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Filosofia Moral

O que é uma açã o correta e uma açã o incorreta? O que diferencia uma da outra?
Existe certo e errado? Nesse caso, de onde ele vem? É uma ordem divina? Sã o
leis da natureza? Ou nã o passa um julgamento subjetivo?

Ética normativa

A ética normativa é uma á rea da filosofia que procura definir o que é uma açã o
certa e uma açã o errada, o que diferencia uma açã o boa de uma má . O debate
sobre essas questõ es está presente na filosofia pelo menos desde Só crates e
os Sofistas e por isso, ao longo desses mais de dois mil anos, vá rias teorias
alternativas foram elaboradas como uma tentativa de respostas.

Esse campo de estudo da filosofia é chamado de “normativo” porque procura


definir normas de conduta. Nesse sentido, se diferencia de outras abordagens de
disciplinas como a sociologia ou a biologias que sã o descritivas, porque se
limitam a descrever as açõ es morais.

A ética normativa também se diferencia de outras abordagens sobre ética


presentes na filosofia, como a ética prá tica e a metaética. A primeira é uma
espécie de filosofia aplicada, que discute questõ es polêmicas como o aborto, a
eutaná sia, o melhoramento genético, o direito dos animais etc. A segunda,
questiona a natureza dos juízos morais, se sã o objetivos ou subjetivos, se estã o
limitados à cultura no qual surgiram ou se podem ser universais.

Para perceber as relaçõ es dessas diferentes abordagens sobre a ética na


filosofia, considere um exemplo. Suponha que estamos discutindo se usar
animais na alimentaçã o é correto. Diante de uma questã o como essa, cada uma
dessas á reas colocaria questõ es diferentes.

A ética normativa perguntaria, de modo geral, o que é uma açã o correta. Nã o


apenas no caso específico do uso de animais para alimentaçã o, mas o que é
correto em si. A metaética, por outro lado, colocaria em questã o o que significa
dizer que uma açã o qualquer é “correta”, se esse tipo de avaliaçã o é objetiva ou
subjetiva, universal ou particular. A ética prá tica, por fim, discutiria, a partir de
alguma teoria elaborada pela ética normativa, se é correto ou nã o comer animais
e porquê.

Teorias na ética normativa

Ao longo da histó ria da filosofia, algumas teorias morais acabaram se


destacando.
Ética da virtude

Iniciada por Aristó teles, essa abordagem procura ver a açã o humana como um
tudo e questiona o que é um bom cará ter ou uma vida virtuosa. O conceito
central, para avaliar se uma açã o é correta ou nã o, é o a noçã o de virtude.

Deontologia

Conhecida como ética do dever, esse grupo de teorias argumenta que os seres
humanos possuem certos direitos bá sicos e que agir corretamente é respeitar
esses direitos. Geralmente esses direitos sã o vistos como absolutos e nã o devem
ser desrespeitados mesmo que isso gere consequências benéficas ou prejudiciais
para um grande nú mero de pessoas.

Essa é uma das correntes principais do pensamento moral atualmente, pois está
presente no conceito de direitos humanos, por exemplo. Entre as teorias que
adotam uma perspectiva deontoló gica, podemos destacar a teoria moral de Kant,
a teoria da justiça de Rawls e a teoria política de Locke. Os filó sofos
considerados contratualistas ou defensores da chamada lei natural também
fazem parte dessa abordagem.

Consequencialismo

O consequencialismo é uma abordagem na ética normativa que acredita que a


correçã o de uma açã o é determinada apenas pelas suas consequências, nada
mais importa. Se essas consequências forem boas, a açã o é correta; ao contrá rio,
se forem ruins, é incorreta. As teorias consequencialistas sã o variaçõ es
do utilitarismo de Jeremy Bentham e John Stuart Mill.

Utilitarismo: o certo é o que gera mais felicidade

O utilitarismo é uma teoria em ética normativa que explica o que é uma açã o


correta e o que é uma açã o errada. Em resumo, a ideia é que certo é tudo o que
gera mais felicidade e errado o que gera menos felicidade. E felicidade é
entendida como bem-estar, prazer, aquilo que buscamos em nossas vidas.

Os filó sofos, desde Só crates pelo menos, refletiram sobre a natureza do certo e
do errado. E alguns deles propuseram teorias gerais para explicar o que é uma
açã o correta. Umas dessas teorias é o utilitarismo. Os dois principais filó sofos
associados a essa teoria sã o ingleses e viveram no século XIX: Jeremy Bentham e
John Stuart Mill.

Para compreendermos como o utilitarismo explica o que é certo e errado, como


devemos agir, vamos considerar um caso de dilema moral, o dilema do trem.
Você vê um trem desgovernado indo em direçã o a cinco pessoas amarradas nos
trilhos. Caso nada seja feito, elas serã o mortas pelo trem. Mas você está ao lado
de uma alavanca que controla um interruptor. Se você puxar a alavanca, o trem
será redirecionado para uma pista lateral e as cinco pessoas na pista principal
serã o salvas. No entanto, na pista lateral também há uma pessoa presa que
acabará morrendo.

Qual é a coisa certa a fazer?

1. Deixar que as cinco pessoas moram?


2. Puxar a alavanca e matar uma pessoa?

Independente do que considere o mais correto a fazer, nesse momento vamos


deixar nossas crenças pessoais de lado e analisar essa questã o do ponto de vista
do utilitarismo. De acordo com essa teoria, fazer o certo é fazer aquilo que irá
trazer a maior felicidade ou bem-estar. Os utilitaristas chamam essa regra
bá sica de princípio de utilidade.

Nesse ponto, é importante diferenciar o utilitarismo do egoísmo. De acordo com


essa visã o, o certo é aquilo que nos é benéfico. Uma pessoa egoísta, no dilema do
trem, optaria pela açã o que vai lhe deixar mais confortá vel. Um utilitarista, ao
contrá rio, considera a felicidade de todas as pessoas que serã o afetadas pela
açã o.

Sabendo disso, você já deve imaginar o que os utilitaristas teriam a dizer sobre o
dilema do trem. Fazendo um cá lculo simples, a sobrevivência das cinco pessoas
gera claramente mais bem-estar e menos sofrimento. Portanto, deveríamos
puxar a alavanca.

Consequencialismo

Na ética normativa, geralmente o utilitarismo é descrito como uma


teoria consequencialista. Para ele, a ú nica coisa que devemos considerar ao
avaliarmos uma açã o sã o suas consequências, se sã o benéficas ou prejudiciais.
Se voltarmos ao exemplo anterior, isso vai ficar claro.
Muitas pessoas diriam que é errado puxar a alavanca porque assim você mataria
uma pessoa. Caso contrá rio, mesmo cinco pessoas morrendo, você nã o agiria
errado, já que nã o fez nada para que isso acontecesse. As mortes foram
provocadas por um trem desgovernado, nã o por sua açã o.

Porém, para um utilitarista devemos julgar a açã o (ou a falta de açã o) por suas
consequências, pelo seu resultado. E, nesse caso, esse foi pior que teria sido se
tivesse puxado a alavanca. Sua nã o açã o resultou em cinco mortes. Sua açã o teria
resultado em apenas uma. Portanto, considerando apenas as consequências para
a felicidade geral, como quer o utilitarismo, fica evidente qual a açã o correta.

Algumas críticas ao utilitarismo

O utilitarismo leva à violaçã o de direitos bá sicos, como o direito à vida.

Algumas críticas ao utilitarismo afirmam que ele conduz a açõ es claramente


erradas, pois resultam na violaçã o de direitos muito bá sicos, como o direito à
vida e à integridade física.

Considere o seguinte exemplo.

Sara é uma cirurgiã especializada na realizaçã o de transplantes. No hospital em


que trabalha, enfrenta uma terrível escassez de ó rgã os – cinco dos seus
pacientes estã o prestes a morrer devido a essa escassez. Jorge está no hospital
se recuperando de uma operaçã o. Sara sabe que ele é uma pessoa solitá ria –
ninguém vai sentir sua falta. Tem entã o a ideia de matá -lo e usar seus ó rgã os
para realizar os transplantes, sem os quais cinco pacientes morrerã o.

Nã o hesitamos em considerar a ideia da errada. Mas o que um utilitarista


pensaria disso? Pensando bem, a decisã o em jogo é semelhante à quela do dilema
do trem. Sara deve escolher entre deixar cinco pessoas morrerem ou matar uma.
O utilitarismo, portanto, deveria apoiar a ideia de Sara.

Algumas pessoas veem nessa conclusã o um sério problema para o utilitarismo.


Uma teoria moral que pretende explicar o que é certo fazer nã o deveria nos
levar a assassinar pessoas. Sendo assim, a ideia de gerar mais felicidade nã o
parece ser um guia adequado para as nossas açõ es.

Há coisas mais importantes que a felicidade ou bem-estar

Para o utilitarismo, a ú nica coisa que importa é se as açõ es contribuem ou nã o


para aumentar o bem-estar e a felicidade. A princípio essa parece ser uma ideia
interessante, afinal, o que pode haver de mais importante do que a felicidade em
nossas vidas?
Pensando nessa questã o, um filó sofo chamado Robert Nozick propô s um
experimento mental para avaliarmos o que realmente importa na vida.

Imagine que os cientistas tenham inventado uma nova tecnologia incrível


chamada Má quina de experiências. Funciona assim.

Você vai ao laborató rio e se senta com a equipe responsá vel pelo experimento e
fala com eles sobre tudo o que você sempre quis fazer na vida – descreve sua
vida perfeita, a mais ideal, a mais prazerosa, a mais alegre e mais satisfató ria
possível. Entã o eles te induzem a um coma do qual você nunca mais sairá . Eles
colocam seu corpo inconsciente em um tanque de líquido em uma sala escura e
cobrem sua cabeça com eletrodos.

A imagem ilustra a vida na Má quina de Experiências de Nozick. A pessoa da


imagem se encontra deitada com eletrodos na cabeça tendo a experiência de que
está cavalgando.
Quando você está no tanque, a simulaçã o começa. Você experimentará tudo o
que você sempre sonhou, experimentará uma vida perfeita. Como você nã o terá
memó rias de entrar na má quina, nã o lhe restará qualquer indício de que suas
experiências nã o sã o reais. Viverá como se tudo fosse a mais pura realidade.
Mas, na verdade, nada do que vive é real: você está flutuando em um barril de
líquido em uma sala escura. Você nunca mais acordará para experimentar o
mundo real ou interagirá com pessoas reais, mas nã o saberá disso e sentirá
como se tudo o que estivesse experimentando fosse real.

A questã o é: se a má quina da experiência estivesse disponível e houvesse uma


garantia total de que funciona perfeitamente, você entraria nela?

A maior parte das pessoas certamente nã o trocaria a vida real, mesmo que
repleta de sofrimento e com poucos momentos de felicidade, por uma vida
fictícia. Nozick argumentou, através desse experimento mental, contra a ideia
utilitarista de que devemos considerar apenas o bem-estar das pessoas afetadas
por um determinado curso de açã o.

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