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O TRABALHO COLETIVO COMO RESISTÊNCIA


EM UMA COMUNIDADE NO QUILOMBO
Núcleo de Meio Ambiente JAMBUAÇU, MOJU, PARÁ
Universidade Federal do Pará
Rua Augusto Corrêa, 01, Guamá
Belém, Pará, Brasil RESUMO: Este artigo tem como objetivo analisar o
https://periodicos.ufpa.br/index.php/agroecossistemas
trabalho coletivo para fins econômicos como uma forma
de resistência frente a um grande empreendimento da
região amazônica na comunidade quilombola São
Manoel. Assim, questiona-se: como o manejo e a
Helton Kania Andreata implantação de sistemas agroflorestais se evidenciam
Universidade Federal do Pará
helton.andreata@gmail.com
como ação coletiva em São Manuel? A abordagem de
pesquisa foi quantitativa e qualitativa, com fontes
Ana Paula Donicht Fernandes primárias e secundárias. Os resultados mostram o
Universidade Federal Rural da Amazônia
histórico das atividades que causaram danos a
anapdf@ufra.edu.br
comunidade e as formas de resistência frente aos
Dalva Maria da Mota avanços de uma grande empresa. A ação coletiva foi
EMBRAPA Amazônia Oriental fundamental para o sucesso dos sistemas agroflorestais,
dalva.mota@embrapa.br
sendo a força da comunidade essencial para gerar renda,
ressignificando o território e sua ocupação.

PALAVRAS-CHAVE: Amazônia, Mutirão, Quilombola.

COLLECTIVE WORK AS RESISTANCE IN A


COMMUNITY IN QUILOMBO JAMBUAÇU,
MOJU, PARÁ

ABSTRACT: This article aims to analyze collective work for


economic purposes as a form of resistance against a large
project in the Amazon region in the São Manoel
quilombola community. Thus, the question is: how the
management and implementation of agroforestry
systems are evidenced as collective action in São Manuel?
The research approach was quantitative and qualitative,
with primary and secondary sources. The results show the
history of activities that caused damage to the community
and forms of resistance against the advances of a large
Recebido em: 2022-01-17 company. Collective action was fundamental to the
Avaliado em: 2022-02-16
Aceito em: 2022-05-02 success of the agroforestry systems, being the strength of

Agroecossistemas, v. 14, n. 1, p. 41 – 60, 2022, ISSN online 2318-0188


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the community essential to generate income, giving new meaning to the territory and
its occupation.

KEYWORDS: Amazon, Work Exchange, Quilombola.

TRABAJO COLECTIVO COMO RESISTENCIA EN UNA COMUNIDAD DE


QUILOMBO JAMBUAÇU, MOJU, PARÁ

RESUMEN: Este artículo tiene como objetivo analizar el trabajo colectivo con fines
económicos como una forma de resistencia contra una gran empresa en la región
amazónica de la comunidad quilombola São Manoel. Entonces, la pregunta es: ¿cómo
se evidencia el manejo e implementación de sistemas agroforestales como acción
colectiva en São Manuel? El enfoque de investigación fue cuantitativo y cualitativo,
con fuentes primarias y secundarias. Los resultados muestran el historial de actividades
que causaron daños a la comunidad y formas de resistencia frente a los avances de
una gran empresa. La acción colectiva fue fundamental para el éxito de los sistemas
agroforestales, siendo la fuerza de la comunidad fundamental para generar ingresos,
dando un nuevo significado al territorio y su ocupación.

PALABRAS CLAVES: Amazon, Mutirão, Quilombola.

INTRODUÇÃO do conflito ali ocorrido por meio do

Este artigo analisa o trabalho projeto Nova Cartografia Social, sendo

coletivo para fins econômicos como essa a principal referência sobre o

uma forma de resistência na tema. Os trabalhos desses autores

comunidade São Manoel, Território contaram com grande participação dos

Quilombola Jambuaçu, no município quilombolas das diferentes

de Moju, no Nordeste paraense. comunidades na sua elaboração e

Diversos foram os estudos demonstram como a implantação de

realizados no Território Quilombola grandes projetos provoca embates

Jambuaçu nos últimos anos. Almeida e com povos e comunidades tradicionais

Marin (2007) e Marin (2010) devido à perda de seus territórios, seja

produziram valiosa literatura a respeito para a implantação de obras de

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infraestrutura, seja para a implantação 1980, contra a Reflorestadora da

de projetos do agronegócio, como a Amazônia S/A (REASA), uma empresa


monocultura do dendê e o produtora de dendê (SACRAMENTO,

desmatamento para a ampliação de 2019). A partir de 2004, um novo


áreas de pecuária (ALMEIDA, 2010). conflito ocorreu no território e a

Povos e comunidades tradicionais empresa responsável, foi a Companhia


vêm sofrendo pressões por conta de Vale do Rio Doce (CVDR) – atual Vale,

seus territórios. É o caso dos hoje operada pela Norsk Hydro –,

quilombolas, chamados anteriormente mineradora que instalou um linhão de


de comunidades negras rurais e que energia e minerodutos1 que

possuem um caráter étnico que os atravessam uma extensão de quinze


diferencia de outras comunidades quilômetros do território. Durante as

tradicionais, mas, como estas, obras de instalação, ocorreram


enfrentam coerções e dificuldades que diversos impactos ambientais2: os

vão desde o reconhecimento e principais foram o assoreamento do


titulações de suas áreas à conflitos para igarapé Jambuaçu, o desmatamento

a manutenção daquelas já de áreas florestais e a perda de áreas


reconhecidas. Esse é o caso do agricultáveis por parte dos quilombolas
Território Quilombola Jambuaçu, no (MARIN, 2010).
município de Moju, Nordeste paraense, Em 2006, após tentativas

onde está localizada a comunidade malsucedidas de negociações com a


São Manoel. empresa, ocorreu a derrubada de uma

O primeiro registro de tensão e torre de energia na Comunidade


conflito data do início da década de Quilombola de Santa Maria do

1
Os minerodutos transportam a bauxita da intuito de reparar os danos. A empresa
cidade de Paragominas até Barcarena, onde é mineradora, por seu lado, recorreu à justiça
produzida a alumina, matéria prima para a para anular os compromissos relacionados às
produção do aço. condicionantes da Licença de Operação da
2
Tais impactos foram objetos de várias ações atividade de transporte por meio de
na justiça com suporte do Ministério Público minerodutos.
Federal e Estadual aos quilombolas, com o

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Traquateua. A ação foi um ato de Micro-resistência entre camponeses é


qualquer ato de membros da classe que
protesto dos quilombolas pelo tem como intenção mitigar ou negar
obrigações (renda, impostos,
desrespeito da empresa com suas deferência) cobradas à essa classe por
classes superiores (proprietários de
terras por conta da implantação de um terra, o estado, proprietários de
dos trechos do Projeto Bauxita máquinas, agiotas ou empresas de
empréstimo de dinheiro) ou avançar
Paragominas, a qual virou notícia com suas próprias reivindicações (terra,
assistência, respeito) em relação às
repercussão nacional e internacional classes superiores (SCOTT, 2002, p. 24).

(ALVES, 2014), e levou a empresa a se


A titulação coletiva também é algo a
reunir com elas e negociar os termos.
se destacar dentro do cenário. Relativo
Essas ações exigiram estratégias de
ao artigo 15 da Convenção 169 da
organização por meio da ação coletiva
Organização Internacional do Trabalho
para reivindicação das pautas
(OIT) de 1989, as comunidades
quilombolas ao enfrentar o poderio de
deveriam ser consultadas sobre
uma grande empresa e do Estado. Isso
transformações em seu território e têm
corrobora com a ideia de que a ação
o direito de participar da utilização,
coletiva quilombola é baseada em
gestão e conservação dos recursos.
incentivos solidários, lealdades
Ostrom (1990) relata casos de gestão
históricas e interesses coletivos
bem-sucedida de bens comuns em
preservados e partilhados por aqueles
que grupos criaram regras para sua
que possuem origem histórica e étnica
utilização. Porém, afirma que fatores
comuns (OLIVEIRA, 2009).
externos podem dificultar esse modo
Existem também outras formas de
de uso dos recursos coletivos. É o que
resistência que não as abertas, que são
pode ser verificado no território
formas cotidianas de resistência
Jambuaçu, onde a empresa influenciou
descritas por Scott (2002), em que não
de maneira prejudicial na gestão
ocorrem representações diretas, e
coletiva do território.
esses modos são definidos pelo autor
No âmbito das negociações, a
da seguinte maneira:
empresa não cumpriu todas as

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condicionantes requeridas na Licença executado. Esse era um instrumento

de Operação nº 4352/2010 da que daria novas perspectivas


Secretaria de Estado de Meio econômicas às famílias afetadas pelo

Ambiente e Sustentabilidade empreendimento, ao invés


(SEMAS/PA), relativas ao transporte da indenização oferecida atualmente.

bauxita. Dentre as condicionantes No projeto realizado na CFR, foram


atendidas parcialmente está a estrutura ensinados aos estudantes quilombolas

da Casa Familiar Rural (CFR) Sérgio os fundamentos dos SAF utilizando

Tonetto, construída no território em como modelo as áreas implantadas no


2008, que havia sido uma reivindicação município de Tomé-Açu, referência

dos quilombolas e possuía o modelo nesse sistema. Contrastando com a


de formação na perspectiva da técnica aprendida em Tomé-Açu, a

Pedagogia da Alternância (MACHADO, qual apresentava um gradiente


2014). Esse lugar se tornou de grande tecnológico à sua realidade local, e

importância no desenvolvimento de devido à falta de insumos e


técnicos agrícolas para o território. mecanização, o grupo seguiu uma

Houve, ainda, um convênio entre a CFR lógica diferente do tradicional sistema


e a Cooperativa Agrícola Mista de de “corte e queima” ou da derrubada
Tomé-Açu (CAMTA), que possibilitou a total da floresta. Eles implantaram os
alguns estudantes o primeiro contato SAF embaixo de uma capoeira de 20

com os Sistemas Agroflorestais (SAF), anos, trazendo características mais


introduzindo-os a uma nova agroecológicas.

perspectiva de produção. Considerando o debate, o objetivo


Dentre outros itens das do presente artigo é analisar como um

condicionantes, constava a grupo de agricultores autodesignados


implantação de um Projeto de Geração quilombolas atua trabalhando

de Renda, o qual foi elaborado pela coletivamente para a implantação de


Universidade Federal Rural da SAF e outras atividades econômicas na
Amazônia (UFRA), mas não foi comunidade São Manoel, no Território

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Jambuaçu. Tem-se como pressuposto Nordeste paraense e à microrregião de

que esse tipo de trabalho coletivo visa Tomé-Açu, distante 126 km de Belém,
resistir às ameaças externas. Com tal capital do Estado. Possui uma área de

propósito, além desta seção 9.094,107 km² e é atravessada pelo rio


introdutória, o artigo apresenta os Moju. Conta com uma população

procedimentos metodológicos na estimada de 82.094 habitantes (IBGE,


seção 2. Na seção 3 relaciona os 2019), sendo a maioria na área rural. O

resultados do estudo com as território quilombola Jambuaçu,

discussões relacionadas ao tema; e ao distante 15 km da sede municipal, é


final apresenta as conclusões dos composto, atualmente, por 14

autores. comunidades tituladas, dentre as quais


se destaca a comunidade São Manoel

MATERIAL E MÉTODOS (Figura 1).


O município de Moju está

localizado na mesorregião do

Figura 1. Mapa de localização da área de estudo.

Fonte: Elaboração do primeiro autor (2019).

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São Manoel possui 1.293,18 hectares ação coletiva local. As observações

de posse coletiva propositalmente para ocorreram em ocasiões de mutirão e


evitar o aumento da pressão sobre as de trabalho individual nos SAF, açaizais

terras por terceiros, além de favorecer e pimentais, assim como, de reuniões


uma forma comum de gestão dos do grupo.

recursos naturais já praticada pela As informações qualitativas foram


comunidade (BARBOSA; MARIN, 2010). estudadas a partir da análise de

Seu perímetro é delimitado pelos discursos em leituras horizontais e

igarapés Sarateua, Mirindeua e em verticais (MICHELAT, 1982), que


parte pelo Jambuaçu, que o permitem sistematizar e analisar as

transpassa. Seus membros têm como respostas de cada entrevistado e do


meio de vida a agricultura, o conjunto. Os dados quantitativos

extrativismo animal e vegetal (frutas foram sistematizados com a utilização


diversas, caça e pesca) e a produção de de planilhas eletrônicas e analisados

farinha para consumo e venda. por meio das estatísticas descritivas,


O estudo contou com abordagens sendo o conteúdo textualizado e

qualitativa e quantitativa, sendo a analisado para que pudessem ser feitas


pesquisa de campo realizada na as relações do observado em campo
Comunidade São Manoel no período com a literatura concernente.
de 2018 e 2019 por meio de

observações e entrevistas RESULTADOS E DISCUSSÃO


semiestruturadas com 15 agricultores AÇÃO COLETIVA, MUTIRÕES

que implantaram SAF3. Os seus nomes A ação coletiva pode ser


não foram citados visando assegurar a compreendida como o esforço de um

confidencialidade dos entrevistados. conjunto de pessoas para atingir um


Os temas das entrevistas foram: objetivo comum (SCHMITZ; MOTA;

características dos atores envolvidos e SOUSA, 2017), e pode ser diferenciada

3
Os participantes assinaram os termos de cadastrados no Sistema Nacional de Gestão do
autorização de uso de imagens e Patrimônio Genético e do Conhecimento
depoimentos, os quais foram posteriormente Tradicional Associado (SisGen).

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entre seus tipos e formas. Os tipos de reunião de vizinhos, convocada por um

ação coletiva podem ser descritos deles, para ajudar a realizar


como ações espontâneas e pontuais, determinado trabalho (derrubada,

ações temporárias e ações duradouras. roçada, plantio, colheita etc.). Em troca,


Em suas formas, verificamos a a pessoa que recebe o auxílio deve

cooperação simples, a complexa, a fornecer alimentos e uma festa ao final


informal e a formal. A ação coletiva do trabalho. Não há remuneração

depende da capacidade de elaboração direta, mas uma obrigação moral de

e adaptação de regras comuns, cuja retribuir a ajuda daqueles que lhe


institucionalização dentro de um grupo auxiliaram. Esse chamado é muito

constitui uma incitação à cooperação e comum, pois os agricultores não


ao compartilhamento (SABOURIN, conseguem realizar as tarefas apenas

2010). com seus grupos domésticos.


O trabalho coletivo entre as Se tratando da mesorregião do

populações tradicionais, como os Nordeste paraense, o estabelecimento


quilombolas, é muito comum, e uma de SAF em florestas secundárias pode

das tarefas mais características é o ser um sistema de uso da terra que


mutirão. Para Galvão (1945), o mutirão conserva essas florestas naturais de
pode ser considerado como: forma ecológica e economicamente
sustentáveis. Isso se torna
[...] a prática de sadio e espontâneo especialmente importante para as
cooperativismo, nascido do espírito de
vizinhança e de solidariedade nas propriedades dessa região, onde pelo
necessidades mais prementes.
Cooperativismo que viceja menos 80% de suas áreas devem
naturalmente, sem “assistência técnica”,
desconhecido e desamparado da
legalmente ser cobertas por florestas
propaganda e da proteção oficial. (BRASIL, 2012; SCHWARTZ; LOPES,
(GALVÃO, 1945, p. 723).
2017).

Cândido (1975), sobre uma Com a implantação dos SAF, os


comunidade caipira do interior de São quilombolas de São Manoel
Paulo, relata o mutirão como uma direcionam coletivamente sua força de

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trabalho ao aprimoramento das retribuído, e o auxiliado deve ser

técnicas, acreditando em suas práticas avisado com antecedência para


produtivas e promovendo a sua devolver a diária. Esse tipo de troca

divulgação às demais comunidades do também ocorre em grupos de


território, não permanecendo apenas à trabalho, nos quais o indivíduo realiza

espera da compensação financeira da o convite a outras pessoas para realizar


empresa, bem como reagem de forma uma tarefa, e esse modo de ajuda é

a ressignificar seu território. Almeida denominado de adjunto por alguns

(2002) destaca que, historicamente, o agricultores. Esse tipo de trabalho se


jurista Perdigão Malheiro faz uso da difere do mutirão por não possuir

ideia do quilombo como uma ação caráter festivo e porque os dias de


coletiva de moradia, trabalho e luta, trabalho são contabilizados de maneira

resistindo não apenas aos mecanismos explícita. A forma de pagamento de


repressores da força de trabalho, mas, diárias é a mesma explicada na troca

principalmente, à lógica produtiva da de diárias. O termo adjunto não é


plantation. Isso demonstra que a utilizado na comunidade São Manoel,

questão coletiva é algo transgeracional pois, desde então, as tarefas coletivas


para a população quilombola. são designadas como mutirão.
Veiga e Albaladejo (2002) Ao tratar sobre as práticas de
classificam de maneira diferente os assistência entre as populações rurais

tipos de trocas entre agricultores. O da Amazônia e os seus componentes,


primeiro tipo são as trocas que Caldeira (1956) relata, principalmente,

estabelecem certa simetria quando o sobre os estados do Amazonas e do


trabalho é trocado por trabalho, Pará. No primeiro, onde é chamada de

permuta evocada entre os agricultores ajuri, a prática é definida da seguinte


de maneira explícita. Esse arranjo entre forma:

os agricultores é realizado em “troca de É a reunião que se efetua, a pedido do


dono do trabalho, que precisa de
diárias”: quando a primeira é realizada, adjutório para levar a efeito algum
trabalho que precisa fazer-se no menor
o agricultor que auxiliou deve ser tempo possível, como seria derrubar o

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mato, barrear as paredes das casas de O mutirão para a implantação de


taipa, etc. (...). É prática de boa
vizinhança, e os que acodem ao convite SAF em São Manuel foi realizado em
adquirem por sua vez o direito de ver
retribuído, quando for preciso, o auxílio 2015 por apenas quatro agricultores.
que prestam o mesmo que no Baixo
Amazonas se chama putirum
Todos se juntaram para trabalhar em
(CALDEIRA, 1956, p. 97-98). um terreno realizando todas as tarefas,

desde a abertura da área até o plantio,


Além das demandas e exigências
logo depois passando para a área do
econômicas dos grupos, essas reuniões
próximo agricultor. No início, o
têm relação com a necessidade dos
trabalho foi mais pesado, pois os
seus integrantes de renovar as
agricultores ainda não tinham
convivências e reafirmar os
desenvolvido as técnicas de
sentimentos de solidariedade.
implantação, e levaram mais tempo
Como visto, o mutirão e a troca de
para finalizarem as áreas. Conforme
dias de trabalho podem ser vistos
trabalhavam, adquiriam experiência, o
como formas de cooperação simples
que otimizou o tempo de execução das
(LACERDA; MALAGODI, 2007). Essa
tarefas. Desde o início, trabalharam em
ação coletiva é realizada,
grupo para a implantação de novas
principalmente, quando um objetivo
áreas (entre os meses de outubro e
comum ao grupo de indivíduos não
dezembro), sendo que as atividades
pode ser alcançado por meio de uma
executadas foram basicamente as
ação individual (SCHMITZ; MOTA;
mesmas que estão descritas abaixo,
SOUSA, 2017). O mutirão é realizado
com a diferença que, depois da
pelos agricultores justamente devido à
implantação, as tarefas de plantio (a
inviabilidade de implantarem seus
partir de janeiro) e a seleção de árvores
respectivos SAF de maneira individual,
que permanecerão em pé seriam
já que os trabalhos iniciais de manejo
realizadas por cada agricultor em seu
são muito desgastantes fisicamente.
SAF.
O grupo de SAF tinha quinze
SAF E AÇÃO COLETIVA EM SÃO
pessoas distribuídas em três grupos de
MANUEL

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cinco. Esses grupos se dividem para para a alocação de cerca de pouco

trabalhar no preparo de área, e o mais de 800 mudas. Já a atividade de


mutirão, composto por dez pessoas abertura de covas é cumprida por sete

(dois grupos), labutam enquanto o pessoas e demanda um dia inteiro. O


terceiro grupo descansa. As tarefas são trabalho do mutirão se encerra com

distribuídas pela liderança técnica essas atividades. O plantio de mudas e


(técnico agropecuário) e levam, ao o corte de árvores para realizar o

todo, três dias inteiros para serem raleamento de suas copas, bem como

realizadas em uma área de um ha. Os a posterior picagem, são atividades


trabalhos não são realizados em dias consideradas mais leves e que não

consecutivos, sendo distribuídos a cada necessitam do trabalho em conjunto,


cinco dias. O dia de trabalho começa podendo o dono de cada área realizar

às 07h30 e termina ao meio-dia; há a a seu tempo. O grupo de mutirão é


pausa para o almoço; as atividades composto inteiramente por homens, e

retornam às 13 horas e encerram às as mulheres e os familiares de cada


15h. Para o almoço cada um leva a sua agricultor exercem as atividades

comida, depois partilhada entre todos posteriores que requerem mais


os componentes do grupo. A primeira cuidado, como o plantio de mudas.
atividade, desenvolvida por toda a As mudas para a implantação dos
equipe de dez pessoas ao mesmo SAF são produzidas em um viveiro

tempo, é a roçada da área, operação comunitário em São Manoel. Devido à


na qual são cortados os matos e crescente adesão aos SAF, foi

pequenas árvores e que demora um necessário um mutirão para a


dia inteiro de trabalho. As atividades mudança do local do viveiro para uma

posteriores são o piqueteamento e o área mais ampla. O mutirão é o


coveamento desenvolvidas de forma principal fator para o sucesso na

conjunta. Para a atividade de implantação dos SAF até o momento,


piqueteamento são necessárias três pois o trabalho em conjunto une as
pessoas, consumindo um dia inteiro pessoas e, segundo eles, mesmo

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quando alguém desanima devido à financeiros e por ser a única forma de

intensidade do trabalho, outros o ajuda disponível para 13% entre eles, o


motivam e assim o levam adiante. Há que revela a importância do mutirão,

consenso que o trabalho inicial assim como corrobora com as


depende da força de trabalho de todo justificativas acima citadas.

o grupo, pois sozinhos teriam Sobre a importância do mutirão,


possivelmente desistido devido às 60% dos agricultores o consideram

dificuldades dos afazeres. como a principal forma de ajuda, pois

Para 60 % dos entrevistados, a sem ele, possivelmente, não teriam


comunidade possui grande facilidade seus SAF implantados por conta da

para a organização do trabalho em dificuldade inicial do trabalho. Para


grupo. O mutirão é uma tradição 53,3% dos entrevistados, a maior

ancestral na comunidade para 33% dos importância dos mutirões está no


entrevistados. Outro fator importante é incentivo por ele provocado na

o estado de espírito que essa realização do trabalho, ao aumentar o


mobilização provoca, já que a parceria ânimo de todos aqueles que executam

entre eles e o ânimo que os estimula é as suas tarefas. Outro aspecto


uma questão fundamental para 13%. Já apontado por 27% dos entrevistados
para 20% dos entrevistados, as foi a questão da sociabilidade, pois
reuniões da associação são enquanto realizam o mutirão, eles

importantes para a mobilização dos estão interagindo, bem como


agricultores, sendo que tal relevância relataram como é difícil a realização

se deve à falta de apoio do poder dos trabalhos sozinhos pela falta de


público para 7%, o que faz com que a conversas durante as atividades. Outro

comunidade tenha que se mobilizar fator elencado foi a troca de


para realizar as suas ações de conhecimentos durante a atividade de

melhorias. Essa mobilização é mutirão para 7%, pois,


considerada importante também frequentemente, os conhecimentos
devido à escassez de recursos são repassados de forma prática

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durante a realização dos trabalhos. porque logo que tenham uma

Ianovali (2015), em pesquisa em uma quantidade de frutos a serem


área quilombola, afirma que uma das processados, poderão encontrar novos

principais características das relações mercados para inseri-los. Ademais,


sociais é a reciprocidade, o que pode podem requerer melhorias nas

ser observado sobretudo no mutirão. condições de estradas e outras


Após a implantação dos SAF e ao infraestruturas, como relata um dos

ver o êxito da produção que se inicia entrevistados:

com a venda de pimenta e culturas de Porque eu percebi que a forma como


vínhamos trabalhando na roça de
ciclo curto, houve um crescente mandioca não estava trazendo para nós
o sustento que a nossa família precisava.
interesse de novas pessoas em Estávamos trabalhando muito e
produzindo menos, estávamos
começar a implantar SAF em suas ganhando menos. Percebemos também
áreas. Onde antes havia capoeira sem que com a roça estávamos destruindo
ainda mais a natureza e não deixando
enriquecimento para ser apenas nada de bens materiais para os nossos
filhos. Hoje, eu não tenho nada que a
queimada, hoje ocorre a manutenção minha mãe possa ter deixado para mim
com o dinheiro de roça. Por outro lado,
de diversos indivíduos, ainda com o SAF garante uma renda melhor,
porque o açaí, cacau e cupuaçu tem
perspectiva de enriquecimento com comércio e muito mais por se tratar de
outras espécies de importância uma roça sem queima, por se tratar de
uma experiência nova que não agride a
ecológica para, dessa forma, realizara natureza. É um trabalho que no começo
é meio sacrificante, mas depois ele já
recuperação florestal. começa a trazer as suas vantagens.
Depois que a planta está grande o mato
Em suas falas, os agricultores começa a crescer menos, aí vem a
produção. A roça todo ano a gente tem
manifestam o desejo de produzir mais que estar plantando. O cupuaçu, o
por meio do SAF devido a inúmeras cacau, açaí não precisa todo ano estar
plantando, depois que planta vai colher
causas. As principais são a financeira, a por muito tempo (informação verbal)4.

ecológica e por visualizarem um


Outra forma de ação coletiva
horizonte no qual podem obter
evidencia-se na realização do trabalho.
melhoria da sua qualidade de vida. Isso
Essa é uma das manifestações mais

4
Relato dado por um dos agricultores, Moju,
maio de 2019.

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importantes da organização em grupo cemitério, conforme relatado nas

dos quilombolas, chamada entrevistas históricas, o que demonstra


popularmente de mutirão, realizada a importância dessa forma de trabalho.

desde períodos longínquos, como Em comunidades rurais, nas quais, por


relata um dos agricultores: vezes, o Estado não atua na promoção
É muito grande a importância do de serviços básicos à população, essa
mutirão para comunidade. Tudo que a
gente tem construído aqui na se vê propensa a união em prol de
comunidade foi através de mutirão, foi
através da união da comunidade melhorias. Esses serviços básicos
trabalhando coletivamente que a gente
construiu. Aí eu volto a te falar, se hoje
podem ser desde a construção de
a gente tem SAF é graça ao trabalho calçadas, centros comunitários e
coletivo, se hoje somos referência em
açaí nativo no Jambuaçu e estamos limpeza de áreas comuns, até
vendendo para merenda escolar é
graças ao mutirão, é graças ao trabalho deliberações para a melhoria de vida,
coletivo. Se hoje nós temos aquele salão
comunitário, foi mutirão. Tudo que nós como demonstra a união do grupo
temos na comunidade de obras é
mutirão, nunca ninguém pagou
para a implantação dos SAF, visando
ninguém. Para nós, o mutirão é uma um futuro melhor. Isso demonstra que
coisa muito importante que, para a
gente, é uma cultura, é uma identidade historicamente o grupo desenvolve
da comunidade São Manoel que a
gente faz questão de lembrar e ressaltar atividades que demonstram essas
a importância que tem para cada um de
nós. A gente em São Manoel não sei micro-resistências.
como viveria sem o mutirão, pois a
comunidade aprendeu a trabalhar em
Outra questão retratada por um dos
mutirão, desde nossos antepassados agricultores se refere à importância do
existia um estilo comunitário em que
todo mundo trabalhava junto e desde o mutirão como uma forma de cultura e
surgimento da comunidade sempre
teve esse trabalho em mutirão, o que é identidade do povo da comunidade de
fundamental para nós (informação
verbal)5. São Manoel, por ser uma herança de
seus antepassados; assim, possuem
A própria formação inicial de São forte vínculo entre os comunitários até
Manoel ocorreu por meio de um os dias atuais. Quanto às formas de
mutirão para a limpeza do caminho do

5
Relato dado por um dos agricultores, Moju,
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incentivos, verifica-se um exemplo pela coletivamente: a manutenção do

fala do agricultor abaixo: pimental coletivo e o manejo do açaizal


O mutirão é muito importante, porque nativo de um dos produtores.
o trabalho em grupo um ajuda o outro.
Tem serviços que uma pessoa iria passar Na manutenção do pimental
quinze dias fazendo e as vezes é um
trabalho que ia desgastar fisicamente, comunitário foi realizado um mutirão
psicologicamente a pessoa, por se tratar
de um trabalho muito pesado esse
por um grupo de agricultores no qual
nosso. Isso às vezes traz até o desânimo cada um dos sete integrantes tinha
da pessoa. Quando estamos
trabalhando em grupo é diferente, duas filas de pimenta plantadas
porque um dá força para o outro. A
gente vai trabalhando, vai gritando, vai coletivamente em uma área com um
se motivando, quando a gente vê que
um está desanimado a gente dá força e tutor vivo de gliricídia e mais seis filas
assim vai. Então o trabalho em grupo
tem essa grande importância. A gente
que eram comuns a todos. O grupo se
se sente incentivado pelo outro quando reuniu por volta das sete horas da
a gente está em grupo (informação
verbal)6. manhã para ir ao pimental e chegando
lá fizeram uma oração pedindo
Na convivência com os
proteção para o dia de trabalho
comunitários, pode-se observar o
iniciado. Como estava na época da
exercício do convívio entre as pessoas
safra do açaí e os recursos financeiros
que têm o mesmo objetivo final.
eram mais abundantes, alguns
Observa-se esse aspecto na fala de um
agricultores optaram pela contratação
dos agricultores:
de diaristas para ajudá-los na
O mutirão traz uma vantagem muito
grande, porque é um meio que a gente realização da tarefa de capina, o que
encontrou, que além do serviço que
produz no dia, ele gera mais união entre demonstra a distribuição de renda
a gente. Então o mutirão ajuda muito,
porque o serviço que era para fazer em
nessa época do ano. Sabourin (2006)
dez dias, em um dia a gente faz em uma relata mudanças em casos de ajuda
quantia de gente, com todo mundo
animado, naquela ativa, então une os mútua de reciprocidade, pois alguns
dois juntos (informação verbal)7.
Além da implantação dos SAF, agricultores pagam um diarista no

presenciei duas atividades realizadas lugar de assumir a sua prestação, mas

6
Relato dado por um dos agricultores, Moju, 7
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não criam uma dívida social por não orientações técnicas de seus SAF. A

participarem fisicamente do mutirão. reunião do pessoal se iniciou às sete


Eles realizaram o manejo da gliricídia, horas da manhã, quando cada um

em que eram deixados três galhos e a afiou o seu facão e dois agricultores se
capina das entrelinhas, deixando a equiparam com roçadeiras semi-

matéria orgânica nas linhas para a mecanizadas, todos para a realização


decomposição. O grupo se dividiu em da roçada e do manejo da área. Os

seis pessoas que realizavam a capina, agricultores trabalharam nas atividades

enquanto duas pessoas com de limpeza da vegetação, fora o corte


roçadeiras semi-mecanizadas roçavam de alguns açaizeiros mais altos que

as partes mais altas. Era muito comum dariam espaço para novos estipes, o
durante o trabalho a narração de casos que torna a colheita mais célere por

que elevavam o humor dos conta da menor altura. No caso


trabalhadores durante as atividades. específico desse mutirão, como a

No meio da manhã, houve a pausa liderança convidou os comunitários de


para alimentação, sendo as comidas Jacundaí, ele era o responsável por dar

compartilhadas. O trabalho foi toda a alimentação do dia (a merenda


encerrado próximo ao meio-dia e da manhã e o almoço). Este exemplo
voltou a ser realizado às sextas-feiras pode ser caracterizado como uma
das semanas posteriores até a chegada reciprocidade instantânea, na qual

do período da colheita. existe o elemento da alimentação dos


Em outra experiência presenciada trabalhadores do mutirão como forma

ocorreu um mutirão na área de açaí de compensação, conforme visto em


nativo em um terreno de igapó da Willems (1947) apud Caldeira (1956).

liderança técnica de São Manoel, no


qual participaram oito agricultores da AÇÃO COLETIVA NA ASSOCIAÇÃO

comunidade vizinha de Jacundaí. Eles Outra das principais expressões da


vieram retribuir o chamado devido à ação coletiva na comunidade é a
ajuda que essa liderança realiza nas Associação de Agricultores Quilombola

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da Comunidade São Manoel. Suas Outra importante atribuição da

atividades englobam diversos setores, associação é o contato com os órgãos


como segurança, subsistência, governamentais, como o Instituto de

educação, acesso às políticas públicas, Desenvolvimento Florestal e da


fomento à geração de renda, incentivo Biodiversidade do Estado do Pará

à comercialização, dentre outros. Um (IDEFLOR-BIO), a Secretaria de Estado


desses aspectos, relativo à destinação de Desenvolvimento Agropecuário e

de terras, é de grande importância em da Pesca (SEDAP) e o Pará Rural, e com

uma comunidade rural; ela é particulares, como é o caso do acordo


concedida por intermédio de uma com o produtor Michinori Konagano,

diretoria específica da associação. de Tomé-Açu, que forneceu sementes


Um dos papéis fundamentais da e assistência técnica inicial para a

associação é a representação política implantação dos SAF. A relação com


da comunidade por meio de suas agentes externos gera uma

lideranças, assim como possui o papel retroalimentação, que estimula a


de conscientização dos mais jovens ocorrência da ação coletiva. Esses

para formação de novos líderes. Duas projetos que têm sido apresentados à
das características mais gerais das comunidade por esses órgãos servem
lideranças entrevistadas em São como uma fonte de recursos, tais como
Manoel, considerando tempo, insumos, para o grupo. Porém, para ter

propósitos e opositores, é a grande acesso a esses recursos, é necessária a


força e a motivação em suas lutas. É a existência de um grupo local que

associação que representa os funcione e se apresente como


moradores nas reuniões com o representante, e não apenas um líder

Ministério Público a respeito das que distribua os recursos, pois os


negociações com a Norsk Hydro, e que projetos necessitam de um grupo que

lida com os acessos a editais, como no os implemente, conforme observaram


caso do Programa Nacional de Veiga e Albaladejo (2002) em outro
Alimentação Escolar (PNAE). contexto.

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Em São Manoel, existe uma iniciativa utilizado tanto na realização de

de organização para a venda do açaí atividades de manutenção da


para o município de Moju por meio de comunidade devido ao descaso do

licitação da merenda escolar, como poder público, quanto para o


afirmaram doze agricultores (80% dos aperfeiçoamento de viés econômico,

entrevistados). A agroindústria com a implantação dos SAF, manejo


localizada em São Manoel realizou dos açaizais nativos e manejo dos

uma mobilização entre os produtores pimentais. As alternativas produtivas

de açaí da comunidade para a compra para se manterem na terra sendo


de seus produtos, beneficiando o açaí realizadas coletivamente demonstram

para a venda, o que gerou agregação que essa cultura do mutirão é uma
de valor ao produto, depois repassado forma de resistência que eles têm para

no valor da compra aos agricultores. se manterem frente aos grandes


Cinco agricultores (33,3%) relataram empreendimentos que procuram

que por meio da organização aumentar as suas áreas na região


pretendem tirar o poder de barganha amazônica. Dessa forma, as

dos atravessadores, que resistências cotidianas proporcionam


constantemente pagam um preço ao grupo continuidade nos seus
baixo pelos produtos locais. modos de vida em situações adversas
e conflituosas, e constituem suas
CONCLUSÕES formas de ação e organização coletiva.
Em meio as diversas interferências
que a comunidade sofreu devido a REFERÊNCIAS
presença de grandes ALMEIDA, A. W. B. de;. Os quilombos e
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conhecido como mutirão. Este é muito
Povos e Comunidades Tradicionais do

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