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O Desafio Conceitual da

Epidemiologia, promoção da Promoção da Saúde e o Paradoxo


saúde e o paradoxo do risco* do Risco.

Observa-se, em tempos recentes, em


particular nos países latino-americanos, uma
Epidemiology, health promotion importante tendência de transitar, nos mo-
delos de organização da assistência à saúde,
and the risk paradox da priorização quase absoluta de práticas
centradas na doença, na assistência curati-
va, na intervenção medicamentosa, para
outros que buscam orientar-se ativamente
em direção à saúde, isto é, às práticas pre-
ventivas, educação em saúde e à busca da
qualidade de vida, de um modo mais geral1.
No plano do fazer, isto é, das práticas de
assistência institucionalizadas, essa ativa ori-
entação pela idéia de saúde está bem repre-
sentada pelas recentes propostas de vigilân-
cia da saúde2,3 e promoção da saúde4,5, que
têm recebido uma vigorosa aceitação e im-
portantes investimentos técnicos no meio
sanitário brasileiro.
A vigilância da saúde, ampliando escopo
e métodos da tradicional vigilância epide-
miológica, ainda permanece mais estreita-
mente relacionada ao controle dos agravos
como forma de cuidar da saúde, mas já rea-
liza um deslocamento substantivo quando
vincula esse controle a processos regio-
nalizados e democratizados de definição de
preocupações prioritárias e de suas correla-
tas estratégias de intervenção e monitora-
mento. Além disso, incorpora objetos de vi-
gilância mais amplos que as antigas doenças
de notificação compulsória, como as ques-
tões nutricionais, ambientais, a saúde men-
tal, as relações entre saúde e trabalho ou a
violência. De outro lado, busca também
acompanhar não apenas agravos e riscos,
José Ricardo de Carvalho Mesquita Ayres
mas a própria adesão a cuidados de saúde,
Médico Sanitarista
como a adoção de medidas de autocuidado,
Livre Docente do Departamento de Medicina Preventiva
Faculdade de Medicina
a freqüência a consultas, a realização de
Universidade de São Paulo
screenings, entre outros.
Av. Dr. Arnaldo, 455 - 2º andar As recentes propostas de promoção da
01246-903 - São Paulo - SP saúde guardam estreitas afinidades com essa
jrcayres@usp.br concepção ampliada de vigilância. Estão
radicadas, em essência, na mesma compre-
ensão do que seja a tarefa de assistir à saúde
* Apresentado como Painel no V Congresso Brasileiro de Epidemiologia. Curitiba, PR, Brasil.
23-27 de março de 2002. e, portanto, de seus objetos e estratégias.

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Contudo, aqui, ainda mais que na vigilância dológica para tomar a saúde como objeto
da saúde, há a noção de que a saúde não se positivo de conhecimento quanto a epide-
define apenas pelo monitoramento e con- miologia e, ao mesmo tempo, poucas têm
trole do que a pode ameaçar. Uma definição tão restritas possibilidades epistemológicas
negativa de saúde parece limitada sob a óti- de validar esse conhecimento.
ca da promoção. A ampliação que esta pos- Para desenvolver esta tese buscar-se-á
tula aspira intervir não apenas naquilo que recuperar o processo de construção históri-
se deve evitar que aconteça para que se pos- co-epistemológica da epidemiologia do ris-
sa viver de forma saudável, mas quer esta- co. Essa crítica histórico-epistemológica for-
belecer patamares que devem ser alcança- necerá os elementos necessários para a
dos, em termos de aquisições positivas do compreensão do paradoxo do risco, permi-
ponto de vista físico, mental, emocional, cul- tindo identificar os desafios metodológicos,
tural, ambiental, etc., para caracterizar uma epistemológicos e filosóficos colocados pelo
boa qualidade de vida. embasamento conceitual da promoção da
Um tal norte no plano do fazer, como se saúde. Por fim, serão discutidas algumas al-
poderia supor, estabelece um importante ternativas de caminhos para responder a tais
desafio para o plano do saber, qual seja, uma desafios.
conceituação positiva de saúde. Com efeito,
se não se trata mais apenas de saber o que Formalização da Epidemiologia e
evitar, mas sim de reconhecer o que alcan- Implicações para o Conhecimento
çar, as definições negativas de saúde, aque- em Saúde
las que a delimitam por intermédio do con-
traste com a presença de riscos e agravos, Para se proceder ao exame, ainda que
mostrar-se-ão limitadas e, em certas situa- sintético, da constituição da ciência epide-
ções, até limitantes, para instruir novos mo- miológica, desde suas origens oitocentistas
delos assistenciais. Construir uma referên- até a configuração do que está se chamando
cia objetiva sobre que atributos e condições aqui de paradoxo do risco, é preciso apon-
devem receber a qualificação de saudáveis tar alguns de seus pressupostos e procedi-
e, enquanto tal, se tornarem objetivos a se- mentos conceituais. Não há qualquer pre-
rem perseguidos pelas práticas médico-sa- tensão acadêmica mais ambiciosa nessa pro-
nitárias, é, portanto, um corolário da pro- posição, mas tão somente a preocupação de
posição técnica da promoção da saúde. evitar incompreensões limitantes para o de-
O presente trabalho consiste em uma bate aqui sugerido.
reflexão preliminar, uma primeira aproxi- Em primeiro lugar, quando se faz refe-
mação teórico-filosófica a este desafio rência à formalização da epidemiologia, já
conceitual da promoção da saúde. Na for- no título desta seção, está se assumindo, com
ma de um ensaio crítico, pretende-se inter- Foucault6 e outros7,8, que o que caracteriza
rogar até que ponto, e de que modo, é pos- um saber científico é uma certa organização
sível criar e manejar conceitos positivos de discursiva, onde a argumentação acerca da
saúde no âmbito do arsenal disciplinar atual possibilidade de compartilhamento de uma
da saúde coletiva, e muito em particular da dada crença acerca dos fatos se organiza na
epidemiologia. A questão central deste en- forma de uma relação de necessidade lógica
saio é, em síntese, a interrogação acerca das entre premissas, argumentação e verifica-
contribuições que a epidemiologia pode tra- ção. Com ajuda da experimentação, ou sim-
zer para uma conceituação positiva de saú- plesmente apoiando-se na dedução lógica
de. A tese que será examinada é a de que o ou na matemática, a grande marca das ciên-
paradigma do risco, dominante nesta ciên- cias modernas é terem se constituído nesse
cia na atualidade, coloca a epidemiologia em modo de argumentar, em que a forma de se
uma situação paradoxal: nenhuma outra ci- fazer perguntas sobre o mundo e a obten-
ência biomédica tem tanta liberdade meto- ção da convicção sobre a correção das res-

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postas dadas apóiam-se fundamentalmente Epidemiologia da Constituição (1872-
nas implicações formais entre hipóteses e 1929)
conclusões.
A formalização de um saber é, por con- Os primeiros traços de particularidade
seguinte, um processo histórico e sócio-po- que permitem identificar o caráter discursivo
lítico de “depuração” de um discurso com próprio da epidemiologia entre os saberes da
pretensões de verdade, no sentido do esta- saúde podem ser sinteticamente descritos
belecimento e da legitimação de um con- pelo conjunto articulado de três característi-
junto auto-suficiente de correspondências cas pelas quais este discurso científico se va-
necessárias entre seus elementos lingüísticos lidou socialmente: o controle técnico dos agra-
e as possibilidades de manifestação dos fe- vos à saúde como horizonte normativo; o
nômenos. comportamento coletivo dos fenômenos pa-
Em segundo lugar, é preciso esclarecer tológicos como a base sobre as quais a verda-
que, pela razão mesma de ser fruto de um de das proposições epidemiológicas se apoi-
processo sócio-político, a definição do pon- avam; e a variação quantitativa como a lin-
to a partir do qual se aceita a auto-suficiên- guagem que mais autenticamente expressa-
cia argumentativa de um discurso formali- va a possibilidade de se apreender e intervir
zado e as correspondências que este estabe- sobre tais fenômenos coletivos e o seu con-
lece entre linguagem e fenômenos, prestar- trole técnico. O período, o ambiente e os per-
se-ão sempre a uma interpretação crítica. A sonagens que descrevem o processo de
racionalidade dessas definições e correspon- formalização da epidemiologia serão descri-
dências, por ser originada de homens e mu- tos, portanto, como a crônica dessa tríade
lheres e por ser a eles mesmos destinada9, discursiva básica: “controle técnico - com-
permitirá sempre inquirir quanto aos valo- portamento coletivo - variação quantitativa”.
res e interesses, circunstâncias objetivas e Os primeiros saberes com pretensões de
perspectivas subjetivas que conformaram cientificidade de traços modernos voltados
esses discursos formalizados ou, utilizando para a apreensão dos fenômenos coletivos
a terminologia de Habermas10, suas preten- de saúde podem ser localizados na higiene
sões (e condições) de validade normativas, social do período revolucionário, perfeita-
proposicionais e expressivas, respectiva- mente bem representada pela obra de
mente. Villermé12. Contudo, ainda não se podia vis-
Foi a partir da interrogação acerca des- lumbrar ali uma busca de relações minima-
sas pretensões/condições de validação so- mente estabilizadas em torno da tríade
cial do discurso epidemiológico que se ela- discursiva epidemiológica. Embora o “com-
borou a recuperação histórica e a compre- portamento coletivo” dos fenômenos de saú-
ensão do desenvolvimento da ciência de já fosse o elemento nuclear da sua identi-
epidemiológica, já apresentados em outro dade epistemológica, o predomínio das teo-
trabalho11 e que serão abaixo retomados. rias miasmáticas nas formulações teóricas
Será examinada, nesse sentido, a formali- desta higiene - pela autonomia que conferia
zação do discurso epidemiológico nos mol- às “entidades patológicas” - denuncia a
des do discurso do risco nas diferentes eta- inadequação de considerarmos a “variação
pas de seu desenvolvimento, até a sua confi- quantitativa” como o núcleo definidor da sua
guração atual. É claro que os propósitos des- expressão objetiva. A referência a um com-
te ensaio impõem a necessidade de uma sis- portamento indesejável, ou patológico, por
tematização bastante sintética desse proces- meio da noção de variação quantitativa pres-
so. Isto certamente emprestará à discussão supõe um tratamento analítico de um mes-
um tom algo esquemático, um tanto inevi- mo “ente”, isto é, a distinção de diferentes
tável, mas nem por isso infenso à necessária estados de um mesmo aspecto ou condição
vigilância crítica. tomada como base para a avaliação objeti-
va13. Esse princípio de continuidade qualita-

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tiva entre o normal e o patológico é estra- versitário norte-americano com vistas à sua
nho à descontinuidade que a higiene sócio- modernização18. Financiada basicamente
naturalista estabelecia entre uma existência pela Fundação Rockfeller, essa reforma vi-
saudável e existências doentias14,15. Há que sava substituir o perfil elitista e filosófico-
se considerar ainda que a idéia de controle humanista predominante nas universidades
também não é adequadamente representa- do país por um ensino pragmático, voltado
tiva do horizonte normativo da higiene soci- para o desenvolvimento tecnológico exigido
al. Seja nas feições reformistas de Villermé, pela radical guinada industrial do país.
seja nas posições mais radicalmente revolu- William Welch, quando montou a estrutura
cionárias dos higienistas saint-simonistas, a e o corpo docente da EHSP, tinha como pro-
idéia de transformação social, ainda não jeto exatamente dotar a saúde pública de um
qualificada na direção mais restrita de con- conjunto de conhecimentos e técnicas que
trole técnico, era ainda dominante. fizessem do sentido humanitarista e moral-
Já em Snow, na Inglaterra vitoriana, en- religioso que impregnava práticas e concep-
contra-se nitidamente conformado este eixo ções da “velha saúde pública” norte-ameri-
triádico, e é por isso que seu trabalho sobre cana coisa do passado. Welch encontrou na
o cólera muito justamente ostenta o título Alemanha, no Instituto de Higiene, de
de fundador, embora o trabalho de Snow Pettenkofer, um modelo para a escola que
não tenha sido sempre paradigmático da veio a fundar nos Estados Unidos. Herdeira
epidemiologia16. Na conformação do discur- de uma grande tradição nas práticas sanitá-
so epidemiológico moderno há uma espécie rias, a versão pettenkoferiana tinha um tra-
de interregno, quando as teorias microbianas ço característico, extremamente interessan-
passam a responder quase exclusivamente te, em particular para os padrões sócio-cul-
pelos comportamentos epidêmicos17. No fi- turais anglo-saxônicos e norte-americanos:
nal do século XIX e início do XX, os “cami- a vocação experimental/laboratorial de sua
nhos do germe” tornam-se socialmente mais filosofia científica e corpo doutrinário. Com
eloqüentes que a epidemiologia para falar efeito, nem o sentido sócio-reformista das
de comportamento coletivo das doenças e formulações mais expressivas da higiene
de seu controle técnico. francesa, nem o caráter mais burocrático-
Mas se a epidemiologia não desapareceu estatizante da higiene inglesa, outras gran-
sob a avassaladora hegemonia do discurso des “potências científicas” da época, esta-
bacteriológico, se resistiu quase clandesti- vam tão afinados com o projeto de moder-
namente até experimentar o renascimento nização norte-americano.
dos anos 20 e 30 deste século, é porque hou- Quando Pettenkofer, como uma espécie
ve, efetivamente, uma região da experiên- de Claude Bernard da saúde pública, pro-
cia, ainda que de menor transcendência põe tratar as questões sócio-sanitárias, in-
social, que não encontrou expressão no dis- clusive as questões de cunho econômico,
curso bacteriológico. Foi preciso que se pas- como uma “macrofisiologia”, buscando
sasse o tempo de uma geração para que, sob mecanismos favoráveis e desfavoráveis à
o impulso de novas exigências de validação, saúde dos indivíduos e comunidades atra-
possibilitadas inclusive pelo discurso bacte- vés dos cânones e procedimentos da ciência
riológico, a particularidade discursiva da experimental, nasce o embrião de uma prá-
epidemiologia voltasse a ganhar visibilidade tica que, como o próprio Pettenkofer che-
e força social. gou a intuir19, só num ambiente de ascetismo
A Escola de Higiene e Saúde Pública da laico tal qual criado pelo puritanismo norte-
Universidade Johns Hopkins (EHSP) é a mais americano teria condições plenas de frutifi-
perfeita expressão desse movimento. Nasci- car.
da em 1916 nos Estados Unidos, a escola re- Riqueza material, progresso técnico,
presentou, no campo da saúde, uma ampla condições sócio-políticas internas favorá-
onda de reformas que sofreu o ensino uni- veis, poder internacional, puritanismo, o

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pragmatismo de James e Dewey, a ampla positividade para os juízos de fato requeri-
penetração do darwinismo... há uma série dos para esse controle. Ele permite uma
de aspectos articulados que permitem ver “verificabilidade” potencialmente universal
no ambiente sócio-político e científico-filo- das relações funcionais examinadas, seja pela
sófico dos Estados Unidos do início do sécu- observação cuidadosa da posição relativa dos
lo condições de validade amplamente favo- fenômenos estudados na economia sanitá-
ráveis ao argumento do controle técnico ria, seja pelo cotejamento dessa economia
como sentido normativo fundamental para com seus substratos fisico-químicos.
uma saúde pública “modernizada”. Ainda que na maior parte de suas propo-
Welch foi buscar em Pettenkofer uma sições teóricas Pettenkofer tenha sido supe-
linguagem da economia funcional vital. O rado já no final do século XIX, sua obstinada
comportamento coletivo das doenças é aqui defesa da especificidade e interesse da síntese
expressão das condições imediatamente que uma higiene científica devia buscar deu
constitutivas da interação de organismos visibilidade ao caráter particular e transcen-
humanos entre si, com organismos não-hu- dente de uma fenomenologia propriamente
manos e elementos externos não-orgânicos epidemiológica; foi permitindo à epidemio-
em um dado meio e por força desse meio. O logia a construção de uma identidade cientí-
comportamento epidêmico revela não ape- fica e o alcance de uma mais clara e nova
nas o encontro entre um germe e popula- importância no início do século XX.
ções humanas, mas a resultante desse en- O termo risco começa a surgir no jargão
contro na economia das funções vitais, indi- epidemiológico ainda em plena fase da
viduais e coletivas. Tem-se, assim, que as epidemiologia da constituição, em torno dos
características objetivas do fenômeno epi- anos 20. À proporção que o conceito de “meio
dêmico passam a ser constatadas com o externo”, relacionado a uma perspectiva
intermédio da distribuição dos casos, des- mais teorética e ontológica acerca das “cons-
crita segundo critérios analíticos de lugar e tituições” desfavoráveis à saúde, vai se rare-
tempo. Descrever os casos conforme esses fazendo conceitualmente, o risco vai se
critérios é imediatamente atestar a identida- adensando, configurando uma perspectiva
de das interações entre meio e organismos, mais tecnicista e pragmática de tratar dos
expondo as características constitucionais de mesmos fenômenos. À medida em que o
ambos. Era assim que se podia assumir, por meio vai sendo marginalizado na estrutura
exemplo, que para uma dada cidade a medi- argumentativa da epidemiologia, o risco vai
da sanitária mais favorável à economia vital definindo a sua centralidade até assumir,
era o esgotamento sanitário, para outra o numa nova configuração discursiva, um pa-
arejamento da moradia, para uma terceira pel definidor da perspectiva analítica mais
cuidados nutricionais, ou, o que é mais co- característica da ciência epidemiológica.
mum na realidade de todas elas, afirmava
Pettenkofer, um conjunto de medidas sani- Epidemiologia da exposição (1930-1944)
tárias capazes de atingir o mais amplamente
possível as diversas interações desfavoráveis O final da década de 20 e início da déca-
à vida. da de 30 foi repleta de acontecimentos de
O princípio de continuidade entre os es- enorme significado para a compreensão do
tados de saúde e doença já se coloca aqui modo como evoluíram as condições de vali-
claramente, impondo o desafio ilimitado, e dação social do discurso epidemiológico.
ilimitável, de otimização funcional, isto é, o Destaque-se, nesse sentido, de um lado a
ideal de um progressivo e contingente con- Grande Depressão do final da década, e de
trole das “disfunções”, visando a disposição outro o espantoso desenvolvimento cientí-
mais produtiva da economia orgânico-soci- fico e tecnológico das ciências de um modo
al. O comportamento coletivo dos agravos geral e em particular das ciências biomédicas.
fornece, por sua vez, uma segura base de Os enormes progressos tecno-científicos

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da área biomédica, especialmente os pro- a causa suficiente para o ir e vir das epidemi-
gressos da bacteriologia e a emergência da as fosse conseqüência imediata da infecti-
imunologia, levaram a que toda a busca de vidade do agente. Ao invés disso, Hamer
conhecimento acerca das forças favoráveis demonstrava que o comportamento epidê-
ou desfavoráveis à economia vital viesse a se mico podia ser entendido, e formalizado
deslocar dos estudos populacionais de base matematicamente, como uma dinâmica dos
mais descritiva em direção a procedimentos contactos infectantes.
mais e mais analíticos e relacionados com as O declínio de uma epidemia acontecia,
investigações biomédicas. À saúde pública e defendia Hamer, graças à “barreira mecâni-
à epidemiologia abriu-se um espaço sem ca” representada pelo processo de progres-
precedentes, mas ao mesmo tempo se lhes siva saturação do meio de disseminação da
foi exigido, mais radicalmente do que nun- doença pelos “insuscetíveis”, acumulados à
ca, o diálogo com os conceitos e métodos proporção em que a epidemia progredia. Do
das ciências que se ocupavam da economia mesmo modo, conforme essa barreira ia
vital no plano dos eventos fisiopatológicos permitindo um novo acúmulo de suscetí-
do organismo humano. Para isso, foi vital a veis, iam sendo criadas condições de conta-
contribuição de um epidemiologista inglês to favoráveis à nova explosão epidêmica da
bastante polêmico, mas muito respeitado doença.
por seus contemporâneos ingleses: Sir Embora Hamer tenha construído seu
William Heaton Hamer. raciocínio ainda muito influenciado por con-
Espécie de professor emérito de toda a ceitos e concepções da epidemiologia da
primeira geração de epidemiologistas da constituição, esse epidemiologista fornece
London School, Hamer forneceu, ainda den- uma base bastante interessante para a sua
tro dos marcos da epidemiologia da consti- sucedânea, a epidemiologia da exposição.
tuição, as possibilidades de sua superação Isto porque, por um lado, abriu um impor-
rumo à epidemiologia da exposição. Hamer tante espaço para a quantificação, o que vi-
se notabilizou por duas contribuições ver- ria a ter enorme importância na década de
dadeiramente revolucionárias na discursi- 30, após os significativos avanços que a esta-
vidade epidemiológica. Uma delas é a reto- tística alcançou na década de 20. Por outro
mada da preocupação com a formulação lado, o equacionamento dos diversos fato-
matemática de curvas epidêmicas, empre- res envolvidos nos fenômenos epidêmicos e
endimento inaugurado por Farr 66 anos an- a elaboração de seus potenciais desdobra-
tes. Motivado por uma questão central na mentos em função de suas relações mate-
epidemiologia da constituição, a compreen- máticas, confere aos fenômenos epidêmi-
são das razões pelas quais emergem e decli- cos possibilidades de manipulação e predi-
nam espontaneamente as epidemias, Hamer tibilidade extremamente interessantes para
construiu em 1906 a curva epidêmica do sa- o ambiente pragmatista que passava a do-
rampo20. minar a cena da época.
Hamer desenvolveu a expressão mate- Sabe-se que a principal preocupação de
mática do sarampo tendo por base a sua “te- Hamer quando formulou sua “lei da ação de
oria mecânica de números e densidade”. massas” era distinguir e legitimar o discurso
Nessa teoria, os elementos constitucionais epidemiológico sobre as epidemias: a bacte-
que determinavam o caráter persistente de riologia falava a respeito dos agentes, e a
uma doença e, ao mesmo tempo, sua remis- epidemiologia deveria falar da dinâmica de
são periódica, não necessitavam de nenhum sua distribuição populacional, defendia ele.
elemento transcendental para sua explica- Sua motivação primordial era arrancar a
ção, tal como os miasmas, dominantes nas explicação causal sobre os fenômenos epi-
explicações da epidemiologia da constitui- dêmicos do domínio exclusivo da bacterio-
ção. Por outro lado, Hamer tampouco ad- logia, demonstrar a particularidade dos pro-
mitia, como o faziam os bacteriologistas, que cessos de que tratava a epidemiologia, aos

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quais chamava, parafraseando Sydenham, de das a mudanças de hábito ou meio ambien-
constituições epidêmicas. Porém, conforme te”, dizia. “Onde conhecemos o meio pelo
corria o século XX, as exigências de valida- qual uma infecção particular se espalha nós
ção dos discursos científicos se afastavam podemos freqüentemente concluir com al-
da preocupação com o sentido ontológico guma segurança que uma determinada mu-
que inspirava o conceito de constituição epi- dança de hábito ou no meio tenderá a au-
dêmica e valorizavam apenas o que fosse mentar ou diminuir as oportunidades de
passível de formalização e aplicação prag- transferência do agente infeccioso específi-
mática. co (aglomeração, poluição da água), e en-
Por isso, as “massas” estudadas por contramos abundantes evidências de que o
Hamer passaram a ser caracterizadas como aumento da exposição está associado na
pessoas sob ameaça, populações em risco. natureza ao aumento na incidência da in-
A “ação” em questão passou a designar es- fecção”. Contudo, considerava Frost, como
pecificamente a exposição a infecções. A “lei na maior parte das vezes não se dispõe des-
da ação de massas” reformulou-se, então, sas informações, as exposições, sob condi-
como “risco representado por exposição”. ções naturais, isto é, não laboratoriais, “só
O objeto epidemiológico passou a ser deli- podem ser expressas como a probabilidade
mitado como uma relação entre infectados/ de que um indivíduo qualquer na população
suscetíveis, que se define como oportunida- sob risco vá receber num dado período um
de de exposição ao agente causal de uma número dado de microorganismos específi-
doença. Eis a epidemiologia da exposição; cos”21.
eis a base epistemológica para a formalização Assim, Frost formula a problemática
do conceito de risco. epidemiológica nos termos do risco, liberan-
A partir desta base epistemológica, pas- do o raciocínio epidemiológico de qualquer
sou-se a buscar reconhecer o que um risco compromisso com a exploração exaustiva
populacional dado permitia inferir sobre as das condições constitucionais das epidemi-
condições de exposição a que esta popula- as, que relacionariam a doença no indivíduo
ção estava ou estivera submetida. ao conjunto das condições sanitárias exami-
Wade Hampton Frost é o nome paradig- nadas. Com o controle estatístico das incer-
mático desse processo. Frost deu ao sentido tezas, o conceito de risco encontra-se livre
proposicional mais genérico da epidemio- para delimitar um, e qualquer um, dos as-
logia da exposição uma sólida estruturação, pectos de interesse pragmático. Além disso,
consolidando um caminho seguro para a a suscetibilidade representada pelo risco não
formalização e particularização do discurso precisa mais ficar restrita à chance de ser
epidemiológico sobre os fenômenos de saú- infectado, mas também de adoecer, de não
de e colocando-o em estreita relação com adoecer, de adoecer de modos diferentes,
as ciências biomédicas. Foi Frost quem in- de morrer, etc.
troduziu o elemento estocástico* nas curvas Com a maior precisão na formulação de
epidêmicas, possibilitando com isso uma suas questões e na credibilidade de suas res-
extraordinária diversificação dos objetos de postas, a aplicação e o prestígio científico do
investigação dessa ciência e uma impactante conhecimento epidemiológico avançaram
ampliação da aplicabilidade de seus conhe- rapidamente; o uso dos núcleos familiares e
cimentos. outros espaços mais restritos de sociabilida-
“Condições que afetam a freqüência do de, como escolas, creches, ambientes de tra-
contacto entre microorganismo específico balho, deram aos desenhos de estudo, por
e população de hospedeiros são obviamen- sua vez, uma agilidade operacional inédita
te objeto de múltiplas variações, relaciona- nas investigações epidemiológicas, contribu-

* Do grego stokós (conjectura) A palavra indica que nos colocamos do ponto de vista da probabilidade. Uma ligação estocástica
entre dois conjuntos E e F associa aos elementos de E não um elemento determinado de F, mas um elemento de que se sabe
apenas pertencer a um subconjunto determinado de F (Lalande, A. Vocabulário Técnico e Crítico da Filosofia. São Paulo: Martins
Fontes; 1993: 1259).

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indo para um rápido e diversificado acúmulo dominante da epidemiologia foram as do-
de informações teóricas e metodológicas. Os enças infecciosas. Grandes progressos foram
métodos estatísticos, que desde as publica- feitos no controle dessas afecções, embora
ções de Fisher, a partir da segunda metade elas permaneçam sendo o maior problema
dos anos vinte, disseminavam-se amplamen- de saúde da maioria da população mundial,
te entre os epidemiologistas, são também e a ameaça de grandes epidemias, mesmo
responsáveis pelo aumento da precisão não no Mundo Ocidental, não esteja de modo
só da formulação das perguntas, mas tam- algum afastada. A recente mudança de ên-
bém das respostas trazidas pelos estudos. fase na epidemiologia é atribuída com fre-
Tudo isso foi levando o risco a se difundir, qüência à importância decrescente das do-
amadurecer e aglutinar a discursividade enças infecciosas no Oeste. Essa, contudo, é
epidemiológica em um sentido que aponta apenas uma explicação parcial. Essa tendên-
para a constituição de um verdadeiro cia deve ser atribuída, ao menos em parte,
paradigma científico. às limitações dos próprios métodos da
É esta necessidade argumentativa, con- epidemiologia. A epidemiologia é primordi-
trolada em termos probabilísticos, que mais almente uma disciplina observacional. Ob-
e mais vai dando o sentido de legitimidade a servações com base na ocorrência natural
um estudo epidemiológico. Liberado pelo da doença levam à formulação de hipóteses
raciocínio analítico abstrato e pelo elemento relativas a agentes causais específicos. O tes-
estocástico de seus compromissos com os te dessas hipóteses depende em parte de
contextos ontológicos, constitucionais, o ris- observações posteriores, mas em grande
co é cada vez menos conteúdo e cada vez medida depende do experimento, freqüen-
mais raciocínio, forma de estabelecer nexos temente de natureza laboratorial. Por exem-
causais. A epidemiologia achara finalmente plo, estudos observacionais conduzem à
uma forma necessária e própria de argumen- descoberta original dos agentes infecciosos,
tar demonstrativamente, podendo perfilar- mas o entendimento e controle das doenças
se junto aos discursos de natureza científica. infecciosas dependem cada vez mais das téc-
nicas laboratoriais da microbiologia, e cada
Epidemiologia do Risco (1945 aos dias vez menos da observação dos padrões epi-
atuais) dêmicos das doenças”22.
Ficam claras, no excerto acima, as novas
Em 1959, o epidemiologista Brian exigências que se colocam para a epide-
MacMahon escreve para o Harvard Public miologia do risco. MacMahon é cristalino na
Health Alumni Bulletin um artigo em que sua percepção de que o que se impõe não é
traça o perfil do Departamento de Epide- só mudar o que se estuda, mas o modo e o
miologia da Escola de Saúde Pública de significado do que se estuda. E é evidente,
Harvard, e no qual fica clara uma nova e nesse sentido, a pressão exercida na direção
decisiva inflexão que, conduzida pelo con- da especialização e sofisticação tecno-ma-
ceito de risco, caracterizará a epidemiologia terial da apreensão e intervenção em pa-
contemporânea. Diz ele: “As áreas de ênfase tologias específicas. A argumentação de
em todas as disciplinas científicas mudam MacMahon também deixa clara a subordi-
de tempos em tempos, à proporção que des- nação epistemológica da epidemiologia às
cobertas promissoras são feitas em campos ciências biomédicas de base clínico-labo-
previamente estéreis e à proporção que as ratorial, assim como permite perceber a re-
necessidades metodológicas relativas a um levância que tem essa característica do de-
certo objeto passam de uma disciplina a ou- senvolvimento epistemológico da epide-
tra. A epidemiologia não é exceção neste as- miologia na compreensão da sua inflexão no
pecto e está, com efeito, passando por um pós-Guerra.
desses momentos de transição no presente. Prosseguindo, afirma ainda MacMahon:
Na última metade do século, o objeto pre- “Tem havido, dessa forma, uma tendência

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na epidemiologia a deixar as doenças infec- associações estabelecidas entre os eventos
ciosas para o microbiologista (ou para o empíricos estudados.
epidemiologista adestrado em micro- Na primeira epidemiologia inglesa, tal
biologia) e a tratar principalmente das do- como realizada por Farr, Ross, Brownlee e
enças crônicas não-transmissíveis, para as Hamer, especialmente, as relações de ne-
quais os métodos observacionais ainda não cessidade que se buscava estabelecer eram
foram completamente explorados. Através relativas a um certo campo de verdades so-
do estudo das circunstâncias sob as quais bre as quais um discurso constatativo se de-
essas doenças experimentam uma prevalên- tinha. O que a epidemiologia tinha a dizer
cia incomum, espera-se identificar áreas nas dos fenômenos de saúde era algo sobre o
quais o trabalho experimental laboratorial qual somente ela se propunha a falar e em
possa se concentrar para a identificação dos relação ao qual somente a ela caberia cons-
agentes causais específicos. truir e avalizar critérios de validação. As va-
O excerto acima permite perceber uma riações pelas quais o comportamento epi-
ênfase maior na dimensão especulativa do dêmico era traduzido dependiam da natu-
conhecimento epidemiológico em relação à reza substantivamente coletiva do campo de
compreensão da epidemiologia da exposi- objetividade em questão e a verdade dos
ção com respeito às suas vocações. Para esta enunciados que a epidemiologia buscava
última, a epidemiologia era muito mais uma estabelecer era compreendida como um
disciplina analítica, ocupada não tanto com desdobramento intrínseco do mesmo, as
a etiologia da doença quanto com as condi- depois chamadas “leis da ação de massas”.
ções de sua manifestação epidêmica. Na Com Frost inicia-se já um processo de
epidemiologia do risco, da qual MacMahon subordinação epistemológica, mas em um
se faz um dos principais porta-vozes, não só grau ainda comparativamente elevado de
cabe à epidemiologia a especulação causal autonomia em relação à epidemiologia do ris-
como esta constitui mesmo sua razão de ser co, pois se a consistência biológica era para
no conjunto das investigações biomédicas. ele uma exigência inequívoca para o conhe-
Por outro lado, é patente para MacMahon cimento epidemiológico, essa busca de con-
que esta disciplina não pode pretender afir- sistência estava mais vinculada à noção de
mar, senão sugerir, os vínculos causais que unidade do conhecimento científico do que a
as ciências biomédicas duras devem defini- uma hierarquização da “confiabilidade” das
tivamente estabelecer. diversas ciências. Frost afirmava a identidade
Uma das mais marcantes conseqüências singular do objeto epidemiológico nos “mass-
da inflexão experimentada pela epidemio- phenomena” e julgava imprescindível que os
logia do pós-guerra é essa “rarefação teóri- achados empíricos da epidemiologia fossem
ca” do seu discurso, isto é, uma deliberada interpretados em um conjunto de referênci-
restrição das pretensões de validade propo- as apropriadas e particulares, em uma “filo-
sicional de suas construções objetivas. De sofia consistente”23. Em Frost, e na epide-
fato, quando as pretensões objetivadoras da miologia da exposição de um modo geral, a
epidemiologia assumiram radicalmente sua noção de “epidemicidade”, ou de “dispersa-
dependência de uma positividade alheia à bilidade”, ou mesmo de “infectividade apa-
sua própria esfera discursiva, confiada às rente”, eram ainda expressões de uma fun-
“ciências experimentais laboratoriais”, a pre- damentação estreitamente dependente dos
ocupação com a validade proposicional dos fenômenos estudados e não do modo de co-
enunciados epidemiológicos limitou-se, nhecer esses fenômenos, como vem aconte-
concomitantemente, ao alcance formal de cer na epidemiologia do risco.
seus proferimentos. A universalidade a que É evidente, nesse sentido, a diferença no
passava a aspirar a epidemiologia do risco modo como Frost e MacMahon situam o
restringia-se, assim, à construção e verifica- relacionamento do conhecimento epidemio-
ção do caráter de necessidade formal das lógico com as ciências biomédicas “duras”.

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No primeiro elas são testemunhas, no se- gado de princípios de estudo da ocorrência
gundo juizes; em Frost, essas ciências são da doença e estados e eventos relacionados,
“parceiras” mais experientes na grande tra- incluindo aqueles de atenção à saúde, no
vessia “da ciência” para o “conhecimento homem”26.
pleno”; em MacMahon, são a fonte segura Tem-se já aqui, a partir desta breve re-
de objetividade para um saber empreende- cuperação, elementos suficientes para sus-
dor, que estabelece finalidades determina- tentar a proposição de que, ao longo de seu
das e quer controlar seus alcances em rela- processo de constituição histórica, o risco
ção às mesmas. A preocupação com a vali- epidemiológico adquiriu duas característi-
dade proposicional dos enunciados epide- cas epistemológicas que o colocam na posi-
miológicos limitou-se, desse modo, ao al- ção paradoxal aqui apontada. De um lado,
cance formal de seus proferimentos. A seu caráter especulativo e substantivamente
epidemiologia do risco restringiu-se à cons- instrumental o deixam em condições de ex-
trução e verificação de associações probabi- pandir de forma potencialmente ilimitada a
lísticas entre eventos empíricos de interesse investigação acerca de associações entre
no campo da saúde. eventos de interesse prático para a saúde.
Um dos mais inequívocos sinais desta Nesse sentido, a busca pelo conhecimento
inflexão é a ausência quase absoluta de dis- dos aspectos associados a uma referência
cussões ou sistematizações teóricas relevan- positiva de saúde poderiam se apoiar forte-
tes acerca desta ciência ou de seu objeto mente na epidemiologia.
nesse período. Por outro lado, a rarefação teórica, rela-
Na clássica definição de MacMahon para cionada ao apoio estratégico das inferências
a epidemiologia - “o estudo da distribuição epidemiológicas na positividade biomédica,
da doença e a busca dos determinantes da tornou-a refém da doença ou de eventos
distribuição encontrada”24 - encontramos o relacionados. Não há qualquer referência
mesmo acento instrumental, assinalado pelo autônoma positiva que permita à epide-
uso da expressão “o estudo de...” que, con- miologia validar conhecimentos acerca de
forme aponta David Lilienfeld25, veio substi- uma configuração sócio-sanitária favorável
tuir, a partir da década de 50, a expressão “a ou desfavorável à qualidade de vida, para
ciência da ...” nas autodefinições da epide- além da indicação das probabilidades de
miologia. Além disso, o elemento nuclear da ocorrência ou prevenção de agravos.
definição é a “doença”, sem qualquer Isto posto, a proposta de articular a
adjetivação ou circunstanciamento, indício epidemiologia com as propostas recentes
da fonte última (e primeira) da positividade rumo à conceituação positiva de saúde im-
dos enunciados epidemiológicos: as ciênci- porá profundas reflexões, que se estendem
as biomédicas laboratoriais. Ao final da sua desde a identificação de impasses metodoló-
discussão sobre as diversas definições da gicos bastante concretos até questiona-
epidemiologia, Lilienfeld sintetiza naquela mentos de ordem mais propriamente filo-
que ele próprio formula esta dependência sófica.
epistemológica e a rarefação teórica da
epidemiologia, conseguindo em sua propo- Epidemiologia e Saúde: Desafios
sição ser ainda mais “macmahoniano” que ao Paradigma do Risco
MacMahon: “epidemiologia é um método de
raciocínio sobre a doença, que trata de Embora já sejam evidentes alguns impor-
inferências biológicas derivadas da observa- tantes esforços intelectuais para uma
ção dos fenômenos da doença em grupos conceituação positiva da saúde27, essa dis-
populacionais”. Cerca de 10 anos depois, o cussão ainda não foi consistentemente
epidemiologista Olli Miettinem iria ratificar trazida para o âmbito mais particular da
e expressar a radicalização dessa tendência, epidemiologia. Nas discussões acerca da
ao definir a epidemiologia como um “agre- promoção da saúde, e mais ainda naquelas

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sobre vigilância à saúde, a epidemiologia tem Apontou-se acima como foi fundamen-
sido apontada como um instrumento não tal para o desenvolvimento de uma lingua-
apenas útil, mas imprescindível mesmo. gem formal em epidemiologia o estreita-
Contudo, permanecem à margem das dis- mento das relações entre o raciocínio
cussões as mudanças necessárias para o trân- epidemiológico e a conceituação de agravo
sito teórico para as novas proposições. emprestada da microbiologia, da virologia, da
Ocorre que, por tudo o que foi discutido imunologia, etc. A passagem da epidemiologia
acima, é visível que, ao se organizar funda- das doenças infecciosas para as crônicas
mentalmente em torno às análises de risco, degenerativas já apresentou uma série de de-
o instrumental epidemiológico tem sua con- safios epistemológicos, uma vez que os crité-
tribuição restrita à prevenção de agravos. rios de causalidade de Henle-Koch não se
Ainda que a epidemiologia contemporânea aplicavam a estes novos objetos. O caráter
venha sendo bastante versátil na eleição das multicausal e não unívoco das associações
variáveis cuja associação estuda, é evidente entre exposição e agravo no caso dessas do-
o predomínio, especialmente entre as variá- enças levou a um debate que, estendendo-se
veis de efeito, dos agravos ou disfunções, isto por mais de dez anos, acabou por desembo-
é, das condições positivamente aferíveis pe- car nos critérios de associação causal de
las demais ciências biomédicas, já que este é Bradford Hill. Nesse caso, contudo, o con-
um requisito para seu manuseio e validação trole estatístico da incerteza das inferências,
em termos de especulação causal28,29. Em o refinamento das técnicas de análise da pro-
uma situação em que se busque inquirir babilidade das associações e, muito especial-
epidemiologicamente acerca do que produz mente, a definição morfo-funcional dos cri-
saúde, e portanto deva ser promovido, ao térios de agravo, garantindo a verificação da
invés do que produz doença, e enquanto tal associação, não apenas permitiram a sobre-
deva ser evitado, será preciso definir o que, vivência das análises de risco como fizeram
e com que fundamentação, deverá ser con- delas um dos mais importantes acontecimen-
siderado o efeito saúde. tos no campo das ciências da saúde na
É possível, ao modo de pura especula- contemporaneidade.
ção, imaginar que há diversas experiências Há que se indagar, contudo, onde se
objetivas de onde se pode extrair variáveis apoiará, no caso desse trânsito ao efeito saú-
de efeito relacionadas à saúde. Desde a idéia de, a possibilidade de verificação das associ-
veiculada na famosa definição de saúde ações. Há algum substrato positivamente
como bem estar físico, mental e social até as verificável para o efeito saúde? Se a saúde é,
recentes discussões sobre qualidade de vida, por definição, entendida como um bem es-
há todo um elenco de condições e situações tar físico, mental e social, não será de cará-
avaliadas positivamente, entendidas como ter extremamente subjetivo e interpretativo
bens a que os indivíduos podem e devem a qualificação do efeito saúde? Não será, por
aspirar para o seu bem viver. Há, porém, outro lado, uma condição complexa, tanto
duas ordens de questões metodológicas de no efeito quanto na exposição, exigindo um
difícil solução nessa proposição. movimento de síntese, refratário, portanto,
A primeira delas diz respeito a essa pró- às decomposições analíticas necessárias aos
pria valorização positiva: Quem define o que testes de associação?
é o bem viver, ou, dito de outra forma, quem A segunda ordem de questões metodo-
define o efeito saúde? Será possível alcançar lógicas relacionadas à busca do efeito saúde
nas formulações positivas de saúde o mes- diz respeito à questão da extensão de suas
mo grau e tipo de consenso que possibilitou indagações e inferências. Todo discurso ci-
a formalização do discurso do risco em tor- entífico formalizado busca, no maior grau
no das doenças infecciosas e consolidado na possível, a universalidade de seus construc-
epidemiologia das doenças crônico-degene- tos. Com efeito, em um sistema de lingua-
rativas? gem que busca basear sua argumentação e

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verificação em relações necessariamente ser clara e distintamente implicadas entre
implicadas entre si, a universalidade não é si? É possível atribuir valores quantitativos a
apenas um ideal, mas uma exigência mes- variáveis cuja identidade é em tão alto grau
mo. O máximo que se admite aí é a limitação dependente das circunstâncias e dos sujei-
da certeza sobre quão universal é uma pro- tos que as formulam? Existirá uma “epide-
posição ou constatação, limitação esta que miologia sem números”? Há epidemiologia
só é aceita como provisória e inerentemente sem risco?
ligada à incompletude do conhecimento Se o metodológico remeteu ao epistemo-
humano. O impacto pragmático do tipo e lógico, este conduz a uma questão puramen-
grau de incerteza com que se precisa lidar e te filosófica: Deve-se trabalhar a saúde
a existência ou não de outras alternativas epidemiologicamente?
menos imprecisas para tratar do mesmo Esta parece ser a pergunta que deve ser
campo de interesses científicos são, em últi- feita diante dos desafios acima colocados.
ma análise, os critérios que decidirão até que Valores preciosos foram historicamente
ponto um dado discurso formal será aceito construindo as proposições de práticas
ou não pela comunidade científica. assistenciais centradas na saúde, quais se-
O que se coloca com a conceituação po- jam, a politização, democratização, desburo-
sitiva de saúde é, porém, a assunção ativa de cratização, participação, humanização,
que estaremos tão mais próximos de uma pluralidade, eqüidade, entre outros. Não fa-
definição precisa de efeito quanto mais nos ria qualquer sentido abrir mão desses valo-
aproximarmos da totalidade particulariza- res em função das dificuldades de manipulá-
dora da situação física, mental e social dos los epidemiologicamente. Isto parece óbvio.
indivíduos em questão. Ou seja, o rigor ne- O que não parece tão óbvio, mas que seria
cessário à definição das variáveis a serem igualmente absurdo, seria cobrar da epide-
estudadas varia na relação inversa da sua uni- miologia uma “correção de rumos”, como
versalidade. Não se trata de um limite provi- se o descompasso entre a promoção da saú-
sório e controlável. Trata-se de uma contra- de e a epidemiologia fosse um “acidente” ou
dição instalada no cerne da validade proposi- uma insuficiência dessa ciência.
cional desse discurso. Na verdade, toda a recuperação históri-
Esses impasses metodológicos obrigam, ca acima sintetizada quis justamente ressal-
como se pode ver, a reflexões que não se tar as motivações e escolhas que subjazem
restringem apenas ao plano metodológico, qualquer discurso racional, mesmo aqueles
mas atingem a própria dimensão epistemo- com alto grau de formalização, como é o
lógica. Se as análises de risco têm dificulda- caso do discurso do risco. O que foge ao
de de sustentar seu rigor frente à plurivo- discurso do risco não é aquilo que lhe esca-
cidade e contingencialidade das categorias pou, mas aquilo que de alguma forma não
relacionadas à especulação causal sobre o lhe diz respeito, não esteve entre as exigên-
efeito saúde, possivelmente esse tipo de in- cias/condições normativas, proposicionais
vestigação precisará abandonar esse mode- ou expressivas que o conformaram. Por isso,
lo heurístico. nos balizamentos teórico-filosóficos desta
Assumindo-se que a definição de saúde reflexão, a pergunta que cabe fazer neste
é refratária à sua decomposição analítica em ponto não é tanto sobre a necessidade de
elementos de menor complexidade e subje- trabalhar a saúde epidemiologicamente, nem
tividade, e que a facticidade dos fenômenos tanto sobre a possibilidade de fazê-lo. A per-
da saúde vincula a validade das proposições gunta fundamental aqui é sobre o interesse
a seu respeito a graus elevados de contin- em fazê-lo.
gência, é forçoso admitir que uma epide- É desejável trabalhar a saúde epidemiolo-
miologia da saúde é uma proposição inter- gicamente? Da resposta a essa pergunta de-
namente contraditória. É possível estudar pendem as conformações futuras tanto dos
associações entre variáveis que não podem discursos epidemiológicos quanto das pro-

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postas de promoção da saúde. Tanto uma pode ser concebida a priori , de modo
quanto outra são racionalidades abertas e unívoco e permanente. A vida humana só
só o ativo diálogo entre elas, norteado pelas percebe algo de que precisa quando de al-
pretensões e exigências de validade de que guma forma esse algo se lhe apresenta como
vão sendo socialmente investidas, poderá carecimento. Tal parece ser o caso da saúde.
definir seus destinos. É esta percepção que leva Canguilhem a
afirmar que, embora epistemologicamente
Sugestões para os Diálogos entre o fisiológico, o funcionamento normal da
Epidemiologia e Promoção da economia orgânica humana, dê base à
Saúde enunciação científica do fenômeno patoló-
gico, este antecede àquele ontologicamente.
Entendido nos mesmo moldes em que, O patológico precede o normal, e o define.
seguindo Habermas, qualquer discurso ra- Os obstáculos à vida humana é que a tor-
cional pode ser compreendido, o desafio nam a si mesma inteligível em suas exigênci-
conceitual da promoção da saúde impõe as e preferências. Nesse sentido, cabe per-
pensar as condições de validade normativa, guntar até que ponto é desejável, racional,
expressiva e proposicional dos discursos que prático buscar conceituar positivamente a
aspiram orientar esta prática. Das reflexões saúde? Será a recusa em organizar as práti-
acima pode-se sugerir aqui algumas possí- cas de saúde em torno do tratamento de
veis sugestões de alternativas para tal cons- patologias ou prevenção de agravos depen-
trução. dente mesmo de uma conceituação positiva
Veja-se, em primeiro lugar, o tipo de de- de saúde?
safio que se coloca quando se busca expres- A resposta talvez não esteja em um ex-
sar uma objetividade que, como foi visto, tremo ou noutro: conceituação de saúde ou
mostra-se bastante refratária à positivação iatrocentrismo. Mas também é certo que não
e manipulação por discursos formalizados. é possível, ao menos não é desejável, que
É com cautela que se deve atentar para tal todo o enorme arsenal científico e tecnoló-
refratariedade, para as “mensagens” que gico disponível nesse início de século XXI seja
através dela nos mandamos acerca da posto, como tem sido, de forma tão pouco
facticidade de nossa existência enquanto se- criativa a serviço de corrigir ou prevenir do-
res vivos, produtores de discursos capazes ença. A construção da saúde possivelmente
de interferir sobre as condições que regu- precisará sempre dos problemas, obstácu-
lam nossa existência material. los, dos agravos, para que possa se aperce-
Seguindo Canguilhem30, é possível acei- ber de seus próprios interesses e meios de
tar que nossos discursos científicos são como alcançá-los, mas essa apercepção poderá ser
“dispositivos” vitais que buscam manter uma favorecida e potencializada se tais proble-
organização aberta, uma permanência ma- mas e obstáculos forem tratados como ob-
terial que se dá pela capacidade de perceber jetos contrafáticos. Isto é, não é preciso aban-
e responder ao imponderável que é nosso donar a conceituação das doenças para se
meio – socialmente biológico, biologicamen- produzir conhecimento sobre saúde, mas
te social. Somos seres criadores e, até por certamente é preciso interpretar e tematizar
isso mesmo, vivemos num meio em cons- ativamente que valores vitais obstaculizados
tante mutação. A mudança é nossa marca as patologias, tais como as conceituamos,
de origem, condição de possibilidade da nos- estão revelando.
sa existência e elemento necessariamente Se considerada como um fato em si mes-
incluído em nossa permanência. Ora, por isso ma, a doença se absolutiza, essencializa e,
mesmo, toda a normatividade que criamos enquanto tal, permanece reproduzindo res-
por intermédio da razão, toda a adequação postas em uma mesma direção e sentido,
que fazemos em nós e nosso meio para se- constrangendo os potenciais criativos da
guir vivendo, e para viver melhor, jamais vida, inibindo a manifestação de formas mais

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ricas e ativas de saúde. Sob uma compreen- sito de sujeitos entre diferentes áreas e gru-
são contrafática, a doença obriga a pensar pos de produção científica32. Este trânsito,
sobre aquilo que, estando de um modo, po- por seu lado, encontra sérios obstáculos nas
deria estar de outro; obriga a refletir sobre rígidas e poderosas fronteiras disciplinares,
outros modos em que a vida poderia estar que delimitam não apenas áreas de compe-
correndo, motivando e organizando mudan- tência científica, mas sólidos interesses e
ças, buscando enriquecer suas qualidades. poderes socialmente consusbstanciados e
Uma conseqüente assunção do caráter que não se deixam remover ingenuamente,
contrafático do objeto doença conduz à ne- sem resistência33.
cessidade de uma segunda sugestão. A trans- Há, portanto, significativos esforços a se-
formação do tipo de resposta a ser dada à rem empreendidos no plano político para que
positividade do agravo: de uma tentativa epidemiologia e promoção da saúde possam
sempre voltada para sua supressão ou pre- efetivamente dialogar, resumidos na necessi-
venção à sua incorporação em um movi- dade de se dissolver a “feudalização” das ci-
mento interpretativo, que faça emergir e cri- ências e suas instituições. Quanto a isso, não
ticar os conteúdos valorativos, normativos, parece haver “solvente” mais eficaz que o
que estão na base da sua positividade. Este poder da solução, isto é, a autoridade e legiti-
movimento implica um ativo trânsito midade que advêm da capacidade para se
interdisciplinar. Senão, de que forma identi- oferecer respostas razoáveis para situações
ficar, interpretar e validar, de modo autênti- que obstaculizam o bom curso da vida no
co, verdadeiro e legítimo, as diferentes di- seu cotidiano. Na capacidade de identificar
mensões da vida negadas pelos agravos e problemas práticos que agreguem o maior
adoecimentos? A fusão dos horizontes número possível de interesses sociais e de or-
discursivos das diversas disciplinas científi- ganizar em torno desses problemas, e não de
cas requer não o abandono de um discurso áreas abstratas de expertise, esforços trans-
em prol de outro, mas a criação de categori- disciplinares e intersetoriais de várias ordens
as que expressem os novos contornos que (caráter público e privado; diferentes áreas
adquirem seus constructos a partir das lu- de competência; pesquisa e serviços; etc),
zes que sobre ele projetam os discursos de encontra-se, com efeito, um irresistível im-
outras disciplinas. pulso à efetividade e legitimidade de diálogos
Assim é que não faz sentido reclamar transdisciplinares. A cada disciplina a impor-
uma epidemiologia sem números ou sem tância relativa ao que tem de efetivo a dizer
risco, mas há que se buscar categorias que sobre o problema prático em questão.
permitam fazer dialogar os seus achados Temos todas as razões para ser otimistas
com outras construções conceituais. Tais quanto a estes rearranjos no campo da saú-
categorias, ao oferecer a re-leituras trans- de, uma vez que as propostas de promoção
disciplinares a positividade que a epide- da saúde, como também as de vigilância da
miologia confere aos agravos pode potencia- saúde, por força do caráter politizado, de-
lizar a contribuição desta ciência ao desafio mocratizado e regionalizado que querem
de promover saúde*. imprimir à organização das práticas assis-
Claro que essa transdisciplinaridade não tenciais, constróem um novo e muito favo-
se constrói da noite para o dia, nem por de- rável cenário para que prevaleça o poder da
creto, mas implica arranjos técnicos e solução, o qual, se estivermos corretos, será
institucionais que permitam um efetivo trân- essencial para sua própria viabilidade.

* O autor tem procurado, por meio do conceito de vulnerabilidade, promover o diálogo entre a epidemiologia e outras discipli-
nas de interesse para a saúde. Tal discussão não cabe nos limites deste artigo, recomendando-se aos interessados remeter-se
aos trabalhos sobre o tema31.

Epidemiologia, promoção da saúde e o paradoxo do risco Rev. Bras. Epidemiol.


Ayres, J.R. de C.M.
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