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Romantismo no Brasil - três fases da poesia

Contexto_________________________________________________________________________

O Romantismo surgiu no Brasil poucos anos depois de nossa independência política (1822). Por
isso, as primeiras obras literárias e os primeiros artistas românticos se mostraram empenhados
em definir um perfil da cultura brasileira, no qual o nacionalismo era o traço essencial. A história
do Romantismo no Brasil se confunde com a própria história política brasileira da primeira metade
do século XIX. Com a invasão de Portugal por Napoleão, a coroa portuguesa se mudou para o
Brasil, em 1808, e elevou a colônia à categoria de Reino Unido, ao lado de Portugal e Algarves.
Em decorrência disso, a colônia passou por uma série de mudanças: criação de escolas de nível
superior, fundação de museus e bibliotecas públicas, instalação de tipografias e circulação regular
da imprensa. A dinamização da vida cultural da colônia e a formação de um público leitor – mesmo
que inicialmente só de jornais – criaram algumas condições necessárias para uma produção
literária mais consistente do que as manifestações literárias dos séculos XVII e XVIII. Com a
independência política em 1822, os intelectuais e artistas da época passaram a dedicar-se ao
projeto de criar uma cultura identificada com as raízes históricas, linguísticas e culturais
brasileiras. Além ser uma reação à tradição clássica, o Romantismo assumiu no Brasil a conotação
de movimento anticolonialista e antilusitano, de rejeição à literatura produzida na época colonial
em virtude do apego daquela produção aos modelos culturais portugueses. Um dos traços essenciais
do nosso Romantismo é o nacionalismo, que orientou o movimento e abriu-lhe um leque de muitas
possibilidades a serem exploradas, como o indianismo, o regionalismo, as pesquisas histórica,
folclórica e linguística, a crítica aos problemas nacionais – posturas comprometidas com o projeto
de construção de uma identidade nacional. A publicação da obra Suspiros poéticos e saudades
(1836), de Gonçalves de Magalhães, e considerada o marco inicial do Romantismo no Brasil. A
importância dessa obra reside nas novidades teóricas de seu prólogo – em que Magalhães anuncia
a revolução literária romântica.

As gerações do Romantismo________________________________________________________

Tradicionalmente, são apontadas três gerações de escritores românticos. Essa divisão, contudo,
compreende, principalmente, os autores de poesia. Os romancistas não se enquadram muito bem
nessa divisão, uma vez que suas obras apresentam traços característicos de mais de uma geração.

Primeira geração: nacionalista, indianista e religiosa, com destaque para Gonçalves Dias e
Gonçalves de Magalhães.

Segunda geração: marcada pelo “mal-do-século”, apresenta egocentrismo exacerbado,


pessimismo, satanismo e atração pela morte. Foi bem representada por Álvares de Azevedo,
Casimiro de Abreu, Fagundes Varela e Junqueira Freire.

Terceira geração: formada pelo grupo condoreiro, desenvolve uma poesia de cunho político
e social. A maior expressão desse grupo é Castro Alves.

Durante o Segundo Reinado, os românticos foram firmando o projeto de uma literatura


autenticamente nacional, liberta da portuguesa. Houve três momentos no desenvolvimento da
poesia romântica brasileira, cujos poetas reúnem distintas gerações com características em
comum.

Indianismo: primeira geração poética_______________________________________________

Compreendida entre os anos de 1836 e 1852, a primeira geração contou com os poetas Gonçalves
de Magalhães e Gonçalves Dias. O nacionalismo e o patriotismo predominam em seus poemas,
que exaltam aspectos característicos da paisagem tropical, realçam o exotismo e a beleza natural
e exuberante em oposição à paisagem e à natureza europeias. As obras de ambos encaram o

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indígena como elemento formador do povo brasileiro, bem como revelam forte religiosidade
predominantemente católica, em oposição ao “paganismo” da poesia neoclássica ligada à tradição
greco-latina. São de caráter amoroso, fortemente sentimental, fruto de relativa influência da lírica
portuguesa, medieval, camoniana e romântica – de Garrett, principalmente.

 Gonçalves de Magalhães: O médico, diplomata, poeta e dramaturgo Domingos José


Gonçalves de Magalhães (1811-1882) foi o iniciador do Romantismo na literatura brasileira. Sua
meta foi implantar a nova corrente literária no País, com o apoio do imperador D. Pedro II.
O dia 7 de setembro, em Paris
Longe do belo céu da Pátria minha, Dia da Liberdade!
Que a mente me acendia, Tu só dissipas hoje esta tristeza
Em tempo mais feliz, em qu’eu cantava Que a vida me angustia.
Das palmeiras à sombra os pátrios feitos; Sem mais ouvir Tu só me acordas hoje do letargo
o vago som dos bosques, Em que esta alma se abisma,
Nem o bramido fúnebre das ondas, De resistir cansada a tantas dores.
Que n’alma me excitavam Ah! Talvez que de ti poucos se lembrem
Altos, sublimes turbilhões de ideias; Neste estranho país, onde tu passas
Com que cântico novo Sem culto, sem fulgor, como em deserto
O Dia saudarei da Liberdade? Caminha o viajor silencioso.

Ausente do saudoso, pátrio ninho, Mas rápidos os dias se devolvem;


Em regiões tão mortas, E tu, oh sol, que pálido me aclaras
Para mim sem encantos, e atrativos, Nestas longínquas plagas,
Gela-se o estro ao peregrino vate. Brilhante ainda raiarás na Pátria,
Tu também, que nos trópicos te ostentas E ouvirás meus hinos
Fulgurante de luz, e rei dos astros, Em honra deste
Tu, oh sol, neste céu teu brilho perdes. Dia, não magoados
[...] Co’os fúnebres acentos da saudade.

Publicado no livro Suspiros poéticos e saudades (1836). Poema


integrante da série Saudades.
In: RAMOS, Frederico José da Silva (Org.). Grandes poetas
românticos do Brasil. São Paulo: LEP, 1994

 Gonçalves Dias: O maranhense Antônio Gonçalves Dias (1823-1864) era filho de pai
português e mãe cafuza brasileira. Fez os primeiros estudos em seu estado natal e, mais tarde,
formou-se em Direito na Universidade de Coimbra. Retornou ao Brasil em 1845, estabelecendo-
se em São Luís.

“Canção do exílio” é um dos mais conhecidos poemas de Gonçalves Dias, escrito em Coimbra,
em julho de 1843.
Canção do exílio

Minha terra tem palmeiras, Onde Em cismar, sozinho, à noite Mais Não permita Deus que eu morra,
canta o sabiá; As aves, que aqui prazer encontro eu lá; Minha terra Sem que eu volte para lá; Sem que
gorjeiam, Não gorjeiam como lá. tem palmeiras, Onde canta o sabiá. desfrute os primores Que não
encontro por cá; Sem qu’inda aviste
as palmeiras, Onde canta o sabiá.
Nosso céu tem mais estrelas, Nossas Minha terra tem primores, Que tais
várzeas têm mais flores, Nossos não encontro eu cá; Em cismar –
bosques têm mais vida, Nossa vida sozinho, à noite – Mais prazer
mais amores. encontro eu lá; Minha terra tem
palmeiras, Onde canta o sabiá.

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Poesia indianista__________________________________________________________________

Os indígenas foram considerados pelo Romantismo símbolo da jovem nação brasileira, razão pela
qual passam a figurar como heróis em diversas obras. O indianismo romântico é uma busca de
raízes nacionais, uma procura no passado histórico brasileiro, do mesmo modo como os europeus
foram às fontes medievais de sua formação histórica.

Na obra de Gonçalves Dias, o indígena aparece como tema renovador já nos Primeiros cantos,
estendendo- -se aos Últimos cantos e também ao inacabado Os timbiras.

O poeta busca o elemento indígena nas florestas longínquas, em memórias de florestas que
imagina intocadas, bem antes da aproximação do não indígena idealizado, forjado nos moldes do
“bom selvagem”, de Jean- -Jacques Rousseau: “O homem nasce bom. A sociedade o corrompe”.

Poesia lírica_______________________________________________________________________

O lirismo amoroso sobressai nas baladas, canções e nos longos poemas de Gonçalves Dias, tudo
numa linguagem personalizada e bastante comedida, distante da tristeza que caracterizaria outras
gerações românticas.

Os temas de sua poesia lírica são abrangentes: a pátria, a natureza, a grandiosidade divina, o
preconceito e o desacerto amoroso.

O poema “Se se morre de amor” é uma espécie de profissão de fé aos limites entre a paixão e o
amor. Ele aponta diferenças, estabelece parâmetros e traz à tona a emoção com raciocínio.

Se se morre de amor Compreender o infinito, a imensidade, E a natureza e


Deus; gostar dos campos, D’aves, flores, murmúrios
Se se morre de amor! – Não, não se morre, Quando é solitários; Buscar tristeza, a soledade, e ermo, E ter o
fascinação que nos surpreende coração em riso e festa; E à branda festa, ao riso da nossa
[...] alma Fontes de pranto intercalar sem custo; Conhecer o
prazer e a desventura No mesmo tempo, e ser no mesmo
Amor é vida; é ter constantemente Alma, sentidos, ponto O ditoso, o misérrimo dos entes: Isso é amor, e
coração – abertos Ao grande, ao belo; é ser capaz desse amor se morre!
d’extremos D’altas virtudes, te capaz de crimes!
[...]

DIAS, Gonçalves. Poesia e prosa completa. Ob.cit.

Ultrarromantismo ou geração byroniana: segunda geração___________________________

Algumas décadas depois da introdução do Romantismo no Brasil, a poesia ganhou novos rumos
com o aparecimento dos ultrarromânticos. Desvinculados do compromisso com a nacionalidade
da primeira geração, desinteressavam-se da vida político-social e voltavam-se para si mesmos,
numa atitude profundamente pessimista. Como forma de protesto contra o mundo burguês,
viviam entediados e à espera da morte.

A seguir, os principais escritores do Ultrarromantismo:

Álvares de Azevedo (poesia lírica, contos e teatro) – Lira dos vinte anos; Noite na taverna;
Macário.

Casimiro de Abreu (poesia lírica) – Primaveras.

Fagundes Varela (poesia lírica) – Cantos e fantasias.

Junqueira Freire (poesia lírica) – Inspirações do claustro

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Álvares de Azevedo: a antítese personificada

Álvares de Azevedo (1831-1852) é a principal expressão da geração ultrarromântica de nossa


poesia. Paulista, fez os estudos básicos no Rio de Janeiro e cursava o quinto ano de Direito, em
São Paulo, quando sofreu um acidente (queda de cavalo), cujas complicações o levaram à morte,
antes de completar 21 anos.

O escritor cultivou a poesia, a prosa e o teatro. Os sete livros, discursos e cartas que produziu
foram escritos em apenas quatro anos, período em que era estudante universitário. O conjunto de
sua obra é de qualidade irregular, mas significativa sob o ponto de vista da evolução da poesia
nacional.

Casimiro de Abreu: a poesia bem-comportada

Casimiro de Abreu (1839-1860) é um dos poetas românticos mais populares. Natural de Barra de
São João, no Rio de Janeiro, escreveu a maior parte de sua obra poética, Primaveras, em Portugal.

Apesar de ligado à segunda geração da poesia romântica, Casimiro contribuiu para desanuviar o
ambiente noturno que Álvares de Azevedo deixara ao morrer, sete anos antes.

Diferentemente da obra de Azevedo, em que o amor se confunde com a morte, nos poemas de
Casimiro o amor se associa sempre à vida e à sensualidade.

Com o tratamento brando dado aos temas, a poesia de Casimiro de Abreu não amplia nem
modifica os horizontes do Romantismo brasileiro. A abordagem mais natural da sensualidade é a
inovação que ela proporciona, bem como contribui para a consolidação e popularização definitiva
do Romantismo entre nós.
Meus oito anos Que auroras, que sol, que vida, Livre filho das montanhas,
Que noites de melodia Eu ia bem satisfeito,
Oh! que saudades que eu tenho Naquela doce alegria, De camisa aberta ao peito, –
Da aurora da minha vida, Naquele ingênuo folgar! Pés descalços, braços nus – Correndo
Da minha infância querida O céu bordado d’estrelas, pelas campinas
Que os anos não trazem mais! A terra de aromas cheia, À roda das cachoeiras,
Que amor, que sonhos, que flores, As ondas beijando a areia Atrás das asas ligeiras
Naquelas tardes fagueiras E a lua beijando o mar! Das borboletas azuis!
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais! Que auroras, que sol, que vida, [...]
Que noites de melodia
Como são belos os dias Naquela doce alegria, Casimiro de Abreu. As primaveras.
Do despontar da existência! – Naquele ingênuo folgar! Publicado em 1859.
Respira a alma inocência O céu bordado d’estrelas,
Como perfumes a flor; A terra de aromas cheia,
O mar é – lago sereno, As ondas beijando a areia
O céu – um manto azulado, E a lua beijando o mar!
O mundo – um sonho dourado,
A vida – um hino d’amor!

Fagundes Varela: uma poesia em transição

Fagundes Varela (1841-1875) nasceu em Rio Claro, no estado do Rio de Janeiro. Estudou Direito
em São Paulo, onde se casou com uma prostituta.

Dessa união nasceu um filho que veio a falecer com apenas três meses de vida. Amargurado,
entregou-se à vida boêmia e ao álcool. Passou os últimos anos de vida longe das grandes cidades,
buscando refúgio na religião e no contato com a natureza e com pessoas simples. A poesia que
produziu nessa fase se reveste de preocupação espiritual.

Parte de sua obra poética mostra atitudes comuns ao grupo ultrarromântico, como pessimismo,
solidão e morte.

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Condoreirismo: terceria geração (liberdade)_________________________________________

As décadas de 60 e 70 do século XIX representam um período de transição na poesia brasileira.


Mesmo com a sobrevivência de muitos procedimentos da primeira e da segunda gerações,
novidades de forma e de conteúdo não faltam, dando origem à terceira geração da poesia
romântica, mais voltada para os problemas sociais e para uma nova forma de tratar o tema
amoroso.

Os poetas da terceira geração da poesia romântica brasileira eram ligados à corrente condoreira
ou hugoana, como é chamada por influência do escritor francês Victor Hugo. Dentre eles estão
Castro Alves, Pedro Luís, Pedro Calasãs e, até certo ponto, Sousândrade.

Ampliando as experiências de Fagundes Varela – que por vezes supera o egocentrismo e volta-se
para o mundo exterior –, os condoreiros, comprometidos com a causa abolicionista e republicana,
desenvolveram a poesia social. Seus poemas em tom grandiloquente, próximo da oratória, tinham
a finalidade de convencer o leitor-ouvinte e conquistá-lo para a causa defendida. O centro de
preocupação da linguagem se desloca do eu (emissor) para o assunto (abolição e república), o que
representa uma mudança profunda, considerando que o Romantismo é po

r natureza egocêntrico.

O nome condoreirismo dessa corrente se associa ao condor ou a outras aves como a águia, o
falcão e o albatroz, tomados como símbolos dessa geração de poetas com preocupações sociais.
Identificados com o condor – ave de voo alto e solitário, capaz de enxergar à grande distância –,
os poetas condoreiros se supunham também dotados dessa capacidade, razão pela qual se
obrigavam com o compromisso de poetas-gênios iluminados por Deus, de orientar os homens
comuns para os caminhos da justiça e da liberdade.

No Romantismo europeu, os condoreiros se ocuparam especialmente com os operários da


indústria e com os camponeses. Os miseráveis, de Victor Hugo, é um dos melhores exemplos da
literatura condoreira da época.

No Brasil, o condoreirismo assumiu feições abolicionistas e republicanas, em razão da força de


trabalho predominantemente escrava e da decadência do Segundo Reinado. Nestes versos do
poema “O vidente”, Castro Alves se revela um liberal-cristão.
Quebraram-se as cadeias, é livre a terra inteira,
A humanidade marcha com a Bíblia por bandeira;
São livres os escravos, quero empunhar a lira,
Quero que est’alma ardente um canto audaz desfira,
Quero enlaçar meu hino aos murmúrios dos ventos,
As harpas das estrelas, ao mar, aos elementos!
O navio negreiro e outros poemas. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 72-73.

Castro Alves: a linguagem da paixão e o cantor dos escravos

Castro Alves (1847-1871), o “poeta dos escravos”, é considerado a principal expressão condoreira
da poesia brasileira. Nascido em Curralinho, hoje Castro Alves (BA), estudou Direito em Recife e
em São Paulo. Na evolução da poesia romântica brasileira, sua obra representa um momento de
maturidade e de transição. Maturidade em relação a certas atitudes ingênuas das gerações
anteriores, como a idealização amorosa e o nacionalismo ufanista, substituída por posturas mais
críticas e realistas. Transição porque a perspectiva mais objetiva e crítica com que trata a realidade
aponta para o movimento literário subsequente, o Realismo.

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Com inovações de forma e de conteúdo, a linguagem poética de Castro Alves prenuncia a
perspectiva crítica e a objetividade do Realismo. Mas mantém uma linguagem essencialmente
romântica, afinada com o projeto liberal do Romantismo brasileiro e bastante carregada
emocionalmente, beirando os limites da paixão.

Obra: O navio negreiro : “O navio negreiro” denuncia a escravidão e o transporte de negros


para o Brasil. Foi escrito em 1868, quando já vigorava a Lei Eusébio de Queirós há dezoito anos,
que proibia o tráfico de escravos, mas a escravidão no país persistia.

Sousândrade: precursor da modernidade

O poeta Joaquim de Sousa Andrade (1833-1902), ou Sousândrade, foi o mais original poeta do século
XIX. Filho de fazendeiros, nasceu no Maranhão e estudou na França, onde se bacharelou em Letras e
Engenharia de Minas. Além da França, peregrinou pela Bélgica, Estados Unidos e Chile.

Estreou na literatura em 1857 com Harpas selvagens, por critério cronológico, poderia figurar tanto
entre os poetas da segunda geração romântica quanto entre os da terceira, graças ao teor abolicionista
e republicano de alguns textos. Entretanto, nenhum desses critérios é suficiente para avaliar a
contribuição de Sousândrade à poesia brasileira.

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