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Julia Lourenço2
Universidade de São Paulo – USP
julialourenco@alumni.usp.br
1
Mestre e doutora em Linguística pelo Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal de
São Carlos (PPGL/UFSCar). É docente do Centro Universitário Central Paulista (UNICEP - São Carlos), pós-
doutoranda do Departamento de Letras da UFSCar e integrante do Laboratório de Estudos Epistemológicos e de
Discursividades Multimodais-LEEDIM.
2
Pós-doutoranda no Departamento de Linguística da Universidade de São Paulo (CEDOCH - USP). Pós-doutora
(2021) em Linguística pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar - FAPESP), com período de estágio de
pesquisa (BEPE – FAPESP). Mestra (2013) e Doutora (2017) em Semiótica e Linguística geral pela USP,
também com período de estágio no exterior (PDSE - CAPES).
Revista Heterotópica
Laboratório de Estudos Discursivos Foucaultianos - LEDIF
Instituto de Letras e Linguística da Universidade Federal de Uberlândia - ILEEL/UFU
Introdução
3
Assinalamos que as observações sobre o Twitter em 2021 não derivam de trabalho de pesquisa anteriormente
realizado, mas se constróem especificamente na perspectiva do contraste com o Twitter em 2010, verticalmente
analisado por Falconi-Pires (2013).
Sobre o Twitter
A rede social Twitter, fundada em 2006, por Jack Dorsey, Biz Stone, Evan Williams e
Noah Glass, tem ganhado cada vez mais inscritos/as, tornando-se, assim como outras
(Facebook, Instagram, TikTok etc.), um espaço de forte efervescência e engajamento político.
De um lado, em 2010 o Twitter se definia como "[...] an information network made up of
140-character messages called Tweets. It's a new and easy way to discover the latest
news (“what’s happening”) related to subjects you care about"5. De outro, em 2021 a rede
Twitter se define como um "open service that’s home to a world of diverse people,
perspectives, ideas, and information", afirmando, ainda, que "we serve the public
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Não é intuito dessse trabalho analisar a comunicação política, em sentido amplo, no Twitter, uma vez que
Falconi-Pires (2013) analisou os discursos produzidos naquele momento de campanha eleitoral e, em 2021, as
condições de produção desses discursos não são as mesmas.
5
Tradução nossa: "[...] uma rede de informação feita por mensagens de 140 caracteres chamadas tuítes. É
um novo e fácil modo de descobrir as últimas notícias ('o que está acontecendo') relacionadas aos temas
que você tem interesse". Disponível em: <https://support.twitter.com/>. Acesso em: 13 ago. 2011.
conversation. It matters to us that people have a free and safe space to talk. That’s why we’re
constantly improving our rules and processes, technology and tools" 6.
Além disso, em 2021, nos deparamos com a seguinte definição: "Twitter is what’s
happening and what people are talking about right now"7, acentuando a instantaneidade das
publicações, alinhadas ao desenvolvimento dos próprios aparelhos, cada vez mais
disponíveis8. Estas duas breves apresentações da rede, coletadas em 2010 e onze anos depois,
em 2021, começam a demonstrar as especificidades de cada época, fato que atesta a
relevância de as ciências da linguagem, para além do seu próprio desenvolvimento teórico
mais interno, considerar também as evoluções dos meios de comunicação e a influência desse
fator nos encaminhamentos metodológicos.
a imagem que aquele homem público atrela a ele, seja a de cidadão comum, seja a
de mulher competente, ou a de mulher sustentável, isto é, que preza a
sustentabilidade (FALCONI-PIRES, 2013, p. 39).
Por conseguinte, foi no ano de 2010 que as redes sociais, sobretudo o Twitter, se
tornaram mais um lugar do fazer político eleitoral, sendo possível afirmar que aquele
momento foi o nascedouro do que hoje é a exacerbação da circulação dos discursos político e,
em especial, do discurso político eleitoral. As redes sociais se tornaram um novo espaço de
vida em sociedade, onde os sujeitos reformulam os modos de interação e de persuasão, por
exemplo, afetando também o processo eleitoral.
Em 2021 o espaço das redes sociais é ainda mais marcado pela horizontalidade dos
debates políticos, cada vez menos restritos às figuras públicas desta esfera. Na internet,
diversas instituições discursivas produzem e circulam sentido e, se verifica,
contemporaneamente, a proliferação das manifestações políticas. A adaptação desses debates
às novas tecnologias tem contribuído não só na divulgação das variadas causas sociais,
políticas, culturais e econômicas, mas na própria determinação destes movimentos de
campanha, proliferação de informações e construção de imagens de si.
De acordo com Castells (2001), o acesso à esfera política foi historicamente marcado
pela cadeia hierárquica alinhada aos valores verticalizados do processo de industrialização.
Por outro lado, o que se assiste hoje com o uso cada vez mais intenso das redes sociais, é certa
horizontalização dos espaços de debate contemporâneo, que passam a ter uma estrutura
marcada pelo acesso mais democrático proporcionado pela internet.
O espaço do digital se configura, portanto, como lugar potencial de expressão e
participação genuinamente democrática10 (DEIBERT, 2000). Tal ferramenta viabiliza a união
e a mobilização das variadas comunidades discursivas11, além da promoção horizontal das
informações, que passam a ser difundidas de lugares discursivos cada vez menos marcados
pela hierarquia das relações sociais.
No Twitter de 2021, mais alinhado ao ideal de espaço menos verticalizado de
circulação da informação, são desenvolvidas diversas funções que proporcionam esta maior
percepção de interatividade. O primeiro fato a ser assinalado é que a imposição dos 140
caracteres por publicação (tal como em 2010) foi expandida para 280 caracteres em 2021,
ainda com a possibilidade de ser subvertida pelos/as próprios/as usuários/as com o uso do
"segue o fio", marcado pelo encadeamento de diversos tuítes de modo a formar um todo.
A conta de José Serra, por exemplo, em 2021, possibilitava a inserção de links para
outras redes sociais (Facebook e Instagram), permitia visualizar os tuítes republicados
(retuitados de outros perfis) e interagir diretamente com os perfis selecionados por meio da
função comentário. Sublinhamos, a possibilidade da publicação de vídeos, fotos e gifs, fato
que indica maior sincretismo de linguagens: verbal, visual, verbo-visual etc., além da
possibilidade de inserir uma capa no perfil – e exacerbar determinada imagem de si, tal como
o nacionalismo com referência à bandeira brasileira na figura 2 a seguir:
10
"Com relação aos prós e contras dessa apropriação social da técnica, as opiniões estão divididas. Como
demonstra Deibert (2000), a posição otimista sustentada por teóricos de influência Gramsciana (COX, 1999) e
Liberal (FALK, 1992; 1995), acredita que as redes de cidadãos constituem uma potencial expressão de
participação genuinamente democrática, nas arenas até então monopolizadas pelo Estado e por corporações
transnacionais; sendo que a Internet é considerada essencial para que essas redes se desenvolvam (p. 256) Por
outro lado, há teóricos que sustentam o argumento de que, longe de se tornarem uma expressão da democracia,
essas redes de cidadãos baseadas na Internet conduzem a uma ruína democrática em escala global; pelo fato de
permitirem que muitos interesses diferentes ou, até mesmo contraditórios, sejam discutidos em nível
internacional sem nunca se alcançar nenhuma meta - mas causando um enorme “engarrafamento” de ideias,
posições e visões de mundo – nem sempre positivas (RIEFF, CLOUGH apud DEIBERT, 2000, p. 256). Além
disso, existem outros autores que defendem que as verdadeiras ações coletivas estão baseadas em relações face-
a-face, sendo que a partir da Internet não é possível obterem sucesso (TARROW, 2002)" (RIGITANO, 2003).
11
"Na problemática de Maingueneau, (1984, 1987), a noção de comunidade discursiva é solidária à de formação
discursiva. Efetivamente, a hipótese subjacente é que não basta opor as formações discursivas em termos
puramente textuais: de um discurso a outro, ‘há mudança na estrutura e no funcionamento dos grupos que gerem
esses discursos’ (1984, p. 135). Em outros termos, os modos de organização dos homens e de seus discursos são
indissociáveis; as doutrinas são inseparáveis das instituições que as fazem emergir e que as mantêm"
(MAINGUENEAU; CHARAUDEAU, 2008, p. 108).
Fonte: https://twitter.com/joseserra_
12
Disponível em: <https://www.domo.com/learn/infographic/data-never-sleeps-8>.
de seu leitor para outro discurso, em outra janela do navegador e outra situação de
enunciação (PAVEAU, 2021, p. 58).
A pesquisa empreendida nos anos de 2010 e 2011 por Falconi-Pires (2013), fonte para
o desdobramento empreendido neste texto, foi constituída a partir de um intenso trabalho de
seleção do corpus. Por conseguinte, o extenso corpus foi composto por enunciados
linguísticos publicados no Twitter, pelos então candidatos/as Dilma Rousseff, José Serra e
Marina Silva, durante os quatro meses de campanha eleitoral oficial: julho, agosto, setembro e
outubro de 2010. Em um primeiro momento, os enunciados foram organizados de forma a
agrupá-los conforme autoria e data de publicação, ficando todos com a seguinte
categorização: <candidato=2serra><mês=7>. Essa escolha metodológica tinha como
finalidade o uso de ferramentas de análises textuais existentes, no caso o Lexico313.
Em um primeiro momento, este software foi usado em todos os enunciados, que foram
anteriormente classificados no Word e depois tratados no Lexico3. Sendo um aparato de
análise quantitativa lexical, o resultado obtido estava relacionado às ocorrências de palavras
nos enunciados, requerendo, assim, um gesto de interpretação do/a analista. Ainda que
centrados somente no verbal, os resultados quantitativos lexicais não permitiram análises
alinhadas aos objetivos propostos, uma vez que a análise discursiva considera outros
funcionamentos para além do encadeamento linguístico das palavras e enunciados.
Como tal metodologia foi abandonada durante a pesquisa, apresentamos a seguir, a
título de ilustração, uma imagem do Lexico3 em uso, oferecendo os resultados quantitativos
13
Tradução nossa da descrição do programa oferecida no manual: "A série Lexico é única na medida em que
permite ao usuário manter o controle sobre todo o processo lexicométrico, desde a segmentação inicial até a
publicação dos resultados finais. As unidades que são então contados automaticamente, originam-se inteiramente
da lista de delimitadores fornecida por o usuário, sem a necessidade de recursos de dicionário externo".
Disponível em: <http://www.tal.univ-paris3.fr/lexico/manuelsL3/L3-usermanual.pdf>.
Fonte: http://www.tal.univ-paris3.fr/lexico/lex3-10pas/Lexico3-10premierspas-portugais.pdf
clicáveis, tecnopalavras, funções (retuitar, comentar, amar, compartilhar etc.), muito do que
caracteriza o discurso digital acaba sendo excluído nos gestos de análise.
A fim de continuarmos refletindo sobre essas diferenças no tratamento metodológico,
apresentamos a seguir um recorte "clássico" de corpus (figura 5), seguido de um recorte
"ecológico" (figura 6).
Fonte: https://twitter.com/dilmabr
Notas conclusivas
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Registramos um agradecimento especial à Livia Maria Falconi Pires, que se dispôs a realizar este movimento
de continuidade e olhar sua dissertação de mestrado com as lentes da análise do discurso digital, conforme
proposta por Marie-Anne Paveau (2021). Este trabalho só foi possível de ser desenvolvido devido à abertura
científica e afetiva da pesquisadora.
Referências
DEIBERT, Ronald. J. International plug’n play? Citizen activism, the Internet, and the global
public policy. International Studies Perspectives, n. 1, p. 255-272, 2000. DOI:
https://doi.org/10.1111/1528-3577.00026
DIAS, Cristiane. Sujeito, sociedade e tecnologia: a discursividade da rede (de sentidos). São
Paulo: Hucitec, 2012.
DIAS, Cristiane. Análise do discurso digital: sujeito, espaço, memória e arquivo. Campinas:
Pontes Editores, 2018.
KUHN, Thomas. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Editora Perspectiva
S/A, 1997.
LOURENÇO, Julia. Notas sobre a linguagem híbrida dos militantismos digitais. In: ZOPPI-
FONTANA, Mónica; BIZIAK, Jacob. Mulheres em discursos: lugares de enunciação e
corpos em disputa. vol. 3. Campinas: Pontes Editores, 2021.