial. Para saber e
entender a linguagem do mundo empresarial, é preciso mecanismos
estruturais na Universidade, que permitam que ela converse com o seu
ambiente externo. Essa estrutura sempre foi o distintivo da FURB.
Além dos Departamentos, a FURB sempre manteve um conjunto de
institutos (IPA, IPTB, IPLAN etc) responsáveis pela comunicação
da Universidade como a sua audiência (comunidade e empresas). A
FURB sempre teve uma estrutura que é muito pouco conhecida no
Brasil, que se chama estrutura externalista, que não prega só ensino,
ela conversa com a sua sociedade. Essa estrutura é feita através de
órgãos que interfaceiam o sistema de ensino da universidade (onde
acontecem os cursos), e a sua sociedade. E aí estão o IPTB, que ainda
está funcionando, o Instituto de Meio Ambiente (IPA), o Instituto de
Planejamento (IPLAN), da área de Economia das Ciências Sociais
Aplicadas. Esses Institutos que ficavam entre o sistema de ensino
da universidade e a sociedade, e eram eles que conversavam com a
comunidade. Quando eu era diretor do IPTB, pegava os meus químicos,
engenheiros, civis, engenheiros químicos, que davam aula nos cursos,
e colocava-os para fazer pesquisa, desenvolvimento e prestação de
serviços dentro do IPTB. O IPTB era o ambiente e o espaço que eles
usavam para “conversar” com as empresas. Era no Instituto que eles
faziam análises, pesquisas solicitadas diretamente pelas empresas,
e desenvolvimento de tecnologias, que colocavam a universidade
à disposição da sua comunidade, dando-lhe o senso de utilitarismo.
Tínhamos vários projetos, como produção de iodato de potássio, que

168
Por Giulia Godri Machado

nós fizemos com para uma empresa química de Rio do Sul (Rioquímica),
banana desidratada — tecnologia vendida par a Indel Ltda—, produção
de álcool de um vegetal (tipo espada de São Jorge) para uma empresa
de Taió (SC). A ideia era essa, no IPTB, desenvolver e disponibilizar
tecnologias e serviços, fazer análises químicas, microbiológicas, e de
controle de qualidade. O Instituto do Meio Ambiente sempre respondeu
para a comunidade com alertas de enchente, estudo importantíssimo
para Blumenau, porque fazia as leituras, desenhava todo o mapa de
comportamento das chuvas, do nível de enchente, os níveis de altura
do rio. Além desses serviços realizava outros projetos, como o Projeto
Bugio. Já o IPLAN, foi um instituto que sedmpre fazia levantamentos
de custo de vida em Blumenau, mas també desenvolvia outros projetos
importantes, como a realização dos estudos econômicos preliminares
que permitiram a implantação da ajudou a implantar a empresa
de Ceval, hoje Bunge. O levantamento econômico indicou que cabia
um entreposto de soja, vindo do Oeste do estado, e que seria muito
mais lucrativo exportar produtos como o óleo, farelo de soja outros
subprodutos com mais tecnologia embutida, como a margarina, ao
invés de simples exportação da soja in natura, muito mais barata. A
Companhia Hering investiu e montou essa empresa, que funcionou de
forma exemplar, e em 1994 quando precisava se remodelar para não
entrar em falência, a empresa de soja foi vendida por 400 milhões de
dólares para a Bunge. A Hering usou esse dinheiro para mudar o que
ela fazia, há mais de 100 anos: produção de malhas. Transformou-se
em uma empresa de moda, incluindo a administração de toda a sua
franquia de marcas no Brasil e na América Latina. Então você vê
que esses institutos são a parte da universidade que conversa com a
sociedade na perspectiva do desenvolvimento socioeconômico local e
regional. É preciso, porém, ter uma gestão nestes institutos voltada para
o desenvolvimento local e regional. Isto é, identificar as competências
de cada instituto e combinar demandas e/ou oportunidades no
ambiente de abrangência da FURB (local e regional) e responder com
o que tiver de melhor para a solução e avanço socioeconômico da
região. O que a ela precisa fazer é reconhecer o seu próprio formato,
apostar nesse formato, e crescer no cenário nacional e internacional.
Ela tem pessoas, tem formação, tem tradição, tem credibilidade, tem

169
Prof. Dr. Leonel Cezar Rodrigues

assertividade na região, é extremamente respeitada, só que ela não


tem talvez a coragem suficiente (que alguns traduzem por “falta de
recursos”), para botar a cabeça fora do quadrado.

Cognitum: Qual o diferencial dos programas de pós-graduação


do CCSA? Como você avalia as pesquisas produzidas pelo
centro?
Leonel Rodrigues: Eu não tenho acompanhado a evolução dos
programas de Pós-Graduação do CCSA. Imagino que você esteja se
referindo à Pós-Graduação stricto sensu, porque a Pós-Graduação lato
sensu é muito volátil. Depois que saí e houve uma fusão com as Ciências
Contábeis, foram alteradas as linhas de pesquisa, então o pessoal da
Administração teve que se adaptar com o pessoal da Contabilidade
para trabalhar no que seria compatível. O que posso falar é sobre o
passado, enquanto eu estava dentro da FURB. Eu acho que cada
professor que nucleia uma linha de pesquisa é dono daquele projeto,
porque é ele que fez, ele que entende, então, no momento que esse
professor sai, se aposenta ou vai para outra instituição, ele leva consigo
também essa expertise, a não ser que crie um núcleo daquele projeto,
mas isso só é possível se você tiver outros professores no grupo que
estejam interessados, e isso é incomum. Em inteligência competitiva,
empreendedorismo ou estratégia, que são as três áreas em que eu mais
trabalhei enquanto estava na FURB, não houve sequência, porque
os outros professores trabalhavam cada um em áreas diferentes. A
comunidade blumenauense aceita com muita facilidade a FURB. A
Universidade tem um trânsito muito grande ao longo da comunidade,
então ela deveria usar isso, e espero que ela assuma uma nova postura.
Nos últimos 15 ou 20 anos, ao invés de expandir, ela encolheu. Outras
instituições ocuparam o seu espaço mercadológico, e ela precisa agora
dar uma resposta efetiva. A FURB tem tudo na mão, tem experiência,
capacidade, estrutura, e tem os instrumentos e tem uma marca que
possibilitam a ela ampliar sua influência na região. Um sem-número
de executivos e profissionais liberais, com poder de decisão em
suas organizações foram formados na FURB. A FURB então precisa
alavancar neste potencial, acordando a “alma mater” nestes egressos.
De outro lado, o CCSA deveria apostar mais no IPLAN, como meio de
170
Por Giulia Godri Machado

pesquisa aplicada e útil ao desenvolvimento socioeconômico da região.


Ela o fez no passado, pode fazer de novo. Isso dará ao Centro e à FURB
uma cara nova, mais assertiva. Finalmente, gostaria de apontar a
necessidade de preparo dos pesquisadores dessa Universidade para a
nova realidade da Revolução Digital, agora associada (e exacerbada)
à crise pandêmica. A economia tem mudado de mãos, mudado de
padrão. Os negócios tem alterado significativamente seus modelos e
seus instrumentos transacionais. Estes devem ser os novos focos de
pesquisa.

Cognitum: Você tem uma pesquisa sobre gestão estratégica


em instituições educacionais. Quais foram os principais
mecanismos de gestão que a pesquisa encontrou? A FURB os
utiliza?
Leonel Rodrigues: Esse estudo foi mais voltado para a área de sistemas
de pesquisa da universidade. Foi minha tese de doutoramento, ela
aborda os mecanismos de interface da instituição de ensino superior
e a indústria, porque há duas crenças: primeiro, a universidade
que queira ter assertividade no cenário nacional e eventualmente
no cenário internacional, precisa ter um caráter utilitarista muito
bem consolidado. E em segundo lugar, ela tem que ter a capacidade
de interagir com o seu meio e colaborar para o desenvolvimento
socioeconômico. No Brasil existem quase 3 mil instituições de ensino
superior, e resultados que sejam influenciadores de expansão real na
área do conhecimento são pouquíssimos. O país não possui uma base,
nem de longe, consolidada de domínio tecnológico. Então, porque
estamos entre as 10 maiores economias do mundo? Porque temos a
sorte de estar assentados sobre muita riqueza natural. O que de fato
somos: um país altamente extrativista. Há algumas pouquíssimas áreas
de distinção tecnológica, como a produção de aviões de médio porte
(Embraer), a exploração de petróleo em águas profundas (Petrobrás) e
um bom portfólio de tecnologias agrícolas (Embrapa), mas não fazemos,
nem mesmo computadores (apesar de termos tido por longos anos, o
mercado fechado para empresa estrangeiras nesta área). Enfim, não
temos domínio de alta tecnologia. E quem pode tomar a frente neste
mister, é (ou deve ser) a universidade brasileira, já que o empresário
171
Prof. Dr. Leonel Cezar Rodrigues

brasileiro não tem tradição em fazer pesquisa e desenvolvimento. São


muito poucas as universidades que têm esse enfrentamento, e são
esses aspectos que me preocuparam na minha tese: qual é o perfil da
organização, o que ela está estrategicamente fazendo para conversar
com o seu meio, com a sua comunidade, com as empresas, e com
pessoas que poderiam transformar ideias e conhecimento aplicado
em negócios que gerariam evolução, desenvolvimento econômico e
não apenas crescimento econômico. E aí, o que eu achei no Brasil foi
muito incipiente. Tudo bem que foi lá atrás, no final da década de 1980,
mas esse panorama infelizmente não tem se alterado muito até nossos
dias. Tenho muitos colegas que também trabalharam em pesquisa
nessa mesma linha, mas desistiram porque a instituição brasileira não
evolui, não quer fazer pesquisa aplicada. Claro que eu identifiquei em
algumas universidades brasileiras mecanismos interessantes, mas de
modo geral, o que eu encontrei foi uma comunalidade básica, em torno
da pesquisa básica, não da pesquisa aplicada. É a pesquisa aplicada
que permite o desenvolvimento de tecnologias mais diretamente. Vejo
esse mesmo problema como consultor da Capes, no em seu esforço
para alocar recursos para a internacionalização da Universidade
brasileira. O que se quer é maior assertividade do ensino, da pesquisa
e da produção científica brasileira no âmbito internacional. É muito
difícil o cenário nesta área. Temos talvez 2 universidades apenas entre
as 200 melhores do mundo. A questão é ter padrões de qualidade
internacional que hoje determinam os fundamentos do conhecimento,
a influência dos pesquisadores, da geração de novos conhecimentos
e o direcionamento de novos campos do saber, especialmente da era
digital. O Brasil precisa de mais pesquisa aplicada e de mobilização
formativa para a pesquisa aplicada. Então, penso que a aposta é nos
cursos Profissionalizantes e no aprendizado em fazer pesquisa aplicada.
É este tipo de pesquisa que vai projetar a FURB, assegurar seu espaço
na comunidade local e regional e dar-lhe o real papel utilitarista ao
desenvolvimento socioeconômico local e regional.

Cognitum: Como foi o período no Blusoft?


Leonel Rodrigues: O BLUSOFT começou em 1992. Aqui em Blumenau
as empresas de desenvolvimento de aplicativos, de sistemas, de
172
Por Giulia Godri Machado

programação, de computação, são muito fortes. Temos várias


empresas em Blumenau de representatividade nacional. Na época
em que fundamos o BLUSOFT, a indústria têxtil estava começando a
perder espaço competitivo. A economia regional e empregos estavam
a sério perigo. A vinda de empresas estrangeiras, com a abertura do
mercado brasileiro, criou uma situação difícil. As poucas empresas
que tinham alguma tecnologia endógena foram totalmente engolidas
pelas multinacionais. Blumenau sofreu muito com isso, porque a base
da nossa economia era a indústria têxtil. Muitas empresas têxteis da
região entraram em falência (Artex, Sulfabril etc.) logo depois, e outras
tiveram que se reinventar. Então estávamos pensando em modificar o
fundamento da economia do município de Blumenau. Olhando para
a indústria ou para as empresas de software, percebemos que tinha
uma saída bem interessante. Foi então que se criou a incubadora de
software de Blumenau, associada a um programa nacional, chamado
SOFTEX2000. O governo, através do CNPq, investiu muito dinheiro
nesse programa para estimular a implantação de empresas de software
e incubadoras dessas empresas. Eu não sei se o BLUSOFT já tem a
característica de aceleradora, mas enquanto a gente estava por aí era
uma incubadora. Eu fiquei de 1994 até o final de 1997 como Diretor
Superintendente do BLUSOFT. Nesse período, percebi que software
não era a única coisa que precisaria ser estimulada, mas precisávamos
de empresas de alta tecnologia. Então, abri a ideia da incubadora de
para empresas de alta tecnologia. Neste período, o BLUSOFT passou
a se chamar, BLUSOFT – Incubadora de Software e Alta Tecnologia.
Depois que saí da direção, no entanto, a incubadora deixou de abrigar
outras empresas de alta tecnologia e voltou a ser apenas de software.
Acho que ainda continua com a mesmo padrão. Como é uma incubadora
municipal, eu defendo que o BLUSOFT deva ser mais aberto, para outras
empresas ou startups de tecnologias mais sofisticadas. Acho que as
ferramentas de desenvolvimento de aplicativos estão tão desenvolvidas
que a tendência é a desconcentração em torno de grandes sistemas de
software, para aplicativos rápidos e focados em tarefas, que qualquer
pessoa pode fazer. O crescimento de startups de aplicativos vai
depender do modelo de negócio usado e aí é uma questão de estratégia

173
Prof. Dr. Leonel Cezar Rodrigues

de negócio, não de incubamento. Por isso acho que esta não deva ser a
única área de investimento da comunidade blumenauense.

Cognitum: O direito chegou na sua vida mais tarde, depois de


outras formações. De onde surgiu a vontade de estudar esse
campo?
Leonel Rodrigues: Originalmente foi por diletantismo. Eu queria
expandir mais a minha visão sobre o mundo, então eu pensei que um
bom curso seria Direito. Como na minha formação, de jovem, eu estudei
em colégio de padre, recebi uma formação humanística. Acontece que a
minha habilidade não está nessa área, está para a área de exatas. Foi isso
que busquei na área de Química. Entretanto, a formação humanística
já estava impregnada. Buscar o Direito foi resgatar alguma coisa que
eu tinha aprendido quando eu cursei o Ensino Médio, em que estudei
história, filosofia, latim, grego, inglês e francês. Agora, depois de ter
uma formação profissional diversa, mais de ciência natural (química)
e aplicada (administração), a simbiose desses conhecimentos me
permitiu um alcance transdisciplinar maior. Assim, coisas como
desenvolvimento tecnológico e inovação, muito presente na revolução
digital é muito interessante para ressituar o Direito nos dias atuais.
Tenho melhores condições de entender a evolução do próprio Direito,
tanto a doutrina, quanto os processos, ou a própria ciência jurídica hoje
está muito afetada pelo desenvolvimento tecnológico mundial. A nossa,
é uma sociedade altamente litigante: tudo acaba dando em processo.
Mas a proximidade com a justiça consuetudinária (de costumes), pelos
meios de comunicação, e o abarrotamento dos tribunais com processos
desnecessários, abriu as portas para a justiça não adjudicatória
(métodos extrajudiciais de resolução de conflitos). Assim, temos de um
lado, a necessidade de agilizar, pela introdução de novas tecnologias,
o judiciário, mantendo sua segurança, e de outro, dar mais espaço
para os métodos extrajudiciais prosperarem. Pessoalmente, acho que
posso contribuir ainda muito para os Programas de P-G em Direito
fazerem ciência (Advogados e Juristas sabem fazer doutrina, mas não
necessariamente, ciência). Na prática profissional, a nova realidade
(era digital) precisa ser repensada nos termos do Direito. Por exemplo,
a lei de privacidade dos dados, tem muito a ver com essa realidade. Nós
174
Por Giulia Godri Machado

temos que repensar as bases do Direito, para podermos enquadrar de


forma mais assertiva o que é crime, o que é brincadeira, o que difama
ou não, o que faz mal ou o que não faz, como alguém é invadido e como
se pode prevenir a invasão de privacidade; como se pune a invasão ou
como se inibe a invasão da privacidade. Essas são novas facetas que
se combinam no contexto de minha formação original. Toda aquela
bagagem é hoje extremamente útil. Não só para o que faço em Direito,
mas para o que faço na área de internacionalização das instituições
de ensino superior brasileiras, na CAPES e nos próximos meses na
UNESCO.

Cognitum: Em que tem trabalhado na CAPES?


Leonel Rodrigues: Essa consultoria é muito interessante e de certa
forma um presente, pois toda a minha vida quis contribuir de forma
significativa para ao Brasil. É um trabalho de avaliação do programa
de internacionalização da universidade brasileira da CAPES. A CAPES
iniciou em 2017 essa proposta esse projeto para a qual afluíram com
projetos 104 instituições. Foram aprovados os projetos de apenas 36.
Então temos um pacote de 36 universidades que se propuseram a se
internacionalizar. Este é um projeto de longo prazo para a IES brasileira,
isto é, tornar-se uma Universidade de Classe Mundial e que vai exigir
muito esforço de todas. Mas é preciso acertar conceitos, ter um modelo
de processo viável e passível de ser incorporado pela IES, como um todo.
O motor de tração desse processo é a Pós-Graduação, genericamente
falando, de toda a instituição. Internacionalizar-se não é apenas criar
mobilidade docente e discente. Isso é apenas um pequeno, se bem que
importante, passo do processo. Para se internacionalizar a instituição
precisa conhecer-se, saber quais suas competências e com quais deseja
apresentar-se no cenário internacional, mostrando assertividade. As
competências não são apenas da Pós-Graduação, são da instituição
(originadas em sua missão e visão), mas necessariamente devem
envolver a P-G como um ator importante neste processo. Mostrar
assertividade é dialogar, de igual para igual, com IES estrangeiras
de projeção internacional. Assim ela pode alçar-se ao clube das
Universidades de Classe Mundial. A primeira coisa que fiz foi criar
um modelo de processos que podem levar uma instituição tornar-se de
175
Prof. Dr. Leonel Cezar Rodrigues

classe mundial. Esse modelo de aceleração da internacionalização é um


norteador de como uma universidade, que quer se internacionalizar
pode desenvolver, o seu plano de internacionalização. O modelo alinha
os processos para internacionalização, desde o entendimento do que
seja (internacionalização), os compromissos que a internacionalização
representa, até os processos de implementação, os de consolidação
e, finalmente, os de internacionalização plena. Agora, estamos
trabalhando nas macro diretrizes do plano estratégico institucional de
internacionalização. Há muito o que fazer ainda, mas vejo que agora
tenho uma oportunidade ímpar de contribuir para a evolução da nação
brasileira.

Cognitum: Como é o cenário da internacionalização na


FURB?
Leonel Rodrigues: A FURB de hoje, não sei dizer com precisão, o
nível de internacionalização que possui. Sempre foi um objetivo meu,
enquanto estive na FURB, de assumir essa Divisão, ou Coordenadoria.
Talvez não tivesse podido fazer muito além do que já se estava fazendo:
mobilidade discente e docente. Na FURB há realmente muita mobilidade
acadêmica, em especial com a Suécia, se não me engano. Mobilidade
é, porém, um dos primeiros estágios em direção à internacionalização,
mas não representa de fato uma situação de internacionalização.
Como disse antes, a primeira coisa que a instituição precisa fazer é
conhecer-se: determinar quais são suas competências institucionais.
Depois, entender o que significa internacionalização. A partir daí,
então, elaborar um Plano Institucional de Internacionalização. Este
plano precisa fazer parte do PDI da instituição, senão nunca haverá
comprometimento político e de recursos para este processo. O Plano de
Internacionalização precisa ser implementado com vistas a um objetivo
claramente definido e de interesse institucional. A internacionalização
deve representar a incorporação de padrões de ensino, de pesquisa, de
produção internacional e desenvolvimento tecnológico, que coloquem
a FURB entre, pelo menos, as 200 melhores instituições do mundo
(isso é adquirir status de classe mundial). Então tudo o que falei
anteriormente, sobre pesquisa, sobre desenvolvimento tecnológico e
contribuição para o desenvolvimento socioeconômico local e regional
176
Por Giulia Godri Machado

estão compreendidos aqui. Internacionalização é um compromisso


seríssimo com a comunidade acadêmica e a sociedade regional e
nacional. Requer compromisso tenaz, duradouro, persistente, de
mais de uma ou duas administrações. É um trabalho permanente. A
instituição como um todo precisa ser sensibilizada, com capacidade de
se transformar em uma instituição bilíngue (laboratórios de Língua
Portuguesa para estrangeiros e Língua estrangeira para brasileiros),
com sinalizações bilíngues, com funcionários de frente, capazes de,
pelo menos, entender inglês, com mapas da instituição bilíngues, com
capacidade de receber e alojar (ainda que terceirizados), os estrangeiros
que atraiu etc., mas principalmente, que saiba como incorporar as
experiências de seus docentes e pesquisadores que estiveram fora
do país, para ela própria poder crescer. A FURB tem infraestrutura
e uma grande experiência na internacionalização. O que eu posso
sugerir é que esse esforço seja bem aproveitado para ranqueá-la (Times
Higher Education, por exemplo) e torná-la visível no país e no cenário
internacional.

Cognitum: Como você avalia o futuro da pesquisa no


Brasil, diante desse cenário de cortes públicos e falta de
investimentos em diversas áreas do conhecimento?
Leonel Rodrigues: Desde que eu me conheço como pesquisador sempre
vi pesquisadores reclamando da falta de recursos para pesquisa. Não
há bolsas suficientes para as várias modalidades, não há dinheiro para
infraestrutura etc. O que não tenho visto é resposta da academia. Não
há uma única maneira de se fazer pesquisa ou uma única maneira de
acessar recursos. Quando a universidade se acomoda sob os recursos
e responsabilidades do governo, costuma chegar a lugar algum, nada
evolui dessa forma. Se o governo não tiver dinheiro para pesquisa
(e veja que tem que ser recursos do governo!!.. não pode ser outra
fonte!..), então a pesquisa não acontece, porque o governo não tem
dinheiro... Se o governo não der bolsa, não se pode fazer isso ou aquilo,
porque o governo não deu bolsa. É muita dependência unicamente do
Estado. A universidade não tem autonomia ou desejo de traçar sua
própria trajetória. O que vejo de errado é a forma de financiamento de
educação brasileira. Se a universidade é pública, então não pode fazer
177
Prof. Dr. Leonel Cezar Rodrigues

nada, associar-se à sua própria sociedade (que lhe paga os salários e


lhe dá todos os recursos, repassados pelo Estado), ser-lhe útil, fazer
parcerias com as empresas, desenvolver tecnologias, contribuir
diretamente para o desenvolvimento econômico. Se a universidade é
privada, então toda a carga de recursos é colocada sobre os ombros
dos alunos. Os proprietários da universidade alavancam sobre as
competências de suas universidades, investindo nas relações de
serviços, desenvolvimento tecnológico e pesquisas aplicadas, com a
sociedade. É muito mais fácil apenas cobrar do aluno e pronto. O
que penso é que todos deveriam pagar em distintas escalas. Mas o
valor da arrecadação de mensalidades do aluno não deveria ser acima
de 20% do orçamento da Universidade. Os restantes 80% deveriam
vir de projetos financiados pelo governo (sim!) – e aí governo federal,
estadual e municipal – e de recursos captados na sociedade. É para
a sociedade que a Universidade tem que provar responsabilidades.
Para captar recursos, precisará provar para a sociedade o que faz, o
quanto contribui para o seu desenvolvimento, onde, em que áreas
vai usar os recursos que estiver angariando. Se a Universidade fizer
isso, tenho certeza que a sociedade não vai deixá-la morrer, porque
sabe (a sociedade) que seu próprio futuro depende da continuidade da
Universidade e de seu trabalho. Acho que nos acostumamos demais
com o paternalismo estatal e isso é o maior freio para o avanço da
ciência e da tecnologia e para o avanço do desenvolvimento da própria
universidade.

Cognitum: O que você se vê fazendo nos próximos anos?


Leonel Rodrigues: Estou em final de carreira, mas não intenciono
parar. Me vejo continuando a dizer para as pessoas o que eu acho:
que nós temos que modificar nosso sistema de entrega de serviços
educacionais e nosso sistema de pesquisa e de desenvolvimento
tecnológico. Temos que ter mais assertividade e coragem de sermos
um sistema acadêmico que prepara e dá formação aos profissionais
que vão para a nossa sociedade, de forma mais planejada. Isto é, não
podemos continuar a formar pessoas sem compromisso com a própria
continuidade e aperfeiçoamento da sociedade. Por isso, temos que
ter em mente a sociedade que desejamos e para ela formar nossos
178
Por Giulia Godri Machado

profissionais. Se não tivermos objetivos para a nossa sociedade, não


deveríamos estar na posição de formar pessoas, ou profissionais. Se
para a universidade tanto importa o destino de sua sociedade, então
ela não deveria estar formando pessoas. Não é isso que se espera de
uma Universidade. Se a Universidade não compreende o seu papel
para o desenvolvimento econômico da sociedade a que serve, não
pode ali na frente, reclamar que faltam recursos para pesquisa, para o
desenvolvimento de tecnologias, para a soberania nacional. Ela precisa
se reinventar, buscar alternativas, alavancar em suas competências
e trabalhar tenazmente pelo seu próprio futuro. Desta forma, vou
continuar a colocar toda a expertise que construí ao longo da minha
vida, a serviço do país. Hoje, tenho a oportunidade de fazê-lo em meu
trabalho na CAPES. Possivelmente amanhã, posso colocar a serviço
da UNESCO. Nesses espaços eu tenho mais condições de praticar o
que acredito que, de fato, contribua para o desenvolvimento do país.
É dessa maneira que eu pretendo continuar a fazer o que sei e no que
acredito. Ainda há um mundo de coisas a fazer, a compartilhar e a
ensinar. E não pretendo cruzar os braços... não enquanto tiver lucidez
e capacidade de fazê-lo.

179
Graduação em Medicina pela Pontifícia
Universidade Católica do Paraná, mestrado
em Neurocirurgia pela Universidade Federal
de São Paulo e doutorado em Medicina
(Neurocirurgia) pela Universidade Federal de
São Paulo. Atualmente é sócio administrador -
Neurocel Pesquisas em Medicina LTDA ME.

Prof. Dr. Luís Renato Garcez de Oliveira Mello


Por Natiele de Oliveira Vanderlinde

Apresentação

U m dos professores pioneiros do curso de Medicina da


Universidade Regional de Blumenau (FURB) é Luís Renato
Garcez de Oliveira Mello. Mesmo aposentado das salas de aula, o médico
relata que adora o ramo da pesquisa. A sua carreira seguiu no mesmo
trajeto que o da sua família. O pai era médico, já a mãe, professora, ou
seja, Luís resolveu agradar os pais e ter as duas profissões.
De naturalidade paranaense, veio para Blumenau quanto tinha
26 anos e sonhava em ser professor. Desde pequeno era um devorador
de livros e esse hábito não ficou na infância. Apesar de não ser um
escritor profissional, o médico relata a sua paixão pela escrita criativa.
No âmbito universitário, a sua principal contribuição foi a criação do
Comitê de Ética em Pesquisa em Humanos.
Durante a sua trajetória na educação, o pesquisador fez
especializações na Alemanha e relata que teve experiências incríveis
naquele país. Na visão de Luís, a sua pesquisa sobre o uso de biocelulose
para substituir a dura-máter, a membrana que reveste o cérebro, foi
muito bem executado e pode facilitar a vida da população.

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Por Natiele de Oliveira Vanderlinde

Luís tem mestrado em Neurocirurgia pela Universidade


Federal de São Paulo e doutorado em Neurocirurgia pela Universidade
Federal de São Paulo. Atualmente, é chefe do serviço de cirurgia e
de neurocirurgia do Hospital Santa Isabel, em Blumenau, médico
credenciado do Instituto Nacional do Seguro Social e colaborador
autônomo da Bionext Produtos Biotecnológicos.
Acostumado a realizar pesquisas desde 1990, o doutor ressalta
que tem medo do futuro por conta dos cortes públicos. Apesar de a
pesquisa ser extremamente necessária para o Desenvolvimento
Regional, Luís comenta que na Medicina ela não está adequada.
Segundo ele, não existem estudos sobre Neurocirurgia e falta estrutura
para isto. Saiba mais sobre a história do professor na entrevista a seguir.

Cognitum: O senhor iniciou a sua carreira em Medicina pela


Universidade Católica do Paraná. O senhor era de lá?
Dr Mello: Sim. Eu sou de Curitiba. A minha família é toda de Curitiba,
pai e mãe, toda a minha parentagem é de Curitiba e eu fiz o curso lá por
causa disso. Fiquei lá. Fiz a faculdade, que naquela época se chamava
Católica, depois virou PUC. Então foi isso.

Cognitum: E por que a Medicina?


Dr Mello: Na verdade, eu tenho influências familiares de longa data.
Meu pai era médico, professor da faculdade e foi até diretor do Hospital
das Clínicas da Universidade Federal do Paraná. E o meu tio era
médico, também. Tinha influência familiar e por causa disso decidi. Na
verdade, meu pai quis me demover dessa ideia, mas eu queria mesmo
ser médico.

Cognitum: O senhor tem filhos?


Dr. Mello: Tenho dois filhos: um homem e uma mulher.

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Prof. Dr. Luís Renato Garcez de Oliveira Mello

Cognitum: Quantos anos eles têm e qual a formação deles ou


do que eles trabalham?
Dr. Mello: A minha filha que é mais velha tem 49 anos. Ela é Musicista.
Fez curso de Publicidade e depois desistiu. Foi fazer música. Ela é
compositora e música. E ela hoje reside na Alemanha. Por sinal, chegou
hoje na Turquia, a convite do governo alemão. Ela está na Turquia.
Ela vai ficar quatro meses com uma bolsa de estudos. Ela vive lá na
Alemanha, em Berlim. É casada com um austríaco.

Cognitum: E o seu filho?


Dr. Mello: O meu filho é psicólogo. Ele mora aqui em Blumenau, é
professor de música e cantor, tem uma profissão dupla. Tem dupla
militância.

Cognitum: Já que os filhos do senhor seguiram por essa


carreira de música, eles puxaram isso do senhor, ou é uma
coisa que eles dominaram sozinhos?
Dr. Mello: Nós dois, tanto eu quanto a minha esposa, nos conhecemos
na Orquestra da Universidade do Paraná. E nós tocávamos violino,
lá. Eu a conheci quando nós tínhamos 15 anos. Ela continuou a ser
violinista. E eu quando comecei a estudar Medicina, larguei do
violino. E ela, aqui em Blumenau, foi diretora da Escola de Música, foi
violinista, organizadora, fundadora da Orquestra e foi participante da
Orquestra de Câmara de Blumenau e também fundou uma orquestra
menor, de pessoal só de Blumenau. E por causa disso, meus filhos
foram influenciados pela música. Além disso, na minha família tem
vários músicos. Minha mãe tocava piano, a minha irmã era pianista.
Minhas duas irmãs cantam, lá em Curitiba, enfim, tem muito a herança
musical. Hereditariedade musical.

Cognitum: O que o senhor gosta de fazer nas horas livres?


Tens algum tipo de literatura que o senhor prefere? Assiste
a alguma série ou a algum um filme, em especial, que goste
muito?

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Por Natiele de Oliveira Vanderlinde

Dr. Mello: É, eu gosto de ler. Eu leio. A coisa que eu mais gosto é


ler, caminhar, nadar e escrever. Eu gosto muito de ler assuntos de
conotação histórica ou biografias ou livros interessantes que sejam
clássicos e alguns livros recentes que falem sobre situações que tenham
alguma participação histórica. É isso que eu gosto!

Cognitum: Em relação à pandemia do coronavírus, o que


mudou no teu trabalho sendo médico? O senhor foi para
“home office” em algum momento da pandemia ou seguiu
direto?
Dr. Mello: Eu parei! Fiquei em casa muito tempo. Nós tivemos que nos
afastar do serviço, porque eu trabalho dentro do hospital. Eu atendo
pacientes no hospital. Nós tivemos que parar a cirurgia. Eu faço cirurgia
neurológica. Então, tive que parar de operar e fiquei bastante tempo
parado. Recentemente é que eu comecei alguma coisa a operar, mas
atendi consultório alguns meses no ano passado. Depois eu fiz uma
operação e tive que me afastar quatro meses por causa de uma cirurgia
ortopédica e tive que fazer reabilitação. Agora que eu estou voltando.
Entendeu? Felizmente estou bem, estou bem de saúde, não peguei o
Covid, consegui sair, tanto eu quanto a minha esposa, conseguimos
desviar a doença.

Cognitum: O senhor tomou a vacina?


Dr. Mello: Sim. Infelizmente, a Coronavac, mas tomei.

Cognitum: O senhor sente que o teu trabalho foi mais


valorizado, agora, por conta do coronavírus?
Dr. Mello: Não, está difícil de voltar a ser valorizado, porque a
valorização pelos pacientes continua sendo muito valorizada, pelos
pacientes. O difícil, por causa do coronavírus e a modificação no
movimento intra-hospitalar foi que muitas coisas se tornaram difíceis,
pela excessiva presença de pacientes com coronavírus. Entende? Então
isto transtornou as rotinas hospitalares. A gente não podia talvez
operar os pacientes logo e tinha que adiar. Tivemos que adiar. Estamos

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Prof. Dr. Luís Renato Garcez de Oliveira Mello

continuando adiando ainda, por falta de possibilidade de fazer a


cirurgia, porque nem sempre tem sala de cirurgia disponível, enfim.
Esses problemas todos que são comentados na mídia, eles acontecem
aqui também. É isso que está acontecendo. Entende como é que é?

Cognitum: Professor, gostaria de saber como foi o teu início


na FURB?
Dr. Mello: Eu comecei na FURB quando começou o curso de Medicina.
Mas antes, lá pelos anos de 1980, eu já frequentava, fazendo uma
pesquisa sobre acidentes de trânsito junto à antiga SUPERB, que era
a Superintendência de Pesquisa. Era com o professor Leonel naquela
época. Ia lá só para mostrar os resultados da pesquisa que a gente tinha
feito aqui. Fizemos uma pesquisa conjunta com a FURB. E, aí depois no
curso de Medicina, eu entrei inicialmente, porque eu fiz um mestrado
em 1987 até 90. Em 90 eu terminei o mestrado e em 94 terminei o
doutorado. Eu fiz em São Paulo, na UNIFESP. Então, eu já estava
preparado para dar aula. Me preparei para ser professor, eu queria ser
professor. E foi assim que eu comecei, então, nas carreiras relacionadas
à neurocirurgia. Participei do curso de neuroanatomia, junto com o
pessoal de anatomia. Depois comecei como professor em 1994, eu dava
aula para já o pessoal no quarto ano, no sétimo semestre. Começava
aí comecei a dar aula de neurocirurgia. Montei o curso. E aí fui dando
o curso, junto com o Dr. Victor, que começou a trabalhar conosco. E
assim fizemos o curso e montamos toda a estrutura. Eu montei toda a
estrutura do ambulatório de neurocirurgia e toda a rotina das aulas, a
programação das aulas.

Cognitum: O senhor se aposentou em 2014, ou seja, acredito


que o senhor depois não tenha mais atuado em sala de aula.
O senhor sente falta desse contato com os alunos? O que tens
feito atualmente?
Dr. Mello: Eu sinto falta sim. A companhia do jovem é altamente
estimulante. E nós ficamos estimulados. Eu me sinto estimulado a
trabalhar mais para poder modificar aquela curiosidade do jovem que
vem à gente pra perguntar e querendo saber. Isso eu sinto falta, dessa

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Por Natiele de Oliveira Vanderlinde

curiosidade. Mas tenho, assim, uma atividade de ensino constante.


Porque a gente tem um... Nós montamos... Foi... Eu montei um
curso de... uma especialização em neurocirurgia, que a gente chama
de residência, um programa de residência médica em neurocirurgia,
aqui no hospital Santa Isabel. Então, nós temos um programa oficial
de residência médica em neurocirurgia. São cinco anos. Cada ano
entra um a um aluno novo, um médico formado, novo, que quer
fazer neurocirurgia. Então, nós temos uma atividade didática. Eu
sou o coordenador. Continuo sendo o coordenador desse programa
de residência médica. Então, aquilo que eu perdi com os alunos, eu
continuo tendo com os residentes. Claro que é diferente, mas é muito
estimulante também. Estimula a gente a sempre a estar se atualizando
e conversando sobre Medicina, conversando sobre neurocirurgia e
conversando sobre os problemas da vida.

Cognitum: Quando dava aula, quais foram as disciplinas


preferidas que o senhor mais gostava de dar, que o senhor
via que os alunos tinham mais interesse?
Dr. Mello: Eu dava aula de neurocirurgia e de neuroanatomia, só. As
duas. E, eu diria que eu gostava do interesse. Os alunos se interessaram
bastante pela neurocirurgia. Muito! Dos 10 neurocirurgiões que nós
formamos, temos 6 que são da FURB.

Cognitum: O senhor teve algum aluno que voltou para fazer


essa residência que o senhor falou?
Dr. Mello: Sim! Trabalhando comigo, como sócios, tenho dois: o Dr.
Leandro Hasser e a Dra. Danielle Vilar. São sócios. São dois aqui.
Depois, na cidade tem mais 3, em Santa Catarina tem mais 4. Então,
são 7.

Cognitum: O senhor fez algumas especializações na


Alemanha. Como foi essas experiências?
Dr. Mello: Eu tenho uma ligação forte com a Alemanha, porque eu me
formei, fiz a minha residência em Porto Alegre. Aí vim para cá, fiquei

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Prof. Dr. Luís Renato Garcez de Oliveira Mello

sete meses aqui. Mas em Porto Alegre, eu já me candidatei para uma


bolsa na Alemanha. E era uma bolsa de um ano. No final, eu acabei
ficando mais. Fiquei 1 ano e 10 meses lá. Eu voltei 4 vezes para lá, pra
estágios de curta duração. De 1 mês e de 2 meses. Então, eu fiquei mais
7 meses, indo e vindo.

Cognitum: A primeira vez que o senhor foi pra lá, o senhor já


sabia falar alemão?
Dr. Mello: Fiz curso de alemão em Porto Alegre e aqui quando eu
trabalhei nos sete meses antes de viajar, eu também fiz, estudei alemão.
Cheguei lá “arranhando”, mas, o forte mesmo do estudo de alemão, da
facilidade de falar alemão que hoje eu tenho é porque eu fiz 4 meses
de curso de alemão, antes de começar a trabalhar lá. Lá mesmo, pagos
pelo Goethe, Instituto Goethe.

Cognitum: Qual a sua principal produção/ trabalho? Qual


gerou mais resultado, falando em pesquisa da FURB?
Dr. Mello: Na FURB, eu como médico, como neurocirurgião, a maior
parte da minha bibliografia, ela é de artigos médicos publicados, de
artigos médicos clínicos publicados, tanto no Brasil como no exterior.
Mas eu tenho alguns artigos, digamos uns 15, mais ou menos, que eu
publiquei na FURB. Talvez seja mais. Mas esses artigos, esses trabalhos
científicos, eles foram todos feitos na FURB, a partir da pesquisa
clínica da minha tese de doutorado, que eu reputo como o trabalho
mais importante de pesquisa da minha vida. Foi o trabalho que eu fiz
na FURB para fazer a minha tese de doutorado no trabalho que causou.
Foi um trabalho original. Extremamente prazeroso de ser realizado.
Era tudo novo durante a pesquisa. A gente usava a estrutura da FURB.
Nós usávamos o canil da FURB, os funcionários da FURB, a biblioteca
FURB. Fazíamos tudo aqui. E isso tudo foi utilizado para fazer uma
tese lá na UNIFESP, na Universidade Federal de São Paulo. Eu não
peguei nada de lá.

Cognitum: Qual foi o assunto dessa tese?

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Por Natiele de Oliveira Vanderlinde

Dr. Mello: Foi o uso de biocelulose para substituir a dura-máter, a


membrana que reveste o cérebro.

Cognitum: De onde surgiu a ideia de estudar sobre isso? Como


senhor observou que precisava fazer sobre esse assunto e
resolveu investir nisso?
Dr. Mello: Isso é um problema que nós temos o dia a dia. Porque
sabe que acidentes podem lesar o cérebro e a dura-máter. Tumores
podem atingir o cérebro e a dura-máter, também. Enfim, é muito
frequente você ter que reparar a dura-máter, durante operações. E era
um problema. Às vezes falta material para você usar, reparar a dura-
máter. Os materiais que existiam naquela época eram de muito má
qualidade e que provocavam reações. Quando eu terminei a minha
tese de mestrado, fiz uma tese de mestrado sobre traumatismo de
crânio, sobre um tipo de hematoma. E aí, eu passei três anos estudando
hematoma e fazendo planilhas sobre o hematoma. Quando eu cheguei
no final, eu digo: eu não quero ver planilha na minha vida mais, agora.
Eu quero fazer uma outra coisa. E aí eu descobri uma membrana que é
usada para você curar, era usada para curar queimaduras e publicaram
um trabalho em cirurgia plástica. Eu olhei aquilo e achei que poderia
ser utilizado em neurocirurgia para substituir a dura-máter. Pedi que
a empresa me preparasse melhor esse material e comecei a usar em
cães. Operei 40 cães. Enfim, saiu uma tese muito bem-feita. Peguei
um Laboratório de Patologia Animal que fez lâminas belíssimas! Ficou
muito lindo! Está publicado, no Brasil e no exterior.

Cognitum: Por falar em publicação, o senhor tem muitas


produções bibliográficas. O senhor tem pelo menos duas que
marcaram a sua história e o porquê que marcaram?
Dr. Mello: Essa eu sei que eu te falei, por causa disso, porque foi a
minha tese e eu me envolvi e tem uma história interessante porque
a empresa me forneceu o material faliu e foi vendida. Aí eu fui atrás
da pessoa que comprou. Essa pessoa usou durante algum tempo,
depois vendeu a empresa e eu fui atrás, enfim, fui atrás. Foi uma saga
conseguir trabalhar. No final, a empresa faliu completamente e eu tive

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Prof. Dr. Luís Renato Garcez de Oliveira Mello

que interromper o trabalho. Enfim, além desse trabalho, eu tenho mais


dois trabalhos sobre assuntos de neurocirurgia: uma sobre trauma,
que eu falei para você agora, hematomas intracranianos, e eu tenho
um trabalho sobre tumores cerebrais. Tumores cerebrais. Um tipo
específico de tumor cerebral que é melanoma. É isso.

Cognitum: O senhor acredita que as pesquisas que acontecem


dentro da Universidade, no caso a FURB, são divulgadas da
maneira correta?
Dr. Mello: Pois é. Eu acredito que falta um pouco de divulgação da
universidade. Realmente, é um problema que existe. Talvez, no nosso
meio aqui em Blumenau o pessoal gosta de trabalhar calado, faz pouca
propaganda. Mas tem muita coisa boa na FURB, embora algumas áreas,
que são áreas, que têm mais proximidade com a comunidade. A FURB
tem algumas áreas de excelência que são muito próximas à comunidade
e a Medicina é a joia da FURB, eu vejo. Porque na Medicina, nós não
temos desistência, não temos. As pessoas começam e terminam em
maior número. Não tem um “drop” alto, não tem desistência. Mas o tipo
de estímulo que se dá é problemático. Porque não tem um Hospital das
Clínicas. Nós não temos um hospital. Falta centralização. O Hospital
de Clínicas da FURB é o Hospital Santa Isabel que tem toda a estrutura
que precisa, porém não recebe verbas para fazer, para esse ensino, é
um problema sério. Mas eu sinto que a divulgação das atividades da
FURB não é adequada e poderia ser melhor.

Cognitum: De que forma pesquisa realizada no âmbito da


FURB impacta no desenvolvimento regional?
Dr. Mello: Especialmente as Engenharias e as áreas sociais da FURB,
além da Medicina, pelo fato de formar médicos de boa qualidade. São
as que, no meu ponto de vista impactam mais, socialmente. Porém, eu
vejo que existem cursos na FURB que melhoraram de uma forma muito
grande o ambiente das áreas da saúde, especialmente Fisioterapia,
Odontologia e a área mais recente, que é a área de Veterinária,
conseguiram fazer com que houvesse uma modificação do padrão
dessas especialidades. Mas do ponto de vista social, as Engenharias e os

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Por Natiele de Oliveira Vanderlinde

Setor Social, da FURB, mudaram muito, interferiu muito na qualidade


da vida da cidade. Dentro da Medicina, a MFC - a Medicina de Família e
Comunidade, ela tem até hoje representação importante pela pesquisa
que faz, continua fazendo, e é um elemento que tem atuado de uma
forma é importante na modificação da qualidade da informação e da
vida das pessoas na cidade.

Cognitum: Atualmente o senhor não está empenhado em


nenhuma pesquisa dentro da FURB por estar já fora. Qual
sua visão sobre o fato de realizar pesquisas dentro da
universidade? Qual a importância disso para a região, para
os alunos?
Dr. Mello: Pois é. Eu tenho, assim, em relação à pesquisa, eu tenho
uma história interessante na FURB. Nós tínhamos... Eu sempre gostei
de fazer pesquisa, eu comecei a fazer, em 90, no trabalho de doutorado,
mas eu, entre 97 e 2000, houve um mestrado interinstitucional entre
a FURB, a Medicina da FURB e a Medicina da Universidade Federal
do Paraná, em clínica cirúrgica, e eu fui o coordenador da FURB, junto
com o professor Malafaia, lá da Federal do Paraná. Durante esses três
anos, houve um incremento de informação, dentro da universidade,
especialmente em relação à Tecnologia de ensino, o que se pode
fazer para melhorar o ensino, muito grande. Nós formamos 23 novos
Mestres da área de clínica cirúrgica. Fizemos as pesquisas todas aqui
na FURB. As teses foram feitas aqui. Algumas pesquisas eram com
cirurgia, mas fizemos tudo aqui, pela FURB. E com o decorrer desse
mestrado, se verificou que faltava aqui na FURB uma comissão de
ética em pesquisa. Nós fomos ao Professor Ivo Theis, que na época
era o Pró-reitor e conversamos com ele. E falamos com o Reitor, que
nos apoiou muito, para fazer, pra montar uma comissão de ética em
pesquisa dentro da FURB. E eu fui um dos fundadores, junto com
um grupo de professores que redigiu as normas para a fundação da
Comissão de Ética, e fui o primeiro presidente, primeiro Coordenador
da comissão, e fiquei na comissão durante cinco anos. Aí pude viver a
atividade científica dentro da FURB, consegui, em todas as áreas, ver
o que se fazia, porque passava tudo pelas nossas mãos, à exceção de
algumas outras, de algumas áreas que não enviavam, mas a maior parte
189
Prof. Dr. Luís Renato Garcez de Oliveira Mello

da pesquisa mandava, pra gente analisar e, enfim, validar a pesquisa.


E foi uma coisa importante. Pesquisar na FURB é uma coisa difícil,
é uma coisa trabalhosa, que tem pouco recurso e hoje em dia muito
mais ainda, mas a gente trabalhava com pouco recurso. A gente fazia
o possível, mas sempre a gente tinha muito apoio dentro da FURB. O
grupo da pesquisa, ligado à pesquisa, formou uma ligação, um pacto de
colaboração bem grande e por isso, infelizmente, com a situação atual,
isso aí modificou.

Cognitum: O senhor citou o Comitê de Ética. Pode se dizer


que essa foi uma das melhores experiências que teve na
FURB?
Dr. Mello: Foi o ponto alto da minha vida em relação à pesquisa dentro
da FURB foi fazer, participar da comissão de ética e dentro do mestrado,
meu trabalho no Mestrado Interinstitucional. Foi extremamente
gratificante de ver os colegas envolvidos nisso. E depois, eu montei uma
plataforma de pesquisa, um grupo de pesquisa de biocelulose no CNPq.
E esse grupo deve ter desaparecido porque não houve mais pesquisa
em relação a esse assunto. Foi uma das coisas que eu também lamentei
não poder continuar pesquisando, sendo aposentado. Poderia ser, a
gente poderia pesquisar, como em outras universidades é permitido
isso, mas na FURB, mas não é. Uma vez que você pesquisa, você saiu e
se aposentou, você não pode continuar pesquisando.

Cognitum: Como o senhor vê o futuro da pesquisa na FURB?


Dr. Mello: Difícil. Estamos passando por uma época difícil. Dentro
das restrições que as universidades estão sofrendo, vai passar por um
período, o qual já está passando, difícil, que vai repercutir nos alunos,
não vão ter a possibilidade de fazer a pesquisa. Fazer pesquisa durante
o curso, que é muito importante. Quando você está examinando um
candidato a fazer residência médica, e você vê que ele fez pesquisa,
pode saber que é um elemento de qualidade, é um elemento que vai ser
de muita utilidade, que vai ser um bom médico, um bom profissional,
vai ter esse tipo de trabalho e espírito de crítica e vai seguir olhando
para frente.

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Por Natiele de Oliveira Vanderlinde

Cognitum: Como o senhor resumiria a pesquisa realizada


na FURB, na sua área de conhecimento, na Medicina ou na
neurocirurgia?
Dr. Mello: Pesquisa na FURB em neurocirurgia não existe, a não ser
a pesquisa clínica. A que nós fazemos no hospital, no nosso trabalho
clínico. Não existe pesquisa em neurocirurgia na FURB. Não tem. Não
tem ninguém fazendo isso hoje.

Cognitum: Quais são os impactos que a pesquisa da FURB


traz para a população, tanto da região quanto de fora?
Dr. Mello: Naquelas áreas que têm uma penetração social, a FURB
foi bem e deve continuar, mas dentro da Medicina a pesquisa não
está adequada. Dentro da Medicina poderia melhorar muito, para a
cidade e para as pessoas que vêm de fora. Você vê que essas pesquisas
clínicas que existem, no hospital, são todas elas por iniciativa pessoal,
do médico que consegue, eventualmente, uma verba de laboratório, de
uma empresa que faz a pesquisa, ou é feito com financiamento de outras
entidades que têm para este tipo de pesquisa, pesquisa clínica. Mas não
é aquela pesquisa clássica que esteja subordinado ao CNPq, à Capes,
todos os acessos às fontes ou às agências de custeio, de fomento para
a pesquisa, que normalmente as universidades têm, as universidades
federais. Nós não temos isso. Nos falta isso.

Cognitum: Como o senhor avalia o futuro da pesquisa no


Brasil, diante deste cenário de cortes públicos e falta de
investimentos em diversas áreas de conhecimento?
Dr. Mello: Ah, eu tenho um olhar pessimista em relação a isso. Eu
vejo como a dificuldade que nós estamos tendo, pode fazer o efeito das
pessoas desistirem, porque é dar “murro em ponta de faca”, porque
você não vê, no dia que passa, um dia depois do outro, você olhando
para trás não vê, assim possibilidade de mudar. A não ser que você
se mude: vá para alguma outra instituição, ou vá para um outro país,
porque a perspectiva atual é uma coisa muito complicada. Eu não vejo
não vejo o espírito de que se possa se possa dar uma luz de que a coisa

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Prof. Dr. Luís Renato Garcez de Oliveira Mello

vai se tornar diferente. Vai ser complicado. Porque nós estamos só


recebendo más notícias nas áreas de pesquisa.

Cognitum: Como o senhor resumiria sua trajetória de


pesquisa realizada na FUR?. E qual a contribuição deste
trabalho para sua área de conhecimento?
Dr. Mello: A minha participação na FURB ela tem dois aspectos: o
aspecto didático e o aspecto de pesquisa. Em relação à parte didática, eu
comecei a lecionar a disciplina de neurocirurgia dentro da universidade.
Isso é uma coisa que eu considero importante, porque implantei uma
disciplina na universidade, fazendo com que os alunos, através das
informações que nós passávamos a ele tanto eu como as pessoas de
outros colegas que trabalhavam comigo, nós conseguimos implantar
uma maneira de pensar diferente, em relação à neurocirurgia ao aspecto
neurológico o neurocirúrgico, porque, comparando com outras escolas
no Brasil, nossos alunos têm conhecimentos maiores seguramente
que uma grande maioria de escolas médicas no Brasil disse. Essa foi
a minha contribuição no aspecto didático. No aspecto de pesquisa a
minha contribuição foi fazer algumas pesquisas com o material que a
FURB nos fornecia, eu consegui desenvolver, uma tese de doutorado
utilizando uma membrana especial de biocelulose para fazer substituir
a dura-máter do cérebro, fazendo em cães, tudo isso feito dentro da
Universidade. Tudo isso com o material que se existir dependente
dentro da universidade. E apresentei isso em São Paulo no doutorado
que eu fiz e foi um trabalho que teve grande repercussão. Foi um
trabalho que realmente teve um impacto e gerou vários outros trabalhos
dentro da FURB também e até um grupo de pesquisa e biocelulose que
nós mantemos mantivemos enquanto a gente estava na ativa, dentro
do CNPq. Além dessa essa atividade, quando eu fiz doutorado, eu
participei muito da criação do Comitê de Ética em pesquisa que a gente
já falou fundamos junto com outros de professores do mundo o comitê
de ética em pesquisa e eu fui Coordenador desse comitê durante cinco
anos. E antes do Comitê, a gente teve aqui uma..., a universidade e fez
um mestrado interinstitucional com a Universidade Federal do Paraná
em clínica cirúrgica. Eu fui o coordenador local junto com o professor
Malafaia que era o coordenador geral. Nós tivemos 23 formandos e
192
Por Natiele de Oliveira Vanderlinde

foi a uma época, assim, onde houve uma modificação muito grande da
maneira de pensar universitária dentro da FURB, através da influência
do pessoal de Curitiba. Essa seriam os pontos que eu poderia resumir
a minha atividade.

Cognitum: Sendo um pouco positiva, após a pandemia,


quando tudo isso acabar, qual é a primeira atividade pessoal
e profissional que o senhor tem desejo de realizar?
Dr. Mello: Viajar. Vou viajar. Vou fazer um cruzeiro no centro de onde
começou a civilização humana, a região em torno do Mar Negro. Eu
queria fazer esse Cruzeiro não conseguiu fazer pouco caso da pandemia.
Quero ficar 22 dias girando em torno da costa do Mar Negro visitando
locais inclusive a origem do vinho, na Geórgia, e em outros locais assim.

193
Graduação em Direito pela FURB, mestrado
em Direito pela UFSC, doutorado em Direito
das Relações Sociais, sub-área Direitos Difusos
e Coletivos pela PUC-SP e pós-doutorado
junto a Unité Mixte de Recherche Territoires,
Environement, Télédetéction et Information
Spatialisée UMR TETIS (CEMAGREF, CIRAD,
ENGREF) na Maison de la Télédetéction.

Prof. Dra. Noemia Bohn


Por Thiago Gomes

Apresentação

N OEMIA é professora universitária aposentada. Formou-se


no curso de direito da Universidade Regional de Blumenau
e é mestre pela Universidade Federal de Santa Catarina. Noemia
concentrou suas pesquisas na área ambiental, sendo coordenadora
do grupo de pesquisa e extensão “gestão de ambiente naturais e
construídos em bacia hidrográfica”. Seus projetos de pesquisa eram
baseados em direito ambiental e políticas públicas de recursos hídricos,
saneamento básico, proteção e defesa civil. Atualmente presta serviços
de assessoria jurídica na associação de municípios do médio vale do
Itajaí e na fundação agência de água do vale do Itajaí.

A senhora é natural de Blumenau?


Sou natural de Blumenau, porém com dois anos minha família se
mudou para Gaspar e até hoje resido nesta cidade.

194
Por Thiago Gomes

Tem filhos? Que idade eles têm?


Tenho três filhos. Tomás (a inspiração do nome veio de Tomás de
Aquino) tem 29 anos, Thales (a inspiração do nome veio de Thales de
Mileto), tem 26 anos e Otávio (a inspiração do nome veio de Octávio
Paz) tem 24 anos.

O que faz nas horas livres? Gosta de que tipo de leitura?


Séries? Filmes?
Adoro viajar e fazer caminhadas de longo percurso. Gosto muito de ler,
vejo raríssimas vezes filmes ou séries. Enquanto trabalhava na FURB
basicamente minha leitura se concentrava em livros e artigos técnico
jurídicos. Hoje me concentro em obras literárias, história, relatos de
viagens, filosofia: Fiodor Dostoivéski, Nikolai Gogol, José Saramago,
Frédéric Mistral, Marcel Proust, Antoine de Saint-Exupéry, Henry
David Thoreau, Orlando Figes, Edmund Wilson, Bruce Chatwin,
Bernard Olivier, Alexandre Staut, Eric Woegelin, G.K. Chesterton.

A senhora é graduada em Direito, curso que fez na FURB. Por


que acabou se interessando por essa área? O que te atraiu em
um primeiro momento?
Meu interesse inicial era o jornalismo, mas como na época não havia
este curso na FURB, resolvi fazer o curso de Direito por ele propiciar
um leque amplo de atuação profissional e ofertar uma boa base em
termos de cultura geral.

Como tem sido sua rotina durante a pandemia? Tem alguma


atividade profissional no momento?
Minha rotina durante a pandemia tem sido bastante limitada, pois tenho
levado a sério o isolamento social. Praticamente junto com o início da
pandemia, iniciei uma grande reforma na minha casa, que já vinha
sendo planejada a um bom tempo, o que me consumiu uns sete meses
de acompanhamento direto das obras. Nesse período da pandemia,
além dos afazeres domésticos e da manutenção do jardim, tenho me

195
Prof. Dr. Noemia Bohn

dedicado a família, leitura, gastronomia e fotografia. Tenho uma conta


no Instagram onde costumo registrar estas minhas preferências.

O que te levou para a docência?


Aos 25 anos, cursando o mestrado em Instituições Jurídico Políticas
na UFSC, me senti motivada e decidi seguir a carreira acadêmica na
área de Direito Ambiental.

Como foi a primeira experiência na sala de aula? Quais eram


as disciplinas?
Iniciei a docência na FURB em 1991, com 30 anos de idade, após
ter passado no concurso para professor titular na área de Direito
Penal. Nessa época trabalhava na Caixa Econômica Federal durante
o dia e lecionava no período noturno. Minha primeira disciplina foi
Criminologia. Como eu nunca havia lecionado, o que me auxiliou a
enfrentar a sala de aula naquele primeiro momento, foi a experiência
com o teatro que tive durante a adolescência. Resolvido o problema
de enfrentar o público (alunos), minhas energias foram todas voltadas
para o estudo do conteúdo da disciplina. Confesso que não foram fáceis
estes primeiros anos, sempre sentia um friozinho incômodo na barriga
antes de entrar em sala de aula. Minha preocupação sempre foi ter
domínio sobre o conteúdo e passá-lo de forma adequada aos alunos.

Quando começou a sua trajetória como pesquisadora na


FURB?
Minha trajetória como pesquisadora iniciou em 1996, quando pedi
demissão da Caixa Econômica Federal e passei a trabalhar 40 horas
na FURB. Parte destas horas estavam vinculadas à docência no CCJ
(Criminologia) e no DCN (Direito Ambiental) e parte à pesquisa junto
ao Instituto de Pesquisas Ambientais – IPA, recém-criado e sob a
direção da Profa. Dra. Beate Frank.

Quais funções você já desempenhou aqui na FURB, além de


professora e pesquisador? Teve algum cargo de gestão?

196
Por Thiago Gomes

Desempenhei a função de extensionista, Coordenadora do Grupo de


Pesquisa em Direito, Coordenadora do Grupo de Pesquisa em Gestão
de Bacia Hidrográfica, Conselheira no CEPE. Quanto à gestão, fui
Diretora do IPA, Vice-Diretora do CCJ e Coordenadora do PPGEA.

Alguma delas você mais gostou de atuar, por quê? Voltaria


para algum desses cargos?
A função na qual mais gostei de atuar foi a de pesquisadora e extensionista
no IPA. O Instituto era formado por pesquisadores de diferentes áreas
do conhecimento (geologia, física, engenharia, biologia, geografia,
economia, direito) o que me possibilitou uma compreensão ampla da
questão ambiental a partir da ótica e semântica desses profissionais.
A equipe era altamente competente e comprometida com a proteção
ambiental, desenvolvimento sustentável e prevenção de eventos
hidrológicos críticos na região da Bacia Hidrográfica do rio Itajaí.

Quais disciplinas teve mais afinidade para lecionar?


A disciplina com a qual sempre me identifiquei e que me motivou a
seguir a vida acadêmica foi o Direito Ambiental. Como em 1991 a única
porta de entrada na FURB para lecionar no Curso de Direito, era o
concurso de professor titular em Direito Penal, me submeti ao certame.
Porém o objetivo sempre foi lecionar Direito Ambiental.

O que levou a senhora a se aproximar da área ambiental,


sendo docente do curso de pós-graduação em engenharia
ambiental na FURB?
A minha paixão pela área ambiental iniciou no período em que fiz
a graduação em Direito na Furb e fui trabalhar como estagiária na
secretaria da Associação Catarinense de Preservação da Natureza –
ACAPRENA, cuja sede era na própria FURB. Ali vim a conhecer o Prof.
Lauro Eduardo Bacca que foi meu grande incentivador para atuar nesta
área. Fiz grandes amizades na ACAPRENA e prestei assessoria jurídica
gratuita para a Associação durante muitos anos.

197
Prof. Dr. Noemia Bohn

A questão ambiental é cada vez mais importante em diversas


áreas, sendo as punições para crimes ambientais cada vez
mais severas. Quais casos são os mais comuns?
As sanções passíveis de serem aplicadas aos infratores ambientais
podem se dar na esfera civil, penal e administrativa. A responsabilização
ambiental nessas três esferas foi sistematizada por meios das seguintes
normas:

Lei nº 7.347/1985 – responsabilização na esfera civil;

Lei nº 9.605/1998 – responsabilização na esfera penal;

Lei nº 9.605/1998 e Decreto nº 6.514/2008 – responsabilização na


esfera administrativa.

Observando a cronologia destas normas verifica-se que as punições


para as infrações ambientais já vêm previstas em nosso ordenamento
jurídico há 36 anos na esfera civil e há 23 anos nas esferas penal e
administrativa, portanto, estão amplamente consolidadas. Assim, não
é correto afirmar que as punições estão cada vez mais severas para
crimes ambientais, pois estas punições são as mesmas há mais de duas
décadas.

Quanto aos casos mais comuns de crimes ambientais em SC no período


2012-2017, segundo Leandro Specht em sua dissertação de mestrado
aprovada pelo Programa de Pós-Gradução em Perícias Criminais
Ambientais da UFSC em 2019, de um total de 13.480 processos
instaurados no período pela Polícia Militar Ambiental/SC, 51,51%
foram de crimes contra a flora; 29,52% foram de crimes contra a
fauna; 11,35% foram de crimes de poluição; 3,98% de crimes contra a
administração ambiental; e, 3,64% outros.

Como a senhora vê a importância da FURB na evolução das


políticas públicas em relação ao meio ambiente?

198
Por Thiago Gomes

Especificamente em relação as áreas em que atuei, gestão de recursos


hídricos, gestão de risco de desastres e saneamento, posso afirmar que
a FURB deu uma incomparável contribuição para a implementação e
evolução dessas políticas públicas na região do Vale do Itajaí.

O Comitê de Gerenciamento de Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica


do Rio Itajaí (Comitê Itajaí), surgiu de uma demanda das associações
de municípios e das associações empresariais do Alto, Médio e Foz do
rio Itajaí à FURB no ano de 1995, para buscar uma solução em relação
ao abandono das barragens de contenção de cheias (José Boiteux,
Taió e Ituporanga) haja vista a extinção do DNOS órgão responsável
pela sua manutenção em 1990. Em 1996 foi constituído um grupo
de trabalho pró-comitê e em 1997, por Decreto Estadual, foi criado o
Comitê do Itajaí. O Comitê teve sua sede na FURB por mais de dez
anos. A participação ativa de professores pesquisadores da FURB no
Comitê do Itajaí possibilitou a elaboração de uma série de trabalhos
científicos, por meio de projetos de pesquisa, projetos de iniciação
científica, trabalhos de conclusão de curso, dissertações de mestrado e
teses de doutorado, que resultaram no Plano de Recursos Hídricos da
Bacia do Itajaí que previa metas e estratégias para a implantação dos
5 instrumentos de gestão previstos na Política Nacional de Recursos
Hídricos, quais sejam: plano, enquadramento dos cursos d’água,
outorga, cobrança e sistema de informações.

Em 2005 e 2008, a Profa. Beate Frank submeteu o Projeto Piava


ao Edital da Petrobrás Ambiental e conseguiu captar em torno de 6
milhões de reais para serem investidos em 50 municípios da bacia do
Itajaí para recuperação da mata ciliar, construção de uma política de
proteção da água e elaboração do Plano de Recursos Hídricos da Bacia
do Itajaí, que foi aprovado em 2010.

A criação do Projeto Crise, Instituto de Pesquisas Ambientais e CEOPS


tiveram um papel relevantíssimo na implementação das políticas
públicas de recursos hídricos, ambiental, prevenção a riscos de
desastres e saneamento na região do Vale do Itajaí.

199
Prof. Dr. Noemia Bohn

Na sua opinião, é possível manter o crescimento econômico


sem afetar o meio-ambiente?
É muito difícil. O conceito de desenvolvimento sustentável, formalizado
pelo Relatório Bruntland em 1987, surgiu como uma tentativa de
conciliar ecologia X economia. Porém, os resultados estão aí e não
são nada animadores. No nosso País, desde a aprovação da Política
Nacional de Meio Ambiente em 1981, nunca tivemos um desmonte tão
grande da política ambiental como no Governo atual. Não dá para ser
otimista, infelizmente.

Atualmente mantém relações com a profissão e com a vida


acadêmica?
Atualmente exerço a advocacia administrativa junto a Bohn & Pessatti
Advogados Associados prestando assessoria jurídica na área ambiental.
Quanto a vida acadêmica, me afastei completamente desta atividade.

Durante 9 anos você coordenou um projeto que buscava


gerar conhecimentos técnicos e científicos para a proteção e
uso sustentável das águas do aquífero Guarani/serra geral.
Quais objetivos vocês conseguiram cumprir e qual o legado
deixado pelo projeto?
Os objetivos eram: (i) Estudo detalhado da legislação brasileira
relacionada à proteção das águas (especialmente subterrâneas); (ii)
Levantamento e estudo comparado da legislação nos oito estados
brasileiros que se constituem como áreas de ocorrência do Aquífero
Guarani/Serra Geral; (iii) formação de competências no Estado de Santa
Catarina voltadas para a geração de conhecimento e sensibilização para
a relevância do tema da governança da água subterrânea, com ênfase
no Sistema Aquífero Integrado Guarani/Serra Geral.

Nós tivemos a alguns anos atrás dois grandes desastres de


barragens que se romperam em Minas Gerais e geraram
enormes danos em todos os aspectos. A senhora coordenou
o projeto que era “o sistema de justiça e a prevenção de

200
Por Thiago Gomes

riscos e desastres”, que tinha foco, porém, na região do vale


do Itajaí. Você pensa que as autoridades regionais tomam
as medidas de prevenção necessárias ou podemos vir a ter
problemas semelhantes às tragédias em Minas Gerais por
conta da displicência das autoridades locais?
As obras de infraestrutura de barragens, seja para contenção de cheias
ou de rejeitos, têm um período de vida útil, ou seja, uma espécie de
prazo de validade. Não são obras que perduram ad eternam, de forma
que tais obras requerem manutenção e vigilância constante. Mas tão
importante quanto a manutenção é um sistema seguro de operação
dessas barragens. A Lei nº 12.334/2010 instituiu no Brasil uma
Política Nacional de Segurança de Barragens, que tem dentro de seus
instrumentos um sistema de classificação de barragens por categoria de
risco e por dano potencial associado, o Plano de Segurança de Barragem,
o Sistema Nacional de Informações sobre Segurança de Barragens, o
Relatório de Segurança de Barragens, e, os guias de boas práticas em
segurança de barragens. A partir dessa legislação é possível afirmar que
houve uma evolução significativa em âmbito nacional em relação a esta
temática, inclusive no Estado de Santa Catarina. Porém, nos últimos 4
anos, não tenho mais acompanhado o trabalho da Secretaria Estadual
de Defesa Civil em relação as barragens do Alto Vale, de forma que não
tenho como dar opinião especificamente sobre este tema.

Você sente falta do seu tempo em sala de aula?


Sinceramente não. Gosto muito desse momento que estou vivendo
agora, tenho mais tempo para a família, para ler, cuidar da casa e do
jardim, viajar, caminhar e rezar.

Quais os planos para o futuro?


Continuar prestando assessoria jurídica na área ambiental através
da Bohn & Pessatti Advogados Associados, tornar sustentável uma
propriedade rural que possuímos em Rio d’Oeste/SC, desfrutar mais
da companhia dos meus filhos e da minha neta que está para chegar,
fazer o caminho de Santiago de Compostela.

201
Prof. Dr. Noemia Bohn

Qual a importância da pesquisa da Furb no desenvolvimento


regional?
A FURB é uma universidade que desde seu início sempre foi
comprometida com o desenvolvimento regional em todos os sentidos.
A FURB tem contribuído na área da saúde, da arquitetura...Nosso curso
de arquitetura criou o plano diretor da maioria dos município do médio
vale do Itajaí. Durante muito tempo também a professora Claudia
Siebert coordenou durante muito tempo o fórum de desenvolvimento
regional que tinha sede aqui na universidade. Eu não consigo ver a
dinâmica do Vale do Itajaí hoje se não tivesse a FURB por traz. Esta
dinâmica está atrelada a produção do conhecimento, a formação de
alunos que passaram pela Universidade. O fato de ter programas de
mestrado, doutorado e gerar conhecimento é fundamental. Uma
sociedade apenas consegue dar um salto qualitativo quando ela domina
o conhecimento. Eu não tenho dúvida que, se hoje somos o que somos
se deve a pesquisa, ao ensino e a extensão proporcionados pela FURB.

A pandemia causada pela Covid-19 vem sendo o foco


principal dos governantes brasileiros, deixando de lado
demais questões, como a ambiental. Que impactos essa
falta de atenção pode causar ao meio ambiente? É possível
relacioná-los?
A crise institucional ambiental que se instalou no Brasil não tem sua
origem na pandemia do Covid-19, cujo efeito atroz sobre a saúde pública
será debelado a médio prazo com a aplicação em massa das vacinas
que se tem hoje a disposição. Infelizmente não temos vacina para nos
imunizar de políticos corruptos e sem escrúpulos que estão efetuando
o desmonte da política pública ambiental construída laboriosamente
ao longo dos últimos 40 anos. Pior que a pandemia do Covid-19 é a
pandemia da corrupção que assola o nosso país em todas as esferas
(federal, estadual e municipal). Não há ambiente que resista a isso.

Nos anos 1990/2000 um dos desdobramentos do projeto crise


foi a criação do CEOPS, que visava a auxiliar na prevenção de
cheias em Blumenau e região. Qual o impacto que a falta de

202
Por Thiago Gomes

investimento em relação ao órgão em questão causa para a


região?
Penso que o problema em relação ao CEOPS é um pouco mais complexo
que a simples falta de investimento. Na verdade, como acontece
em muitos grupos de pesquisa, após a aposentadoria de alguns dos
professores pesquisadores que ali atuavam, não houve uma renovação
do quadro técnico-científico que infundisse uma nova energia, uma
disposição para fazer algumas correções de percurso e imprimir uma
nova dinâmica ao CEOPS. Talvez com uma boa reestruturação interna
fosse mais viável a captação de recursos.

Como a senhora resumiria a importância das pesquisas


realizadas pela FURB para a sua área de conhecimento?
A FURB tem atualmente cerca de 80 grupos de pesquisa cadastrados
junto ao CNPQ. Estes grupos estão estruturados em torno de 13 cursos
de mestrado e 4 cursos de doutorado. A criação desses programas de
pós-graduação strictu sensu devidamente reconhecidos pela CAPES,
tem seu lastro não apenas na infraestrutura da universidade e na
qualificação acadêmica do seu corpo docente, mas principalmente
nas pesquisas e publicações produzidas pelos docentes integrantes
destes grupos de pesquisa. Por exemplo, os trabalhos de pesquisa
voltados a gestão de recursos hídricos e a prevenção e mitigação de
desastres na Bacia Hidrográfica do Rio Itajaí, com os quais pude
contribuir, desenvolvidos primeiramente no âmbito do Projeto Crise
e posteriormente, no Instituto de Pesquisas Ambientais – IPA, no
Centro de Operação do Sistema de Alerta da Bacia Hidrográfica do Rio
Itajaí-Açú – CEOPS e no Programa de Pós-Graduação em Engenharia
Ambiental, serviram para o desenvolvimento e a operacionalização na
Bacia do Itajaí: (1) do sistema de monitoramento hidrológico; (2) do
modelo de previsão de cheias, (3) de elaboração de cartas-enchente;
(4) do Comitê de Gerenciamento de Recursos Hídricos da Bacia do
rio Itajaí; (5) da Fundação Agência de Água do Vale do Itajaí; (6) do
Plano de Recursos Hídricos da Bacia do Itajaí; (7) do Plano Integrado
de Prevenção e Mitigação de Desastres Naturais na Bacia Hidrográfica
do Rio Itajaí; (8) do Fórum Permanente de Prevenção aos Riscos de

203
Prof. Dr. Noemia Bohn

Desastres na Bacia do Itajaí; (9) publicações técnicas e científicas sobre


os instrumentos da política nacional de recursos hídricos (outorga,
cobrança, sistema de informações, enquadramento dos corpos d’água,
plano de recursos hídricos), modelagem climática, modelagem
hidrológica, processos hidrológicos quali-quantitativos, produção
de sedimentos. Posso afirmar com tranquilidade e segurança, que
a competência técnica que a Universidade construiu e consolidou
ao longo de 40 anos no âmbito da gestão de recursos hídricos e na
prevenção e mitigação aos riscos de desastres, tornaram a Bacia do
Itajaí referência nacional nessa matéria e serviram para fundamentar
toda a discussão crítica em âmbito regional, acerca da eficiência das
medidas de prevenção de cheias propostas pelo Governo do Estado de
Santa Catarina para a Bacia do Itajaí. Quanto à pesquisa desenvolvida
nos meus últimos anos na Universidade, estava voltada à governança
das águas subterrâneas no âmbito do Projeto Rede Guarani/Serra
Geral com recursos financiados provenientes da FAPESC. Esse
projeto propiciou o aporte de recursos financeiros necessários para a
constituição do Grupo de Pesquisa em Direito – GPDIR e de toda a
infraestrutura de apoio necessária para o seu funcionamento, como:
bolsas de iniciação científica, biblioteca setorial na área jurídica sobre
governança da água, computadores, mesas de trabalho, material de
escritório. O nosso desafio era criar uma cultura de pesquisa no Curso
de Direito que pudesse contribuir para a tão almejada criação do Curso
de Mestrado em Direito da FURB. Foi uma experiência extremamente
gratificante esse período que passei na coordenação do GPDIR. A
pesquisa tinha por objetivo aplicar uma metodologia para avaliação da
governança da água subterrânea, que pudesse ser utilizada em escala
regional, no âmbito dos oito estados brasileiros que estão na área de
abrangência do Sistema Integrado Aquífero Guarani/Serra Geral. Essa
pesquisa gerou dissertações de mestrado, trabalhos de conclusão de
curso, relatórios de pesquisa e publicações científicas, bem como, uma
série de seminários de extensão relacionados ao tema e direcionados
à comunidade acadêmica, saídas de campo com os alunos do curso
de direito para conhecer in loco áreas de afloramento do Aquífero
Guarani no Estado de Santa Catarina e diversas participações em
eventos científicos. Penso que desse trabalho conjunto com o corpo

204
Por Thiago Gomes

docente e discente para o desenvolvimento da pesquisa, demos a nossa


contribuição concreta para a criação do curso de Mestrado em Direito
da FURB.

Como a senhora avalia o futuro da pesquisa no Brasil, diante


desse cenário de cortes públicos e falta de investimentos em
diversas áreas do conhecimento?
Minha percepção é que o cenário atual impulsione significativamente
o processo já iniciado em 2000 de “Diáspora Científica do Brasil”,
fazendo com que grande parte dos profissionais da ciência sejam
drenados para o exterior por falta investimento e perspectivas de
trabalho no país. O depoimento da neurocientista Suzana Herculano-
Houzel, que, em 2016 mudou-se definitivamente para os EUA é bem
ilustrativo desta situação: “Aqui sinto que já não tenho mais como
gerar nem cultivar coisa alguma. A escolha inteligente que me resta a
fazer é ir embora para abrir novas portas e possibilidades futuras. Na
[Universidade] Vanderbilt poderei fazer ciência abordando as questões
que importam, e não apenas as que cabem no orçamento; dedicar meu
tempo à pesquisa, e não trabalhando como minha própria contadora
ou eletricista; receber colaboradores e alunos brasileiros ou de outras
nacionalidades, sem me preocupar se sua bolsa de estudos será paga
ou desviada para cobrir rombos fiscais do governo. Quem sabe de lá eu
consiga fazer mais pela ciência brasileira do que insistindo em ficar no
meu próprio país”. Infelizmente a economia que vem sendo feita na área
científica no Brasil é nada comparado com o impacto que isso vai trazer
para o futuro do país. Resta ao poder público desenvolver mecanismos
concretos para organizar e canalizar esse potencial da diáspora para
políticas com um desenho de “alta resolução”, articulando a cooperação
e o engajamento em torno de problemas nacionais específicos, com o
objetivo de construir uma colaboração em via de mão dupla com essa
comunidade de brasileiros no exterior. Medida que acho bastante
improvável ocorrer no atual andar da carruagem.

205
Graduada em Letras Português-Inglês pela
FURB, possui mestrado em Educação pela
FURB e doutorado em Linguística pela UFSC.
Atuou como professora titular da Universidade
Regional de Blumenau no Mestrado em
Educação, no curso de Letras e Pedagogia.

Prof. Dra. Otília Lizete de Oliveira Martins Heinig


Por Gabriela Zimmermann

Apresentação

O tília Lizete de Oliveira Martins Heinig trabalhou durante


30 anos em Blumenau e, mesmo sendo uma cidade
muito presente em sua vida, ela nunca morou na cidade. Natural de
Florianópolis, sendo filha de pai militar, mudou-se diversas vezes em
sua infância e adolescência. Morou em Rodeio, Indaial, Nova Trento, e
por último, em 1977, em Brusque, onde mora até hoje.
Graduada em Letras (1984) e com mestrado em Educação
(1995) pela FURB, voltou à cidade natal, Florianópolis, para fazer seu
doutorado. Assim, é doutora em Linguística pela Universidade Federal
de Santa Catarina (UFSC), em 2003.
Hoje, Otília mora com seu filho de 23 anos, com quem tem uma
grande parceria. Por fazer parte da Confraria do Livro de Brusque,
todo mês Otília lê um livro para discutir com os outros participantes.
Faz parte também da Academia de Letras do Brasil, onde explora mais
sua escrita. Ela conta com muito orgulho que, durante a pandemia,
produziu uma mensagem desenhada por dia, durante um ano, que
virou material para um livro. Durante as segundas-feiras, há 10 anos,

206
Por Gabriela Zimmermann

participa de um grupo de canto alemão e estuda a língua todas as


terças-feiras.
Apaixonada por viagem, aproveitou a pandemia para viajar pelo
interior de Santa Catarina. Mas parte de seus dias, ela passa dentro de
seu escritório em sua casa em Brusque, onde deixa sua criatividade fluir
e produz diversos materiais. Mesmo aposentada, continua trabalhando
em parceria com a FURB, fazendo pesquisa e produzindo, participando
de bancas, avaliação de trabalhos e participando de eventos.

Cognitum: Quando surgiu o interesse pela pesquisa?


Otília Heinig: Na verdade, quando eu fiz graduação, não existia iniciação
científica. Mas eu tinha muita vontade de fazer pesquisa. Então fiz um
estágio com análise e comparação com turmas. Aí começou a despertar.
Quando terminei, logo fui para o curso de especialização, em Minas
Gerais, na PUC. Lá tive contato com grandes pesquisadores daquele
momento e comecei a ler muita coisa que era recém publicada. Então
eu fui me fazendo pesquisadora também na medida em que eu fui
entrando. Uma outra coisa que eu acho importante dizer aqui, é que na
graduação eu conheci a Marieta, era a minha professora de Literatura,
eu fiquei encantada pela pesquisa. Depois, quando eu fui trabalhar na
FURB, ela que me incentivou a fazer meu primeiro projeto de iniciação
científica. Então o professor também é importante na vida da gente
porque ele também nos mostrar esses caminhos.

Cognitum: Como foi sua trajetória profissional até o ingresso


na universidade?
Otília Heinig: Com 15 anos eu comecei a dar aula. Eu estava na oitava
série e tinha um grupo de alunos que tinha dificuldade de aprendizado,
então no meu horário extra eu ensinava essas crianças a ler e escrever.
Era uma experiência bem gratificante. Depois eu fui trabalhar
num projeto da FUCABEN, que era com crianças com dificuldades

207
Prof. Dra. Otília Lizete de Oliveira Martins Heinig

financeiras. Depois eu trabalhei como balconista e como secretária no


Colégio São Luís. Quando eu entrei no meu primeiro ano da faculdade,
fui ser professora. Aí eu trabalhei com terceiro ano, depois com
educação infantil. Quando eu estava na metade da faculdade, eu fui
convidada a trabalhar no Colégio São Luís, como professora de Língua
Portuguesa para o ensino fundamental e médio e trabalhei também
no Colégio Oscar Agenor, aqui em Brusque. Até que em 1990, eu fui
para FURB, onde diminui a minha carga horária aqui (em Brusque), e
depois eu acabei ficando somente com a FURB.

Cognitum: Você tem uma pesquisa que começou em 2018 e


está em andamento até o momento chamada “O complexo
processo de ensinar e aprender a linguagem escrita: em
busca dos eventos de letramento e da voz dos professores”.
Como foi a experiência de dar continuidade a uma pesquisa
científica durante a pandemia? Quais foram as principais
dificuldades? Houveram mudanças dentro da pesquisa em
consequência da pandemia?
Otília Heinig: Depois de aposentada eu voltei duas vezes a dar aula no
mestrado em educação. Na segunda entrada eu construí esse projeto,
e depois eu continuei. Isso porque nós temos um grupo de professores
de Língua Portuguesa onde a pesquisa e a prática andam juntas.
Então para mim não houve mudança, porque já estávamos na parte
dos relatos. Então havíamos escrito, em 2013, o livro Baú de Práticas
I, e durante a pandemia nós conseguimos produzir o segundo Baú de
Práticas, que vai ficar pronto daqui a 40 dias lá pela EdiFurb, que tem
18 relatos de experiência dos professores sobre os letramentos, da
educação infantil ao ensino superior. Mas ano passado foi o ano que
eu pude escrever e produzir esse livro, então vai mudando um pouco o
rumo, mas a pesquisa não se perde.

Cognitum: Como você enxerga, atualmente, a área da


Educação? Quais foram os principais impactos que a
Educação sofreu nos últimos anos no Brasil?

208
Por Gabriela Zimmermann

Otília Heinig: Eu queria destacar duas coisas: eu acho que tivemos


a oportunidade, com a construção da BNCC aqui em Santa Catarina
de construir um currículo em diálogo com os professores. Então esta
abertura para o professor poder ajudar a construir o currículo, poder
palpitar, poder refletir, eu acho que é um grande ganho. É quando você
começa a perceber que não se faz uma educação de cima para baixo.
Eu não posso dizer isso atualmente, com esse governo que está aí,
porque é um governo bastante complicado em que se refere ao diálogo.
Eu acho que ainda falta muito investimento na formação do professor.
Falta ainda ampliar a relação educação básica e universidade, uma das
minhas metas sempre foi isso. É preciso haver mais investimento para
pesquisa nas escolas. E um dos maiores impactos, para mim, é que as
crianças não estão sendo alfabetizadas, que os jovens não estão sendo
alfabetizados. Nós temos hoje 16 milhões de analfabetos com 15 anos ou
mais. Isso é muito para um país. Então eu acho que está faltando para
nós o básico. Está faltando para nós que todos possam ler e escrever,
que todos possam ter acesso. Imagina entrar no supermercado e não
saber o que está escrito. Receber um bilhetinho e não saber ler. O que
eu mais gostaria é que todos fossem alfabetizados, então eu acho que
esse investimento está faltando na educação.

Cognitum: Quando falamos de lecionar em meio à uma


pandemia, sabemos que diversas coisas mudaram. Como
você enxerga essas mudanças? E quais são as maiores
dificuldades de lecionar durante o COVID e como elas podem
ser contornadas?
Otília Heinig: Acho que a pandemia escancarou as desigualdades
sociais. Temos por um lado o professor que se esmerou ao máximo pra
manter a interação com os alunos. Também descobrimos que quase
30% da população de Santa Catarina não tem acesso à internet. Então
uma das maiores dificuldades nesse tempo todo foi planejar. Planejar
sem poder ter uma avaliação, um feedback. Mudou muito e eu acho
que a maior perda foi a falta de interação. E tem algumas coisas que
se perdem pela falta de interação. Acho que o espaço mais difícil foi
o da alfabetização. Não é fácil alfabetizar. A alfabetização demanda
ensino sistemático, demanda aprendizagem, demanda conhecimento.
209
Prof. Dra. Otília Lizete de Oliveira Martins Heinig

Escrita é uma invenção, então não tem como aprender de uma forma
mágica. Acho também que precisaríamos entender mais o que é o
ensino híbrido. Abriu muitas portas para compreendermos, para
estudarmos, acho que o professor investiu muito na tecnologia tirando
do seu próprio bolso. Então acho que as maiores dificuldade dessa
pandemia foram, em primeiro lugar, a questão da tecnologia, porque a
gente sabe que as crianças não tem esse acesso e os professores tiveram
que investir muito. A questão da interação. Os alunos de ensino médio,
por exemplo, indo trabalhar, ao invés de ficarem na escola, porque
se sentiam muito sozinhos, e trabalhando, eles encontravam outras
pessoas. E eu acho que, como eu falei antes, a alfabetização foi a área
mais prejudicada em termos de pandemia.

Cognitum: Fale um pouco sobre o início da sua trajetória


profissional até chegar na FURB.
Otília Heinig: Eu nasci professora, meu pai queria que eu fizesse
direito, e eu brincava com ele falando eu fiz bem direitinho pai, eu
quis ser professora, eu fiz direito. Eu já era professora e em 1990 eu
recebi o convite de ir para a FURB, fui para substituir. O meu primeiro
trabalho com carteira assinada foi em 1980, como secretária do Colégio
São Luís. Todos os contratos anteriores eram na rede estadual, então
não era uma carteira assinada, era um contrato de trabalho, mas que
me fizeram muito sensível àquilo que eu iria encontrar depois, para
formar professores também. Eu já era professora quando eu fui formar
professores. É muito bacana recordar tudo isso, e ver que vamos nos
fazendo professores. Eu estou me fazendo professora até hoje. Todos
esses anos, eu ainda estou aprendendo e construindo com os outros
professores.

Cognitum: Falando especificamente para a FURB, quais


pesquisas tiveram as maiores contribuições?
Otília Heinig: Não tem como a gente medir né? Eu queria destacar
algumas coisas que eu acho interessante. Logo que voltei do doutorado,
desenvolvi um projeto de produção de materiais com jogos para os
professores, porque o meu doutorado foi na área de psicolinguística.

210
Por Gabriela Zimmermann

E eu, com mais duas pesquisadoras e a professora Leonor Cabral,


começamos a desenvolver esse projeto onde trabalhávamos com
formação de professores. A professora Leonor desenvolveu um método
de alfabetização, neste projeto coube a mim desenvolver jogos. Neste
momento nós tínhamos na FURB um núcleo de estudos linguístico com
dois projetos. Aí eu desenvolvi quatro jogos, todos eles baseados nas
organizações no sistema do princípio alfabético. Para ter acesso a esses
jogos, o professor precisava fazer uma formação. Aí tem a extensão, a
pesquisa e o ensino. Eu tive um outro projeto, que se chama Investigação
Sobre Ensino de Língua Materna: Ponte entre formar e ensinar, que
foi de 2005 a 2010. Esse e foi sobre a formação do curso de letras. Eu
produzi muita coisa, eu trabalhei com uma menina que veio da iniciação
científica e foi para o mestrado com o mesmo tema e nós ganhamos o
prêmio de iniciação científica com esse projeto. Talvez o projeto que eu
vou falar um pouco mais sobre se chama Padrões de Funcionamento
de Letramento Acadêmico em cursos brasileiros e portugueses de
Graduação o caso das engenharias. Esse é um projeto que eu fiz em
parceria com a professora Adriana Fischer que , naquele momento,
estava trabalhando em Portugal. Esse projeto rendeu muitas visitas,
os pesquisadores vieram aqui dar seminários, fizeram workshops, nós
trabalhamos lá. Eu orientei 5 dissertações e 4 projetos de iniciação
científica. E no final do projeto nós produzimos o livro “Linguagens em
uso nas Engenharias”, que traz todos os pesquisadores, os portugueses
e os brasileiros. Eu acabei indo para eventos de engenharia e fui para o
simpósio nacional de ensino nas engenharias com aprendizagem ativa,
me tornei membro dos conselhos editoriais para os congressos. Acho
que a gente teve um destaque internacional e nacional muito bacana,
nós fomos as primeiras a pesquisar isso, eu e minhas orientandas.

Cognitum: Qual é a importância dos pesquisadores dentro


de uma universidade como a FURB?
Otília Heinig: Você consegue imaginar o mundo sem pesquisa? Hoje
a gente não consegue mais imaginar o mundo sem pesquisa. Por
que a pesquisa é importante? Porque ela altera a nossa forma de
compreender um fenômeno. Mostra a delicadeza e a precisão de quem
está observando aquele fenômeno, aquele objeto de estudo. Eu acho
211
Prof. Dra. Otília Lizete de Oliveira Martins Heinig

que também nos ensina a desenvolver metodologias, a tornar os outros


alunos pesquisadores. Esse também é um dos objetivos né? Fazer o
aluno da graduação e da pós-graduação se tornar um pesquisador.
Dialogar com outras instituições para compreender que nossos
problemas não são só aqui. Sem pesquisa não existe universidade,
porque sem pesquisa não existem as descobertas, não existe a produção
do conhecimento. Não existe o investimento do tempo, o investimento
em projetos, não existe a formação de equipes. Então sem pesquisa nós
estaríamos muito pobres, não financeiramente, mas nós estaríamos
também muito isolados, muito sozinhos.

Cognitum: E sobre o mercado da Educação, o quão e porque


a pesquisa é tão importante para este meio? Como a FURB
contribui com a pesquisa sobre Educação?
Otília Heinig: A pesquisa é importante porque ela ajuda a compreender,
ela não ajuda a resolver. Muita gente na graduação e sobretudo no
mestrado vem com o desejo de fazer uma mudança, mas ninguém pode
mudar aquilo que não compreendeu. A grande vantagem da pesquisa
é que vai me fazer ter uma compreensão, produzir conhecimento.
Porque para agir, é preciso conhecer. O programa de Educação, ele
tem um número enorme de dissertações que ajudaram a melhorar
a educação. Hoje a gente tem secretários de educação que passaram
por ali, professores que estão trabalhando com formação de outros
professores, gente que já foi fazer mestrado, doutorado, gente que já
está trabalhando na universidade. Então esse é um espaço de passagem,
ninguém fica ali para sempre, na pesquisa, mas essa pesquisa que a
pessoa fez, que foi de sua autoria, da sua construção, do seu diálogo, vai
com ela para sempre. A pesquisa ela faz a gente mudar o nosso jeito de
estar na educação, nosso jeito de ver as coisas e compreender, e de agir.

Cognitum: Quais as principais contribuições que as suas


pesquisas realizadas na FURB trouxeram para a o meio da
Educação e para a área da Linguística especificamente?
Otília Heinig: Todas as minhas pesquisas sempre tiveram essas duas
áreas, a Linguagem e a Educação. Isso é tão verdadeiro que eu acabei

212
Por Gabriela Zimmermann

produzindo dois materiais, dois livros. O primeiro se chama Diálogos


entre Linguística e Educação, esse livro esgotou e a FURB fez uma
reimpressão dele, muita gente leu na graduação. Depois nós fizemos
o volume dois. Eu já havia percebido há bastante tempo que haviam
os pesquisadores da linguística e os pesquisadores da educação, mas
não haviam pesquisadores da linguística E educação. Mesmo porque
quando você está inscrito num programa, você está escrito num
programa de linguística ou de educação. Eu acho que a relação entre
escrita e oralidade é o que une as minhas pesquisas, tanto as pesquisas
de alfabetização como as pesquisas que eu fiz na graduação, sobretudo
nas engenharias. Atualmente eu sou consultora da política estadual da
alfabetização, e eu acho que se não tivesse passado por tudo isso, por
todos esses diálogos escritos, pesquisados, conversados, orientados,
eu não me sentiria confortável para estar discutindo uma política de
alfabetização. A gente vai compreendendo qual é o lugar da escrita,
tanto para as pessoas viverem práticas de letramento como para gente
pensar em metodologias de ensino, materiais de ensino, não tem como
descolar as duas coisas.

Cognitum: Introduzir a pesquisa científica para os próprios


alunos da FURB é algo que é conversado? Quais são os
benefícios para o desenvolvimento do aluno?
Otília Heinig: Os alunos trabalham o dia todo e eles não têm tempo de
estudar e ainda pesquisar. E eu com os alunos sempre fiz pesquisa na
sala de aula, fazíamos entrevistas, aplicação de testes, isso tudo dentro
das aulas. Ao longo da minha vida eu orientei 20 projetos de iniciação
científica, mas como eu sabia que nem todos tinham oportunidade, as
aulas sempre tinham pesquisa. Então o aluno que vai fazer iniciação
científica normalmente é o aluno que já desperta essa curiosidade. É
muito da forma como o professor trabalha, porque você tem que tirar a
centralidade de ti e colocar a centralidade no aluno. Daí mesmo que ele
trabalhe o dia todo, ele vai se sentir interessado.

Cognitum: Quais são as pesquisas mais relevantes que você


desenvolveu na FURB? Quais geraram resultados mais
importantes para Educação?
213
Prof. Dra. Otília Lizete de Oliveira Martins Heinig

Otília Heinig: À medida que vamos caminhando, vamos nos tornando


pesquisadores. Acredito que o projeto mais importante para mim
tenha sido meu projeto internacional, com a Universidade do Minho.
Isso porque ela trouxe muitos benefícios para a instituição. Tivemos
muitas trocas, tanto aqui como lá, nós fizemos coletas de dados lá
que renderam vários artigos e várias pesquisas, eu publiquei muitos
artigos, acabei me tornando uma orientadora bem próxima dos
meus orientandos. Eu acho que essa pesquisa foi muito importante
porque ela deu visibilidade pro programa, pra instituição, pra mim
como pesquisadora, e fez eu compreender essa relação entre teoria
e prática. Fez eu tirar um pouco essa afirmação muito errônea de
que os engenheiros não gostam de ler e de escrever, ou seja, ajudou
a desconstruir alguma coisa que está pronta. Fez também eu crescer
muito. Eu estava no meu último momento antes de me aposentar e ter
trabalhado com a minha primeira orientanda de iniciação científica,
ter trabalhado em equipe, ter tido um projeto com tantas produções,
neste momento, eu me senti verdadeiramente pesquisadora. Pra mim
foi o projeto mais importante em termos de pesquisa mesmo.

Cognitum: Dos seus diversos artigos publicados, qual exigiu


mais esforço e qual deu mais certo?
Otília Heinig: Eu acho que todo trabalho de escrita demanda esforço.
Mas eu acho que o que mais me deu trabalho foi uma pesquisa que
eu produzi sozinha. Eu tive um trabalho encomendado em que tive
que pesquisar todos os trabalhos de educação do Paraná e de Santa
Catarina, sobre o tema leitura e escrita nos anos finais. Esse foi um
trabalho exaustivo que resultou em um artigo de pesquisa, que se
chamou “Pesquisa de leitura e escrita nos programas de pós-graduação
em educação no Brasil” e foi publicado em 2018. Uma outra experiência
foi um texto que escrevi e que está no livro “Pesquisa em educação”.
Se chama “Olhares enunciativos e reflexões sobre a pesquisa em
educação e linguagem”. Não existia teoria sobre isso, sobre como fazer
a metodologia enunciativa. A minha aula na sexta-feira começava às
oito. Cheguei na sala às 19:30 e comecei a escrever no quadro. Quando
os alunos chegaram eles não estavam entendendo o que estava
acontecendo. E eu falei para eles “Gente, eu estava tão empolgada”, e
214
Por Gabriela Zimmermann

enchi o quadro. Uma das minhas alunas anotou tudo aquilo, todas as
minhas ideias, e eu comecei a digitar e pensar. Peguei toda essa teoria
e escolhi dez dissertações que eu havia orientado e comecei a analisar
como que eu estava orientando a metodologia. Então, escrever as vezes
acontece muito do inesperado.

Cognitum: Como você enxerga o futuro da educação no país


com influência das mudanças causadas pelo COVID?
Otília Heinig: É muito complexo responder qualquer coisa deste tipo.
Semana passada eu participei de um congresso internacional e uma
das pessoas é da Polônia e ela disse “nós não voltamos ao presencial
ainda, mas todos os nossos alunos aqui tiveram condições, o governo
ajudou. Seja com acesso à computadores, à internet”. Eu já disse, eu
acho que tivemos escancarado as desigualdades sociais. Eu não me
iludo, eu trabalho com professores o tempo inteiro, então a gente vê
que é uma luta muito grande. Para mim o futuro da educação está
na mão dos professores. Eu vejo professores fazendo coisas sem
dinheiro, fazendo suas aulas dentro das condições que tem. E é muito
triste ver um governo que não considera nada disso. Eu acho que nós
precisamos de mais políticas sérias. É um dos assuntos que a gente
discutiu no nosso grupo esse ano é sobre o ensino híbrido. Nós nunca
nos preparamos para o ensino híbrido e o que nós temos hoje não é
ensino híbrido. O foco deste tipo de ensino é a interação, e hoje o que
nós temos é o professor isolado, fazendo seu planejamento do jeito
que dá. Eu li muitos planos de professores nesta pandemia, de vários
lugares. Nós precisamos de uma educação mais sensível, mais inclusiva,
não somente quando se fala de educação especial. Que todo mundo
tenha uma educação de qualidade. Então é uma mudança que não diz
respeito somente à educação, ela diz respeito também aos educadores,
aos alunos, às famílias.

Cognitum: Quais são as suas projeções para a Educação?


Otília Heinig: É o meu maior desejo que todo mundo neste país
consiga ler e escrever, e acho que para uma mudança dessa acontecer,
a gente precisa ter um investimento muito grande. Algumas coisas

215
Prof. Dra. Otília Lizete de Oliveira Martins Heinig

são importantes de pensar para que todo mundo se sinta incluído


lendo e escrevendo. Acho existe uma série de ações que podem ser
tomadas. Primeiro, acho que é a formação do professor alfabetizador.
É muito importante isso, porque se a criança não tem sucesso também,
se a criança passa um ano na escola e não aprende a ler a escrever,
ela também desanima. Então essa compreensão, esse investimento
no professor, na valorização do alfabetizador. No investimento de
materiais. Então temos uma política nacional da alfabetização que
acredita que todo mundo vai aprender a ler e a escrever com um único
mérito e isso teoricamente é comprovado que não. Não dá pra colocar
todo mundo dentro do mesmo patamar, do mesmo método, é preciso
ter uma série de considerações. Acredito também que o primeiro ano
precisa ser o ano da leitura e o segundo ano, o da escrita. A leitura
precisa vir primeiro.

Cognitum: Como a senhora resumiria a pesquisa realizada


na FURB para a sua área de conhecimento?
Otília Heinig: A pesquisa na FURB é um grande diálogo com a
comunidade. Porque a gente está orientando pesquisas de vários
lugares e estamos percebendo como que são esses espaços, quais são
os interesses, e nós como pesquisadores estamos fazendo a nossa
produção. Então é um grande diálogo entre os orientandos, entre os
pesquisadores da FURB, entre os pesquisadores de fora, para tentar
compreender, e compreendendo, quem sabe, a gente ajuda a resolver.
Então a pesquisa é o espaço de conversar. Por isso que tem grupo
de pesquisa, porque a gente não pesquisa sozinho. E produzir um
conhecimento por escrito é o que nos dá essa visibilidade, nos coloca em
um espaço em que os outros também queiram nos ler e nos conhecer.

Cognitum: Como você avalia o futuro da pesquisa no


Brasil, diante desse cenário de cortes públicos e falta de
investimentos em diversas áreas do conhecimento?
Otília Heinig: Eu estou muito preocupada. Converso com vários
pesquisadores e fico preocupada principalmente com as ciências
humanas, que já era uma área com poucos editais. Onde estão as

216
Por Gabriela Zimmermann

condições para os pesquisadores darem continuidade à uma pesquisa?


Se eu tenho um projeto agora, se tenho financiamento, e daí eu não
tenho mais esse financiamento, não tenho mais bolsa de mestrado,
não tenho mais bolsa de doutorado, de iniciação científica, como vou
dar continuidade à uma pesquisa? Ninguém faz pesquisa sozinho.
Outra coisa que vemos ultimamente são as consequências nos tipos de
pesquisas que precisamos fazer. Pesquisa com interação tiveram um
break, por exemplo. Mas vejo dois problemas: Um é o financiamento,
porque sem financiamento não se faz pesquisa. E o segundo é a
continuidade das pesquisas, porque a gente não consegue projetar o
que vai vir depois. Nós, de humanas, sempre precisamos dar um jeito
que fazer pesquisa sem financiamento. E isso me preocupa bastante.

Cognitum: Você enxerga grandes consequências na pesquisa


com a pandemia? Sejam elas positivas ou negativas.
Otília Heinig: A maior perda na pandemia foi a interação. Seja no
ensino ou na pesquisa. Eu acho que a gente perde muito em termo
de pesquisas etnográficas, porque você não consegue estar ali, no
contexto, compreender a cultura local. Não é fácil para alguém que tem
um projeto que não pode ser remanejado, é complicado porque não tem
outro jeito de fazer a coleta de dados. Então tudo que se diz respeito à
interação ficou muito prejudicado. Não temos internet de qualidade
todo o tempo, muita gente precisa da interação para aprender, acho
que temos algumas dificuldades. Acho que escrevemos mais, mas
tivemos que repensar o jeito de fazer pesquisa.

217
Graduação em Ciências Biológicas pela UFSC e
Ph.D. em Genetics and Developmental Biology
pela West Virginia University, West Virginia,
EUA. Realizou pós-doutorado na Universidade
Federal de Santa Catarina e licença sabática
na University of Kansas, KS, EUA. Professor do
Departamento de Ciências Naturais da FURB e
curador da Coleção Internacional de Cultura de
Glomeromycota (CICG).

Prof. Dr. Sidney Luiz Stürmer


Por Isabela Cremer

Apresentação

S idney Luiz Stürmer tinha um objetivo, montar uma coleção


com diferentes espécies de fungos micorrízicos, e foi isso o
que ele conquistou como professor e pesquisador da FURB. Formado
em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC), foi ainda na graduação, e principalmente no seu TCC, que
Sidney se aproximou da vida científica. Em 1988, no seu terceiro
semestre no curso, teve o primeiro contato com a microbiologia,
área que estuda até hoje, no Laboratório de Microbiologia do Solo
da professora Margarida Matos de Mendonça. Após realizar estágio
voluntário e iniciação científica neste laboratório, o pesquisador já sabia
que gostaria de seguir a vida acadêmica, como professor e pesquisador.
Foi com seu trabalho de TCC, quando estudou a diversidade
dos fungos micorrízicos no ecossistema de dunas de Florianópolis,
que Sidney teve a certeza de que seria com esse grupo que trabalharia
pelo resto da vida. Sidney iniciou suas atividades como pesquisador,
coletando amostras, fazendo análises, e até descobrindo uma nova
espécie de fungo nas dunas da praia da Joaquina. A partir daquele

218
Por Isabela Cremer

momento passou a aprofundar seus conhecimentos sobre os fungos,


sobre as micorrizas, que são a associação desses fungos com diferentes
plantas, e como fazer para identificá-los em diferentes ambientes.
Depois de finalizar sua graduação, em 1991, logo foi para
os Estados Unidos para aprender mais sobre taxonomia, área que
trabalha na identificação das espécies. Sidney iniciou seus estudos
internacionais fazendo o mestrado na Universidade de West Virginia
com uma bolsa de estudos americana. Logo depois, o mestrando
conseguiu uma bolsa brasileira, do CNPq, e mudou para o doutorado,
finalizando assim seu Ph.D. em Genetics and Developmental Biology
na universidade americana no ano de 1998.
Logo que voltou para o Brasil depois de finalizar o doutorado
surgiu a oportunidade de participar de um concurso de professor
substituto na Universidade Regional de Blumenau (FURB), e foi assim
que iniciou sua carreira na FURB. Foi no ano de 2002, após novo
concurso, que Sidney tornou-se professor do quadro, cargo que ocupa
até hoje.
Sabendo que na região do Vale do Itajai e em Santa Catarina como
um todo não haviam muitos estudos sobre esse grupo, principalmente
sobre a diversidade de espécies que ocorrem, Sidney desenvolveu a
sua carreira em busca desses conhecimentos, e criou assim a Coleção
Internacional de Cultura de Glomeromycota em 2010.
Foi também na FURB que sua história de amor com a esposa,
Rosilda Stürmer, teve início. Ainda como estudante de graduação do
curso de Ciências Biológicas da FURB que Rosilda acabou conhecendo
Sidney no Laboratório de Botânica, ao qual era associado. Depois de
formada, os dois biólogos começaram a se encontrar, apaixonaram-se,
casaram-se, e hoje vivem juntos com seu filho de nove anos, Heitor.
Atualmente, Rosilda também é professora do quadro da FURB,
atuando como professora de Biologia na Escola Técnica do Vale do
Itajaí (ETEVI), o ensino médio da FURB.
Fora da vida acadêmica, dos laboratórios e salas de aula, Sidney
conta que seu passatempo preferido é a leitura. Seus autores prediletos
são Ken Follett, Michael Connelly, David Baldacci, John Grisham

219
Prof. Dr. Sidney Luiz Stürmer

e Lee Child, e que sempre que pode adquire as obras dos autores
para preencher as prateleiras de casa. Outra atividade que antes da
pandemia estava sempre presente na rotina era o futebol. Torcedor do
Grêmio, Sidney possui um grupo de amigos que sempre se reunia às
terças e quintas-feiras para jogar futebol na FURB.
“Quando eu não estou trabalhando, nos finais de semana,
feriados, a gente faz alguma coisa em família, seja brincar, seja ir
para um parque, enfim, coisas em família”, comenta Sidney Stürmer
sobre como é importante seu tempo livre com o filho e a esposa. Um
de seus hábitos preservados desde a infância é o gosto pelas revistas
em quadrinhos. Até hoje Sidney coleciona a revista TEX, que conta
a história de um cowboy americano e suas aventuras. O pesquisador
iniciou sua coleção aos 8 anos, e atualmente possui todas as edições
da HQ.

Cognitum: Falando sobre a sua trajetória na FURB, você


comentou que começou como professor substituto. Como
você se tornou, primeiro, professor substituto e depois
integrando o quadro de professores da FURB? Como foi esse
processo para você?
Sidney Luiz Stürmer: Foi bem tranquilo na verdade. Eu sempre tive
meu objetivo muito claro do que eu queria ser depois que obtivesse
o título de doutor. Eu queria ser professor universitário, e dentro da
universidade, além do ensino, eu queria fazer pesquisa. Então eu iniciei
como professor substituto, inicialmente tendo uma carga horária
de ensino relativamente alta. Ainda como substituto, iniciei alguns
trabalhos de pesquisa de forma tímida, isso lá pelos anos 2000. Depois
veio o concurso para professor do quadro, eu prestei o concurso e passei
em primeiro lugar. O que aconteceu foi que assim que assumi como
professor do quadro, me procuraram para ser Chefe do Departamento
de Ciências Naturais da FURB. Naquela época, trocando uma ideia
com o professor Marcelo Vitorino, ele me sugeriu “vai ser chefe agora,
220
Por Isabela Cremer

por que você vai entender como a FURB funciona”. Na época eu não
tinha nenhum projeto grande aprovado, não tinha financiamento de
projetos onde era coordenador, então assim que entrei na FURB como
professor no quadro, assumi a chefia do departamento, e ao mesmo
tempo montando o laboratório de pesquisa com micorrizas, que é a
minha temática de pesquisas. Sempre tive o apoio da FURB. Naquela
época, um ou dois equipamentos que eu precisava, o diretor de centro
conseguiu. A infraestrutura, sempre que precisei fui atendido, como por
exemplo com móveis do laboratório, naquela época tive muito apoio. E
depois fui montando o laboratório com recurso de pesquisa, que é o que
se espera que um pesquisador faça nas Universidades. Mas eu diria que
foi um processo bem tranquilo com alguns momentos árduos também,
pois nem sempre você consegue o dinheiro de projetos para conseguir
comprar o que você quer, mas eu consegui montar o Laboratório de
Micorrizas, e hoje temos um laboratório bem ativo.

Cognitum: Você já desempenhou função de professor,


pesquisador e gestor na FURB. Qual delas gostou ou gosta
mais de exercer?
Sidney Luiz Stürmer: Tanto a gestão, quanto a parte de professor e
pesquisador tem seus desafios. Eu gosto muito mais da parte de ser
professor e pesquisador. Eu fui treinado pra isso, vamos dizer assim.
Eu gosto do desafio que a pesquisa nos impõe, eu gosto de lidar com
os bolsistas, mostrar pra eles os vários caminhos que podem seguir
como pesquisadores, discutir os dados de pesquisa, orientá-los para
escrever um bom relatório, um bom artigo científico, e discutir a parte
filosófica da pesquisa. Não é simplesmente ir lá no laboratório, coletar
dados e publicar um artigo. Há várias outras coisas que envolvem ser
um pesquisador. A curiosidade, fazer a pergunta certa, ter tenacidade,
ser persistente, não desanimar quando recebe um não, não desanimar
quando você quer alguma coisa no laboratório e não consegue, então
essas coisas, para alguém que está iniciando na pesquisa, é legal. E eu
gosto desse papel que o orientador e pesquisador tem de tutoriar, de
orientar os alunos da iniciação científica, no mestrado e doutorado.

221
Prof. Dr. Sidney Luiz Stürmer

A parte da gestão é legal, eu fico bastante motivado no início, mas


depois de um certo tempo, como eu vejo que algumas coisas não
consigo dar andamento, não pela vontade do gestor, mas por que tem
outros empecilhos, institucionais ou pessoais, eu acabo desanimando.
Então no início a tarefa de gestão pra mim é desafiadora, eu gosto, eu
me engajo, mas quando vejo que algumas coisas eu não consigo realizar
por questões de terceiros e que não consigo dar conta, eu desanimo.
Por isso que eu gosto de ser professor e pesquisador, eu estou sempre
motivado, sempre tenho material novo para trazer para as aula, algum
trabalho diferente pra fazer, e sempre tem perguntas para serem
respondidas.

Cognitum: Sua atuação como gestor na FURB, logo que entrou


para o quadro de professores, teve impacto positivo na sua
carreira como pesquisador, seja para compreender como a
Universidade funciona ou para conseguir desenvolver a sua
linha de pesquisa?
Sidney Luiz Stürmer: Bastante, porque sendo um gestor você tem
contato com coordenadores de curso, com diretores de centro, com
a administração superior, com técnicos administrativos, e vários
setores que são vitais para o funcionamento da FURB, e você acaba
conhecendo várias pessoas dentro da instituição. Isso é muito bom,
porque não apenas cria alguns casos de amizade, mas nos faz entender
como a FURB funciona, qual o mecanismo que faz essa Universidade
se movimentar. Para mim foi bem proveitoso e interessante ter essa
experiência como gestor, por conhecer vários colegas, por entender
como a FURB funciona, e por ter um horizonte sobre como desenvolver
a minha pesquisa, até onde eu posso ir e o que posso fazer.

Cognitum: Lembra quais foram as primeiras disciplinas que


lecionou na FURB?
Sidney Luiz Stürmer: Quando eu iniciei eu dava aula para o curso de
Ciências Biológicas. A primeira disciplina foi a de Botânica III, para
o curso de Ciências Biológicas, e depois para o curso de Engenharia
Florestal. No início também lecionei em uma disciplina de Botânica

222
Por Isabela Cremer

para o curso de Farmácia. Essas foram as três disciplinas, nos três


cursos, que eu dei no início da minha carreira na FURB.

Cognitum: Quais disciplinas o senhor tem mais afinidade


para lecionar?
Sidney Luiz Stürmer: A disciplina de Botânica III, que hoje é chamada
de Botânica Sistemática I no curso de Ciências Biológicas, e também a
disciplina de Micologia. Na época em que a grade curricular do curso de
Ciências Biológicas foi repensada, eu fiz a proposta de uma disciplina
sobre Micologia, que é o estudo dos fungos, minha área de pesquisa.

Cognitum: O que levou o senhor para a docência? Teve algum


momento em que percebeu que a carreira de professor era a
que queria seguir?
Sidney Luiz Stürmer: Eu acho que eu sempre quis ser professor. O meu
pai era professor... e eu não sei, por alguma razão eu sempre quis seguir
a carreira universitária. Então não teve nenhum momento em que eu
pensei assim: eu quero ser professor, eu quero ser pesquisador... acho
que aconteceu naturalmente.

Cognitum: De que forma o senhor acabou tendo contato com


a sua linha de pesquisa, de seu trabalho sobre micologia? Foi
através de indicação de algum professor ou por afinidade
com a temática?
Sidney Luiz Stürmer: Eu trabalho com um grupo de fungos do solo.
Eles se associam com as plantas, crescem dentro das raízes das plantas,
mas são benéficos, ajudam a planta a absorver nutrientes do solo,
ajudam na estruturação do solo, têm várias funções no ecossistema.
Esses fungos são chamados de fungos micorrízicos, e a associação que
eles fazem com as plantas é chamada de micorriza. Existem vários
tipos de micorrizas e a que eu trabalho é a micorriza arbuscular. Então
no terceiro semestre de Biologia, em 1988, eu tive a disciplina de
Microbiologia, e a professora que lecionava essa disciplina, Margarida
Matos de Mendonça, tinha um laboratório muito legal na UFSC.

223
Prof. Dr. Sidney Luiz Stürmer

Era um laboratório bem organizado, bem limpo. Quando eu visitei o


laboratório dela eu consegui ver essa organização. Naquela época eu
também não sabia muito o que eram fungos, sempre foi um grupo
de organismos que eu não tinha muita ideia do que era, eles eram
misteriosos, não entendia muito como eram organizados nem nada.
Então na terceira fase, quando eu tive aula com essa professora e ela
explicou o que eram os fungos, eu comecei a entender um pouco mais,
e pensei “bom… vou ver se eu posso fazer um estágio ali”. Ela aceitou, e
eu comecei, no meu quarto semestre, no Laboratório de Microbiologia
do Solo da Universidade Federal de Santa Catarina, sob a orientação
da professora Margarida, como estagiário voluntário. Tinham outras
pessoas já trabalhando no laboratório envolvidas em suas pesquisas
e eu ajudava um pouquinho aqui, um pouquinho ali, conhecia as
técnicas, aprendendo como é que se reconhece esses fungos e tudo o
mais. Como eu estava fazendo bacharelado em Ciências Biológicas na
UFSC naquela época, eu tinha, em um determinado momento, que
apresentar o meu Trabalho de Conclusão de Curso, meu TCC. Como já
estava lendo bastante coisa sobre esses fungos, percebi que não havia
muitas coisas feitas com a diversidade desses fungos em sistemas de
dunas. Então morando em Florianópolis, a UFSC há alguns minutos
da praia da Joaquina, eu resolvi escrever um projeto para estudar a
diversidade desses fungos associados a plantas de dunas, porque não
havia nada feito em Santa Catarina. E aí claro, a professora Margarida
deu o maior apoio. E para saber quais são os fungos que estão em um
determinado ambiente você precisa saber da taxonomia deles, precisa
saber como identificar, e assim que eu entrei mais especificamente
nessa área de taxonomia desses fungos. Então eu fiz o meu TCC na
área, fui fazer as minhas coletas, comecei a saber como identificar esses
fungos, e a partir dali, que me deu aquele estalo de que é esse grupo
que eu quero trabalhar, é esses fungos que eu vou estudar pelo resto
da minha vida.

Cognitum: Começando lá na época do seu TCC, e até hoje,


quais são os resultados mais marcantes das suas pesquisas?
E qual foi o sentimento de realizar essa primeira conquista,
no final da graduação, como pesquisador?

224
Por Isabela Cremer

Sidney Luiz Stürmer: Foi muito bom! Até hoje eu tenho no Lattes esse
trabalho como um dos mais importantes, pois foi o início da minha
carreira. Os resultados do meu TCC eu consegui publicar depois na
Canadian Journal of Botany, que é um periódico bem renomado na
nossa área. Nesse trabalho eu fiz um estudo de variação sazonal, ou
seja, eu acompanhei as populações desses fungos durante um ano
associados com uma planta nas dunas da praia da Joaquina, e observei
que algumas dessas populações de fungos permanecem baixas
durante todo o ano, outras têm picos durante o inverno, e outras na
primavera. Eu também acabei descobrindo uma nova espécie de fungo
e que estou trabalhando na descrição. Então a partir dali eu comecei
a saber identificar as espécies desses fungos. Acho que o resultado
mais importante dessa pesquisa como um todo, além do conhecimento
da diversidade desses fungos em dunas de Santa Catarina, pois fui o
primeiro a escrever um artigo sobre essa diversidade no Estado, foi
começar a entender como eles são organizados e o que eu preciso
observar para fazer a identificação dessas espécies.

Cognitum: Quando iniciou sua carreira na FURB, qual foi o


seu primeiro projeto como pesquisador?
Sidney Luiz Stürmer: Na FURB, o meu primeiro projeto aprovado foi
de Jovem Pesquisador, financiado pela FAPESC. Foi um edital que eles
lançaram para jovens pesquisadores, para pessoas que tinham obtido
seus títulos de doutores recentemente. O projeto que eu propus foi
bastante audacioso, era um estudo sobre a diversidade desses fungos do
solo em diversos ecossistemas de Santa Catarina, como em florestas da
mata atlântica, floresta de araucária e ecossistemas agrícolas. Foi esse
primeiro projeto de pesquisa financiado pela Fapesc que me permitiu
comprar os primeiros equipamentos básicos do laboratório. Na mesma
época em que aprovei esse projeto, eu participava de um projeto
internacional, que também estudava a diversidade desses fungos do
solo, coordenado pela professora Fátima Maria de Souza Moreira,
da Universidade Federal de Lavras. Esse projeto era financiado pelo
Tropical Soil Biology and Fertility e pela Global Environmental Facility
(GEF) e o estudo feito em 7 países tropicais, incluindo o Brasil, e dentro

225
Prof. Dr. Sidney Luiz Stürmer

do Brasil os fungos micorrízicos estavam sob minha responsabilidade e


de outro professor da Universidade Federal de Lavras.

Cognitum: Como foi identificada a necessidade de desenvolver


esse estudo em vários ecossistemas de Santa Catarina?
Sidney Luiz Stürmer: A ideia que eu tinha assim que cheguei na FURB,
era uma ideia que já vinha desde a minha época de doutorado, que
era montar uma coleção desses fungos, que é o que eu mantenho hoje.
Hoje, por conta dessa ideia, a FURB abriga a Coleção Internacional
de Cultura de Glomeromycota. Quando eu fiz o meu doutorado nos
Estados Unidos, meu orientador era o curador do International Culture
Collection of (Vesicular) Arbuscular Mycorrhizal Fungi (INVAM), que
é a maior coleção internacional desses fungos. Enquanto eu estava lá,
uma das coisas que a sempre conversávamos era de que não havia uma
coleção de fungos micorrízicos aqui na América do Sul, então durante
o meu doutorado eu fiz o máximo para saber como identificar esses
fungos e como cultivá- los, porque o meu objetivo era montar uma
coleção assim que eu me estabelecesse em uma universidade. Então
quando veio esse projeto da Fapesc para jovens pesquisadores eu disse
“bom, o que eu preciso para montar essa coleção? Eu preciso ter fungos
de várias localidades”. Como não possuíamos conhecimentos sobre
esses fungos nos ecossistemas de Santa Catarina, eu pensei em propor
um projeto para realizar um inventário desses fungos em ecossistemas
importantes como florestas de araucárias, floresta de mata atlântica,
agrossistemas, plantações de milho, de trigo e pomares de macieiras.
Com isso eu teria um material para começar essa coleção, e eu ia
preencher essa lacuna do conhecimento sobre a diversidade dos fungos
do solo em Santa Catarina de maneira geral.

Cognitum: Quais são os impactos que esses estudos têm?


Esses estudos e resultados podem contribuir com quais áreas
da sociedade, além da questão ambiental e agrícola?
Sidney Luiz Stürmer: Como esses fungos têm uma importância no
sentido de aumentar a produção vegetal, eu diria que o principal
impacto são os estudos sobre os sistemas agrícolas e em sistemas de

226
Por Isabela Cremer

produção de mudas, principalmente mudas de espécies florestais, pois


há várias espécies de arbóreas que nós utilizamos para revegetação
de áreas degradadas ou simplesmente para fazer algum plantio que
precisam desses fungos. Então eu diria que o principal impacto é que
nós temos hoje aqui na FURB uma assembleia de várias espécies de
fungos originados de várias partes de Santa Catarina que podem ser
usados e testados para procurar promover o crescimento de espécies
arbóreas ou agrícolas que nós temos interesse. A outra contribuição
é que hoje nós temos um conhecimento bastante significativo da
diversidade desses fungos em vários ecossistemas do Estado. Isso é
importante porque você tem uma ferramenta a mais, um subsídio a
mais para o estabelecimento de políticas públicas para a conservação,
principalmente, de áreas naturais que estejam ameaçadas. É um
conhecimento que às vezes a sociedade não se interessa muito, mas é
um conhecimento que a sociedade deveria se interessar muito, saber
a diversidade que nós temos dos vários organismos, não só plantas e
grandes animais, mas a diversidade do solo, que representa hoje um
grande reservatório de diversidade de microrganismos, de insetos e de
outros animais que a gente não tem muito conhecimento.

Cognitum: A partir desses estudos e conhecimento produzidos


na FURB já foi realizado algum projeto de recuperação de
áreas ou espécies nativas ameaçadas?
Sidney Luiz Stürmer: Atualmente não, mas há um tempo atrás nós
tínhamos na FURB um convênio com a BUNGE, empresa alimentícia
sediada em Gaspar, para realizar estudos e recuperação de mata ciliar.
Naquela época, através da coordenação de outro professor, foram
feitos alguns estudos onde nós produzimos as mudas de plantas com
esses fungos micorrízicos, levamos para as áreas de mata ciliar para
recuperação e observação do desenvolvimento. Entretanto tivemos mais
casos de insucesso do que de sucesso. Uma das razões foi porque em
dois momentos em que colocamos experimentos em campo houveram
eventos de cheias, o que acabou com os experimentos. Elas acabaram,
literalmente, indo por água abaixo. Mas tiveram alguns casos de
sucesso. Conseguimos colocar os experimentos em locais de mata ciliar
não afetadas pelas cheias, e a gente observou um desenvolvimento
227
Prof. Dr. Sidney Luiz Stürmer

muito maior e mais rápido dessas plantas quando associadas com esses
fungos micorrízicos, do que se apenas plantasse no solo.

Outro estudo, que acabamos não realizando, mas que estava em


andamento, é a utilização desses fungos para recuperação de áreas
degradadas pela mineração. Essas áreas, depois que ocorre a mineração,
o solo fica bastante desestruturado, e para revegetar a área você precisa
de uma planta que tenha uma boa nutrição, uma planta saudável, e se
você levar essas plantas do viveiro para essas áreas, com esses fungos,
a porcentagem de sobrevivência e de crescimento delas é maior. Temos
alguns estudos realizados em sistemas controlados, mas ainda não à
campo.

Cognitum: Como a estrutura da FURB nesta área favorece a


pesquisa científica na tua área?
Sidney Luiz Stürmer: Eu diria que a estrutura que a FURB nos dá, de
acordo com a minha experiência, é boa. Claro que eu gostaria de ter
mais espaço. Porque assim eu poderia orientar mais alunos e trazer
mais equipamentos. Por exemplo, hoje, quando eu escrevo um projeto,
dificilmente eu peço equipamentos, pois não tenho onde colocá-los. A
estrutura da FURB que eu tenho hoje é adequada para o que eu faço, e
é um bom espaço. Embora ela limite um pouco a quantidade de alunos
que eu posso orientar por vez, porque meu laboratório não é muito
grande e eu não tenho outra sala adjacente onde meus alunos podem
ficar. Eu não posso colocar 15 alunos dentro de um laboratório, todos
eles trabalhando ao mesmo tempo. Mas eu não reclamo, eu tenho
um bom laboratório, ele está bem estruturado. No final das contas, o
mais importante é ter bons alunos que se interessem pela pesquisa,
qualidade acima da quantidade.

Cognitum: Quais foram as suas melhores experiências


na FURB dentro dessa área? Seja como professor ou
pesquisador?
Sidney Luiz Stürmer: Como pesquisador, acho que um dos primeiros
momentos que me marcaram foi quando fui convidado para ser chefe

228
Por Isabela Cremer

da Divisão de Apoio à Pesquisa. Foi um momento em que me senti


bastante honrado e lisonjeado. Foi algo que mostrou que eu estava no
caminho certo, pois foi um reconhecimento da Instituição, ao meu ver,
da minha pessoa como pesquisador. O segundo momento foi em 2010,
quando eu finalmente consegui aprovar um projeto na Fapesc, e depois
outro no CNPq, para estabelecer a Coleção Internacional de Cultura de
Glomeromycota. Eu gostei muito da aprovação desse projeto, foi um
reconhecimento, visto que esse era um dos meus objetivos desde que
eu estava no doutorado: montar uma coleção de fungos micorrízicos
dos vários ecossistemas de todo o Brasil. Então logo que eu entrei na
FURB, comecei minhas pesquisas, no início foi mais difícil, pois fui
Chefe de Departamento, mas em 2010, com a aprovação do projeto na
Fapesc para estabelecer a coleção, foi um momento marcante.

E um terceiro momento foi em 2012, quando eu consegui uma bolsa


de produtividade do CNPq, foi um momento bastante importante, pois
é um reconhecimento da comunidade nacional de pesquisa sobre a
qualidade das pesquisas e dos artigos que eu produzi.

Um quarto momento foi a aprovação, em 2019, do Programa de Pós-


Graduação em Biodiversidade da FURB. Eu já tinha trabalhado na
proposta de um programa de pós-graduação junto ao departamento em
2006 mas não fomos contemplados, e este o PPG em Biodiversidade
veio consolidar a trajetória do curso de Ciências Biológicas na FURB.

Cognitum: Além do seu trabalho de conclusão de curso, que foi marco


inicial da sua carreira como pesquisador, quais foram os trabalhos que
mais marcaram a sua trajetória?

Sidney Luiz Stürmer: Eu diria que são dois, além do meu TCC. O primeiro
foi em 2013, quando houve uma proposta de classificação para esses
fungos micorrízicos. Essa proposta foi liderada por um pesquisador na
França, junto de meu ex-orientador e outros pesquisadores do Reino
Unido e da Alemanha, e eu fui convidado a participar dessa proposta de
classificação. Existe então uma publicação em 2013 de uma proposta
de classificação desses fungos que até hoje é muito citada.

229
Prof. Dr. Sidney Luiz Stürmer

Outra publicação marcante é de 2018, quando eu consegui fazer uma


publicação de um projeto desenvolvido há bastante tempo, sobre a
biogeografia desses fungos micorrízicos arbusculares. Eu mantenho
um banco de dados, alimentado constantemente baseados na literatura,
sobre biogeografia desses fungos. É basicamente dizer onde que esses
fungos ocorrem, em que país, que continente, que ecossistema etc.
Então quando sai um artigo científico informando que certo fungo
ocorre em determinado ecossistemas, em determinadas condições
de clima e de solo, eu insiro essa informação nesse banco de dados.
Esse é um banco de dados que eu comecei quando ainda era aluno de
doutorado, em 1994, e eu mantenho ele até hoje.

Cognitum: O senhor já produziu e apresentou diversos


estudos em sua trajetória na FURB. Gostaria de saber qual
o sentimento que predomina após a finalização de uma
pesquisa, e depois com todas as apresentações e produtos
que são gerados? Esse sentimento mudou de alguma forma
com o passar dos anos, com as diversas experiências?
Sidney Luiz Stürmer: É uma satisfação muito grande. Eu fico orgulhoso
de mim mesmo e da equipe que fez o trabalho, fico orgulhoso dos
meus alunos, eu consigo ver como que esse aluno e aluna era logo no
início, quando começou a trabalhar comigo, e agora está produzindo
um artigo científico, produzindo conhecimento, levando o nome da
instituição e da coleção para fora de Blumenau, para revistas de alcance
internacional. É um sentimento gostoso, de orgulho, de satisfação e de
dever cumprido. É a mesma empolgação do início da carreira.

Cognitum: Atualmente o senhor está trabalhando em uma


pesquisa que estuda os fungos em formações vegetais na Mata
Atlântica. Qual o objetivo desta pesquisa, qual o impacto que
ela terá, ou pode ter? Quais são os resultados que esperam?
Sidney Luiz Stürmer: Se tem uma coisa que não se pergunta para
um pesquisador é resultado esperado, se eu soubesse o resultado
não faria pesquisa. Mas é brincadeira, eu entendo perfeitamente o
contexto quando as pessoas fazem essa pergunta. Atualmente nós

230
Por Isabela Cremer

estamos trabalhando com duas linhas de pesquisa. Uma é na parte de


diversidade, em que tenho alunos trabalhando na diversidade desses
fungos em áreas do Parque Nacional de São Joaquim, em áreas de
floresta nebular e campo nativo. Tem uma aluna de mestrado em
Biodiversidade comparando os fungos micorrízicos encontradas
nessas áreas. Tem outro aluno de iniciação científica trabalhando aqui
em Blumenau, em áreas de florestas, para ver como esses fungos estão
distribuídos na serapilheira, na camada de raiz e no solo em regiões
de floresta. O resultado que esperamos é que possamos contribuir
cada vez mais para conhecer a diversidade dos fungos micorrízicos em
Santa Catarina. Outro resultado esperado é conseguir descrever novas
espécies. Nós sabemos que tem espécies desses fungos que já vimos no
campo, que são espécies novas para a ciência, e esperamos conseguir
cultivar essas espécies e publicar, mostrando o quão ricos são nossos
ecossistemas como um reservatório de biodiversidade.

Temos também outra linha de pesquisa que estamos amadurecendo.


Para entender, você precisa ver os organismos como um biólogo. Os
organismos são organizados em grupos, em famílias, e dentro dos fungos
micorrízicos arbusculares há três famílias que são bem estudadas, e há
algumas outras famílias que não se sabe muito de sua biologia. E se
não temos conhecimento sobre a biologia delas, você tem problemas
em saber como usar esses fungos em benefício da sociedade, como
aplicá-los. Nós selecionamos duas famílias que são pouco estudadas,
e que possuímos representantes na coleção, e vamos começar a
estudar alguns aspectos básicos da biologia dessas famílias. Isso vai
dar um subsídio muito grande, pois são famílias que não são muito
estudadas em todo o mundo mas que são comumente encontradas no
solo. Os resultados que esperamos é que esses estudos nos deem uma
informação relevante sobre como essas famílias se comportam, como
podem auxiliar as plantas no seu desenvolvimento, qual o seu papel
no ecossistema do solo como um todo, e que vão ser importantes para
acumular os conhecimentos sobre esses fungos.

Cognitum: Com a pandemia, e as dificuldades que ela trouxe,


isso teve algum impacto nos trabalhos que o senhor desenvolve

231
Prof. Dr. Sidney Luiz Stürmer

na FURB? Tanto como professor, como pesquisador, e como


Chefe de departamento, cargo que exerceu até janeiro. Como
foi a sua perspectiva durante esse mais de um ano?
Sidney Luiz Stürmer: Eu acho que o principal impacto é você não
ter aquele contato pessoal com os teus colegas professores e técnicos
administrativos, enquanto chefe de departamento. Como pesquisador
e professor não ter o contato pessoal com os teus alunos. Por um bom
tempo as reuniões de departamento e reuniões do laboratório foram
de forma online, como estamos fazendo essa entrevista, e eu acho que
o principal impacto foi esse, essa falta de conectividade pessoal, com a
pessoa física.

Em termos de trabalho, impactou um pouco a pesquisa, pois vários


trabalhos tiveram de ser parados. Primeiro porque não tínhamos acesso
ao laboratório. Depois começamos a fazer um escalonamento, então
diminuiu a velocidade em que alguns projetos foram desenvolvidos.
No meu caso, acabou coincidindo que eu estava finalizando alguns
projetos quando começou a pandemia, então já estava na fase de
escrita de relatórios e prestação de contas. Mas para alguns alunos da
iniciação científica isso impactou bastante, porque eles não podiam ter
acesso ao laboratório, então alguns trabalhos ficaram atrasados. Eu
diria que esses foram os dois principais impactos, o atraso na coleta
de dados para alguns projetos e essa falta de contato com os colegas no
dia a dia para resolver os problemas, para decidir como encaminhar
algumas coisas do Departamento.

Cognitum: Qual a importância e a relevância de se continuar


criando conhecimento e procurando por respostas mesmo
em momentos como esse em que vivemos agora, onde o
isolamento social é tão importante? Na sua visão, por que as
Universidades não podem parar?
Sidney Luiz Stürmer: As universidades não podem parar porque, no
Brasil, as pesquisas científicas são feitas nas universidades. Claro que
existem institutos de pesquisa e órgãos federais que desenvolvem
pesquisas, mas quando a gente pensa nas mais variadas áreas de

232
Por Isabela Cremer

conhecimento, é nas universidades que as pesquisas são feitas. É


nas universidades que se gera conhecimento, e eu acho que geração
de conhecimento é algo que o ser humano precisa almejar sempre.
Independente de estar trabalhando na universidade, de estar dentro da
academia, eu acho que buscar conhecimento é algo que todos deveriam
almejar, independente de profissão exercida. A segunda questão é
porque a universidade é um local onde a gente transforma as pessoas. A
Universidade também é um lugar que transforma ideias, pensamentos,
onde adquirimos senso crítico perante a ciência, perante problemas
sociais, problemas políticos, então a universidade é um caldeirão de
ideias e discussões, de diversidade muito grande de opiniões, e isso não
pode parar. Ela é uma das bases de desenvolvimento de um país.

Cognitum: Quais são os seus projetos e planos para o futuro?


Há alguma linha de pesquisa que almeja trabalhar, algum
curso ou especialização que acha importante para a sua
carreira?
Sidney Luiz Stürmer: Acho que uma das coisas que está mudando
bastante e que eu tenho como objetivo é tentar disseminar os resultados
da minha pesquisa de uma forma não científica, ou seja, muito do que
eu faço na pesquisa ela vai para congressos, para artigos científicos,
mas os meus planos de agora em diante é levar esse conhecimento que
produzimos no laboratório para além dos muros da Universidade, para
que ela consiga atingir a sociedade como um todo, principalmente as
escolas de ensino fundamental e médio. Em termos de ensino, a gente
está sempre melhorando. Pelo menos a atitude que eu tenho como
professor é a de sempre revisar minhas aulas, sempre trazer material
novo para os alunos, modificar um pouco a aula e trazer diferentes
informações. Não é bem um planejamento para o futuro, mas é
algo que eu vou continuar fazendo. Talvez usando agora um pouco
mais as mídias sociais, tentar fazer com que os alunos da graduação
eventualmente desenvolvam algum trabalho avaliativo, mas que não
seja simplesmente uma prova ou um trabalho para entregar, mas que
seja algo para atingir a sociedade, como se fosse um trabalho avaliativo
de extensão. Esse é um dos objetivos que eu tenho para algumas das
minhas próximas disciplinas.
233
Prof. Dr. Sidney Luiz Stürmer

Cognitum: Como o senhor vê o futuro da pesquisa na FURB?


Sidney Luiz Stürmer: Eu vejo com bons olhos, mas eu sou uma
pessoas bem otimista. Eu vejo com bons olhos no seguinte sentido:
nós temos pesquisadores muito bons na FURB, alguns com destaque
nacional e internacional, com certeza, então eu acho que a Instituição
tem que na verdade dar apoio para esses pesquisadores e grupos de
pesquisa para que eles continuem desenvolvendo essas pesquisas.
Uma das coisas que eu vejo da pesquisa na FURB é a questão de um
apoio institucional um pouco mais marcante, principalmente por uma
questão de reconhecimento. Outra coisa que devemos considerar é que
pesquisador depende de fomento externo, então em uma situação como
a que vivemos hoje, onde não há muitos editais de pesquisas aberto, a
universidade tem que compreender que tem professores que não estão
buscando recursos porque as nossas principais fontes de recurso, que
são a Fapesc, O CNPq e etc., não estão com editais. Eu acho também
que precisamos ter um reforço na política de pesquisa na FURB, não
algo como uma resolução apenas, mas definir que metas, que planos,
que caminhos que vamos seguir com a pesquisa na FURB. Mas eu vejo
o futuro da pesquisa na FURB como sendo concentrada em alguns
grupos de pesquisa de excelência talvez, muitos deles possivelmente
vinculados aos programas de pós-graduação, porque ali tem bastante
estudantes envolvidos.. Temos bons pesquisadores na FURB, que
vão atrás de recursos, que entendem o que é a universidade e o que é
fazer pesquisa. Então eu vejo com bons olhos, desde que a instituição
preste um reconhecimento a esses pesquisadores e estabeleça políticas
de pesquisa bem claras, é ao meu ver o que se espera da pesquisa na
FURB.

Cognitum: Para você, o que é fazer pesquisa, o que é ser um


pesquisador?
Sidney Luiz Stürmer: O que é ser um pesquisador? Essa é uma
pergunta bem interessante. Eu acho que fazer pesquisa é um processo
para gerar conhecimento. Quando eu digo gerar conhecimento é não
apenas fazer o que outras pessoas já fizeram e repetir, não, é gerar
conhecimento, produzir conhecimento científico novo. Não apenas

234
Por Isabela Cremer

produzir conhecimento científico novo, mas eventualmente produzir


um conhecimento que resolva algum problema técnico ou social,
e que possa ser aplicado para a sociedade. Eu vejo pesquisa nessas
duas direções. E eu acho que ser pesquisador é isso, é você ser uma
pessoa que para, que avalia, que pensa, que pergunta sobre qual
pesquisa que você pode fazer que vá trazer um conhecimento novo e
que avance cientificamente. Esse conhecimento, se ele será aplicado
ou não, depende muito do ponto de vista das pessoas. Tem gente que
pergunta “Tá mas você vai fazer uma lista de espécies de fungos, qual
a implicação que isso tem para a sociedade?”. Talvez nenhuma, em
um primeiro momento, mas quando a gente pensa em uma sociedade
que prima pelo conhecimento, o conhecimento sobre quais espécies de
fungos ocorrem em determinado lugar, ela é parte da sua cultura, ela
é parte da bagagem de conhecimento que você tem, e por isso que eu
acho que é importante. Se esses fungos vão poder ser aplicados e trazer
um benefício direto para a sociedade, ótimo, também é importante.
Mas eu diria que fazer pesquisa e ser pesquisador é isso, é ir atrás de
gerar novos conhecimentos que podem fazer parte da nossa sociedade
como um todo.

Cognitum: Como o senhor resumiria a pesquisa realizada na


FURB para a sua área de conhecimento?
Sidney Luiz Stürmer: Eu acho que a pesquisa na área ambiental na
FURB é um dos campos que destaca a FURB. A FURB tem como
histórico a pesquisa na área ambiental muito forte, desde os anos 80,
com o Instituto de Pesquisas Ambientais, o IPA, que não existe mais,
até o Inventário Florístico Florestal de Santa Catarina, que é conduzido
pela FURB. Estou falando sobre pesquisas ambientais como um todo,
não apenas aquelas do departamento de Ciências Naturais. Mas eu acho
que a pesquisa nessa área ambiental é uma das que destaca a FURB
no cenário estadual e nacional. Porque a historicamente a FURB tem
essa vocação de desenvolver pesquisas voltadas a resolver problemas
ambientais.

235
Prof. Dr. Sidney Luiz Stürmer

Cognitum: Como o senhor avalia o futuro da pesquisa no


Brasil, diante desse cenário de cortes públicos e falta de
investimentos em diversas áreas do conhecimento?
Sidney Luiz Stürmer: Não é um futuro que parece muito promissor. Eu
acredito que neste ano, e ano que vem, vamos penar bastante, porque
com os cortes que o governo federal vêm realizando não há editais de
pesquisa abertos. Então eu vejo como um cenário meio triste. Alguns
anos atrás a gente tinha muito dinheiro na pesquisa, nós tínhamos
vários editais saindo em diversas áreas. Eu mesmo às vezes tive três
projetos do CNPq, três projetos com um financiamento grande, porque
tinha esse fomento. Então a minha visão, a minha perspectiva, é de que
temos um cenário um pouco tenebroso pela frente com esses cortes para
a pesquisa e sem editais, e vamos ter que nos virar com o que temos até
agora. Quem sabe, se houver uma mudança de governo talvez na esfera
federal mude a visão do que tem que se fazer para a pesquisa e talvez essa
onda se reverta e tenhamos mais investimento. Mas para os próximos
anos eu não vejo uma perspectiva muito otimista. Acho que vejo um
cenário bem ruim, bem desgastante, e que vai ter impactos para todos
depois, pois é difícil você montar um laboratório de pesquisa e você
continuar com a sua linha de pesquisa. E se para o financiamento, uma
vez que cai, retornar isso é bastante complicado. O pesquisado hoje
no Brasil é herói, porque a gente tenta gerar conhecimento, orientar
alunos, publicar lá fora, o que é importante para o reconhecimento do
país, e é difícil fazer isso sem financiamento.

236
237
Graduação em Serviço Social pela Universidade
Católica de Pelotas, mestrado em Serviço Social
pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo e doutorado em Política Social pela
Universidade de Brasília. Tem experiência na
área de Sociologia, com ênfase em Sociologia,
atuando principalmente nos seguintes temas:
trabalho, autonomia, desemprego, saúde e
processo de trabalho.

Prof. Dra. Vilma Margarete Simão


Por Júlia Bernardes Laurindo

Apresentação

G aúcha graduada em Serviço Social pela Universidade Católica


de Pelotas, Vilma Simão cresceu em uma cidade pequena,
passou sua infância no espaço rural. Desde sempre se incomodou
com as desigualdades sociais que presenciava, sentia incômodo pela
maneira como outras famílias tinham menos condições financeiras e
recebiam menos presentes no Natal. Por conta disso, seguiu a linha
das Ciências Humanas, graduando-se em Serviço Social e é militante
pela causa da igualdade social.
Na área da produção intelectual e científica, seguiu pesquisando
sobre os trabalhadores e força de trabalho. Ainda como professora e
pesquisadora, seguia sua linha de trabalho com ênfase em sociologia,
pesquisando sobre: trabalho, autonomia, desemprego, saúde e
processos de trabalho.
Aposentada há seis anos e afastada da FURB há três, agora mora
em um sítio e dedica seu tempo cuidando de sua plantação e fazendo
trabalhos em madeira. Mesmo sem atuar mais na área, continua

238
Por Júlia Bernardes Laurindo

compartilhando livros e conhecimento com os jovens da vizinhança, os


instigando e encorajando.

Cognitum: A senhora pode começar a fazer uma pequena


introdução assim com seu nome completo, a idade, se você é
casada e tem filhos e netos.
Vilma Simão: Meu nome é Vilma Margarete Simão, estou casada, não
tenho filhos, não tenho netos. Eu estou há seis anos aposentada, porém
afastada da FURB. São três anos porque, mesmo depois de aposentada,
eu continuei atuando no Mestrado de Saúde Coletiva com vínculo de
colaboradora.

Cognitum: Qual a sua memória favorita dos tempos da


escola?
Vilma Simão: Nossa que pergunta difícil, são tantas… Umas por umas
razões e outras por outras. A graduação é uma das melhores memórias,
em tempo de esperança em contar a luta de construção de um projeto
político e social do Brasil que hoje a gente vê em derrocada, e que nos
deixa muito triste e, ao mesmo tempo, nos faz recordar de todas as
lutas. A época da minha graduação foi no início da década de 80 final
de 70, de 79 a 83, e lá nós lutamos muito pela redemocratização do país,
pela construção de políticas sociais que se conta minimamente de uma
redistribuição, que fosse romper com a pobreza absoluta e pelo menos
chegar no mínimo de pessoas em situação de pobreza relativa. Então,
por essa participação no movimento estudantil, partidos políticos que
atuavam na clandestinidade e tinham propostas como uma sociedade
socialista, é sem dúvida a melhor memória dos tempos de escola.

Cognitum: Qual era o seu maior sonho durante a infância?


Vilma Simão: Não lembro, só queria brincar. Acho que não tinha,
morava no interior, uma cidade pequena e a minha criação foi no
239
Prof. Dra. Vilma Margarete Simão

espaço rural, e no espaço rural a gente está mais desconectado do que


vem acontecendo no movimento Urbano, então tu acabas sendo feliz
com o que tu vê no dia a dia, não tem um sonho. Meu Deus do céu,
infância, eu de fato não lembro.

Cognitum: Outros membros da sua família também seguiram


para a área acadêmica ou de docência?
Vilma Simão: Hoje tem um sobrinho que está seguindo, antes de mim,
não. Eu fui a primeira da família entrar para o mundo acadêmico na
condição de professora pesquisadora.

Cognitum: Desde muito cedo a senhora pensou em ser


professora e pesquisadora? Como surgiu essa vontade ou
essa oportunidade?
Vilma Simão: Não, não foi muito cedo. Muito cedo eu já pensava
em ser assistente social, em fazer serviço social, porque sempre me
incomodou muito a desigualdade social, a presença de pobreza, não
para comigo na minha família, tivemos até uma vida muito confortável
financeiramente. No entanto me incomodava a desigualdade que ocorria
no terreno ao lado da casa, essas diferenças sempre me incomodaram.
Quando nós poderíamos ter acesso, por exemplo a um Natal, cheio
de brinquedos, as crianças da família do lado não recebiam nenhum.
E isso incomodava, e a vontade era lutar por uma sociedade que não
tivesse essa diferença. Então eu fiz serviço social, me graduei, depois
de graduar, o que a gente tinha em mente não era entrar no mundo
acadêmico e até o mundo acadêmico, naquela época, a criticidade mais
voltada para a construção de um estado democrático e de bem-estar
social. Não se via esta luta no mundo acadêmico, se via muito mais a
inserção de instituições públicas, orientadas por um pensamento da
época de forte pensamento Gramsciano e de entrar nas instituições
e através das contradições, que elas mesmas possibilitaram, a gente
poderia intervir na mudança de concepção do Estado. Então eu entrei
para o mundo acadêmico, organizando o curso de Serviço Social, eu e
a professora Amabile Dorigatti, que organizamos a graduação. E tudo
que a gente queria era mais braços para intervir na questão social. A

240
Por Júlia Bernardes Laurindo

pesquisa sempre foi uma parte importante da formação porque sem


pesquisa, nós, do serviço social, não conseguimos atuar. Tu atuas na
aparência, mas para ter uma inserção mais fecunda, ela é indispensável.
Então a minha intervenção profissional já pedia uma ação investigativa.
Evidentemente na Universidade, essa ação investigativa é muito mais
profunda porque você não fica restrita à atuação profissional imediata,
você tem o olhar bem mais amplo. E, claro, isso vem com a atuação na
Universidade.

Cognitum: Depois que a senhora se aposentou o que faz


agora com o tempo livre? Viaja, trabalha, está morando em
outro lugar?
Vilma Simão: Me escondo da tristeza do retrocesso político social
do Brasil, e até mesmo, digamos que no mundo. Essa proposta de
bem-estar social, mas quanto mais possível aproximando a proposta
socialista está muito difícil, é um momento bastante difícil e eu hoje
estou me escondendo, e hoje estou no sítio. Compramos uma terrinha,
eu planto para a comunidade que está na volta, interajo com os jovens,
conversando com eles, passando livros, mas eu estou plantando,
fazendo móveis com madeira e eu estou no mundo artesão.

Cognitum: Quando a senhora entrou na FURB como


professora? E a senhora lembra como foi a experiência das
primeiras aulas na universidade?
Vilma Simão: Foi em 1989. Eu era muito jovem, em 89 eu tinha 23
anos, era uma criança, e as minhas aulas eram ótimas, como de criança.
Na época tudo que a gente queria era levar era o pensamento crítico.
A primeira turma, nunca esqueço, de serviço social, nós temos alguns
professores doutores inseridos na Universidade Federal aqui na UFSC,
na Bahia e eles, como dizia meu professor de mestrado, eram os filhotes.
Seguiram e continuam, e lá, uma passagem que eu não esqueço, logo
nas primeiras aulas, eu dando aula, e eu falava na América Latina para
eles. E eles “Professora nós não somos latinos, nós somos europeus.
Nós moramos aqui em Blumenau, nosso contato é com a Alemanha”.
Aí eu tinha vontade de chorar, né, pelo amor de deus onde é que vocês

241
Prof. Dra. Vilma Margarete Simão

estão, o que vocês sabem da vida? Que ignorância étnico, político,


territorial, cultural foi para mim, foi maior o impacto, eu pensei “Bom
que chão eu estou? “ Eu já sabia que o chão daqui não era muito fértil
para o pensamento latino, mas como estudante de serviço social eu não
esperava, para mim, foi uma passagem que eu nunca esqueço desde o
início, e eles também não confiavam muito, achavam que eu era muito
jovem e o meu jeito não era muito conservador na época, então eles
estranhavam. “Ih essa professora deve fumar muita maconha. Deve ser
muito louca”. Assim foi a minha inserção com os primeiros alunos. Mas
assim, dois meses isso já estava superado, eles já estavam entendendo
outras coisas, uma turma maravilhosa.

Cognitum: Como professora, no geral, qual foi a experiência


que mais marcou a senhora positivamente?
Vilma Simão: Foram tantas... a que mais me marcou como professora?
O que me marcava era o prazer em dar aula. Eu entrava em sala de
aula triste, ou desanimada com alguma coisa, e simplesmente durante
o período de aula eu não lembrava de nada, nada, nada. É como se
eu tivesse completamente blindada do mundo que me atingia antes de
entrar na sala de aula. Eu era uma apaixonada por dar aula. Essa era
uma marca importante, e depois é claro, vieram nossas lutas dentro
da FURB, nós tínhamos um grupo político bastante forte. Lutamos
pela universidade pública, não só pelo fato da postura, mas também
no marco jurídico-político que foi o período de transição possibilitado
por algumas leis da Constituição Federal. E lá nós lutamos muito
para que ela fosse, de fato, entendida como pública, porque ela foi
criada por uma lei pública municipal, e aí vem toda organização da
Universidade. Então eu nunca fui só professora, ou só pesquisadora,
eu sempre estive na FURB como professora, militante na organização
da instituição e ampliação do acesso à educação como um direito e na
maior qualidade possível. Presidente de sindicato, estive atuando junto
ao Consuni, e depois em encargos administrativos, então era muito
intenso, eu não era a professora, eu era uma servidora da Universidade
Regional de Blumenau e atuava pelo sentido que ela viesse a ser de
fato uma universidade e não só de direito. Então ampliação das áreas
de pesquisa, extensão, a possibilidade de nós professores termos uma
242
Por Júlia Bernardes Laurindo

maior qualificação com acesso a cursos de mestrado, doutorado, pós-


doutorado, financiados pela FURB por meio da manutenção do nosso
salário. Com um grupo chamado Universidade Urgente que depois
foi aparecendo novos grupos, mas a gente manteve aquela ideia lá do
início.

Cognitum: Um dos seus focos de pesquisa é a área de trabalho,


como é que surgiu a vontade de aprofundar nesse tema?
Vilma Simão: Exatamente pela questão política. A questão era
entender o trabalho, o trabalho e a organização do trabalhador, era
uma perspectiva crítica. Eu estava preocupada com o trabalho de
Blumenau, então era a associação da discussão do trabalho na cidade
de Blumenau. Quando eu vim para Blumenau, logo que me graduei,
logo fui procurar emprego e consegui aqui, eu saí do Rio Grande do Sul,
porém me disseram o seguinte: “Olha é uma cidade operária, temos
que nos organizar para fazer uma revolução operária para construir
o Comunismo”. Lá tem muito operário, no Rio Grande do Sul, tem
menos cidade a região ali hoje tem mais de Porto Alegre, Caxias, mas
na época era predominantemente agrícola e eu vim para cá e logo
deram essa função. Logo eu estranhei muito porque os operários aqui
eram muito, muito ordeiros, muito subalternos, eu pensava “não é, não
não é possível”. Aquela inquietação de saber quem era esse trabalhador
de Blumenau é que me levou na dissertação de mestrado e aí que eu
fui ver quem era esse trabalhador que parecia tão subalterno. E aí,
um ledo engano, ele não era esse subalterno, ele sabia muito bem se
mostrar subalterno, mas as lutas deles existiram desde os anos 1909,
aliás desde 1890 com as greves dos carroceiros. Mesmo tendo greves,
movimento dos trabalhadores, movimentos políticos para não eleger
a Arena em Blumenau, eleger PMDB, fica claro que tinha uma luta
latente. Hoje eu não sei se ainda tem, e me afastei desse estudo agora.
Eu estava querendo discutir no início o comportamento político do
Trabalhador, como se dava a inserção dele, na luta de classe, e isso
vai aparecer na minha dissertação de mestrado. Quando eu termino
e volto desse estudo nós começamos a organizar Unitrabalho. Aí nós
trouxemos a discussão da Unitrabalho aqui para Universidade, que
se filiou. Infelizmente, hoje ela foi praticamente desmontada e toda
243
Prof. Dra. Vilma Margarete Simão

aquela orquestra existente para destruir tudo que tinha do PT mesmo.


Na discussão da Unitrabalho o que se pensava: isso dá profundamente
o desmonte do trabalho vivo, do trabalho direto contratado pelos
empresários, ou seja, o surgimento das terceirizações e o desemprego
estrutural e conjuntural, e o desemprego como consequência desta
contratação de mão de obra por meio das terceirizações que nada mais
era, e é, a transferência dos custos da própria classe trabalhadora para
o trabalhador que deve produzir tanto na sua casa quanto reproduzir a
sua força de trabalho com os meios que são próprios, e não mais com
meios do empregador. Então essa discussão ela esteve presente durante
toda a década de 90, de 2000 tanto na minha discussão acadêmica e
política como no final da década de 2000, veio um convite para mim
me inserindo no mestrado de saúde coletiva porque eu já atuava na
extensão na área da saúde, porque o serviço social ele tem várias, várias
possibilidades de inserção no mercado de trabalho e uma delas é a área
da saúde. Atuando num trabalho de cuidado às crianças com diabetes,
por meio do ambulatório, aí eu desenvolvi um estudo sobre o cuidado, e
com a inserção do mestrado de saúde coletiva eu fui discutir o trabalho
do cuidado. Eu nunca abandono a questão do trabalho, ela vai vai estar
comigo, diria até hoje, mas ela na academia ela continua presente até a
minha retirada da Universidade Regional de Blumenau. Ali, eu passei
a estudar o trabalho de cuidado às pessoas dependentes, ele não é
presente não só para os profissionais, mas, muito mais para família.
É a família que acaba absorvendo esse cuidado, pois a pessoa está
fora do mercado de trabalho e, ao mesmo tempo, não tem um amparo
do estado que viabilize, que todos continuem trabalhando tendo sua
vida e a pessoa sendo cuidada. Não, na realidade que nós temos
principalmente pelo programa instituído pela ex-presidenta Dilma,
que era a internação domiciliar, que era o processo de desospitalização,
considerava-se que nós estávamos muito avançados tecnologicamente
com as possibilidades, claro com todos os medicamentos existentes,
possibilidade de não haver mais hospitalizações, muito pelo contrário,
era para diminuir o máximo. Por outro, as pessoas que dependiam de
cuidado tinham um acompanhamento de profissionais da saúde inteira
em casa mas, tinha que ter o cuidador da família também, quem podia
contratar, muito bem, contratava. Mas essa não é uma realidade para

244
Por Júlia Bernardes Laurindo

a maioria dos trabalhadores. E mais ainda controverso, mais pesado


para mulher. Aí vem toda discussão do trabalho de cuidado da mulher
que não se restringe ao cuidado da pessoa independente, ao contrário,
as mulheres cuidam da família, elas fazem mesmo trabalhando ainda,
fora a jornada dupla, e mesmo a mulher que fica só com um trabalho,
do domicílio, ela está fazendo um trabalho de cuidado. Essa é uma
discussão entre as feministas que querem incorporar esse trabalho
no contexto da economia do país, isto deveria estar PIB de um país.
Continuei com isso e depois fui fazer pós-doutorado e fui fazer pesquisa
exatamente nesse tema, então eu terminei minha trajetória discutindo
o trabalho de cuidado e as suas mazelas do interior da relação familiar.

Pergunta: No seu histórico de pesquisa na Furb, eu pude


perceber que a senhora também trabalhou com a incubadora
tecnológica de cooperativas populares, no momento atual de
pandemia, como é que você observa a importância dessas
cooperativas populares?
Vilma: Poxa vida.. é que na década de 90 a gente tava discutindo
muito a questão da terceirização, o deslocamento da produção direta
para a transferência de casa do seus trabalhadores, ok vamos pensar
então numa outra alternativa, falar “ Ah consegui dar um basta nessa
exploração” que se assemelhava a uma exploração que já existia na
acumulação primitiva, ou seja, no início do capitalismo, esse tipo de
exploração, quando não era desenvolvido. Qual era a alternativa que
tinha? O cooperativismo estava muito presente desde essa discussão,
no início na acumulação primitiva, e o fato do trabalhador poder se
organizar numa cooperativa, auto gestora, era uma resposta, uma
saída a exploração do terceirizado. O quê hoje nós temos, uma outra,
uma realidade bastante semelhante em termos de desemprego,
bastante semelhante à desigualdade. Todo o tipo de serviço, não só
da economia da economia diretamente produtiva, mas as indiretas,
é o que nós estamos vivendo hoje, as pessoas levando o seu trabalho
para casa. Reorganizando os seus ambientes familiares, para poder
manter o emprego, quem está conseguindo manter, mantém porque
transformou a sua casa na unidade empregadora. E obviamente que
isso não vai mudar com o fim da pandemia, muito pelo contrário, tende
245
Prof. Dra. Vilma Margarete Simão

a ser aprofundado, é tudo o que o capital mais queria, não ter despesa
com o trabalhador.

Pergunta: E qual na sua opinião, que é o maior desafio para


os professores pesquisadores?
Vilma: O nosso desafio já existia antes, e ficou bem mais evidente
agora, neste tempo de pandemia. Primeiro, a ciência brasileira não
tem o seu espaço ou ser valorizada e considerada de fato um trabalho
que vai contribuir, coisa que nós temos muitas dificuldades no Brasil,
dado é que a ausência de financiamento, principalmente na nossa área
humana e social, ela é muito difícil. Não querem investir na produção
desse conhecimento, o que interessa, se eles mal investem nas pesquisas
que podem gerar tecnologia e que venha a contribuir diretamente no
acúmulo de Capital, imagina as nossas. Agora elas estão cada vez mais,
e mais difíceis, os financiamentos são pouquíssimos. O maior desafio
é conseguir recursos, recursos financeiros para o desenvolvimento da
sua pesquisa. Mas esse desafios não é de hoje não, na nossa área esse é
um desafio constante que tende a piorar nesse momento com o governo
que está aí, e se nós não conseguimos mudar ele, também não vamos
conseguir mudar tão imediatamente tudo que ele está destruindo
né. Nós só vamos conseguir mudar isso com uma outra concepção de
sociedade, na nossa área. Na área de saúde parece que está um pouco
melhor, ok, precisamos desenvolver um conhecimento aqui para nos
proteger, proteger a saúde da população, que aliás a ausência de saúde
é ausência de produção e isso acaba afetando toda a sociedade. Talvez
por isso nós tenhamos uma possibilidade maior, mas eu não acredito
nas áreas humanas e sociais que isso venha mudar, a não ser realmente
na sociais aplicadas que as próprias empresas tenham interesse de
investir. Aí vamos continuar fazendo o que a gente sempre fez, muito
esforço, muito esforço e produzindo com o mínimo de condição.

Pergunta: Como a senhora acha que fazer as pesquisas


realizadas, por exemplo na FURB, podem chegar de maneira
mais fácil na população?

246
Por Júlia Bernardes Laurindo

Vilma: Na população de fato é um compromisso do pesquisador-


trabalhador devolver o resultado do estudo. Não tem outra forma, a
população tem pouco acesso, primeiro ela vai pesquisar na internet ou
nos próprios sites que divulgam a pesquisa, e ela não vai procurar a
não ser que o pesquisador volte, dê o retorno de seu estudo e indique
onde ele pode buscar. “Oh tá aqui publicado, você pode ter acesso sem
custo”. Por isso mesmo na área sociais humanas, sociais, saúde, é uma
é um compromisso ético, nós temos que assumir esse compromisso
ético e devolução dos resultados, sempre. Não apenas ao entrevistado,
mas a todo o grupo que de algum modo ele vai se beneficiar ou ter
alguma influência na sua vida, aquele resultado de estudo, resultado
da pesquisa. Então é isso, é divulgação dos meios de comunicação, o
jornalismo é um grande parceiro, as mídias com certeza contribuem
muito. E infelizmente ela fica muito presa ao que está dando destaque
no momento, então pincela aqui, pincela ali, não tem uma organização
para divulgar a pesquisa, o conhecimento produzido no local, seja o
local município, estado ou Brasil, que seja é claro, se é daqui, vamos
divulgar o quê é produzido aqui . De vez em quando têm algumas
entrevistas, mas tem que dar muita ibope senão não chama não.

Pesquisa: Dentro de suas áreas de pesquisa: trabalho,


autonomia, desemprego, saúde e processos de trabalho,
qual que é o seu favorito para pesquisar, e qual que deveria
ganhar mais atenção Principalmente agora no momento de
crise?
Vilma: Processo de Trabalho. É sem dúvida o processo trabalho, pois
ele não delimita campo e quando tu estuda o processo trabalho tu
desvela as próprias mazelas da relação da sociedade com o trabalho,
os processos desvelam as relações da sociedade com o trabalhador
e com acesso que estes trabalhadores possuem sobre ou sob o seu
próprio trabalho. Sem dúvidas, queres discutir jornalismo como ele é
desenvolvido? Qual é a importância que ele tem? Como ele pode ter
uma repercussão ou contribuição direta na sociedade? Tu vai discutir
processo de trabalho, não tem como evitar, ele tá sempre presente
quando a gente discutir relações de produção, desenvolvimento

247
Prof. Dra. Vilma Margarete Simão

econômico-social e o retorno desse desenvolvimento à população, no


caso aqui, população brasileira.

Cognitum: E na área de pesquisa qual foi, na sua opinião, a


orientação mais desafiadora?
Vilma Simão: Olha eu vou dizer o que vem na memória logo assim.
Desafiador pra mim, foram muitas, mas lembro de um trabalho de
TCC, a aluna foi discutir a questão da Saúde Mental e a organização
dos CAPS, e a organização dessas pessoas cuidadas para o trabalho, e
aí associou a questão da saúde e da cooperativa e como nós poderíamos
organizar estas pessoas, que têm algumas debilidades na sua saúde
mental, e, ao mesmo tempo querem autonomia, não querem depender
da família. Então como elas poderiam se organizar, produzir e ter a tão
almejada autonomia que é passível, então discutir autonomia de uma
pessoa com frágil saúde mental e autonomia de renda e trabalho, foi
muito desafiador, de fato foi bastante difícil e conseguimos chegar a
algumas conclusões. Tudo bem, nem todo mundo tem autonomia, tem
usuário do CAPS que não tem autonomia, essa é a lei da sociedade,
estamos avançando muito quando aceitam que elas podem conviver
com a gente, que não precisa serem presas, o que, novamente, está
em risco com as novas propostas do presidente Bolsonaro de acabar
com a reforma psiquiátrica no Brasil e retomar os “presídios”, pois
não passavam de presídios. Então nós tínhamos que enfrentar essa
discussão da autonomia, que eles são passíveis sim, de autonomia e no
mesmo tempo conseguir ter um resultado de trabalho.

Cognitum: Quando um aluno pedia para a senhora orientar


uma pesquisa dele o que você dava como um conselho inicial?
Vilma Simão: “Domine o método de estudo. Método de estudo e
exposição”. Sem um método que não se produz o resultado de pesquisa,
não se produz conhecimento novo ou re-afirmativo do que existe. A
questão do método é crucial para qualquer dúvida, e claro como eu
tinha orientação Marxista, lógico, e eu orientava eles a ler o método
histórico-crítico, vai mostrar tanto o modo de fazer o estudo, como
modo de expor o resultado deste estudo.

248
Por Júlia Bernardes Laurindo

Cognitum: A senhora via que tinha uma preocupação da


FURB, por exemplo, em socializar, deixar de forma mais
simples os resultados dessas pesquisas científicas?
Vilma Simão: Sim. Seja por meio de publicação ou ao expor em reuniões
para a população, estar junto da população. Cada estudo que a gente
fez, cada pesquisa concluída, nós voltávamos aos sujeitos da pesquisa
e devolvíamos os resultados, fosse por meio de Sindicato ou associação
de moradores. E quando isso não foi possível que era muito amplo, aí
enviamos para representantes das pessoas pesquisadas um livro, ou
um artigo publicado.

Cognitum: Na sua opinião qual é o maior desafio na hora de


trazer alunos para o mundo acadêmico de pesquisa?
Vilma Simão: Na FURB, disponibilidade de tempo e renda que
possibilite estar como um aprendiz de pesquisa. Essa sempre foi a maior
dificuldade. Infelizmente, os nossos alunos, a maioria deles precisam
obter renda, e durante a faculdade, a maioria deles não podem abrir
mão de um trabalho que dê a ele uma renda para se manterem, tanto na
universidade quanto fora. Essa sempre foi a maior dificuldade, embora
a gente sempre conseguisse por meio de uma bolsa, essa pesquisa nossa
que tem livro publicado sobre trabalho. Quem financiou a pesquisa
durante dois anos foi o sindicato. Foi ótimo, foi muito bom mesmo
eles financiaram, eu consegui ter mais alunos para trabalhar comigo
e a bolsa era um pouco mais que na FURB. Então a gente consegue
ter quando o aluno ele tem uma capacidade econômica financeira um
pouco melhor que conseguia viver com a bolsa, bem pequena. Antes
não era mais que R$300, ou menos de R$400. Não tá ruim, mas tem
que pagar aluguel, manter a alimentação, pagar universidade, é difícil,
meio complicado, mas de qualquer modo a gente sempre conseguiu
fazer, mas era uma dificuldade.

Cognitum: A senhora falou sobre a pesquisa feita com os


trabalhadores da área têxtil e a sua pesquisa sobre “As
alternativas encontradas pelos desempregados têxteis de
Blumenau para enfrentar a crise de trabalho formal e manter

249
Prof. Dra. Vilma Margarete Simão

a sobrevivência individual familiar”. Atualmente, com a


crise causada pela pandemia, a gente está vendo também um
alto número de desemprego novamente e também algumas
diferenças de trabalho como as fast fashions e as próprias
empresas da região fechando ou indo para os lugares. Os
trabalhadores precisam se reinventar. E se a pesquisa fosse
feita atualmente quais seriam alguns pontos diferentes que a
senhora poderia incluir nessa linha?
Vilma Simão: Eu acho que a diferença é o aprofundamento desse
tipo de relação. Na época quando nós estudamos um bom número de
facções, eu tinha relação de 200 facções, nós fizemos uma coleta, uma
amostra estratificada e deu na época 30 facções que a gente conseguiu
fazer o contato. E era uma relação que conseguimos com a Hering,
um parceiro na Hering que consegui para nós, e claro, com a relação
que tinha do sindicato a gente comparou e tentamos distribuir. Essas
facções já existem há bastante tempo, o custo que eles pagam pela
produção é muito, muito pequeno, muito baixo. Mas hoje, eu acho que o
pior é porque não houve tempo, muito tempo para esses trabalhadores
se organizarem e está disseminando em todos os tipos de trabalho,
seja ele trabalho direto ou indireto. O que nós chamávamos antes, de
trabalhar autônomo, na época de 90 tá reaparecendo agora com uma
nova roupagem, ou seja, é um empregado tendo que financiar o seu
custo de produção tanto quanto um trabalhador informal, e mantém o
vínculo. Esse vínculo, agora, não sei se vai se manter, estamos em um
momento muito turbulento, não dá para ter certeza, é ter hipóteses e ter
que estudar muito isso, pois de fato o que está aparecendo é um novo,
uma repetição do que aconteceu na década de 90. E foi o afrouxamento
das relações de trabalho, os trabalhadores do Brasil se movimentaram,
sindicatos se movimentaram junto ao congresso, não foi permitido que
se aprovasse, inclusive as quarteirizações, as terceirizações infelizmente
foram aprovadas. Elas não são ilegais, que antes eram ilegais, mas
quarteirizações, que é a terceirizada contratando o outro para fazer o
que ela foi contratada, e é muito, muito pior pois tem menos, menos
proteção social do que o terceirizado, pois ele ainda tem uma legislação
que permite, claro, diminuir muito a renda e proteção social só vai
existir se ele mesmo financiar a sua proteção. No momento atual, tem

250
Por Júlia Bernardes Laurindo

uma justificativa de pandemia, a justificativa do capital falando: “Não,


eu tenho que fazer isso porque senão vou desempregar ainda mais,
mais pessoas vão ficar sem renda”. É tudo que eles queriam. É ter uma
justificativa desse modo para poder acelerar e tornar legal esse tipo de
relação trabalhista.

Cognitum: A senhora falou sobre América Latina antes. A


senhora cita uma pesquisa sobre a América Latina e disse ela
vem envelhecendo sem o estudo e estrutura da população em
contexto de vulnerabilidade socioeconômica. O que pode ser
feito para mudar essa realidade?
Vilma Simão: Só tem um modo, só um. É o estado se afastar da sua
proposta neoliberal e organizar o que nunca teve no Brasil de fato, e
na América Latina apenas em alguns países, que é o bem-estar social.
O bem-estar social nos modelos do norte da Europa, países nórdicos,
ou seja, ter esse bem-estar social que de fato redistribua a renda e não
consiga admitir concentrações de desigualdade que vão além de 40%
de diferença entre outros. Aqui no Brasil se tem 95% de trabalhadores
que acessam a 5% da produção da economia do país, da nossa riqueza.
E é bem, bem o contrário enquanto 5% tem toda essa riqueza, 95%
fica para eles, praticamente riqueza toda, então isso não é possível,
sem isso não é possível diminuir as desigualdades sociais. E os países
da América Latina que melhor estão, temos, por exemplo, o Uruguai,
que é uma referência, embora esteja sofrendo alguns problemas agora
durante a pandemia, e a Costa Rica, que é outro exemplo de sucesso,
de um estado que atua na diminuição de desigualdades sociais. E o que
o Brasil representa, territorialmente, esmaga o restante da América
Latina. Também os dados do Brasil acabam mostrando que a América
Latina está no fundo do poço da desigualdade social. Sempre quando
você estuda América Latina tem que olhar os dados na América Latina,
Brasil para ver se não é o Brasil mesmo que está colocando para baixo.

Cognitum: A senhora escreveu o artigo: “Sem emprego


sem trabalho e sem política pública” em 2016 e o país se
encontrava numa perspectiva diferente. Quais semelhanças
a senhora observa no cenário atual do país?
251
Prof. Dra. Vilma Margarete Simão

Vilma Simão: Sem emprego, sem trabalho. Nós vivemos um período


melhor nas condições de emprego. Eu não queria falar mas, eu fui PT, eu
nunca fui petista, porque o PT para mim não defendia a sociedade que
eu queria, ele queria mais além. Ele era social-democrata, que tudo bem,
o estado de bem-estar social mais forte, mais produtivo e eu já vinha de
uma formação política que é construir o socialismo mesmo, mas teve o
PT militante, mas teve conflito. Não dá para negar a melhora do país,
a melhora da economia, da capacidade de produção e redistribuição
desta produção, então temos melhora, tivemos uma renda mínima
melhor, o reconhecimento da renda como uma necessidade humana,
e se é de necessidade humana, se não está uma capacidade de trabalho
desenvolvida, se não está conseguindo obter renda, simplesmente por
ser humano tem direito a viver, tem direito à vida, para viver, tem que
ter um condições para isso. Nós tivemos melhorias nos projetos sociais
de redistribuição de renda, mesmo que não tinham uma inserção
direta no mercado de trabalho. Então nós passamos a melhorar,
pessoas tinham renda, mesmo que sem emprego, hoje as pessoas estão
com renda porque teve uma pandemia, então olha quantos milhões de
trabalhadores. Claro que teve muitos furos, infelizmente a corrupção
do Brasil não está apenas na esfera política, ela está em todos os níveis
da nossa sociedade. É muito ruim, é triste do lado você pode ter uma
pessoa completamente aética. Mas nós agora temos um Estado que
se diz que tem dinheiro, sem condições, sem recursos para amparar
essa população que está sem renda, sem trabalho. Tem desemprego,
porém nós temos comprovadamente já, alguns ganhos de milhões
por parte de empresários brasileiros que ganharam só para venda da
Cloroquina, Ivermectina, só com milhões. O Estado brasileiro gastou
quanto comprando essas drogas, nos Estados Unidos, com o prazo de
validade praticamente vencido. Só com esse dinheiro daria pra amparar
milhões de trabalhadores, e não com R$150 como agora. Impossível
viver dignamente com esse valor. Então com certeza nós tivemos um
acirramento da desigualdade, e um aumento de pessoas sem renda. Nós
estamos com 14,5% de trabalhadores desempregados hoje no Brasil.
Na década de 90, a pior época de desemprego no Brasil, nós chegamos
a 12%, e foi exatamente a década das terceirizações, do fim do modelo
fordista de produção que verticaliza toda a produção. Você tinha na

252
Por Júlia Bernardes Laurindo

fábrica o almoço, médico, a fábrica produzia fio, produzia malha, era


vertical. Então desde o início com a matéria-prima até o deslocamento
da mercadoria. Com isso ela absorvia, o número de trabalhadores era
muito maior. Quando ela desloca tudo isso, desloca blocos da fábrica,
esses chamados serviços indiretos, ela diminui a empregabilidade. Aí
na década de 90 tu sabes que aumentou muito a absorção da mão de
obra no setor de serviços, deixando de ser a indústria, exatamente esses
movimentos que aconteceram no modo de produzir das fábricas. E
hoje nós estamos num momento diferente, porém com semelhanças no
comportamento de deslocamento do custo da produção, isso é visível.
Nós poderíamos novamente estar produzindo, desenvolvendo estudos
de pesquisa sobre a questão de quem tem renda, quem não tem renda,
quem tem trabalho e quem tem emprego, porque a diferença entre
trabalho e emprego. O emprego é um conceito que foi muito debatido,
o trabalho e emprego, o emprego só existe com vínculo empregatício e
um vínculo empregatício é registrado, não é um vínculo empregatício
informal, não, tem formalmente com toda acesso a proteção social que
a carteira assinada, como eu via nas nossas entrevistas: “Ah eu tenho 30
anos de fichado, então sendo fichada eu posso me encostar, se eu não
estou, eu não posso encostar”. Ou seja, se eu tenho, legalizada, o meu
vínculo de emprego, eu posso ter acesso benefícios da previdência, se
não, não tem. “Ah, eu trabalho, mas não tenho emprego”. A sociedade
atual vai ampliar muito mais essa relação de pessoas com trabalho,
porém sem emprego, sem proteção, ela mesmo que vai ter que dar
conta. Trabalho, cada um pode desenvolver. Tudo bem, essa é uma
discussão também mais forte, porque a literatura, anterior, ela discutia,
ela fazia um pouco até de confusão, digamos assim, ela assemelhava
muito a relação Trabalho e Emprego. “Ah, não tá empregado, não
trabalha”. Não, esse é referenciada em alguns autores, principalmente
aqui no Brasil quem mais trouxe a discussão foi o Ricardo Antunes
da Unicamp e, claro, o mundo todo pegava desde David Harvey como
referência internacional e vários outros que abordam a destruição da
terceirização, mas só cito dois agora. Então, é isso, lá a gente discutia,
não é o fim do trabalho, é o fim do emprego. Por que a importância
dessa discussão? Porque o fim do trabalho dava a entender que a
sociedade estaria livre do trabalho. Não dá para ficar livre do trabalho

253
Prof. Dra. Vilma Margarete Simão

porque só por meio do trabalho que nós vamos transformar o nada em


algum produto e que nos atenda a alguma necessidade. Muitos já dizem
“Não, estamos no fim do trabalho”, principalmente os pós-modernos
adoravam dizer isso. E os modernos, não: “Vamos contestar, pois
isso não é verdade”. Continuasse independente do trabalho, só vamos
conseguir ter produtos que satisfaçam nossas necessidades humanas,
por meio do trabalho. O emprego sim, o emprego ele estava em perigo,
e o propósito do empregador sempre foi se livrar do trabalho vivo, ou
seja, se livrar do empregado. Quanto mais máquinas menos eu me
incomodo. Mas vai precisar pelo menos de um para ligar a máquina,
então não dá para dizer adeus ao trabalho. Por isso que esse título
do livro “Sem emprego, sem renda e sem trabalho” que o pior é sem
trabalho. Pessoas completamente desalentadas ou uma mão de obra
por demais obsoleta que não consiga mais desenvolver trabalho, por
não ter o mínimo de conhecimento, que a nossa educação não estava
possibilitando a essas pessoas.

Cognitum: Voltamos agora um pouquinho mais sobre a


parte de pesquisa e mais sobre o futuro da pesquisa. Como
a senhora acha que a gente pode fortalecer a pesquisa neste
momento dentro da academia, principalmente na FURB, e o
que a gente pode esperar nos próximos anos?
Vilma Simão: Olha, pra mim é um pouco difícil de responder, pois eu
estou afastada da FURB, meu único vínculo é o grupo do mestrado.
Acompanho algumas discussões, mas eu não saberia dizer. Eu acho
que a FURB está com dificuldades, não só em pesquisas, é profunda a
desigualdade e dificuldade da Universidade Regional de Blumenau. É
em se manter, a manutenção da instituição está em risco, não só pela
pandemia, mas por todo o processo de mercantilização da educação,
que não importa como vai se chegar a um diploma, mas que o tenha,
e que entenda a exigência internacional de tanto. Isso acontecia no
governo PT, não é de agora não. Era o percentual de trabalhadores com
graduação para poder dizer que a mão de obra estava qualificada. Mas,
Nossa Senhora, a FURB com 5 mil alunos. Se a pesquisa já era difícil,
imagina hoje. Infelizmente, eu penso hoje que não há outra alternativa,
senão uma incorporação da nossa instituição pelo poder público. Olha
254
Por Júlia Bernardes Laurindo

o número de universidades que se inseriram aqui, tudo com uma


proposta muito diferente da FURB, e não é com a mesma qualidade
que ela sempre buscou ter. Eu não sei o que responder.

Cognitum: Como a senhora resumiria a importância da


pesquisa realizada pelos pesquisadores da FURB, no
desenvolvimento regional e na área das Ciências Humanas?
Vilma Simão: Eu não sei, a pesquisa é claro que é essencial, você consegue
de imediato tudo hoje, você consegue pensar mais profundamente o
real, isso é fato, sem o conhecimento não se pensa profundamente, não
se pensa o real, há de se estudar. Agora, eu acho que não é só a pesquisa,
é a pesquisa e extensão que contribuíram para o desenvolvimento da
cidade. A inserção que nós estávamos continuamente desenvolvendo na
pesquisa e colocando os nossos conhecimentos por meio de atividades
de extensão e assessoria, cada um no seu espaço. Eu vou me referir
às duas áreas que mais merecem reconhecimento. Na área social, a
gente fazia reuniões na FURB, no sábado, à noite, em qualquer horário
que fosse possível a participação dos trabalhadores, dos moradores
da periferia de Blumenau. Isso foi muito importante, e eles ficavam
felizes da vida, ficavam se achando um máximo por entrar numa
universidade. A FURB era por demais respeitada, era muito bonito
de se ver a satisfação de entrar. Então nessas reuniões que fazíamos,
a gente discutia possíveis alternativas, até mesmo de trabalho, quem
estava desempregado, qual a necessidade de trabalho, as cooperativas
que foram desenvolvidas aqui em Blumenau. Cooperativas de trabalho,
não as de serviço, aquelas antigas de Blumenau que não tinham como
forma de organização um trabalho cooperado de autogestor, tinha
um software. Não, o trabalho cooperativo autogestor era você estar
ali e para ter acesso a renda, precisa estar trabalhando, não basta ser
sócio. Então, isso contribuiu muito, nós temos algumas experiências
boas, muito boas que possibilitaram renda para muitas famílias. Na
saúde nós temos uma inserção direta nos ambulatórios das unidades
básicas de saúde, e evidentemente o PET Saúde, vamos ver pesquisa e
atividades de extensão, foram muitos e continuam sendo importantes,
pois nós estávamos tanto lá na unidade quanto eles na universidade.
Nós semanalmente nos reuníamos com eles para discutir os resultados
255
Prof. Dra. Vilma Margarete Simão

de estudo e discutir as práticas que nós íamos desenvolver, e claro,


como aprofundar. Foram feitas em função do aprimoramento da
política social de saúde também e em função desse conhecimento
no município, mas foi uma boa contribuição. Após essa inserção, até
mesmo no cuidado dessas pessoas, um exemplo bem simples, mas bem
significativo. Havia uma distribuição de seringas para aplicação de
insulina, 15 agulhas por mês. A pessoa com diabetes, faz, ou fazia, hoje
tem outras tecnologias, mas acho que a população não tinha acesso, ela
faz uso de aplicação de insulina pelo menos três vezes ao dia, durante
trinta dias. Aí ela vai usar uma seringa durante dois dias, seis aplicações,
e o que vai acontecer? Vai perder o fio, vai arrebentar a pele da pessoa. É
dolorido. E o que ela vai fazer? Ela não vai aplicar insulina, quem é que
gosta de sentir dor? Por isso somos humanos e construímos sistemas de
saúde, a saúde é a maior construção humana, diferente da doença que
é animal. Isso a gente conseguiu mudar, menos sofrimento com uma
ação tão simples, mas era a universidade discutindo e o olhando o que
estava acontecendo. O uso de medicamentos, como ter acesso, qual era
a qualidade desses nossos medicamentos, como eles são fornecidos e a
acessibilidade, além da gente fazer grupos junto à população, claro que
nos AGs, mas grupo discutindo com a população discutindo questões
de saúde e de cuidado. E tem outras pesquisas importantes, na saúde,
o professor Ernane tá na coordenação, é um estudo longitudinal de 20
anos. Isso é estudar o nosso comportamento em desenvolvimento de
doenças ou não doenças de saúde, enfim, a universidade estava inserida
sim, e contribui, não a como não contribuir. A universidade produz
o conhecimento pela pesquisa e ela busca a aplicabilidade por meio
da extensão e é transmissora desse conhecimento, não tem como não
contribuir. Só não contribui as mercenárias que só querem o dinheiro.
Embora algumas ainda se atrevam a colocar o nome de universidade,
não são universidades de fato.

Cognitum: E para finalizar como que a senhora se vê e o que


pretende fazer daqui a 10, 20 anos?
Vilma Simão: Não sei, não sei. Me vejo velhinha daqui a 10 anos, 20
anos mais velhinha ainda, mas eu não sei, às vezes eu fico agoniada,
tenho vontade de voltar a trabalhar na universidade, dá saudade, dá até
256
Por Júlia Bernardes Laurindo

vontade de chorar às vezes, dá saudade mesmo principalmente nessa


pandemia que eu estou um ano e meio praticamente só no sítio, o lugar
mais longe que eu vim foi aqui em Blumenau, foi 90km e isso começa
a angustiar. Claro, com muito medo mesmo, pois sou grupo de risco
hipertensa, fumante aí fica o receio e me mantive mais isolada, eu e
meu marido. Começa a dar uma agonia muito grande, uma vontade
sem fim de chegar e ver a FURB cheia de carro, cheia de gente andando,
aquele estacionamento que a gente via. Me angustia passar ali e ver a
FURB vazia, isso é muito angustiante, a vontade é de entrar é grande.
Mas a FURB convida uns jovens, essa gurizada maravilhosa que é. Mas
daqui a 20 anos eu não sei.

257
Possui graduação em Ciências Biológicas
Modalidade Médica pela Faculdade de
Filosofia Ciências e Letras Barão de Mauá.
Mestrado em Bioquímica pela Faculdade de
Medicina de Ribeirão Preto e Doutorado em
Biologia Comparada pela Universidade de
São Paulo. Possui vinculo institucional como
professor colaborador voluntário na Fundação
Universidade Regional de Blumenau.

Prof. Dra. Zelinda Maria Braga Hirano


Por Isabela Cremer

Apresentação

Z elinda Maria Braga Hirano é mulher, mãe, avó, educadora e


pesquisadora. Natural de Ribeirão Preto, no estado de São
Paulo, veio morar e trabalhar em Santa Catarina no final da década
de 1980, início da década de 1990, pois o marido estava interessado
em se estabelecer na região de Indaial, cidade onde mora até hoje,
como médico ortopedista. Além disso, Zelinda queria que suas filhas
tivessem uma qualidade de vida e uma infância melhor do que teriam
vivendo na cidade grande.
Formada em Ciências Biológicas modalidade médica, hoje
curso de Biomedicina, na Faculdade de Filosofia Ciências e Letras
Barão de Mauá, na época em que veio para Santa Catarina já possuía
o título de Mestra e qualificação como Doutora em Bioquímica pela
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. Foi em decorrência de
possuir o título que quando foi procurar por uma vaga de professora na
FURB, universidade mais próxima da cidade de Indaial, não conseguiu
emprego. Na época, a Universidade Federal de Blumenau ainda não
havia nenhum curso onde Zelinda poderia dar aula, e ainda possuía

258
Por Isabela Cremer

apenas alguns professores com título de mestre no quadro, nenhum


doutor.
Sem emprego como professora universitária, seu trabalho dos
sonhos, Zelinda montou uma loja e passava seus dias atrás do balcão
com um livro escondido, estudando. Foi em 1990, quando a FURB
iniciou os preparativos para abertura do curso de Medicina, que Zelinda
foi convidada para lecionar na FURB e ajudar a montar o curso. Esse
foi o início da história da professora e grande pesquisadora Zelinda
Maria Braga Hirano na FURB.
Já estabelecida como professora, Zelinda criou, em 1991, o
que seria o início de seu grande projeto de vida como pesquisadora. O
Projeto Bugio, atualmente o segundo projeto científico mais antigo da
Universidade, nasceu do instinto de procurar por respostas de Zelinda.
Foi ouvindo os gritos dos Bugios e procurando por eles em meio à mata
que a cientista se apaixonou pelos primatas ruivos.
Ao longo dos anos o Projeto Bugio estabeleceu uma parceria
entre a Universidade Regional de Blumenau e o município de Indaial,
construiu um centro de pesquisas que é referência internacional, fez
diversas descobertas sobre esses primatas, como o fato de que sua
coloração avermelhada se dá pela presença de um pigmento presente
no suor dos Bugios, e trabalhou para a preservação dessa espécie na
região.
A história da pesquisadora no mundo da ciência iniciou ainda
quando criança. Morando em Ribeirão Preto a menina Zelinda
observava os acadêmicos da Universidade de São Paulo (USP)
utilizando cátedras. Para a pequena, aquelas pessoas sabiam de tudo.
Como sempre teve o sonho de ser professora universitária e cientista,
no momento de prestar vestibular acabou escolhendo o curso de
Odontologia. Após apenas alguns meses de curso, Zelinda sabia que
aquilo não era para ela, que não aguentaria ficar vendo a boca das
pessoas. Foi depois daquilo que iniciou o curso de Biomedicina, na
época Ciências Biológicas modalidade médica.
Assim que iniciou os estudos no curso, aos 17 anos, já procurou
por um orientador no universo científico. Foi o Dr. Joaquim Coutinho

259
Prof. Dra. Zelinda Maria Braga Hirano

Neto que orientou a jovem Zelinda. O primeiro ensinamento que


passou para ela foi como lavar tubos de ensaio, e foi a partir daquele
momento que Zelinda soube que era aquilo que queria para a sua vida,
a ciência.
Durante sua vida como estudante de graduação participou de
projetos de iniciação científica, foi plantonista em hospitais, realizou
exames em laboratórios, deu aula em um curso supletivo de Ensino
Médio, e ainda ensinou Bioquímica para seus colegas nas férias. Foi
inclusive por causa dessas aulas aos colegas que acabou realizando seu
mestrado em Bioquímica.
Tudo aconteceu pelo seu amor pela Bioquímica e por uma
promessa. Foi após um semestre desta matéria, com um professor
que achava péssimo, em que todos os seus colegas foram reprovados.
Revoltada com a situação, Zelinda prometeu ao professor que iria fazer
mestrado e doutorado em Bioquímica, e que provaria a ele que existe
uma forma mais fácil de dar essa disciplina, e que não era necessário
reprovar uma turma inteira. Com as aulas que deu aos colegas durante
as férias, alguns deles realizaram a prova de recuperação e conseguiram
aprovação. Anos depois, quando já era professora da FURB, escreveu
um livro sobre Bioquímica e enviou ao antigo professor, para ajudá-lo
a facilitar suas aulas.
Já seu doutorado em Biologia Comparada foi realizado anos após
o início do Projeto Bugio. Buscando mais conhecimentos sobre esses
primatas, Zelinda foi realizar o doutorado nesta área para entender
mais de sua biologia e bioquímica. Foi no desenvolvimento de sua tese
de doutorado, inclusive, que Zelinda fez a descoberta da origem da
coloração avermelhada dos machos da espécie, fato que fez com que o
Projeto Bugio da FURB fosse reconhecido internacionalmente.

Cognitum: Você iniciou sua carreira na FURB em 1990. Como


se deu esse ingresso na FURB?

260
Por Isabela Cremer

Zelinda Braga Hirano: Quando eu cheguei aqui não havia uma


faculdade pra eu trabalhar, e o pessoal da USP, meus amigos, estavam
todos contratados pela federal de Santa Catarina, a UFSC, mas daqui
de Indaial até Florianópolis eram muitas horas de viagem, a estrada
era ruim, e eu decidi não ir para Floripa. Tinha vaga em Bioquímica,
eu fui convidada depois para prestar o concurso, mas meu marido
estava instalado aqui. Então eu fui procurar um emprego na FURB,
mas não havia nada na minha área, e eu já era qualificada doutora, e a
FURB ainda não tinha isso, apenas alguns poucos mestres. Daí eles me
disseram que não havia vaga e eu fiquei bem triste. Voltei para Indaial
e pensei que minha carreira científica tinha acabado. Mas foi uma
escolha de vida, eu queria ter qualidade de vida para criar as minhas
filhas, por isso que viemos para cá também. Então eu montei uma loja
em Indaial. Mas eu gostava tanto de estudar que eu ficava com o livro
de bioquímica atrás do balcão estudando. E daí o que aconteceu? A
FURB decidiu criar o curso de medicina. E como eu era professora do
curso de medicina da USP, meu currículo serviu. Eu fui chamada para
ajudar a montar o curso de medicina, e assim eu comecei na FURB,
como professora exclusiva do curso de medicina, dando as disciplinas
de bioquímica e fisiologia. Muito tempo depois que eu fui dar aulas
para outros cursos.

Cognitum: A senhora já desempenhou atividades como


professora, pesquisadora e extensionista na FURB, certo?
Qual foi aquela que mais gostou de trabalhar?
Zelinda Braga Hirano: A FURB tem um PET (Programa de Educação
Tutorial), o PET Biologia, e eu fui a única que conseguiu aprovar este
programa PET dentro da FURB na época. Este programa era vinculado
à Capes, e hoje ao MEC. Hoje o PET Biologia tem 25 anos e é coordenado
pela professora Simone, e eu fiquei como tutora por 20 anos. E o PET
é uma tríade, é ensino, pesquisa e extensão. Então a gente fazia as três
coisas. E eu vou te dizer uma coisa, não existe uma forma de desvincular
as três. Depois que eu iniciei minhas atividades no PET como tutora eu
vi que em todas as áreas de pesquisa você precisa unir as três coisas, elas
são muito interligadas. Porque a pesquisa gera muito conhecimento
para que você faça um trabalho de extensão. A ciência não pode ser
261
Prof. Dra. Zelinda Maria Braga Hirano

uma ciência apenas para cientistas, ela tem que ser uma ciência para a
comunidade. Ela tem que gerar conhecimento para a população de uma
forma geral. Então você acaba aprendendo que você pega um aluno da
base, desenvolve trabalhos científicos com ele, que são o ensino e a
pesquisa, e o conhecimento ali gerado tem que ser expandido, tem que
ir para a comunidade, e aí você faz a extensão. Não existe uma coisa sem
a outra, essas coisas são muito interligadas, são muito especiais e cada
uma com a sua característica. Então nem sempre quem faz a extensão
precisa ser aquele que fez a pesquisa básica, mas ele tem que estudar
de qualquer jeito toda essa pesquisa desenvolvida para poder gerar um
trabalho de extensão. Então todo trabalho de extensão é gerado a partir
da pesquisa e do ensino. Não existe uma maneira de você desvincular.
Um extensionista sempre vai ser um pesquisador. Então se você me
perguntar o que você mais gostou, eu vou te dizer uma coisa: eu não
vejo maneira de desvincular as três coisas, acho que elas estão inter-
relacionadas e muito interligadas. Acho que a extensão é fundamental
para a Universidade e para a ciência, porque é na extensão que você gera
o conhecimento popular. Você tem que fazer com que tudo aquilo que
seja gerado lá na base como ciência seja adquirido pela comunidade,
seja informado de uma maneira mais comum, senão a ciência fica entre
os cientistas e ninguém sabe de nada. Agora na pandemia a gente está
vendo isso, como as pessoas estão procurando conhecimento científico
de uma maneira mais leve e informal.

Cognitum: Podes contar um pouco sobre o que é esse projeto?


Qual a importância de uma atividade como essa para a
pesquisa realizada na FURB e para a educação social?
Zelinda Braga Hirano: O PET é um projeto incrível. Ele tem por objetivo
fazer com que quem participe dele se torne um cidadão diferenciado.
Ele pode até se formar em Ciências Biológicas, mas se ele for virar um
vereador ele terá a capacidade de interpretar as coisas, de elaborar
programas de uma forma mais rápida e criativa. Então o aluno fica em
um grupo de 12 pessoas, com uma professora tutora. O tutor tem que
promover atividades para esses 12 estudantes, então esses 12 estudantes
têm que fazer pesquisa, ensino e extensão. Todos eles voltados a coisas
atuais. Por exemplo, na biologia se desenvolve muitas coisas voltadas à
262
Por Isabela Cremer

sustentabilidade, à mulher na ciência, ao racismo, todas essas questões


ligadas a desmistificações sociais. O que eles fazem? Eles vão até as
comunidades, fazem trabalhos junto a escolas, promovem, agora na
pandemia, muitas lives sobre conhecimentos voltados à biologia, que
são adquiridos dentro da Universidade. Eles levam todo o conhecimento
científico para a população. É um programa muito intenso, o aluno tem
que fazer pesquisa, ensino e extensão durante todo o período em que
está no PET. Para entrar ele precisa ser aprovado através de um mini
concurso interno, depois disso ele é registrado junto ao MEC, como
bolsista PET, e ele precisa provar as atividades desenvolvidas durante
todo o tempo em que foi bolsista. Durante esse programa o bolsista
faz muitas atividades, então o currículo que ele sai da Universidade é
um currículo diferenciado. Enquanto um aluno comum de graduação,
que acompanha um professor, vai ter de um a quatro certificados, um
aluno que fez PET vai sair do curso com uns 20 ou 30 certificados de
atividades de pesquisa, congressos, ensino e extensão. É muito bom
porque o aluno aprende o quanto é importante a inter-relação dele, como
biólogo, com a comunidade. Ele não vai conseguir fazer nada, a gente
não consegue fazer nada, se não tiver o envolvimento da comunidade,
quando a gente quer alcançar algo no campo biológico. Hoje em dia eles
usam informes, vídeos e diferentes meios de comunicação visuais, não
mais presenciais, e daí as pessoas vão se informando. O aluno Petiano
acaba aprendendo muito mais do que só a universidade.

Cognitum: A partir do seu Lattes conseguimos ver que a


senhora tem uma linha de especialidade sobre biologia
animal, principalmente primatas. Como acabou indo para
essa área da biologia? Como acabou se apaixonando pelos
Bugios?
Zelinda Braga Hirano: Falar de Bugio pra mim é falar da minha vida,
são 30 anos que já estou trabalhando com eles. Todo cientista tem
mania de fazer ciência. Todos nós somos cientistas intrinsecamente.
Você nasce e está sempre perguntando as coisas, e o fato de você estar
sempre perguntando e questionando já te faz um cientista. Quando
cheguei em Santa Catarina eu fazia caminhadas pelas ruas de Indaial,
e quando eu caminhava eu escutava um bicho gritando na floresta.
263
Prof. Dra. Zelinda Maria Braga Hirano

Eu perguntava pra população o que era aquilo, e eles contavam que


era o Bugio, que iria chover e outras coisas. Eu como cientista muito
curiosa pensei, eu quero saber que bicho é esse, nunca vi. E daí tem
essa floresta em que eu trabalho, no Morro Geisler. Eu peguei uma
faca e um garfo de churrasqueira, e fui subir o morro. Nunca tinha
entrado em uma floresta. Quando eu fui pro meio do mato eu vi um
bicho lindo, vermelho, maravilhoso. Ele olhou pra mim, abriu as
folhagens e começou a gritar. Naquele momento eu me sentei no chão
e fiquei me perguntando que bicho era aquele. Eu me encantei. Foi a
partir daquele momento que eu mudei, porque eu era uma cientista
de laboratório, trabalhava com ratos em um controle enorme, luz
e temperatura todos controlados. E o que eu fiz pra conhecer esse
bicho? Como eu tinha, e ainda tenho um grupo de pesquisa na USP,
mandei pra esses meus colegas para ajudar a identificar que animal
era aquele. Eles me informaram que era um bugio. A partir disso,
como todo bom cientista, fui vasculhar todo o conhecimento científico
da época, e não tinha ninguém que trabalhasse com bugio em Santa
Catarina. No Brasil tinha apenas um grupo no Sul e outro em Minas
Gerais, e eram trabalhos muito simplistas ainda, porque era o começo
de uma geração de estudos comportamentais mais aprofundados. Eu
não tive dúvida, muito curiosa, comecei a estudar os Bugios de forma
paralela, pois trabalhava no laboratório com vitamina C e minerais, e
seres humanos com doenças como diabetes e hepatites. Então o que eu
fazia? Como nunca tinha andado na mata, fui aprender a fazer trilha,
a construir trilhas. Então fiz trilhas que passassem por onde viviam
os bugios, para poder vê-los e estudá-los. Fui aprender como estudar
comportamento, fui fazer uma série de coisas que nunca tinha feito
e comecei a estudar os bugios. Quanto mais eu estudava, menos eu
conhecia sobre esse bicho e mais eu queria entender. Teve uma época
que eu até virei poeta. Eu ficava na mata observando eles e pensava,
Meu Deus, a ciência é tão limitada, a gente tem controle de tudo, com
vocês eu não tenho controle, eu não consigo controlar. Ontem aquela
bromélia não estava ali. O que eu faço, qual validade científica tem isso?
E eu sou encantada por eles. Quanto mais eu estudo menos eu entendo,
mas somos referência nacional e internacional nessa área. atualmente
eu sou vice-presidente da Sociedade Brasileira de Primatologia, com

264
Por Isabela Cremer

muito orgulho. Treinei muita gente no Brasil. Eu amo os Bugios, eu


acho que eles ainda têm muita ciência a ser gerada e eu trabalho na
conservação deles.

Cognitum: A senhora foi a grande idealizadora do projeto


Bugio na FURB. Como foi que essa ideia, ou melhor, essa
necessidade surgiu?
Zelinda Braga Hirano: Eu tinha essa loja e dava aula para o curso de
medicina. TInha um aluno da Biologia, João Carlos da Silva, que um
dia ficou sabendo que eu ia para o mato todo dia, e daí ele chegou na
minha loja e falou assim, “olha, eu sei que a senhora tem curiosidade
com os bugios, eu sou aluno da biologia e eu queria trabalhar com
eles também. Eu também vou para o mato e fico olhando pra eles”.
Aí tinha um programa na FURB, ainda tem, que é o PIPe, e ele era
uma coisa menor, e a gente pedia verba para desenvolver. Daí o que eu
fiz? Eu escrevi o Projeto Bugio, que era um trabalho que se baseia no
conhecimento do comportamento dos animais da floresta, para esse
aluno desenvolver. Foi assim que a gente iniciou o Projeto Bugio. No
primeiro ano, em 1991, em 2021 ele faz 30 anos, a gente trabalhou só
com a FURB. Só que daí a gente foi ficando revoltado porque fomos
descobrindo que as pessoas tiravam bugios da floresta e levavam pra
casa. Mas os bugios crescem e as pessoas não tinham muita paciência
para tratar, e os animais começavam a ficar doentes. Um dia uma
pessoa chegou na minha loja com um bugio morto com vermes saindo
pelo anus. A pessoa tratou o bugio com vermífogo, matou o animal mas
não matou o parasita. Aquilo me revoltou. Eu peguei aquele animal,
coloquei em um saco e fui até a prefeitura. Joguei em cima da mesa
do prefeito. Na época era o Victor Petters, um prefeito que eu respeito
e admiro muito, e perguntei até quando ele ia deixar isso acontecer.
Eu disse pra ele que precisávamos criar alguma coisa que preservasse
essa espécie, que eles pertencem à população e à cidade. E foi aí que
ele fez uma lei municipal que cria o Centro de Pesquisas Biológicas
de Indaial - CEPESBI e o Observatório de Primatas do Morro Geisler,
onde o carro chefe é o Projeto Bugio, por isso que ele é tocado hoje pela
FURB e pela prefeitura de Indaial.

265
Prof. Dra. Zelinda Maria Braga Hirano

Cognitum: E esse estudo comportamental foi a primeira


pesquisa desenvolvida no Projeto Bugio? Quais foram os
resultados obtidos com ela? Qual foi o sentimento com essa
primeira conquista?
Zelinda Braga Hirano: O Projeto Bugio tem tanta coisa pra contar, que
a gente está até montando um documentário para a prefeitura como
comemoração dos 30 anos de projeto. Hoje o Projeto Bugio também
está sendo todo digitalizado para pertencer ao arquivo histórico
do município de Indaial. Nós ficamos para a eternidade, para a
humanidade. Desde menina eu dizia que queria fazer uma ciência que
fosse diferente, que não queria fazer uma ciência apenas para mim e
para os cientistas, eu queria fazer uma ciência para o mundo e para
a humanidade. Então hoje eu vejo que a nossa primeira conquista foi
descobrir que os Bugios passam a maior parte do tempo dormindo, cerca
de 75% do tempo deles de forma inativa. A nossa maior descoberta foi
que o Bugio se auto cora. Quem descobriu isso fui eu, e foi sem querer.
Quando a gente viu que as pessoas apreendiam esses animais, a gente
ia até as casas para recolher os bugios dessas pessoas, e levava para
zoológicos. Nesses zoológicos não havia uma técnica de manejo ideal, e
muitos deles morriam em alguns meses. E aí as pessoas me cobravam,
porque eu tirava os bugios dessas pessoas, levava para um zoológico,
e logo eles morriam. Foi por isso que comecei a pensar em como
criar um método para esses bugios não morrerem. Baseado naquele
conhecimento que a gente tinha no mato, implantei tudo no cativeiro,
desde horário de alimentação até o tipo de alimentos. Hoje a gente tem
Bugio que viveu 20 anos em cativeiro com a gente, porque a técnica
de manejo foi sendo desenvolvida. Hoje a gente serve de modelo de
manejo para Instituições Brasileiras e Internacionais. Hoje mesmo eu
recebi uma carta da Argentina pedindo o modelo de cativeiro e manejo
ideal para os Bugios que eles vão desenvolver lá. Eu acho isso lindo.
Pra mim as primeiras grandes conquistas foi descobrir exatamente
onde eles dormiam, o que e como eles comiam, realmente conhecer a
vida deles para conseguir implementar isso nos cativeiros. E quando
eu pegava esses animais eles me deixavam manchada de vermelho. Eu
olhava e pensava o que era aquilo. Foi a partir disso que eu fui descobrir
que eles suavam vermelho, e assim que eles se auto coram. Eles nascem

266
Por Isabela Cremer

todos marrons, e quando os machos atingem a maturidade vão ficando


vermelhos. Eu fiz o doutorado nesta área exatamente para entender
melhor como isso funciona. Agora estamos terminando uma publicação
que conta toda a história científica dessa secreção que eles liberam.

Cognitum: Quais foram os desafios que enfrentou no início,


para conseguir realizar todas as atividades necessárias para
dar continuidade ao projeto Bugio na Universidade?
Zelinda Braga Hirano: Foi um desafio no início, e é até hoje para que
a gente dê continuidade. Manter os Bugios, tanto em cativeiro quanto
em campo, não é fácil, dá gasto. E a ciência no Brasil tem pouca verba.
A gente tem que viver lutando para conseguir dinheiro para ter as
coisas. No início a gente precisava de uma sede, e ganhamos elas dos
escoteiros, que estavam se mudando. Só que a casa era de madeira, o
piso era de terra com tijolo, e precisávamos reformar. Como já tínhamos
uma parceria com a comunidade, pedimos se poderiam nos ajudar com
materiais, e cada um que tinha restos nas suas casas foram doando, e
a partir disso conseguimos reformar a sede. Até hoje, cada coisa que a
gente tem, cada coisa que ganhamos, é uma luta e uma conquista. Tudo
que a gente precisa é pedido de doação.

Cognitum: Depois de alguns anos, em 1996, também se


iniciou com o cativeiro científico. O que realizaram a partir
disso? Onde esses animais eram assistidos, era em algum dos
campi da Universidade? Qual estrutura da FURB é utilizada
para essas atividades? Ainda é no mesmo lugar?
Zelinda Braga Hirano: Quando começamos não tínhamos sede. Eu
tinha animais na minha casa, na casa das pessoas da equipe do projeto,
tinha cativeiro em diversos lugares. Depois disso que tivemos o nosso
primeiro cativeiro científico. Anos depois que viemos para a sede em
que estamos hoje. Atualmente nós temos 49 animais em cativeiro, sob
cuidados humanos, mas as nossas maiores conquistas é que recebemos
pessoas de todo o brasil para fazer estágio, temos fila de estagiários.
Eu falo sempre para os alunos da FURB que eles devem agradecer
pois a nossa Universidade é a única que tem isso, vem gente do Brasil

267
Prof. Dra. Zelinda Maria Braga Hirano

inteiro para fazer estágio e você tem a chance de conviver com esse
projeto. Agora na pandemia é complicado, pois só podemos receber
um estagiário por período, e a fila é grande. Já recebemos estudantes
do Canadá, da Suíça, temos também um convênio com o México, então
todo ano recebemos estagiários mexicanos. Tanto nossos estudantes
vão pra lá quanto os deles vêm para cá. É muito importante ter essa
troca de conhecimento entre instituições. Mas o mais legal é a gente
saber que é referência. É a nossa Universidade que tem isso, nenhuma
outra. A FURB durante 30 anos, ao longo de várias gestões dentro da
universidade e da Prefeitura de Indaial, nunca houveram conflitos,
sempre houve acordo e o projeto Bugio sempre continuou. Tanto a
universidade quanto a prefeitura veem a importância da existência
desse projeto. A consciência da população de Indaial hoje em referência
ao meio ambiente e ao Bugio é muito grande. A gente não tem mais
apreensão desses animais na cidade. E se aparece algum animal nas
casas eles logo nos telefonam. Isso é maravilhoso. A gente vê que
fez um trabalho de pesquisa, ensino e extensão que deu resultado. É
claro que levou tempo, nada é do dia para a noite. O próprio Centro
de Pesquisas Biológicas de Indaial foi se desenvolvendo aos poucos,
com muita ajuda da comunidade, da prefeitura e da FURB. É legal que
a FURB e a prefeitura sempre conseguem traçar “o que é de quem”. A
FURB ligada ao desenvolvimento científico do centro, e a prefeitura
ligada a manutenção e que tudo funcione no sentido de logística. Então
essa parceria sempre foi muito boa.

Cognitum: Com essa mesma estrutura, em 2000 também


iniciaram com as atividades de reintrodução de alguns desses
animais na natureza. Essa atividade é realizada até hoje?
Zelinda Braga Hirano: Nós fizemos a reintrodução de um casal em um
parque de São Francisco de Assis, mas houve muitos problemas. A
população começou a alimentar os animais. Eu fiquei 8 anos seguindo
esses animais que introduzimos no parque. Outro problema foi que no
início o programa de educação ambiental que não foi bem desenvolvido,
não foi integralizado, mas esse casal teve filhos e continua lá até hoje.
Atualmente nós estamos com um surto de febre amarela na região, e
dificilmente eu soltaria algum deles na natureza agora. neste ano já
268
Por Isabela Cremer

perdemos muitos animais pela doença em Santa Catarina. Ainda


estamos perdendo. O Bugio é um sentinela, nosso anjo da guarda.
Ele sinaliza quando a febre amarela está na região. Depois que ele é
picado pelo mosquito infectado com a Febre Amarela ele logo vai a
óbito. Mas naquela reintrodução tivemos sucesso. Foi um trabalho
complexo, levou tempo para soltarmos os animais. Para tirar o animal
da floresta é um dia, agora para você repor, demora cerca de um ano
ou dois, pois você precisa estudar toda a genética, ver se é compatível
com a região, estudar a bioquímica para ver se não estão carregando
doenças, bactérias, vírus ou fungos para a mata que poderia levar
aquela população de animais da região è extensão. Você tem que fazer
uma série de estudos e ainda adaptar o animal a esse meio selvagem
que ele já desconhece. É necessário ensinar ele a comer folhas, frutos,
se adaptar aos cheiros e ao ambiente florestal para depois fazer a
soltura. Depois nós tivemos que parar de acompanhar esses animais,
pois em 2008, com a enchente e os deslizamentos, foi proibido andar
no parque por quase um ano. Entretanto, recentemente o pessoal do
parque enviou registros desse casal no parque.

Cognitum: Também foram realizados estudos sobre


alimentação e comunicação desses animais na região.
Quais foram os principais resultados e contribuições desses
estudos para a preservação desses animais e conscientização
da população da região da FURB?
Zelinda Braga Hirano: O Dr. Dilmar Alberto Gonçalves de Oliveira, na
época fazendo um pós-doutorado, que fez um trabalho de comunicação.
Ele era da USP, e São Paulo, e ficou aqui 8 anos acompanhando e
estudando a vocalização dos bugios. Ele queria entender quais eram
os sinais que eles emitiam quando vocalizavam. Ele conseguiu decifrar
que existem diversos sinais, com sons diferentes, que significam coisas
diferentes. Alguns desses sons têm relação com encontro de grupos,
outros são sinais intergrupais, e ele fez esse estudo. Com todo esse
conhecimento produzido no Projeto Bugio a gente conseguiu ver, por
exemplo, que os bugios são mais folívoros que frugívoros, quais são as
folhas que eles comem e etc. Tudo isso, a gente leva para as escolas,
ensina as crianças e faz trabalhos de educação ambiental. O projeto tem
269
Prof. Dra. Zelinda Maria Braga Hirano

um programa de educação ambiental bem grande. Hoje a gente tem até


um jogo de aplicativo de celular sobre os bugios. No jogo, de nome
“Comunicação: como os primatas se comunicam”, são trabalhadas
questões sobre como esses primatas se comunicam, qual macaco faz
determinado som. Então foi utilizando esse conhecimento científico
de gravação de som dos macacos que produzimos o jogo. Diversos
conhecimento que produzimos durante os anos do Projeto Bugio
foram transformados em jogos e trabalhos de educação ambiental.
Hoje todos os nossos trabalhos de educação ambiental, incluindo os
jogos, estão junto com o Plano de Ação Nacional de Conservação dos
Primatas Amazônicos (PAN), que está no site do Ministério do Meio
Ambiente. Você entre lá no site, no Projeto Bugio, e todos os jogos
estão lá. É possível baixar o jogo Macacadas no Play Store da Google e
Apple Store para Iphone.

Cognitum: A senhora também trabalhou em um projeto em


parceria com a CELESC para estudar os casos de conflito
entre a rede de distribuição elétrica e os Bugios. Como foi a
realização deste estudo? O que mudou após isso?
Zelinda Braga Hirano: Nós fizemos um Programa de Desenvolvimento
Científico onde eles pagam para a gente desenvolver. A gente fez um
levantamento dos animais que caíram na rede elétrica de Blumenau, e
fizemos um mapeamento de zonas quentes, onde esses animais caiam.
Não só de primatas, mas de diversos animais que acabavam tendo
contato com a rede elétrica. Nós tentamos depois realizar um segundo
projeto, para mitigação dessas quedas nas redes, mas a ANEEL não
deu o projeto de continuidade. Depois que esse trabalho foi realizado,
houve uma ação no Ministério Público para os primatas que caiam na
rede. A partir disso a CELESC implanta, junto do projeto Bugio, pontes
de transição dos primatas. As regiões que eram as zonas quentes,
tentaram trocar os cabos elétricos, e onde não havia essa possibilidade,
eles implantaram essas pontes, que estão sendo monitoradas até hoje
com câmeras.

Cognitum: A senhora atua em basicamente quatro linhas de


pesquisa, a de Comportamento Animal e Bioquímica Geral,
270
Por Isabela Cremer

que já comentou bastante, mas também trabalhou com


Estratégia e Competitividade, e Estudos Organizacionais e
Sociedade, podes me contar um pouco sobre a sua experiência
nessas outras áreas?
Zelinda Braga Hirano: No meu Centro de Pesquisa a gente tenta fazer
com que haja o maior número possível de interações entre profissionais,
pois a ciência não é limitada. Então no Centro a gente possui engenheiros
florestais, veterinários, biólogos, psicólogos, a gente tem várias áreas
de atuação. É nesse cenário que se faz necessário uma estratégia de
desenvolvimento de trabalhos conjugados. Nós fazemos estratégias
educacionais. Hoje em dia eu não atuo mais nessa função, apenas na
conservação dos primatas e faço orientações. Não dou mais nem aula,
me aposentei como professora e continuo apenas como pesquisadora
da FURB. Trabalho todo dia o dia todo, tenho orientandos e amo o
que eu faço. Eu sempre falo para os meus alunos, lembre-se que em
uma profissão você terá problemas, sempre há problemas, mas o fato
de você gostar do que faz, faz com que tire o pé da cama de manhã
pensando em uma solução, e se naquele dia você não pensar em uma
solução, você vai pensar como solucionar no dia seguinte. O que não
pode acontecer é levantar da cama e pensar com pesar que terá que
trabalhar novamente. O seu trabalho tem que ser algo prazeroso, algo
que te dá prazer, satisfação. E essa satisfação posso te garantir que tive
a vida inteira, e continuo tendo.

Cognitum: Quais são os impactos que esses estudos têm na


FURB e na sociedade? Esses estudos e resultados podem
contribuir com quais áreas da sociedade, além da questão
ambiental?
Zelinda Braga Hirano: Sabe que o mais gostoso é hoje eu poder olhar
uma lista de médicos e pensar que foram meus alunos. Poder olhar
uma lista de veterinários e pensar é nesses que eu vou levar meus
cachorros. Assim você vê a quantidade de gente que você formou. E
você sabe a qualidade de formação que você deu. É muito legal isso.
Quando eu vou em qualquer congresso tem uma galera de gente que já
trabalhou comigo, e isso é muito impactante, eu percebo o quanto de

271
Prof. Dra. Zelinda Maria Braga Hirano

gente que eu formei. Era esse o meu objetivo. Eu sou uma educadora.
É Lógico que não fui só eu que formei, foi um conjunto de pessoas
que formaram, mas aquela pessoa é aquele profissional graças a um
pouco do conhecimento que eu transmiti pra ela. É gratificante. Meu
cardiologista foi meu aluno. Meu endocrinologista foi meu aluno,
tudo. Eu faço questão de escolher meus alunos porque eu sei o nível de
formação que eles têm. Eu tenho um aluno em Belém, em Manaus, no
México, que nós ainda conversamos. É muito legal você saber que tem
alunos no mundo todo e que continuam interagindo com você. Para
um educador acho que é tudo você conseguir ver isso, o resultado do
que você quis ser na vida.

Cognitum: Quais foram as suas melhores experiências dentro


dessa área de pesquisa na FURB?
Zelinda Braga Hirano: O que me destaca na minha carreira é o Projeto
Bugio. Quando eu comecei quem me deu apoio foi a FURB. Então
quando as pessoas me perguntam porque eu ainda trabalho tanto
assim para a FURB de graça, eu respondo que eu tenho por convicção
que a FURB me deu a chance de ser o que eu sou, reconhecida nacional
e internacionalmente, eu tive essa chance. A FURB ainda era uma
universidade pequena e eu lembro de escutar do professor Aegon
quando ele era reitor que nós não éramos uma USP, que eu estava
querendo muita coisa. O que eu respondia era que a gente não é, mas
pode ser. Então eu sinto hoje que dentro da área primatológica nós
somos o topo. Eu acho isso muito legal, e esse apoio veio da FURB. A
FURB investiu muito nos pesquisadores em uma determinada época
e nos deu muito apoio. Eu tenho muito orgulho de poder fazer parte
dessa história. A FURB ainda nos apoia muito na ciência e eu sinto
muito orgulho, por isso que eu não largo. Além disso, eu tive uma parte
da minha formação pública, e eu acho que eu tenho que dar um retorno
para a sociedade, e a minha forma de fazer isso, é essa. Eu posso pedir
bolsas para os estudantes e eles podem cursar a Universidade com a
bolsa que eu peço. Se eles têm o meu currículo para utilizar e eu posso
ser útil, assim eu sou.

272
Por Isabela Cremer

Cognitum: Como a senhora resumiria a pesquisa realizada


na FURB para a sua área de conhecimento?
Os primatas sou apenas eu que trabalho. Os grupos de pesquisa são
muito pequenos, ainda estamos caminhando para o desenvolvimento.
Na primatologia hoje tem eu, a professora Sheila, o Julio, e tem pouca
gente que trabalha nessa área, mas a tendência é crescer. Na área da
Biologia a FURB é muito forte, tem várias frentes dentro da Biologia
que são muito fortes. A Botânica é muito forte, o projeto de Micorrizas
é de um professor muito forte, que trabalha muito bem, tem o pessoal
da imunologia, então na área biológica, se você for ver, a FURB tem
muita história. Ciências Biológicas é um dos cursos da FURB com
maior número de bolsistas e estudantes fazendo ciência. Agora há
também o mestrado em Biodiversidade, e é uma área na FURB que
está se fortalecendo. O curso é muito forte e tem uma história científica
muito forte dentro da universidade. Foi esse grupo que começou a gerar
ciência na FURB. Recentemente eu fiquei sabendo que o meu projeto
é o segundo mais antigo da FURB, e que o primeiro foi o projeto da
professora Lúcia Sevegnani, que montou o Herbário Dr. Roberto Miguel
Klein. Então o curso de Ciências Biológicas tem uma força científica
muito grande desde o início da FURB, e vem se desenvolvendo cada
vez mais. Os grupos de pesquisa dentro da biologia são pequenos, mas
todos são fortes pois são muito interligados com outras instituições.

Cognitum: A senhora também atua como assessora


credenciada da Sociedade Nacional de Avaliação da Educação
Superior, o que isso significa? Que atividade desempenha?
Zelinda Braga Hirano: Todo curso e toda universidade são fiscalizados.
Como avaliadora nacional, eu vou para universidades e faço a avaliação
de cursos de biomedicina. Eu vejo se a grade curricular está certa, se
a universidade tem condição de desenvolver aquele curso, e se ela está
direcionando o aluno da maneira correta. A gente faz relatórios e manda
para o Ministério da Educação. O MEC verifica e pontua esse curso. A
gente é treinado, eu até fiz um novo curso no ano passado, via online,
para fazer essa averiguação. Todos os cursos de todas as instituições são
avaliados. Todos os cursos do país são avaliados pelo MEC para ver se

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Prof. Dra. Zelinda Maria Braga Hirano

aquela universidade tem condições de desenvolver aquele curso, e como


ela é pontuada dentro das condições que ela oferece. Para que ela seja
pontuada ela tem que ter determinadas condições, como laboratórios,
número de doutores e professores qualificados, funcionários técnicos
e assim por diante, que vão pontuando a universidade. Tudo isso a
gente é treinado para preencher um determinado formulário, e fazer
um relatório que descreva exatamente o que a instituição tem, o que ela
oferece, e como ela oferece esse curso de graduação. Isso recebe uma
nota, que é o que pontua esse curso. Os cursos são avaliados a cada
dois anos, alguns três, e a gente vai sempre em dois professores para
fazer todo um estudo sobre aquele curso dentro daquela instituição.
A gente avalia com pente fino desde a grade curricular até as salas de
aula, os professores, faz entrevista com aluno, a gente trabalha pra
caramba. A gente também migra. Eu que sou da região sul não avalio as
universidades daqui, eu geralmente vou para o norte e nordeste fazer
avaliações para não ter preconceitos. E isso nos engrandece muito,
porque você consegue, dentro disso, tirar parâmetros para o curso
onde você está. Então eu trazia muito desse conhecimento para os
cursos onde eu dava aula dentro da FURB, do tipo, isso ou aquilo não
pode acontecer, você vai corrigindo a sua disciplina, a maneira como dá
aula, como utiliza os laboratório, implanta coisas para ficar no padrão
de alta qualidade. É muito bom, você aprende muito. Sem contar que
você interage com professores da sua área do Brasil inteiro, o que te
ensina muito, pois cada um tem a sua maneira de ver as coisas. Você
também tem que conhecer muito as leis, então você estuda muito. É
bem legal. Agora estamos meio parados, por causa da pandemia, então
ninguém está migrando. Em 2020 eu não fiz nenhuma avaliação, e
agora em 2021 o MEC já pediu pra gente preencher os períodos que
temos disponíveis para fazer avaliações. Mas ainda não sabemos como
isso será feito.

Cognitum: Também é conselheira da Sociedade Brasileira


para o Progresso da Ciência. O que essa sociedade faz?
De que forma ela atua no cenário acadêmico brasileiro?
Essa atividade impacta de alguma forma a pesquisa que
desempenha na FURB?

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Por Isabela Cremer

Zelinda Braga Hirano: A Sociedade Brasileira para o Progresso da


Ciência é a primeira sociedade científica que existiu no Brasil. Eu falo
que eu sou “SBPCiana” nascida, cuspida e rasgada. Porque eu entrei no
SBPC eu tinha 17 anos e estou desde então. Eu passei por todas as fases
que a SBPC passou, em relação a movimentos políticos, porque a SBPC
é uma sociedade político científica, ela defende a ciência nacional e faz
diversos movimentos. Foi dela que surgiram todas as outras sociedades
científicas brasileiras. Ela é muito forte no cenário nacional, tendo
representantes no CNPq, na FAPESP, em todos os setores científicos
do Brasil, e ela tem também representantes no Conselho de Educação,
em todos os âmbitos. Ela é muito ativa. Nós temos a regional de Santa
Catarina, na qual sou conselheira. Também já fui conselheira nacional
duas vezes. Ela é uma sociedade muito forte, a gente não deixa passar
nada em branco. Agora durante a pandemia tiveram várias lives, várias
brigas, e tudo que acontece a gente manda cartas para o governo. E ela
é ouvida, porque ela tem um papel muito forte. O Conselho Científico
manda carta e o pessoal lê, os ministros leem, a gente é uma sociedade
político científica muito forte e séria, a gente briga pela ciência no país
no sentido de aquisição e distribuição de verba, de ter os órgãos de
fomento como Capes e CNPq em movimento, se tem algum problema
ambiental a SBPC faz um movimento, faz carta e manda para o
Ministério do Meio Ambiente, então ela é muito ativa. E ela já existe
há 70 anos, então é uma sociedade de peso. Eu acho que todo jovem
cientista deveria pelo menos ir a uma SBPC para conhecer um pouco
do que é ciência integrada. Na SBPC se discute a ciência em todos os
ângulos. Você vê gente falando de meio ambiente em todas as esferas,
de saúde também em todas as esferas, você vê jornalismo em todas as
esferas, você vê políticas de divulgação científica em todas as esferas.
Você vai pra lá e vê a ciência como um todo. tem todas as áreas em
um mesmo ambiente, discutindo coisas diferentes, mas todos falando
a mesma língua e discutindo a ciência como um todo, a ciências e seus
papéis em nível mundial. É muito interessante. E também tem toda
a discussão científica e política nacional. Eu pertenço ao conselho
estadual e a gente tem muita interação com a Fundação de Amparo
à Pesquisa de Santa Catarina FAPESC na briga por verba, por saída

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Prof. Dra. Zelinda Maria Braga Hirano

de editais, e temos representantes lá dentro para promover essas


discussões da política científica de Santa Catarina.

Cognitum: Como a senhora avalia o futuro da pesquisa no


Brasil, diante desse cenário de cortes de verbas públicas e
falta de investimentos em diversas áreas do conhecimento?
Zelinda Braga Hirano: A ciência no Brasil é algo desprezado. Nós temos
cientistas de alto nível, de alta categoria, temos pessoas extremamente
criativas, extremamente produtivas, e que são desvalorizadas. Eu
acho que enquanto houverem sociedades como a SBPC, que briga pela
ciência, a gente vai conseguir continuar empurrando tudo o que precisa
acontecer, mas a gente precisaria de mudanças nos investimentos
científicos. É necessário o investimento científico, e parece que nossos
governantes não acordam para isso, de que a ciência é tudo. Veja agora,
em pouco tempo produziu-se vacina para prevenção do Covid-19,
fazendo com que as pessoas sejam menos suscetíveis à doença. Então
gente, e aí? E o investimento? Nosso governo não fez. São coisas que te
apavoram. Mas o Brasil tem futuro, se mudar muita coisa. Eu fico triste
em saber que as grandes cabeças querem sair do país. E são grandes
cabeças, nós temos muitas cabeças muito boas dentro do Brasil. São
grandes cientistas que deveriam ter um investimento muito maior para
que a produção pudesse ser maior. Infelizmente isso não acontece. Mas
eu acredito, pois sou esperançosa, porque acredito na ciência e acredito
que o país vai acordar depois de tudo isso que aconteceu na pandemia,
que vai haver um momento em que vão acordar e será realizado um
investimento de tantos por cento para a ciência, para a tecnologia dos
estados, e que haja um fortalecimento dos pontos científicos mais
fortes em cada estado. Eu acredito nisso. E vejo que, por exemplo, a
SBPC briga por isso o tempo todo. Eu acredito na ciência e acredito que
a gente não pode se desiludir, que só tenha gente ruim na política nesse
país. Tem gente boa, tem gente que faz. Nós vamos chegar lá. Vamos
conseguir fazer uma ciência clara e limpa.

Cognitum: Mesmo estando aposentada ainda atua na FURB


como pesquisadora. Quais são seus planos e projetos para o
futuro?
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Por Isabela Cremer

Zelinda Braga Hirano: Sabe o que eu mais quero? É construir um


novo centro de pesquisa. Nós ganhamos uma área grande e a minha
maior conquista seria construir esse novo centro. Isso está até o PDI
da universidade, que seria o Campus Bugio. O projeto é muito grande,
ele teria um hospital escola para animais, ele teria uma área grande
para manutenção dos primatas, ainda teria uma área de visitação, onde
as pessoas poderiam conhecer os primatas, e eu teria ainda uma área
onde teriam bugios soltos e as pessoas fariam trilha ali dentro. É o meu
sonho. Eu vou sair de casa em casa, de empresa em empresa, pedindo
ajuda para conseguir construir esse centro. É um sonho. Na hora em
que a gente tiver esse centro de primatologia aqui, bem implantado,
aí eu vou poder passar o chapéu e ir embora. Mas até então eu vou
continuar lutando por isso. E espero que ainda tenha muitas conquistas
e publicações com os estudantes. Quero continuar trabalhando com o
que eu gosto. Vou todo dia ao centro de pesquisa. Tenho que dar pelo
menos uma passada lá para ver se os estudantes estão fazendo aquilo
que estava previsto. É um sonho de pesquisador ver as coisas cada vez
maiores né. O centro de pesquisa já é referência, mas ele poderia ser
uma referência ainda maior se tivéssemos essa área construída, e estou
lutando por isso.

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