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História da supervisão
Desde o início da prática psicanalítica precisou-se falar dela. O modo de fazê-
lo, o perfil e papel dos partícipes e o contexto da interlocução foi variando com o tempo.
De um ponto de partida espontâneo, motivado pela necessidade de intercâmbio, se
chega, através de um processo de institucionalização da psicanálise, que tem seus
acontecimentos marcantes na fundação de Associação Psicanalítica Internacional, em
1910, e do Instituto de Berlim na década seguinte, a um predomínio da supervisão como
requisito regulamentado do processo formativo e habilitador do analista.
Vejamos como Alain de Mijolla descreve esta evolução, traçando alguns
quadros representativos de seus diferentes momentos:
1a. fase - 1883, Breuer e Freud: um mestre conta um caso exemplar a um
aluno que o escuta e se instrui, não sem julgá-lo.
2a. fase - 1900, Freud e Fliess: dois profissionais trocam suas
experiências clínicas, suas descobertas e suas andanças.
3a. fase - Steckel e Freud: o aluno confia seus problemas clínicos a um
mestre idealizado, de quem espera, não sem ambivalência, auxílio.
4a. fase - Jung e Freud: um aluno psicanalista pede auxílio
contratransferencial a um mestre psicanalista.
5a. fase - era "institucional" (criação da POLICLÍNICA
PSICANALÍTICA DE BERLIM) (2). Se estabelece a exigência de supervisão
considerada como uma etapa da formação e como uma condição necessária "à
reprodução da espécie analítica" (Max Eitingon). Acrescenta-se à "análise didática" a
problemática da "análise de supervisão" (ou "de controle"), que vai transformando-se
pouco a pouco em peça-mestra da passagem do estado de aluno-psicanalista ao de
Psicanalista (com P maiúsculo).
Esse processo de institucionalização gerou questionamentos desde o início.
Hans Sachs afirmava que ali onde têm organização, a investigação se ressente. Toda
organização aponta à perpetuação de sua própria existência. Ë essencialmente
conservadora. Ela tolera mal, em conseqüência, as mentes criadoras e a pesquisa que
levam, sempre, à dianteira do novo (3). Para Eitingon, no entanto, corresponde ao
instituto psicanalítico não somente garantir que a prática de tal analista se deva à sua
formação, como dizer quem é psicanalista e quem não o é. O instituto é responsável
pelo analista perante o público, o qual deve proteger. Trata-se de uma concepção de
instituto que se preocupa não com a existência da psicanálise mas com seu estatuto
profissional e com a defesa (corporativa) desse estatuto perante os não qualificados e os
"impostores".(4).
Esta posição se estende a todas a filiais da IPA que vão sendo criadas nos diversos
países, ao longo do século. De fato, tanto nelas como em outras organizações de
psicanalistas, a supervisão continua sendo algo aceito como necessário na formação dos
analistas, mas não é sempre nem em toda parte que se pensa e se discute com liberdade
quais são as variantes possíveis ou qual é o melhor modo de inseri-las no processo
formativo.
Cabe perguntar-se, por exemplo, como foi afetado o modelo instituído de supervisão
pelas mudanças resultantes dos fortes processos de crítica institucional, reforma, cisão,
re-agrupamentos etc., que vêm atravessando o movimento psicanalítico nas últimas
décadas.
Concepções da supervisão
2. Dar prioridade à contratransferência, já que a análise não pode ser concebida como
uma técnica em si mesma, com uma sucessão de atos preestabelecidos, mas como um
processo cuja direção depende da contratransferência do analista. O supervisor centra
sua atenção nas intervenções do mesmo, nas suas interpretações, no "manejo" do
enquadre etc., tentando entender o que se passa no inconsciente do analista, seus
"pontos cegos' e as características e vicissitudes da sua contratransferência.
O desvio a que está exposta esta segunda posição consistiria em entrar em demasia nos
conflitos do analista supervisionado, ocupando um lugar que estaria reservado à análise
pessoal. É possível que esta linha se inspire, de fato, no que Maud Manonni designa
como "a posição húngara", que visa acentuar primordialmente a análise da
contratransferência do candidato sendo a supervisão conduzida pelo analista didata do
mesmo"(9). Neste caso, o inconveniente, para ela, residia em que o candidato dependia
totalmente de um único mestre. Como sabemos, a corrente psicanalítica lacaniana tem
reatualizado essa prática da supervisão pelo analista do analista; cabendo perguntar-se
como contornam ou enfrentam o problema do "único mestre", entre outros.
Mas pode-se pensar, como já foi visto, em uma transferência "de trabalho" do tipo que
se desenvolve em outras situações de aprendizagem, que possibilita, no entanto, o
recurso ao método psicanalítico para pesquisar elementos contra-transferenciais,
hipóteses ou construções em estado nascente etc.. Diferentemente da situação analítica,
há uma mobilidade que não conduz ao estabelecimento de uma neurose de
transferência, nem se realiza, obviamente, a partir dos elementos sintomais emergentes,
um trabalho de re-significação e ligação com a neurose infantil nem com as conjunturas
significativas da história. Mas não deixa de ter, por momentos, um efeito de implicação
que faz levar questões para a análise pessoal.
Antes de abandonar este ponto, farei o relato de uma situação, que pode ilustrar um dos
modos de operar na supervisão:
Tem dois filhos, de 12 e 15 anos, tidos com um homem mais velho, casado e de
condição sócio-econômica superior à sua. Nunca mais teve contato com ele e, até agora,
mantém a ilusão de reencontro e de recuperação do romance, apesar dele estar chegando
aos setenta anos.
Não trabalha regularmente, sendo sempre ajudada por diferentes pessoas ligadas a
espaços comunitários (igreja, evangélicos, etc.).
Morava, ultimamente, com um taxista homossexual, com quem não mantinha relações
para além das de conveniência. Para ele, provar que não era homossexual; para ela, a
quantia de 10 reais ao dia e certa proteção, porque o bairro onde moram é muito
violento.
Sempre tenta tirar alguma vantagem da terapeuta: água, café, bolachas ou balas que
leva, da sala de espera, para os filhos. Em outros momentos, diz estar sem dinheiro para
o ônibus. Poucas vezes a analista teve que ajudá-la de forma concreta.
A explicação geográfica dada para paciente seria apropriada para quem fosse de carro
para o novo endereço. Consequentemente, indo de ônibus, a paciente erra nas
indicações e perde uma parte da sessão. Entra afobada, apressada e dizendo que na casa
dela estão trabalhando várias pessoas do bairro, em mutirão, para fazer algumas
reformas. Diz, também, que trabalhou intensamente no dia anterior fazendo comida para
eles e que hoje deveria voltar logo para lá, pela mesma razão. Está muito incomodada
com a poeira - continua a paciente - que a perturba constantemente e a deixa com a
"vista enevoada".
A analista, que tinha pensado várias vezes, antes da paciente chegar, qual seria o efeito
que o novo consultório produziria nela, surpreende-se um pouco com o fluir dos
acontecimentos, mas não diz nada. A paciente encurta ainda mais a sessão, justificando-
se com a necessidade de preparar a comida.
Como supervisora, também fico surpresa percebendo o quanto tinha acontecido de cada
lado e quão pouco contato foi feito.
A imagem que me foi passada é que a paciente chegou envolvida na sua "poeira",
soltando algumas críticas (como a referida explicação quanto à localização do
consultório), e saiu como entrou: tentando não tomar contato com a realidade da
mudança da sua analista. O recado pareceria ser: "você espere, esta é a minha vez". A
analista, por sua vez, ficou frustrada, não achando brechas para se colocar
interpretativamente.
Foi trabalhada, em cima desse material, a "surdez" complementar ao não querer "ver" da
paciente e quanto, para essa mulher, fazer análise cumpria uma função emblemática de
status, equivalente a estudar inglês (coisa que faz há anos sem que tenha nenhuma
relação de utilidade às suas possibilidades futuras de trabalho).
Vimos como nessa sessão foi estabelecido um acordo tácito de não encontro por parte
da paciente, para não se haver com sentimentos de inveja (que, no entanto, não deixam
de manifestar-se como sensações de "vista enevoada") e por parte da analista, para não
ter que enfrentar mais pedidos e exigências da paciente cuja significação ronda,
provavelmente, os "pontos cegos" dela.
A paciente tem uma atitude frente ao mundo, segundo a qual, todos estão lhe devendo
algo. Esta atitude perpassa a relação analítica, sendo que a analista sente-se melhor
situada que a paciente, experimentando a dor de vê-la enfrentando certas situações.
Algumas características
No contexto deste trabalho, os traços que dão forma prática e conceitual à supervisão
psicanalítica, em sua articulação com a formação e a instituição, se fazem presentes em
grau e proporções variáveis. Pensamos que a grupalidade confere a essa atividade uma
dinâmica e, também, um dinamismo, bastante especiais.
A psicanálise na América Latina tem uma forte marca do grupal, proveniente das
experiências terapêuticas grupais, o desenvolvimento da metodologia de grupos
operativos, os grupos de pesquisa e as intervenções de "análise institucional" etc.. Uma
parte importante do que se processou como crítica institucional e reformulação das
relações de poder no interior das instituições psicanalíticas e no desenvolvimento de
projetos alternativos, teve como ponto de partida e impulso, a ampliação e a criação de
espaços coletivos. A consideração destes aspectos e o exame da produção escrita
respectiva excede os objetivos desse trabalho. Mas importa observar que não se trata de
um fenômeno "regional" nem é nova a questão no interior da psicanálise. "Psicologia de
massas e a análise do eu", escrito por Freud em 1921, não só abriu o horizonte para um
estudo psicanalítico profundo dos fenômenos grupais, como também recolheu muito,
apesar de não explicitá-lo, do que ele aprendeu na experiência do movimento
psicanalítico.
É difícil situar o momento em que apareceu a supervisão grupal como parte da prática
regular dos analistas. Podemos perguntar-nos, seguindo o modelo dos "momentos
representativos" de Mijolla (11), se teriam as "reuniões das quartas feiras" na ante-sala
do gabinete de Freud, uma função deste tipo.
Em nossa opção por incluir a supervisão individual como atividade regular do percurso
formativo do Curso de Psicanálise, se pensou que esta modalidade permite captar de um
modo mais próximo os problemas da contratransferência, o que fica mais difícil no
grupo, onde cabe ao supervisor um trabalho de delicado equilíbrio nesse sentido.
Também, possibilita o acompanhamento por períodos maiores de um único paciente,
permitindo
Endereço(s) eletrônico(s): mfuks@uol.com.br
(1) L.Barbero Fuks e A . Berezin, "Os Ideais do Analista", Percurso nº 4, São Paulo, 1990, p. 32.
(2) A . de Mijolla, "Algumas Ilustrações da Situação de 'Supervisão' em Psicanálise", in C.Stein e outros, A Supervisão na Psicanálise, São
Paulo, Escuta, 1992, p.116-7.
(3) H.Sachs, "Las Perspectivas del Psicoanálisis", in M.Saphouan e P.Julien, Malestar en el Psicoanálisis, Buenos Aires, Nueva Visión ,
1997, p. 117.
(4) M. Eitingon, "Discurso Pronunciado en el IX Congreso Psicoanalítico Internacional" in M.Safouan e P.Julien, Malestar en el
Psicoanálisis, Buenos Aires, Nueva Visisón, 1997, p. 104.
(5) S. Decobert e G. Diaktine, "La Formación", in La psychanalyse et l'Europe de 1993, PUF, p. 83, citado em Safouan e Julien, op. cit., p.
32.
(6) Safouan e Julien, op. cit., p. 97.
(7) L.Grinberg, A Supervisão Psicanalítica, Rio de Janeiro, Imago, 1975, p.11.
(8) M.Manonni, "Risco e Possibilidade da Supervisão", in C.Stein e outros, A supervisão em Psicanálise, São Paulo, Escuta, 1992, p. 37.
(9) Manonni, op. cit., p.37.
(10) Safouan e Julien, op. cit., p. 61.
(11) Mijolla, op. cit., p. 116-7.