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ESCRITO
POR
MAURICIO MACULAN
MARIA:
Vida de Maria, xingamentos a toda a
hora, trabalho pesado todo o dia, até
parece burro de carga, tapas, porradas,
murros é o que a move. No rosto, a
bochecha esfolada, a boca inchada, o
nariz arranhado, o dente partido, essa é
a vida de Maria. Não... assim não é
vida, não. Melhor seria se morresse.
Morrer é bom. Tudo acaba. Vale a pena
morrer... mas é a vida de mulher, e
mulher não tem o direito de morrer. Para
morrer, só se for louca, só se for
vadia, só se não valer nada, ai pode
morrer. Paciência, Deus tudo vê. Assim,
é o coração de Maria. Coração inchado no
peito, pesado na garganta, com um nó a
subir e descer. Lágrimas silenciosas que
secaram antes mesmo de correrem ao
rosto. Maria reprime qualquer insinuação
de revolta, veste a roupa batida, já sem
cor, e vai para o meio do roçado. Como
em um quadro a óleo, Maria aguenta os
chicotes do sol. Como que pilão, Maria
aguenta a força que se levanta em sua
direção.
(Silêncio)
O tapa no rosto a derruba no chão. Maria
rola e cala. Na quietude da roça, o pau-
de-pilão, faz tum, tum, tum. O pau-de-
pilão sobe e desce, o pau-de-pilão sobe
e desce. Maria também sobe e desce. Como
vara verde, ela enverga. E quando cai no
chão parece tomate maduro despencando do
pé, faz tum, e mancha de vermelho a
terra. O pau-de-pilão não perdoa, Maria
olha por baixo, cala e concente. Parece
máquina, a responder os comandos. O som
do pau-de-pilão é como trovão. E sobre
sua sombra, Maria é miuda. Os seios
pequenos na sombra são grandes, mas não
contentam. Maria pila. A sombra pila.
Maria para. A sombra também para. Como
criança marota a sombra imita Maria.
Na sombra da noite é ainda pior, o homem
de Maria sempre volta. A voz do trovão
assusta. A sombra cresce e abraça Maria.
(Em tom mais rápido)
(MORE)
2.
(CONT'D)
É preciso temperar e botar no fogo a
galinha. Ferver a água, colocar um
punhado de farinha de milho, mexer,
colocar mais um punhado. Esperar um
pouquinho. Mexer até desgrudar da
panela. Servir a mesa. Tudo isso, sem
esquecer do copo d'água para beber. E
nem da bacia com água morna e toalha
limpa.
(Diminuir o rítmo)
O homem de Maria senta na cadeira, ela a
esfregar seus pés. Agora falta pouco,
ele puxa sua cabeça para junto de si.
Maria acompanha a dança. No balanço da
peneira Maria engole o choro, choro de
pássaro que não voa. Lamento calado de
bicho picado por cobra venenosa. Coração
de menina, sofrimento de mulher.
Mas lhe pergunto porquê, porquê está
vida Maria?
(Silêncio. Em tom de contação de história)