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Economia

Política
História do Aula 5 ─ Malthus e David Ricardo
Pensamento
Económico
José Sá Carneiro
2021/22

IMP.GE.086.1
CONTEÚDO – A Economia Política Clássica, 1790-1870

1. Introdução
2. Malthus
3. David Ricardo
4. Discussão de um Caso da Atualidade
5. Exercício Prático

Apêndice: Renda Económica (Ricardiana)

Suporte Bibliográfico
• Buchholz (Caps. III, IV); Backhouse (Cap. 7); Blaug (Caps. 3, 4 )
• Samuelson (16.ª Ed.); Mankiw (6. ed.)
• Great Economic Thinkers: An Introduction-from Adam Smith to Amartya Sen, Ed. Colin
IMP.GE.086.1 (2018)
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1. Introdução
• 40 anos depois da Riqueza das Nações, o contexto mudara muito:
o No tempo de Smith, as questões relevantes eram a relação entre a Grã-
Bretanha e as colónias Americanas (o comércio, os impostos), as restrições
ao comércio favorecendo os monopólios, a intervenção no mercado dos bens
alimentares para prevenir a fome…*
o Nas décadas de 1780/90, o problema da pobreza das classes operárias
agrava-se, com o crescimento populacional.
o Em 1776 dá-se a Independência da América, em 1789 a Revolução
Francesa. Em 1804-15 as Guerras Napoleónicas.

‘the labouring poor”


Questão: Seria esperado ser pobre quando se
trabalha?

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* Backhouse, p. 132
2. Malthus (1766-1834)
• Nasceu em “the Rookery” (Surrey, Inglaterra), a casa de campo do
seu pai, um apaixonado por David Hume e Jean-Jaques Rousseau.
• Desde muito cedo deu sinais de uma inteligência brilhante e
beneficiou da educação por um professor privado.
• Em 1784 entrou no Jesus College, Cambridge. Estudando para ser
padre, interessava-se por matemática e filosofia. Tal como Adam
Smith, ficou impressionado com os Principa Matematica de Newton.
• Em 1798 publica a primeira edição do Essay on Population.

• Aos 38 anos casa-se e é obrigado a deixar o


Jesus College Fellowship.

The Jesus College, Cambridge


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2.1 “Uma Teoria Assustadora”*

• Poucos ensaios terão sido mais chocantes*: segundo Malthus uma


explosão demográfica seria inevitável.
• Para Malthus, enquanto a população crescia em progressão
geométrica (1, 2, 4, 8, 32, 64…), a produção de bens alimentares
aumentava em progressão aritmética (1, 2, 3, 4, 5, …).
• Um “ rápido aumento das colheitas de bens alimentares estaria fora
de questão, dado que a oferta de terras era limitada e que os
melhoramentos técnicos na agricultura não fariam sentir os seus
efeitos com a rapidez necessária”.**
• Porém, uma previsão não confirmada: nos EUA, por ex., o emprego
na agricultura representa hoje menos de 2% da população ativa, e
ainda assim são produzidos excedentes para exportação.
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*Buchholz p. 47, ** Blaug 1.º Volume (p. 115) 5
3. David Ricardo (1772-1823)*

• Nasceu em Londres, filho de um imigrante, que era um dos doze


“Corretores Judeus” autorizados a operar na Bolsa de Londres. “Os
Ricardos eram originariamente judeus portugueses que tinham
emigrado para a Amesterdão para escapar à perseguição”**
• Não ingressou na Universidade, antes sim foi trabalhar com o pai
quando tinha apenas 14 anos de idade.
o Com vinte e poucos anos estabeleceu-se
por sua conta, e enriqueceu rapidamente
com operações na bolsa de valores.
o Em 1817 publica The Principles of Political
Economy and Taxation.

• Conheceu Malthus através das polémicas que travavam na imprensa e


tornaram grandes amigos, não obstante a divergência de opiniões.
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*Buchholz (Cap. IV); ** The Great Economic Thinkers (Loc. 895)
3.1 O Comércio Internacional

• Com as Guerras Napoleónicas, o preço dos cereais subiu


substancialmente. Os proprietários rurais receavam uma descida
súbita com o fim da guerra, e lutavam para levar o Parlamento a
aprovar uma lei limitadora da importação dos cereais.

• Na outra bancada parlamentar, estavam os representantes da


burguesia, emergente da Revolução Industrial. O seu interesse era
outro. Tinham vantagem em preços baixos nos bens alimentares, pois
assim diminuíam os custos do trabalho (salários de subsistência).

• Os proprietários rurais venceram: Em 1815 o Parlamento aprovou


legislação proibindo a importação de cereais abaixo de certo preço –
IMP.GE.086.1 “Corn Laws” – assim restringindo o comércio internacional.
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3.1.1 A Lei da Vantagem Comparativa

• “Se os agricultores franceses estão dispostos a alimentar-nos por


menos do que nos «custaria», então optemos por comida francesa e
dediquemos o nosso tempo a outras coisas.” Argumentava Ricardo*
• Porém, não venceu a “batalha contra os protecionistas”: A “Corn
Laws” manteve-se em vigor até 1846.

• Mas, desse combate nasceu um dos contributos mais relevantes do


seu legado intelectual: “A Lei da Vantagem Comparativa”:
o “Um país deve especializar-se na produção e na exportação das
mercadorias que possa produzir a custos relativamente inferiores, e
importar os bens que produza a custos relativamente superiores”**
o Portanto, a especialização no comércio internacional deve realizar-se na
base do custo de oportunidade mais baixo.
IMP.GE.086.1

* Buchholz, p. 74; ** Samuelson, p. 760 8


3.1.2 Especialização pela Vantagem Comparativa: Exemplo

• Suponhamos que um veleiro, manobrado pelo homem-do-leme e um


ajudante, naufraga numa ilha deserta. Para sobreviverem, os
náufragos vão precisar de abrigo (palhotas) e alimentação (peixe).

• Os dados são os seguintes:


o O homem-do-leme dispõe de 2000 horas anuais; e gasta 10 horas para
fazer um jantar e 20 horas para construir uma palhota.
o O ajudante dispõe de 3600 horas anuais; e gasta 15 horas para fazer um
jantar e 45 horas para construir uma palhota.

• Notar que o homem do leme é mais eficiente, em termos absolutos,


em ambas atividades. E em termos relativos?
o Precisamos de calcular os custos de oportunidade.
IMP.GE.086.1
* Adaptado de Buchholz , pp. 72-3 9
3.1.2.1 Eficiência Relativa / Custo de Oportunidade

• O custo de oportunidade é definido por aquilo que sacrificamos ao


fazer uma opção:
Custo Absoluto Custo Relativo
(horas por unidade) (custo de oportunidade)
Jantares Palhotas Jantares Palhotas
Homem-do-leme 10 20 10 20 = 1/2 20 10 = 2
Ajudante 15 45 15 45 = 1/3 45 15 = 3

o Quando o homem do leme decide fazer um jantar, então, sacrifica a


construção de 1/2 palhota. O seu custo de oportunidade seria mais alto do
que o do ajudante, o qual apenas sacrificaria 1/3 de palhota.
o Quando o homem do leme decide construir uma palhota sacrifica 2
jantares. O seu custo de oportunidade é, por conseguinte, mais baixo que
o do ajudante, pois este sacrificaria 3 jantares.
IMP.GE.086.1

* Adaptado de Buchholz , pp. 72-3 10


3.1.2.2 Autossuficiência versus Especialização

• Vamos agora avaliar os potenciais benefícios da especialização,


comparando os outputs em duas hipóteses alternativas:
o Hipótese A): Autossuficiência (autarcia). Como o homem-do-leme é
mais eficiente em ambas atividades, dedicaria todo o seu tempo à
produção para consumo próprio. Suponhamos então que iria alocar 50%
do seu tempo à pesca e 50% às palhotas. Restava ao ajudante fazer o
mesmo.
o Hipótese B): Especialização segundo o princípio da vantagem
comparativa. Neste caso, cada um dos produtores afetaria todo o seu
tempo à atividade em que é relativamente mais eficiente (custo de
oportunidade mais baixo). Portanto, o homem do leme construía as
palhotas e o ajudante tratava dos jantares.

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3.1.2.3 Os Benefícios do Livre Comércio

AUTOSUFISSIÊNCIA (Autarcia)
Horas de Trabalho Produção
Dotação Alocação Jantares Palhotas
Homem-do-leme 2000 50% 1000/10=100 1000/20=50
Ajudante 3600 50% 1800/15=120 1800/45=40
Total 220 90

ESPECIALIZAÇÃO PELAS VANTAGENS COMPARATIVAS


Horas de Trabalho Produção
Dotação Alocação Jantares Palhotas
Homem-do-leme 2000 100% ─ 2000/20=100
Ajudante 3600 100% 3600/15=240 ─
Total 240 100

• Conclusão: Os ganhos com a especialização, feita com base nas vantagens


comparativas, seriam de 20 jantares (240-220) e de 10 palhotas (100-90).

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3.1.3 Comércio Internacional: David Ricardo versus Adam Smith

• A especialização no comércio internacional seria feita segundo os


seguintes princípios (recapitulando):
o da Vantagem Absoluta (Adam Smith): uma nação produz os bens para
os quais é mais produtiva. Uma pessoa, uma empresa ou uma nação é
mais produtiva quando utiliza uma menor quantidade de inputs (recursos)
para produzir um bem (output).
o da Vantagem Comparativa (David Ricardo): uma nação produz os bens
para os quais apresenta um menor custo de oportunidade. Uma pessoa,
uma empresa ou uma nação tem um menor custo de oportunidade quando
sacrifica menos numa produção alternativa.

Obs: A questão da vantagem comparativa é suscitada quando uma nação tem


vantagem absoluta nas duas atividades em consideração (ver o ex. anterior).

IMP.GE.086.1
* Mankiw, p. 52 13
3.2 Economia Doméstica

• “Aceitando a teoria da população de Malthus, Ricardo considerava


que (1) o aumento da população levava a uma procura acrescida de
alimentação, (2) implicando a extensão da agricultura a terras menos
férteis, (3) com custos de exploração mais elevados, (4) e portanto
preços dos bens alimentares mais elevados, (5) logo salários mais
altos, (6) e por conseguinte lucros menores para os empresários, (7)
e rendas mais elevadas para os proprietários das terras mais férteis.”
• As implicações pessimistas sobre a evolução da economia de
mercado não se confirmaram. Mas desta análise resultaram dois
princípios fundamentais:
o Sobre a formação da renda agrícola ou da renda diferencial;
o A teoria do valor-trabalho.

IMP.GE.086.1
* Buchholz, pp 80
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3.2.1 A Renda Agrícola

• “Ricardo retificou as convenções económicas e a definição de “renda”, que


afloravam no debate da Corns Law.
o Havia quem proclamasse que o cereal custava mais porque os
proprietários cobravam aos agricultores rendas mais elevadas. Ricardo
discordava, argumentando que os preços subiam devido à escassez
provocada pela guerra, atraindo mais empresários [agricultores] ao setor
agrícola. Os proprietários viam assim mais empresários a bater-lhes à
porta, competindo entre si mediante a oferta de uma renda mais alta. Por
conseguinte, as rendas eram elevadas porque o preço dos cereais subiam.

• Na base da renda agrícola está uma característica específica da terra com


aptidão para a lavoura: a sua oferta é fixa.

IMP.GE.086.1
* Buchholz, p. 81
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3.2.3 A Renda Diferencial (ou Renda Ricardiana)
• Renda diferencial:
o “Com o progresso, quando uma terra de segundo grau de fertilidade passa
a ser cultivada, a terra de primeira qualidade passa comportar uma renda
[em benefício do seu proprietário, e a cargo do empresário agricultor que a
explora], e sendo que o valor desta renda irá depender da diferença na
qualidade daquelas duas parcelas de terra. Quando a terra de terceira
qualidade passa a ser cultivada, a renda imediatamente sobe na segunda,
sendo regulada tal como antes pela diferença na sua capacidade
produtiva. A terra que for de primeira qualidade sobe também” (Ricardo).*

• Quando os preços sobem, fruto de um aumento na procura de bens


alimentares, o acréscimo de rendimento nos terrenos mais férteis
reverte para os proprietários agrícolas (renda diferencial). Os
empresários são remunerados segundo o seu custo de oportunidade,
IMP.GE.086.1 que é o mesmo para todos os terrenos em exploração.
* Buchholz , p. 81 16
3.2.4 A Teoria do Valor-trabalho

• Na economia não existia apenas o setor agrícola, mas também a


indústria. Daí decorria a necessidade de uma teoria de valor com a
qual se pudesse explicar o preço relativo dos bens produzidos
(alimentos e produtos manufaturados).
• Ricardo retomou a teoria do valor-trabalho, segundo a qual o preço
de um bem seria proporcional ao trabalho requerido para a sua
produção.
o “Todavia, suscitando-se um problema: Em concorrência, os preços são
proporcionais aos custos de produção, que também dependem do capital
utilizado…Ricardo procurou encontrar uma solução para esta questão … e
com um exemplo numérico sustentou que o tempo de trabalho [visto que
correlacionado com o rácio capital trabalho] explicava virtualmente todas
as variações nos preços relativos (93% no seu exemplo).”*
IMP.GE.086.1
* Backhouse p. 139 17
3.3 A Equivalência Ricardiana

• Os governos têm duas vias para financiar a despesa pública: a


cobrança de impostos e a emissão de títulos de dívida pública.
• Segundo o Teorema da Equivalência Ricardiana o método de
financiamento de um dado plano da despesa pública é irrelevante.
o Suponhamos um novo plano de investimento. Se o governo decide
financia-lo emitindo obrigações, os contribuintes, antecipando impostos
agravados no futuro, fazem uma poupança adicional. Ou seja, reduzem o
consumo atual tal como sucederia se o governo tivesse optado por lançar
novos impostos para financiar o mesmo plano de investimento.
• Com ressalvas do próprio Ricardo: “…não se infira que eu considere
o sistema de endividamento como sendo o melhor para suportar
despesas extraordinárias do estado. É um sistema que tende a
tornar-nos menos poupados ─ a ofuscar a nossa situação real”*
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* Citado por Abel, Andrew ( 1991) em “Ricardian Equivalence Theorem”
4. Discussão de um Caso da Atualidade

• O preço dos apartamentos à venda na Baixa do Porto são elevados porque o


os terrenos são mais caros nos locais premium?
o Dica: enquadre a questão à luz do princípio da renda diferencial, considerando que o
terreno urbano é um bem com uma oferta fixa.

ADICIONAR IMAGEM (insert photo)

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5. Exercício Prático (TPC)*

Enunciado:

Para ilustrar a sua teoria sobre o comércio internacional, David Ricardo


apresentou o seguinte caso exemplificativo:
“Suponhamos que o mundo consiste em apenas dois países, a Inglaterra e
Portugal. E que as duas únicas mercadorias produzidas são o vestuário e o
vinho. O custo de produção é definido em termos de horas de trabalho. A
Inglaterra gasta 100 horas para produzir uma unidade de vestuário e 120
horas para produzir uma unidade de vinho. Portugal gasta 90 horas para
produzir uma unidade de vestuário e 80 horas para produzir uma unidade de
vinho.”
Suponha ainda que a Inglaterra tem uma dotação de recursos produtivos
correspondente 2400 horas de trabalho. E que a dotação de Portugal era de
1800 horas de trabalho

IMP.GE.190.0 *Exemplo reproduzido de Colin (2018, Loc 765).


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5. Exercício Prático (TPC) (cont.)

Questões:

1) Se não existissem trocas comerciais entre Portugal e a Inglaterra, qual


seria a produção realizada conjuntamente em vestuário e vinho? Para
o efeito, assuma que cada país vai afetar 50% do seu tempo à
produção de cada um dos bens.
2) Sob o regime de comércio livre, qual o seria padrão de especialização
que permitiria maximizar a produção global de vestuário e vinho.
Justifique apresentando os cálculos pertinentes. Para o efeito, utilize o
conceito de custo de oportunidade.
3) Com base neste exemplo, explique a evolução do pensamento de
Adam Smith para David Ricardo no domínio do comércio
internacional.

IMP.GE.190.0
Apêndice

• Demonstração da renda económica, ou diferencial/Ricardiana

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* <https://www.adamsmith.org/adam-smith-quotes/>
Renda Económica

Para explicar formalmente a renda diferencial ricardiana, em que a terra é um fator fixo, sujeito a rendimentos
decrescentes. Painel (a), seja AC’ e AC* o custo médio da exploração da terra mais fértil antes e após a
licitação do seu arrendamento pelo agricultor/rendeiro, e assim o retângulo sombreado é igual à renda
recebida pelo proprietário. Painel (b), o custo marginal (MC) e o custo médio (AC) da terra menos fértil.
Painel (c), a procura do mercado. Notar que se houver novo acréscimo populacional e ainda uma reserva de
terreno menos fértil, gera-se uma renda na quinta originariamente em (b) e a renda em (a) é aumentada.

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Adaptada de Besanko p. 368
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