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Mecanismos
de coesão textual

1.1 Texto e textualidade

Esta disciplina trata de prática de texto em língua portuguesa. Isso nos leva a duas perguntas:
• O que é um texto?
• O que faz com que um texto seja um texto?
Vamos tentar responder a essas questões lendo, atentamente, os exemplos a seguir.

Texto I
A pesca

Affonso Romano de Sant´Anna

O anil
o anzol
o azul

o silêncio
o tempo
o peixe

a agulha
vertical
mergulha
a água

Prática textual em Língua Portuguesa 9


Mecanismos de coesão textual

a linha
a espuma

o tempo
o peixe
o silêncio

a garganta
a âncora
o peixe

a boca
o arranco
o rasgão

aberta a água
aberta a chaga
aberto o anzol

aquelíneo
agil-claro
estabanado

o peixe
a areia
o sol

Texto II
Por um lado o dia está bonito; por outro, acho que não comprarei
nada. Isso porque o sol está forte e não quero lavar o carro. Penso
que você goste de gato e este está no telhado e o cachorro latiu
forte. Finalmente, o futebol é uma prática esportiva lastimável.

Texto III
leite

manteiga

pão

vassoura

detergente

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Texto IV
Curvas de Niemeyer. A consultoria britânica Creator Synectics elaborou
um ranking com as cem personalidades vivas mais geniais. O arquiteto
Oscar Niemeyer, prestes a completar 100 anos, aparece em nono lugar,
informou o Telegraph. O primeiro lugar foi dividido por Albert Hofman,
químico suíço, criador do LSD, e Tim Berners-Lee, cientista britânico, o
pai da World Wide Web. A lista é falha. Pelé, por exemplo, não aparece.

Os exemplos anteriores podem nos ajudar a responder nossas duas perguntas. Você deve
ter percebido que nem todos esses exemplos são bons textos. Vejamos: o texto I A pesca não apre-
senta ligação entre seus elementos, mas é plenamente possível atribuir-lhe significação. Trata-se
da narração de uma pescaria; pode-se afirmar, com segurança, que se trata de um texto.
Já o texto II (produzido para este material), apresenta elementos que unem as partes
do texto (por um lado, por outro, isso, e, porque, finalmente) mas não é possível afirmar
que tenhamos aí uma significação; provavelmente, nenhum leitor conseguiria interpretá-lo.
O exemplo III, em um primeiro momento, pode parecer estranho, mas se lhe atribuirmos um
título – Lista de compras –, ele se torna compreensível (coerente).
Finalmente, o exemplo IV (Curvas de Niemeyer) ilustra o que nomeamos como um texto
bem construído: os elos entre seus segmentos contribuem para atribuir-lhe sentido.
Podemos, agora, voltar a nossas perguntas iniciais.
• O que é um texto?
• O que faz com que um texto seja um texto?
Um texto é um conjunto significativo. Etimologicamente,
a palavra texto provém do latim textum, que significa “tecido, entrelaçado”. Há,
portanto, uma razão etimológica para nunca esquecermos que o texto resulta da
ação de tecer, de entrelaçar unidades e partes a fim de formar um todo inter--re-
lacionado. Daí podermos falar em textura ou tessitura de um texto: é a rede de
relações que garantem sua coesão, sua unidade. (INFANTE, 1998, p. 90)
O conceito de texto muda com o passar do tempo e a evolução dos estudos linguísticos.
Vejamos mais alguns conceitos de texto:
Entre as várias concepções de texto que fundamentaram os estudos em
Linguística Textual, poderíamos destacar as seguintes, ressaltando, contudo, que
elas se imbrincam em determinados momentos:
texto como frase complexa ou signo linguístico mais alto na hierarquia do siste-
ma linguístico (concepção de base gramatical).
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texto como lugar de interação entre atores sociais e de construção interacional


de sentidos (concepção de base sociocognitiva-interacional). (KOCH, 2004, p. 12)
Poder-se-ia, assim, conceituar o texto como uma manifestação verbal constituí-
da de elementos linguísticos selecionados e ordenados pelos falantes durante a
atividade verbal, de modo a permitir aos parceiros, na interação, não apenas a
depreensão de conteúdos semânticos, em decorrência da ativação de processos e
estratégias de ordem cognitiva, como também a interação (ou atuação) de acordo
com práticas socioculturais. (KOCH, 1997, p. 22)
Os textos podem ser verbais (notícias, romances, letras de música), não verbais (quadros,
fotos) ou mistos (histórias em quadrinhos, peças publicitárias); orais (conversa informal, pa-
lestras, discursos) ou escritos (poemas, reportagens, volantes publicitários); multimodais (com
som, imagem, animação etc.). Apesar da importância de todos os tipos de textos, nesta disci-
plina, interessam-nos, sobretudo, os textos verbais escritos.
No que vimos até agora, fica evidente a importância da textualidade para a constituição
de um texto. Textualidade é o conjunto de características que faz com que um texto seja um
texto, e não apenas uma sequência de frases.
Esse conjunto de características é formado, principalmente, pela coesão e pela coerên-
cia: a coesão estaria no plano da expressão, e a coerência, no plano do conteúdo. Trataremos
agora da coesão.

1.2 Conceito de coesão textual

O Dicionário de Linguagem e Linguística, de R. Larry Trask (2006, p. 57), conceitua


coesão como “a presença em um discurso de ligações linguísticas explícitas que criam estru-
tura”. Os estudos sobre a coesão começaram quando os estudiosos da linguagem percebe-
ram as relações que existiam entre os períodos de um texto. Essas pesquisas podem ter sua
origem registrada em 1976, com a publicação do livro Cohesion in English. Seus autores,
Michael A. K. Halliday e Ruqaiya Hasan, assim apresentam o fenômeno da coesão: “A coe-
são ocorre quando a interpretação de algum elemento no discurso depende da interpretação
de um outro elemento. Um pressupõe o outro, no sentido de que um não pode ser efetiva-
mente decodificado sem recorrer ao outro1” (HALLIDAY; HASAN, 1976, p. 4).
Halliday e Hasan (1976) utilizaram uma construção linguística muito simples – e muito
comum – para ilustar o fenômeno da coesão: “Lave e tire os caroços de seis maçãs cruas.
Coloque-as num prato refratário”. O fato de o pronome as ser compreendido somente por
sua relação com maçãs evidencia a importância desse mecanismo. Vamos analisar em uma
notícia como a coesão é importante para a boa organização de um texto:

1 Cohesion occurs where the interpretation of some element in the discourse is dependent on that
of another. The one presupposes the other, in the sense that it cannot be effectively decoded except
by recourse to it. When this happens, a relation of cohesion is set up, and the two elements, the
presupposing and the presupposed, are thereby at least potentially integrated into a text. (HALLYDAY;
HASAN, 1976, p. 4)

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