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Alfabetização e letramento matemático:

da decoreba à realidade
Alfabetizar matematicamente não é somente ensinar os números e sua
grafia; veja quais são os caminhos para mudar sua prática

POR:
Selene Coletti
27 de Janeiro | 2020

Crédito: Getty Images

Matemática... muitos adultos e até mesmo crianças que estão começando o percurso
escolar torcem o nariz quando ouvem o nome desse componente curricular. A
Matemática é temida pela grande maioria das pessoas – consequência de experiências
pouco exitosas já nos primeiros anos escolares.

Minha experiência com a Matemática não fugiu à regra: sou fruto de uma época em que
o ensino se baseava em decorar e seguir fórmulas e modelos para “tirar” boas notas, o
que não implicava em compreender o que se fazia. Tudo era baseado na memorização –
e haja memória!!! Tabuada, modelos de problemas (a professora mudava apenas os
números), muitas contas, muitas lições... fazia-se tudo, mas não se entendia quase nada.
Foi justamente essa relação que me fez, inicialmente, “detestá-la”. Foi também ela que,
posteriormente, influenciou a forma como eu trabalharia a disciplina enquanto
professora com meus alunos. Já na carreira docente, a formação continuada fez me
enxergar a importância da Matemática no dia a dia e o quanto ela pode ser prazerosa e
significativa.

Essa mudança refletiu na sala de aula. Procurei incentivar os meus alunos no mesmo
movimento que havia feito: a descoberta da beleza da Matemática. Por meio das
brincadeiras, jogos, situações problemas e rodas de conversa, por exemplo, procurei dar
um sentido para o processo de ensino e aprendizagem. Aprendi a perguntar e a ouvir
meus alunos. Por meio dos registros que fazia das aulas, busquei entender como
pensavam para trazer novos desafios e, assim, permitir que vivenciassem uma nova
relação com a Matemática – muito diferente daquela que tive nas minhas experiências
escolares.

Matemática: da decoreba à realidade

Infelizmente, tanto tempo depois, ainda existe aquela Matemática distanciada da


realidade e pautada na transmissão das informações e nas fórmulas, descontextualizada
do mundo.

Mesmo antes de entrar na escola as crianças, no seu dia a dia, estão envolvidas com
aspectos quantitativos da realidade, classificando, ordenando, quantificando, medindo,
mantendo uma boa relação com a Matemática. Isto é facilmente constatado se
observarmos os pequenos brincando com a exploração do seu próprio corpo, com os
diferentes brinquedos, caixas vazias, bolas e outros objetos do seu cotidiano.

Entretanto, ao entrar na escola (desde a Educação Infantil), essa relação vai se tornando
monótona e sem vida. Principalmente nos primeiros anos do Fundamental, o trabalho
fica centrado na aquisição da leitura e escrita enquanto que a Matemática vai ficando
para trás ou se resume em alguns momentos de contagem, registro da chamada,
calendário.

O caminho para esta mudança começa justamente quando, como professores,


conseguimos enxergar a Matemática como sendo necessária para a sustentação de
outras áreas do conhecimento e como uma ciência que incorpora novos conhecimentos.
A Matemática permeia o nosso dia a dia e permite entendê-lo melhor.

Caminhos para a mudança

Trata-se de uma mudança de paradigma que implica em investir na alfabetização


matemática como componente do letramento da língua materna. E o que isto significa?
Significa uma mudança de olhar para a nossa prática. Significa dar voz e vez para
nossos alunos, vê-los como seres pensantes capazes de refletir sobre os mais variados
assuntos.

Significa que alfabetizar matematicamente não é somente ensinar os números e sua


grafia, a contagem de forma mecânica ou a mera decodificação (como mencionei
inicialmente ao trazer minha experiência). Mas, como a teoria nos mostra, significa,
sobretudo, explorar além da decodificação dos números, trazer a compreensão das
diferentes relações intrínsecas ao contexto social nas quais estão inseridas. É preciso
pensar no trabalho não só com as competências ligadas à quantificação, mas também
com a medição, ordenação, classificação, resolução de problemas, tomada de decisões e
diferentes tipos de representação: escrita, numérica, alfabética, visual, simbólica.

Significa trazer as práticas sociais matemáticas para dentro da escola: os contextos de


contagem, os brinquedos, as brincadeiras, os jogos, os materiais manipulativos, os
textos, os registros, os gêneros textuais, a calculadora, o celular e os diferentes
softwares que permeiam o nosso dia a dia e o das crianças.

Significa pensar e planejar propostas nas quais os alunos sejam os protagonistas, isto é,
participem do processo de construção do conhecimento a partir da sua vivência. Que
eles possam trazer suas experiências e ideias para realmente compreender o que estão
fazendo, explorando e agindo sobre e com o objeto, com os parceiros (tantos os colegas
quanto o professor).

Nesse movimento, o professor também é protagonista no sentido de saber planejar as


boas perguntas e fazer questionamentos pertinentes que permitam o avanço dos alunos.
É uma tarefa que requer muito estudo e pesquisa de sua própria prática.

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