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Escritas imagéticas acerca do trabalho e a da sociobiodiversidade: uma

experiência etnofotográfica na feira do Juaba, Cametá - PA.


Tinha um perfume de jasmim no beiral de um sobrado /
Fotografei o perfume / (...) Olhei uma paisagem velha a se
debruçar sobre uma casa / Fotografei o sobre / Foi difícil
fotografar o sobre, mas por fim eu consegui. (BARROS,
2003, p. 11- 12).

Um breve começar com palavras escritas


Começo esse ensaio com as palavras do poeta Manoel de Barros, pois, a partir
delas, encontrei, de certa maneira, o que buscava na fotografia, mesmo sem saber:
pensar as imagens para além das coisas aparentes. Ao meu ver, o preenchimento dessas
descrições é um bom começo, tendo em vista que esse ensaio somente faz sentido em
função desse despertar consciente do transver apresentado pelo poeta. Nesse contexto,
busco desenvolver uma narrativa imagética acerca da experiência na Feira livre do
distrito de Juaba, localizado no município de Cametá - PA, a fim de destacar as
relações, conexões e pontes criadas entre o trabalho e a sociobiodiversidade, na
construção ser-estar no mundo, capaz de delimitar as fagulhas da existência,
independentemente da perspectiva.
O conceito de imagem dialogado por Flusser (2002) auxilia a entender que o uso
da imagem que busco desenvolver nesta narrativa imagética não pode ser tomado como
referência de captura do real. Para o autor, o significado atribuído às imagens é
relacional, reversível e circular (FLUSSER, 2002) cujo
o tempo que circula e estabelece relações significativas é muito
específico: tempo de magia. Tempo diferente do linear, o qual
estabelece relações causais entre eventos. No tempo linear, o nascer
do sol é a causa do cantar do galo; no circular, o cantar do galo dá
significado ao nascer do sol, e este dá significado ao cantar do galo.
Em outros termos: no tempo da magia, um elemento explica o outro, e
este explica o primeiro. O significado das imagens é o contexto
mágico das relações reversíveis (FLUSSER, 2002, p. 8).

É nesse movimento que situo esse ensaio fotográfico enquanto uma experiência
etnofotográfica. Uma experiência que não está relacionada a qualquer experimentação
ou experimentos como nos habituamos a ouvir. É uma experiência no sentido que
Larrosa (2002) nos provoca a pensar quando afirma que “experiência é o que nos passa,
o que nos acontece, o que nos toca” (2002, pg. 21). Para Larrosa (2002) o saber da
experiência não diz respeito à verdade das coisas, mas sobre o sentido que atribuímos ao
que nos acontece. Assim, as imagens ora apresentadas não são registros de coisas,
pessoas ou lugares, mas a minha experiência com as pessoas e com o lugar. É um
desvelar das vivências particulares e subjetivas com a feira do Juaba e tudo que nela há.
Como dizia o poeta, “para cantar é preciso perder o interesse de informar” (BARROS,
2010), uma vez que a melodia possibilita o voo, bem como as imagens corporificam
narrativas.
Considero, portanto, a fotografia não enquanto técnica, mas como linguagem e,
ao mesmo tempo, como arte que possibilita narrar a experiência. Os ângulos, as
composições, as cores ou a ausência delas, a nitidez ou a não nitidez não são escolhas
estéticas ou apenas um aplicar de técnicas, contudo se constituem como um esforço
poético de aproximar o visto do percebido/sentido. Se a fotografia é escrever com a luz,
considero a poesia como uma espécie de iluminar de sentimentos, pois sem sentimentos
não há poesia. Percebo, então, a fotografia e a poesia de maneira indissociáveis, haja
vista que a narrativa imagética é poética na medida em que expresso os meus
sentimentos, vivências e experiências naquilo que registro.
Nessa perspectiva, aproximo, situo, a narrativa tal qual Walter Benjamin nos
ensina a percebê-la:
a narrativa que durante tanto tempo floresceu no meio de Artesão- no campo
do mar e na cidade-, é ela própria, num certo sentido, uma forma artesanal de
transmissão. Ela não está interessada em transmitir o “puro em si” da coisa
narrada como uma informação de um relatório. Ela mergulha a coisa na vida
do narrador para em seguida retirá-la dele. Assim se imprime na narrativa a
marca do narrador, como a mão do oleiro na argila do vaso. (Benjamin, 1985,
p. 2005)

O lugar de onde narro a experiência também carrega marcas indissociáveis. São


as marcas do hábitat e do habitar o território. Para Henrique Leff (2015) o “Hábitat é o
lugar em que se constrói e se define a territorialidade de uma cultura”, ou seja, é onde se
constituem os sujeitos sociais que se apropriam do espaço a partir dos hábitos,
sensibilidades, gostos e prazeres. A narrativa imagética que aqui apresento são as
marcas do território marcadas na minha experiência na Feira do distrito Juaba.
Entre as muitas marcas, destaco, portanto, o trabalho e a sociobiodiversidade
como centralidade da minha experiência. O trabalho por compreende-lo a partir de uma
visão dialética mediante o qual se define o próprio modo humano de existir
(FRIGOTTO, 1985). Nesse viés, no território Amazônico esse existir encontra conexão
com as águas e florestas que marcam o ecossistema e com todo um arcabouço de
conhecimento cultural e ancestral das populações tradicionais. As mascas da
sociobiodiversidade por compreendê-la como interação entre a gigantesca diversidade
biológica e os sistemas culturais. Logo, na feira livre do Distrito de Juaba o trabalho e a
sociobiodisiversidade são expressões dos diferentes modos de vida e de resistência no
território da Amazônica Tocantina.

Situando o lugar da experiência


A feira livre do distrito de Juaba, um dos nove distritos que formam o município
de Cametá, acontece todos os domingos na Praça central da Vila de Juaba. A feira é um
importante espaço de comercialização e troca de produtos da agricultura familiar das
comunidades ribeirinhas e de terra firme da região.

Figura 1: Localização do distrito e da Vila de Juaba, Cametá-PA.

A intensa movimentação tem início por volta das 5h da manhã. Barcos chegam
no porto trazendo, principalmente, a produção extrativista das águas e florestas. Açaí,
castanha, camarão e peixes são os principais produtos do trabalho das comunidades
ribeirinhas e da região das ilhas do distrito. Os ramais ligam as comunidades de terra
firma à vila de Juaba. São dezenas de comunidades que trazem à feira hortaliças, frutos,
carne de caça e, principalmente, os derivados da mandioca, a exemplo dos diversos
tipos de farinha (farinha d’água, farinha seca, farinha mista, farinha branca, farinha de
tapioca, tapioca em ramos e muitos outros produtos. Cabe ressaltar, a importância das
comunidades dos Territórios Quilombolas do distrito, sobretudo comunidades como
Tomásia e Itapocú, na produção e comercialização da mandioca e seus derivados no
território.
A narrativa imagética foi construída nos meses de março e abril de 2022 durante
o desenvolvimento de pesquisa que buscava compreender a feira do Juaba enquanto
estratégia de reprodução social camponesa no território. Após concluída a pesquisa,
percebi que ainda restava algo a dizer, mas não com palavras, mas a partir de uma outra
forma de expressão. Uma escrita imagética pensada na transgressão emergencial da
sociedade moderna em dizer tudo em poucas linhas, na qual a imagem transborda de
palavras, sentimentos, sensações e impressões. É isso que busco.

A narrativa imagética

Fotografia(s)
Imagens para além do que os olhos podem ver,
O reconhecimento de que trabalhar com
a linguagem da arte
Significa trabalhar com outro mundo possível.
Encantemos!

Lori Figueiró

Figura 1: Praça Central: (i)mobilidade da Feira.


Figura 2: Dinâmica de chegada: a produção regional das ilhas do Distrito de Juaba.
Figura 3: Bicicleta de um transeunte: acessando a Vila pelos ramais.

Figura 4: Canudinho com recheio de arroz e camarão: consumo dos frequentadores.


Fi gu
ra 5:

Paneiro de talas de Jacitara: (des)pescar da região.

Figura 6: Açaí, principal produto do extrativismo das comunidades ribeirinhas e região


das ilhas do município: medida na “lata”.
Figura 7: Fruto popular: Jabarana.
Figura 8: Farinha: essência da alimentação na região.

Figura 9: A farinha é um dos produtos mais comercializados na Feira.


Figura 10: Frutos & Carne.

Figura 11: Comercialização dos produtos da agricultura familiar.


Figura 12: Pescadores & atravessadores: democracia ao processo de comercialização.
Figura 13: Cores & cheiros.

Figura 14: Multicor da satisfação de encontrar.


Figura 15: Quem chega para vender, também, chega para comprar. Morador da região
das ilhas retornando com a saca de farinha de mandioca.
Referencias
BARROS, M. Menino do mato. São Paulo: Leya, 2010.
BARROS, Manoel de. O fotógrafo. In: Ensaios fotográficos. Rio de Janeiro: Record,
2003, p. 11-12.
BENJAMIN, W. Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1985, p. 205.
FLUSSER, Vilém. Filosofia da caixa preta. São Paulo: Relume Dumará, 2002.
FRIGOTTO, G. Trabalho como princípio educativo: por uma superação das
ambiguidades. Boletim Técnico do Senac, 11(3): 1-14, set.-dez., 1985.
LARROSA, BONDÍA, Jorge. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. 2002.
LEFF, Henrique. Saber Ambiental: Sustentabilidade, Racionalidade, Complexidade
e Poder. 9ª ed. Petrópolis, Ed. Vozes, 2015.

Agradecimentos
À todas as pessoas que fazem da Feira livre do Juaba um extraordinário e privilegiado
lugar da experiência. Durante esses dias pude vivenciar e perceber os olhos curiosos e
receosos para alguém “de fora” com uma câmera na mão e um caderno de anotações na
outra, se transformar em olhares de reconhecimento acompanhados por “olha o
professor das fotos voltou”/”Só quero ver essas fotos depois, hein!”. Meu muito
obrigado pela receptividade, pelas conversas, pelas explicações e, principalmente por
terem permitido escrever com as imagens essa experiência.

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