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Universidade Save

Exame de Recorrência – LP III - Duração: 90 min. – Data 04/12/2022


NOME DO ESTUDANTE: Inácio Mário Manuel

O FILHO DE MUSSASSA

Mussassane finara-se na última madrugada, vítima de um mal do peito que já vinha incubando há meses no longínquo Djone.
Em Mpissane, Mussassane é conhecido pela sua abastança. A família, de longas e nobres tradições, é pródiga em distribuir favores e
benesses. Não há em Mpissane quem não se servisse dos préstimos da afamada família. A bem dizer, são os donos da região.
Mussassane, orgulho de Mpissane, emigrara jovem para o Rand nos tempos conturbados de chibalo. De lá gatafunhou uns lacónicos
rascunhos a convidar os irmãos a seguirem-lhe o exemplo. E todos foram à aventura.
Muitos anos mais tarde desceu à terra natal. Por ponderada recomendação do velho tio Nkiane, desposou Marieta, filha da
respeitável família Zunguene e dona de reconhecidos méritos nos trabalhos domésticos e da lavoura. Ciente de que lhe pusera um filho no
ventre, abalou de volta às minas.
Regularmente envia encomendas, recomendações e muitos cumprimentos. No fim de cada contrato vem a Mpissane alargar a prole e
pôr as coisas no lugar, no seu estimado clã.
Daquela vez chegara a Mpissane às portas da morte. A família aguardava-o, ansiosa, na estação, com planos a rolar nas cabeças. Pela
mão hesitante do confidente Jacob Mazanga escrevera do Rand para anunciar o seu definitivo regresso e a gravidade do mal que ameaçava a
sua vida.
E todos lá estavam na estação. Cada qual o mais alvoroçado e ruidoso, para se fazer notado e lembrado nas disposições
testamentárias.
Queriam uns levá-lo às costas para poupá-lo das dores da marcha. Outros mais que: “dá cá o chapéu; não, a bengala é melhor; a mala
fica comigo”.
– Ná, a mala levo eu – dizia o regressado, na voz disfónica dos tísicos, a abrir caminho com a bengala. Todos olham com
indisfarçada cobiça a mala abaulada que Mussassane teima em trazer suspensa na mão frágil. Via-se que era pesada. Só no fim da caminhada
entregou-a a Marieta que, sob olhar zeloso e muito vigilante do retornado, carregou à cabeça com experiência e segurança.
O corpo de Mussassane, metido num fato de macaco de ganga coçado e largo, contorce-se num bailado singular. As pernas são finas
e angulosas. Levanta muito os joelhos pontiagudos e pisa com mil cuidados, como se o ferissem as asperezas do chão.
Aqui e mais adiante, pára e interrompe a caminhada. Apoia-se aos troncos ásperos dos cajueiros. Arfa, tosse com muito ruído e leva
a mão ao peito, no gesto instintivo e inútil de acalmar as pontadas. E a vida foge-lhe aos poucos nas borras vermelho-escuras de saliva que lhe
caem junto aos pés.
E o cortejo segue lá para Betsene, berço e sede da grande família Mussassa. E toda a gente ficou a saber: Mussassane voltou do
Djone, abastado, mas acabado, pronto a entregar o corpo à terra.
Dos mais distantes lugares chegaram esquecidos amigos e parentes para a saudação regulamentar. Todos vêm carregados. Que
imperdoável sacrilégio é vir de mãos a abanar! É a galinha estimada e quase de veneração; os cabritos não faltaram com o seu balido
estrangulado, adivinhando o fim próximo; e as aguardentes? Oh, essas saíram do silêncio dos improvisados túmulos nos centros das palhotas e
viram a luz do dia; e mais, e mais, e mais oferendas. É a manifestação de apreço e regozijo pelo regresso de quem muito fizera pelas terras de
Mpissane e que dignificara nas terras do Djone o bom nome dos Mussassa.
Indiferente ao alvoroço da chegada, Mussassane fez questão de reunir o conselho da família. Sente a morte a tomar-lhe o corpo, a
vida a esvair-se em cada acesso de tosse. Quer ditar as últimas vontades.
– Estou satisfeito por vir morrer em minha casa. Trabalhei anos e anos lá fora. Aprendi muitas coisas e guardei muito dinheiro –
começou por dizer Mussassane.
O moribundo poisa os olhos na mala encostada à parede defronte. Cuspinha para dentro de uma gamela velha e prossegue.
– Nessa mala aí, trago muito dinheiro, capaz de comprar todas as terras de Mpissane, gado e as vossas mulheres. Trago dinheiro em
papel e muitas moedas de ouro. Sei que vou morrer, o trabalho do Djone roubou-me a saúde. Pedi a todos para estarem aqui, escutarem e
fazerem cumprir as minhas últimas vontades.
Os corpos remexem-se nas esteiras. Os corações galopam acelerados, aguardando pelo momento das contemplações.
– Quando eu morrer quero que me enterrem com o meu dinheiro. Com todo o meu dinheiro. Ninguém deve chorar a minha morte,
nem tocar a minha campa até às próximas chuvas.
Estava dito o testamento.
Um oh! de desapontamento escapou da assistência. Cada um vinha detalhando planos de como aplicar o que lhe coubesse do
testamento. Uns imaginavam-se com uma mão cheia de libras, a arrotar extravagâncias nos botequins da vila; outros a diluírem a dinheirama
nas aguardentes diárias, sem exigir troco; outros mais, as notas a não caberem nos bolsos, em diligências para reforçar os já atulhados haréns.
Aí pela madrugada, num arranco final, deu o que tinha a dar. E a notícia foi ruidosamente badalada em Mpissane e nas povoações
adjacentes.
Com estranguladas dores nos peitos, todos se apresentaram para as inevitáveis cerimónias fúnebres. Vagueiam no grande quintal de
cabeças baixas para ocultar as lágrimas proibidas que espreitam do fundo dos olhos.

Aldino Muianga – “Xitala Mati” (Adaptado)

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LEIA ATENTAMENTE O TEXTO E INDIQUE A ALTERNATIVA CORRECTA
1. O texto “O filho de Mussassa” tem por objectivo:
A. informar sobre uma área do saber que se supõe que o interlocutor careça de algum conhecimento.
B.defender ou refutar um ponto de vista.
C. apresentar características que configuram uma pessoa, um lugar e objectos.
D. narrar uma sequência de eventos reais ou fictícios.

2. Na tipologia textual do seu exame, normalmente, a introdução apresenta:


A.um momento estável com o qual se inicia a narrativa.
B. o título e a ideia que o autor pretende defender.
C. o tema título, ou seja, o objecto descrito, que é posteriormente decomposto em subtemas.
D. o tema/assunto/problema da exposição.

3. De acordo com o texto, Mussassane é orgulho de Mpissane:


A. porque emigrara jovem para o Rand.
B. porque gatafunhou uns lacónicos rascunhos a convidar os irmãos a seguirem-lhe o exemplo.
C. devido à sua abastança.
D. por ser de uma família de longas e nobres tradições.

4. A origem mais específica de Mussassane é:


A. Mussassa.
B. Mpissane.
C. Djone.
D. Betsene.

5. A morte de Mussassane é anunciada pela primeira vez:


A. no último parágrafo.
B. no primeiro parágrafo.
C. no penúltimo parágrafo.
D. no antepenúltimo parágrafo.

6. Segundo o texto, Mussassane desposou Marieta:


A. por ser dona de reconhecidos méritos nos trabalhos domésticos e da lavoura.
B. pela ponderada recomendação do velho tio NKiane.
C. por ser filha da respeitável família Zunguene.
D. por ser única mulher bonita na família Zunguene.

7. De acordo com o texto, a família aguardava, ansiosa, ruidosa e alvoroçada na estacão pela chegada de
Mussassane:
A. por motivo da gravidade do mal que ameaçava a sua vida.
B. por causa dos planos que rolavam nas cabeças.
C. para o levar às costas e poupá-lo das dores da marcha.
D. para se fazer notar e lembrar nas disposições testamentárias.

8. – Ná, a mala levo eu – dizia o regressado, na voz disfónica dos tísicos. A expressão sublinhada significa:
A. rouquidão.
B. afonia.
C. berro.
D. voz feminil.

9. Considerando o texto, Mussassane recebeu várias oferendas:


A. porque os amigos e parentes sabiam que ele estava quase a morrer.
B. porque já tossia com muito ruído.
C. como demonstração de apreço e regozijo pelos seus feitos em Mpissane e nas terras do Djone.
D. porque gostava de aguardentes.

10. Mussassane reuniu o conselho da família:


A. para exprimir os seus últimos desejos.
B. para mostrar que a morte lhe tomava o corpo.
C. para mostrar a mala de dinheiro e outras coisas.
D. para dizer que estava satisfeito porque ia morrer em sua casa.

11. A caminho de casa, Mussassane levantava muito os joelhos pontiagudos e pisava com mil cuidados o chão
porque:

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A. queria controlar a mala na cabeça de Marieta, sob olhar zeloso e vigilante.
B. queria chegar rápido a casa para melhor descansar.
C.as pernas eram finas.
D. estava desgastado pela doença.

12. Qual das alternativas mostra uma marca cultural na sociedade moçambicana?
A.Por ponderada recomendação do velho tio Nkiane, desposou Marieta.
B.O moribundo poisa os olhos na mala encostada à parede defronte.
C.Daquela vez chegara a Mpissane às portas da morte.
D.O corpo de Mussassane (…) contorce-se num bailado singular.

13. As últimas vontades de Mussassane foram:


A. comprar todas as terras de Mpissane, gado e mulheres.
B. que todos os presentes remexessem os corpos nas esteiras.
C. que fosse enterrado com o seu dinheiro, ninguém chorrasse a sua morte, nem tocar a sua campa.
D. que os familiares ficassem com as mãos cheias de libras e arrotar extravagância nos botequins sem exigir trocos.

14. De acordo com o texto, todos se apresentaram às cerimónias fúnebres com estranguladas dores no peito:
A.porque Mussassane morreu.
B.porque o finado proibiu o choro.
C. pela morte e testamento de Mussassane.
D.porque não deviam tocar na campa de Mussassane.

15. Regularmente envia encomendas. Nesta frase a palavra sublinhada é um conector:


A. alternativo.
B. explicativo.
C. causal.
D. temporal.

16. Na frase anterior, indique a expressão que melhor substitui a palavra sublinhada:
A. mensalmente.
B. reiteradamente.
C. frequentemente.
D. continuamente.

17. O significado denotativo da expressão “às portas da morte” é:


A. à beira da morte.
B. quase a entrar no cemitério.
C.quase a entrar no caixão.
D. correr risco de vida.

18. Mussassane voltou do Djone (…) pronto a entregar o corpo à terra. A figura de estilo patente na frase é:
A. hipérbole.
B. metáfora.
C. comparação.
D. antítese.

19. Na frase As aguardentes viram a luz do dia ocorre uma figura de estilo que consiste em:
A. fazer agir e falar pessoas ausentes, mortos ou seres sobrenaturais.
B. atribuir qualidades, atitudes e impulsos humanos a seres inanimados e animais irracionais.
C. atribuir características de seres animados a coisas que as não possuem.
D.exagerar qualquer realidade para a tornar mais saliente.

20. As palavras imperdoável, aguardente e Mussassane são, respectivamente, formadas por:


A.sufixação e prefixação, aglutinação, sufixação.
B.sufixação e prefixação, justaposição, sufixação.
C. prefixação e sufixação, justaposição, sufixação.
D. prefixação e sufixação, aglutinação, sufixação.

RESPONDA AQUI, INDICANDO A ALTERNATIVA CORRECTA

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FIM!

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