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Marcos Paulo T.

Pereira

Fortaleza
2012
fabetização pela prática de alfabetizar letrando, apresentar
ao educando textos que atendam às suas necessidades de
aprendizagem, criar práticas pedagógicos que norteiem es-
ses desafios, concatenar organicamente saberes escolares e
comunitários nas atividades de leitura e, finalmente, sus-
citar em seus educandos uma sede que somente a leitura
proficiente saciará. 4
TIPOS, GÊNEROS E SUPORTES TEXTUAIS

V inculados à vida cultural e social, portanto resultado


do trabalho coletivo, os textos devem ser analisados à luz
do propósito comunicativo e da forma como eles se apre-
sentam, investigando a estrutura e as marcas característi-
cas de cada gênero, a fim de se desenvolver comportamen-
tos leitores e competências linguísticas.
O reconhecimento da funcionalidade textual é uma
das maiores distinções entre os conceitos operacionais de
alfabetizar letrando e a prática tradicional de alfabetização:
enquanto o primeiro trabalha a linguagem em seus aspec-
tos discursivos e enunciativos, o conceito tradicional estru-
tura-se somente na ideia de texto como construto formal.
Definimos, anteriormente, o texto como “enunciado
comunicativo de sentido responsável pela inter-relação en-
tre participantes de um mesmo nicho linguístico”. A esse
conceito agregamos agora dois outros: tipo e gênero.
Conceitua-se tipo textual como sequências linguísti-
cas ou sequências de enunciados que se articulam entre si,
de acordo com o objetivo e com a função do texto no ato

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comunicativo, em categorias, em construtos teóricos, a fim
de se realizarem em gêneros, formas básicas e globais para
a constituição do texto. Os tipos textuais recebem as desig-
nações teóricas de narração, descrição, argumentação, ex-
posição e injunção. Gênero é a realização linguística dos ti-
pos, definidos por propriedades sócio comunicativas: carta
comercial, carta pessoal, conto, crônica, edital de concurso,
lista de compras, piada, resenha, romance etc.
Maria Auxiliadora Bezerra (BEZERRA, 2002, p.38)
nos esclarece que

[...] a taxonomia clássica de descritivo, narrativo e


dissertativo não atende à variedade atual de textos,
que foram sendo construídos sócio-historicamente,
variando portanto de acordo com as necessidades
comunicativas dos grupos e suas culturas, ao longo
de sua história.

Ressaltamos: os tipos textuais se realizam concre-


No esquema agregam-se gêneros textuais que apre-
tamente em gêneros textuais, pois em um mesmo gêne-
sentam características comuns: a ênfase nos acontecimen-
ro podemos ter diferentes tipos. A fim de matizar nossa
tos, nos fatos e em seu desenrolar. Partindo-se de uma
ideia, tomemos o gênero textual “carta pessoal”, no qual
situação inicial, dá-se, pela ação de personagens durante
encontramos a modalidade descritiva (retratando-se tem-
determinado período temporal, transformações de estado
po e espaço: “Fortaleza, 13 de janeiro de 2011”), a injun-
do ponto inicial a seu final, mediante relações de causa e
tiva (na saudação que acompanha o vocativo), além da
efeito.
narrativa (relatando fatos), da argumentativa (quando se
O que permite a variedade de gêneros em relação a
pondera) e da expositiva (quando se apresenta algo, sem
esta tipologia é a permanência do autor nos marcadores
ponderações).
narrativos, os objetivos que busca atingir e a forma como
No gráfico abaixo poderemos observar exemplos de
desenvolve determinados aspectos. O conto e a piada, por
gêneros textuais que se constroem tendo por base a tipolo-
exemplo, apresentam um único núcleo temático de peque-
gia narrativa:
na extensão, sendo a piada, normalmente, ainda menor

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que um conto. O romance também apresenta, em essên- b) Exposição — caracteriza-se pela análise e interpre-
cia, um único núcleo temático, mas sua extensão é maior tação, no intuito de fazer conhecer, da relação ideo-
que gêneros citados, o que permite maior descrição de per- lógica erigida em princípios de logicidade (premissa
sonagens e espaços, maiores propostas de exposição e ar- e conclusão; problema e solução; tese e evidência;
gumentação... Enfim, a necessidade de emprego de outras definição e exemplos; causa e efeito etc.);
tipologias como apoio à narrativa. c) Argumentação — Assim como o expositivo, esse
A novela é outro gênero que se estrutura em caracte- tipo textual também se estrutura na análise e na
res narrativos, também de maior extensão que requer ou- interpretação da relação ideológica erigida em
tras tipologias de apoio, entretanto ela se diferencia do ro- princípios de logicidade. Entretanto, diferencia-se
mance por ter maior quantidade de núcleos temáticos que daquela pela ênfase argumentativa na interlocução
podem, ou não, ser interligados. com o intuito de fazer conhecer, fazer crer e fazer
realizar o que se enuncia;
d) Injunção — caracteriza-se pela indiferença à simul-
taneidade ou não de situações, dando-se ênfase
à natureza pragmática, prática, do enunciado.
Apresenta, normalmente, verbos no imperativo
objetivando-se tarefas — ou passos — para que se
atinja determinado fim. São exemplos de textos
injuntivos: manual do proprietário, receita de bolo,
manual de montagem, bula de remédio etc.

Suporte é o meio físico ou virtual, de formato ­específico,


As características basilares da narração foram apre- no qual se apresenta a realização da tipologia em gênero tex-
sentadas acima, vejamos agora as características das de- tual. São exemplos de suporte: livros, jornais, revistas etc.
mais tipologias textuais: É comum que nos inquiram sobre a importância des-
se conceito aos estudos de letramento, porque são realida-
a) Descrição — caracteriza-se por ser um retrato des tão comuns e palpáveis que podemos ter certa dificul-
linguístico de uma imagem, seja estática ou dinâ- dade de afastamento empírico em sua análise, entretanto
mica, sem que haja, contudo, progressão temporal, seu conceito torna-se importante quando analisamos com-
tampouco relação de causa e efeito; parativamente exemplos de suporte, os leitores a quem se

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destinam e os objetivos que os textos, nesses, apresentam: rísticas de cada gênero (carta tem cabeçalho, data,
os objetivos de leitura que se realizam tendo como suporte saudação inicial, despedida, etc.) não faz com que
uma revista como a Veja não se realizam quando o supor- ninguém aprenda a, efetivamente, escrever uma
carta. Falta discutir por que e para quem escrever a
te é uma revista voltada ao público infanto-juvenil, assim
mensagem, certo? Afinal, quem vai se dar ao trabalho
como a leitura que se realiza de um Balzac não é a mesma
de escrever para guarda-la? Essa é a diferença entre
de um Zé Carioca. O leitor, em primazia, pode ser até o tratar os gêneros como conteúdos em si e ensiná-los
mesmo indivíduo, mas as identidades que se formam em no interior das práticas de leitura e escrita.
relação aos suportes citados são distintas.
Essa postura equivocada tem raízes claras: é uma
No intuito de fundamentar nossas ideias, citamos
infeliz reedição do jeito de ensinar Língua Portuguesa
aqui Teberosky e Ribeira (2004, p.58)
que predominou durante a maior parte do século
Os diferentes tipos de objeto escritos podem dar lu- passado. A regra era falar sobre o idioma e memorizar
gar a atividades diferentes, muitas das quais já estão definições [...]. pode até parecer mais fácil e econô-
orientadas desde o próprio suporte. Assim, por exem- mico trabalhar apenas com os aspectos estruturais da
plo, a apresentação, a disposição gráfica e as formas língua, mas é garantido: a turma não vai aprender.
de compaginação das páginas dos suportes escritos
As palavras de Moço nos devem servir como alerta:
são informativos dos tipos de atividades que podem
ser realizadas com eles. Por exemplo, um conto pode não adianta apenas levar diferentes tipos, gêneros e supor-
ser lido de maneira linear do princípio ao fim, mas tes para a sala de aula, mas empregá-los de forma efetiva
não os dicionários, as listas telefônicas ou os horários à aprendizagem do educando, como condição didática à
de transporte, que são organizados mais para uma formação do leitor. Assim, faz-se necessário que o educa-
consulta do que para uma leitura linear. dor não apenas empregue tipos e gêneros como conteúdos,
mas como instrumentos de aprendizagem.
Em artigo publicado na revista Nova Escola de agos-
A escola deve cunhar em suas práticas pedagógicas, a
to de 2009, Anderson Moço (2009, p.49), acerca do traba-
fim de se atender a pluralidade de influências que agem no
lho em sala de aula com os gêneros textuais, assevera que
cotidiano de nossos educandos, estratégias de alfabetizar
Na última década, a grande mudança nas aulas de letrando que contextualizem o universo destes, através da
língua portuguesa foi a “chegada” dos gêneros à observância de uma diversidade textual que possa efetiva-
escola. Essa mudança é uma novidade a ser come-
mente corresponder às situações que se lhes apresentam
morada. Porém muitos especialistas e formadores de
em seu cotidiano. Escreveu José Luiz Meurer (MEURER,
professores destacam que há uma pequena confusão
na forma de trabalhar. Explorar apenas as caracte- 2002, p.10)

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Nesse contexto de trocas materiais e culturais, de a) Narrador: fatos só são narrados se houver quem os
busca pela informação e posterior utilização desta narre. O narrador, no ato discursivo, pode ser de 1ª
para construção do conhecimento, a linguagem se pessoa (quando está presente na história, vivencian-
inscreve como sistema mediador de todos os discur-
do com os demais personagens todo o desenrolar
sos. Em função dessa potencialidade de mediar nossa
dos fatos) ou de 3ª pessoa (quando não está presen-
ação sobre o mundo (declarando e negociando),
de levar outros a agir (persuadindo), de construir te, mas tem ciência de tudo que se deu). O narrador
mundos possíveis (representando e avaliando), au- de 3ª pessoa tem mais liberdade narrativa que o
menta a necessidade e a relevância de novas práticas de 1ª, pois não sofre com as amarras psicológicas,
educacionais relativas ao uso de diferentes gêneros tampouco as de tempo e espaço. Não existe narrador
textuais e aos requisitos de um letramento adequado de 2ª pessoa porque no ato discursivo a 1ª fala, a 2ª
ao contexto atual. escuta, enquanto a 3ª pessoa está distante;
Os gêneros textuais, repetimos, não devem ser ape- b) Fato: Se alguém se dispõe a narrar algo, então esse
nas um fim, mas um instrumento à prática de contextuali- algo tem de ser importante para ser narrado. O
zação de conteúdos, operacionalizando saberes, como meio fato é a própria ação praticada pelos personagens,
para se atingir os fins pretendidos no processo de ensino/ ou aquilo que os envolve e impele, requerendo sua
aprendizagem inerente às práticas de alfabetizar letrando. reação;
c) Personagens: acontecimentos só podem ser narra-
Esses três aspectos básicos — sobre o que se fala,
dos se houver alguém que os pratique;
quem fala e como se fala — são definidores do con-
d) Tempo e espaço: na busca de retratar o natural, o
texto, ao mesmo tempo que dependem do contexto
em que uma determinada atividade humana se
narrador operacionaliza em sua história os con-
desenvolve mediada pela linguagem. A consciência ceitos de tempo e espaço. O tempo pode ser físico
desses três aspectos nos possibilita ser mais ou menos (quando segue uma estrutura linear) ou psicológico
articulados no uso da linguagem para alcançar deter- (quando rompe com a estrutura linear, permitindo
minados objetivos e nos apropriarmos e expandirmos flashback ou fastback, isto é, o narrador pode contar
o repertório de gêneros discursivos disponíveis em fatos sem se preocupar com a estrutura de passado-
nossa cultura (MEURER, 2002, p.11)
-presente-futuro). O espaço, como o tempo, pode
Tomemos novamente a tipologia narrativa para aná- ser físico ou psicológico (quando há a quebra dos
lise. Aprendemos na escola que esta se estrutura empre- aspectos físicos que ao espaço seriam comuns);
gando os seguintes elementos: e) Causa e consequências: nenhum fato ocorre sem
que haja antecedentes e consequentes para estes,

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ou seja, os motivos que levaram ao fato e o que este Outra forma de se trabalhar o tipo narrativo se dá
acarretará. Isso se deve à necessidade do desenrolar com os gêneros jornalísticos, como a notícia. Ao professor,
dos acontecimentos e aos caracterizadores valora- caberá o papel de escolher leads (chamadas de notícias) de
tivos que justificam a história ser contada. jornais da região para, em seguida, pedir aos educandos
f) Modo: O próprio desenrolar dos fatos, a forma como que, brincando de repórteres televisivos, noticiem o fato.
ele se deu. Neste exercício, especificamente, trabalharemos a produ-
ção textual através da oralidade.
Partindo do conhecimento enciclopédico do educan-
do, pedir-lhes, em conversa, que contem suas experiências
acerca de um determinado tema. O professor ficaria com o
papel de “mediador” da história, inquerindo ao educando a
respeito de algo que não ficou claro ou sobre determinado
elemento que requer desenvolvimento, como detalhes so-
bre o ambiente ou sobre uma ação. Neste exercício também
se trabalharia a oralidade, mas além desta seriam trabalha-
dos a produção textual, relações de causa e consequência,
coesão (na forma como o educando empregaria esse fator
de textualidade) etc.
No capítulo seguinte, discutiremos a aplicabilidade
desses conceitos em práxis pedagógicas que tenham a cul-
tura, identidade e a memória do educando como nortes de
Do exposto, podemos inferir que atividades com trabalho. Ei-lo.
gêneros textuais que operacionalizem as estruturas da ti-
pologia narrativa apresentam formas diversas de serem
empregadas como ferramenta. Partindo do gênero textual
memória, por exemplo, podemos discutir com nossos edu-
candos a caracterização atual e antiga dos espaços (aqui
dialogando com o tipo descritivo) e como estes se reconhe-
cem nestes, suscitando-lhes o senso crítico e o sentimento
de identidade.

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