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VARIAÇÃO LINGUÍSTICA

Site: NEAD - UGB - 2022/2 Impresso JOSIELE MIRANDA VIEIRA BARBOSA VR-DIR-N22.2-REG-
Curso: Português Instrumental e Jurídico - DIR - N - VR por: 1PER-A
Livro: VARIAÇÃO LINGUÍSTICA Data: sábado, 3 Dez 2022, 21:55
Descrição
Conteúdo sobre Norma, variação e adequação linguística.
Índice
1. INTRODUÇÃO
1.1. TEXTO I - O JURIDIQUÊS
1.2. TEXTO II - DRUMMOND
1.3. Sobre o texto de Drummond
1.4. TEXTO III - SANTOS NOMES
1. INTRODUÇÃO
Saber reconhecer as variedades da língua e usar a mais adequada a cada situação que nos é apresentada no
cotidiano são estratégias muito importantes no processo sociocomunicativo, seja em textos orais ou escritos.
Assim, vamos conhecer algumas características intrínsecas a todo e qualquer idioma.

As línguas não são realidades estáticas, mas mudam com o passar do tempo, conforme a região, o grupo social,
a intenção do falante, entre outros fatores. Essa variação manifesta-se em todas as instâncias da vida cotidiana e,
antes de ser inadequada, é essencial no processo de interação que se estabelece entre locutores e destinatários.

Leia, a seguir, o comentário do gramático Celso Cunha sobre o fenômeno da variação linguística.

A variação linguística pode ser observada em todos os níveis de manifestação da linguagem e ocorre em função
do emissor e do receptor. Dessa forma, não se pode dizer que há uma hierarquia entre os variados usos da
língua, mas existe, certamente, a adequação à instância da comunicação. Em uma mesma comunidade
linguística, portanto, coexistem usos diferentes, não existindo um padrão de linguagem que possa ser
considerado superior.
1.1. TEXTO I - O JURIDIQUÊS

Leia atentamente, os textos seguintes:

Texto I
Tradução simultânea
Dois exemplos de textos jurídicos genuínos - na versão original, em juridiquês, e em seguida simplificados, o primeiro pela
professora Hélide Santos Campos, da UNIP - Sorocaba, o segundo pelo advogado Sabatini Giampietro:

*Tradução: V.Ex.ª não observou devidamente a doutrina e a jurisprudência citadas na inicial, que caracterizam, claramente, o dano sofrido.

**Tradução: Um recurso, para ser recebido pelos tribunas superiores, deve abordar matéria explicitamente tocada pelo tribunal inferior ao julgar a causa.
Isso não ocorrendo, será pura e simplesmente rejeitado, sem exame do mérito da questão.

Revista Língua portuguesa, n.º 2, 2005.

Nesse texto, fica claro que profissionais da área jurídica usam uma linguagem técnica, que dificilmente é
entendida com clareza por um cidadão que não tenha conhecimentos nessa área. Deve-se observar que essa
linguagem jurídica, denominada "juridiquês", pela revista Língua portuguesa, chega a ser a ser ininteligível fora
dos tribunais e cortes do país, de modo que seria totalmente despropositado que um falante a utilizasse em seu
dia a dia. O texto é, portanto, exemplo de uma variedade da língua própria de um ramos profissional (um jargão),
a qual deve circunscrever-se aos ambientes jurídicos.
1.2. TEXTO II - DRUMMOND

Antigamente

Antigamente, as moças chamavam-se mademoiselles e eram todas mimosas e muito prendadas. Não faziam anos:
completavam primaveras, em geral, dezoito. Os janotas, mesmo não sendo rapagões, faziam-lhes pé-de-alferes,
arrastando a asa, mas ficavam longos meses debaixo do balaio. E se levavam tábua, o remédio era para tirar o
cavalo da chuva e ir pregar em outra freguesia. As pessoas, quando corriam, antigamente, era para tirar o pai da
forca e não caíam de cavalo magro. Algumas jogavam verde para colher maduro, e sabiam com quantos paus se
faz uma canoa. O que não impedia que, nesse entrementes, esse ou aquele embarcasse em canoa furada.
Encontravam alguém que lhes passasse a manta e azulava, dando às de vila-diogo. Os mais idosos, depois da
janta, faziam o quilo, saindo para tomar fresca; e também tomavam cautela de não apanhar sereno. Os mais
jovens, esses iam ao animatógrafo, e mais tarde ao cinematógrafo, chupando balas de alteia. Ou sonhavam em
andar de aeroplano; os quais, de pouco siso, se metiam em camisa de onze varas, e até em calças pardas; não
admira que dessem com os burros n’água.

Havia os que tomaram chá em criança, e, ao visitarem família da maior consideração, sabiam cuspir dentro da
escarradeira. Se mandavam seus respeitos a alguém, o portador garantia-lhes: “Farei presente”. Outros, ao
cruzarem com um sacerdote, tiravam o chapéu, exclamando: “Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo”, ao que o
Reverendíssimo correspondia: “Para sempre seja louvado”. E os eruditos, se alguém espirrava – sinal de defluxo –
eram impelidos a exortar: Dominus tecum. Embora sem saber da missa a metade, os presunçosos queriam
ensinar padre-nosso ao vigário, e com isso metiam a mão em cumbuca. Era natural que com eles se perdesse a
tramontana. A pessoa cheia de melindres ficava sentida com a desfeita que lhe faziam, quando, por exemplo,
insinuavam que seu filho era artioso. Verdade seja que às vezes os meninos eram mesmo encapetados;
chegavam a pitar escondido, atrás da igreja. As meninas, não: verdadeiros cromos, umas teteias.

Antigamente, certos tipos faziam negócios e ficavam a ver navios; outros eram pegados com a boca na botija,
contavam tudo tintim por tintim e iam comer o pão que o diabo amassou, lá onde Judas perdeu as botas. Uns
raros amarravam cachorro com linguiça. E alguns ouviam cantar o galo, mas não sabiam onde. As famílias faziam
sortimento na venda, tinham conta no carniceiro e arrematavam qualquer quitanda que passasse à porta, desde
que o moleque do tabuleiro, quase sempre um cabrito, não tivesse catinga. Acolhiam com satisfação a visita do
cometa, que, andando por ceca e meca, trazia novidades de baixo, ou seja, da Corte do Rio de Janeiro. Ele vinha
dar dois dedos de prosa e deixar de presente ao dono da casa um canivete roscofe. As donzelas punham carmim
e chegavam à sacada para vê-lo apear do macho faceiro. Infelizmente, alguns eram mais do que velhacos: eram
grandessíssimos tratantes.

Acontecia o indivíduo apanhar constipação; ficando perrengue, mandava o próprio chamar o doutor e, depois, ir
à botica para aviar a receita, de cápsulas ou pílulas fedorentas. Doença nefasta era a phtysica, feia era o gálico.
Antigamente, os sobrados tinham assombrações, os meninos lombrigas, asthma os gatos, os homens portavam
ceroulas, botinas e capa-de-goma, a casimira tinha de ser superior e mesmo X.P.T.O. London, não havia
fotógrafos, mas retratistas, e os cristãos não morriam: descansavam. Mas tudo isso era antigamente, isto é,
outrora.
1.3. Sobre o texto de Drummond

Nesse divertido texto, Drummond nos apresenta uma série


de palavras e de expressões idiomáticas comumente
usadas
em épocas passadas. Trata-se de uma referência explícita ao
fato de as línguas modificarem-se no tempo,
adequando-se
às necessidades dos falantes. Isso fica evidente nas várias
menções que o autor faz ao termo
“antigamente”, bem como
na presença de arcaísmos, ou seja, termos que já foram
produtivos na língua, mas que
caíram em desuso ou são
usados apenas por aqueles que vivenciaram a época em
que eles integravam o
cotidiano dos falantes.
1.4. TEXTO III - SANTOS NOMES

Santos nomes em vão


Drama verídico e gerado por virgulazinhas mal postas, cúmplices de tantas reticências.

Praxedes é gramático. Aristarco também. Com esses nomes não poderiam ser cantores de rock. Os dois trabalham num
jornal. Praxedes despacha as questiúnculas à tarde. Aristarco, à noite. Um jamais concordou com uma vírgula sequer do
outro, e é lógico que seja assim. Seguem correntes diversas. A gramática tem isso: é democrática. Permitindo mil versões,
dá a quem sustenta uma delas o prazer de vencer. Praxedes é um santo homem. Aristarco também. Assinam listas,
compram rifas, ajudam quem precisa. E são educados. A voz dos dois é mansa, quase um sussurro. Mas que ninguém se
atreva a discordar de um pronome colocado por Praxedes. Ou de uma crase posta por Aristarco. Se a conversa ameaça
escorregar para os verbos defectivos ou para as partículas apassivadoras, melhor escapar enquanto dá. Porque aí cada
um deles desanda a bramir como um leão. [...] Para que os dois não se matem, o chefe pôs cada um num horário.
Praxedes, mais liberal (vendilhão, segundo Aristarco), trabalha nos suplementos do jornal, que admitem uma linguagem
mais solta. Aristarco, ortodoxo (quadradão, segundo Praxedes) assume as vírgulas dos editoriais e das páginas de política
e economia. [...] Sempre estiveram a um passo do quebra-pau. Hoje, para festa dos ignorantes e dos mutiladores do
idioma, parece que finalmente vão dar esse passo. É dia de pagamento e eles se encontram na fila do banco. Um
intrigante vem pondo fogo nos dois há já um mês e agora ninguém duvida: nunca saberemos quem é o melhor
gramático, mas hoje vamos descobrir quem é o mais eficiente no braço. Aristarco toma a iniciativa. Avança e despeja: –
Seu patife, biltre, poltrão, pusilânime. Praxedes responde à altura: – Seu panaca, almofadinha, calhorda, caguincha.
Aristarco mete o dedo no nariz de Praxedes: – É a vossa progenitora! Praxedes toca o dedo no nariz de Aristarco: – É a
sua mãe! Engalfinham-se, rolam pelo chão, esmurram-se. Quando o segurança do banco chega para apartar, é tarde,
Praxedes e Aristarco estão desmaiados um sobre o outro, abraçados, como amigos depois de uma bebedeira. O guarda
pergunta à torcida o que aconteceu. Um boy que viu tudo desde o início explica: – Pra mim, esses caras não é bom de
bola. Eles começaram a falá em estrangeiro, um estranhô o outro, os dois foram se esquentando, esquentando, e aí
aquele ali, ó, que também fala brasileiro, pôs a mãe no meio. Levô uma bolacha e ficô doido: enfiô o braço no focinho do
outro. Aí os dois rolô no chão. Para a sorte do boy, Aristarco e Praxedes continuavam desacordados. 
DREWNICK, Raul. O Estado de S. Paulo, Caderno 2, p. 2, 1998

Nesse texto, também muito divertido, abordam-se dois aspectos relacionados à variação linguística. O primeiro diz
respeito à escolha da modalidade de que fazem uso Aristarco e Praxedes. Este utiliza uma modalidade mais informal,
enquanto aquele utiliza a formal. Essa escolha condiciona o uso dos termos que vão compor a fala de cada uma das
personagens.
O autor brinca, ainda, com um outro tipo de variação linguística: aquela que é definida pela classe social a que pertence
o falante. Nesse caso, entra em jogo a fala do boy, que, no final do texto, relata o confronto entre os dois gramáticos.
Nesse relato, há transgressões a regras da gramática normativa. Evidencia-se, também, o modo como certas palavras
são pronunciadas. Além disso, a interpretação que o boy faz das variedades linguísticas utilizadas pelos gramáticos,
segundo a qual eles falariam uma língua estrangeira, explicita que pode haver, em um mesmo idioma, variedades tão
distintas que soariam como línguas diferentes. 
Vale observar que a possibilidade de variação da língua expressa, também, a variedade cultural existente em qualquer
grupo. Portanto, não existe forma certa ou errada de expressão, e sim a forma mais adequada a cada situação
sociocomunicativa.

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