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O Teatro em Portugal no “Século das Luzes”

Contexto

 1705-1739 – Portugal – tempo de grande riqueza (ouro do Brasil).


Vivia-se a centralização do poder nas mãos da coroa – igreja Rei

 Séc. de ostentação sem suporte, e também contrastes: Portugal


conservador, retrógrado, a recusar as grandes transformações ao nível
do conhecimento (censura e “olheiros” inquisidores).

 Igreja era proprietária de grande parte das terras, daí estar muito aliada à
corte.

 Aconteciam digressões de comédias feitas por portugueses. Era haviam


trupes espanholas que apresentavam comédias (com ideal de galanteria)
em espaços improvisados, de montagem rápida.

 Lisboa – 2 géneros que circundavam: ópera italiana + comédia


espanhola.

 Arcádia Lusitana – funda em 1756 – objectivo: restaurar um verdeiro


teatro nacional.

António José da Silva e o teatro de cordel (literatura popular)

 Teatros de Cordel – pendurados em fios, exibiam-se papéis com


entremezes, autos, comédias, farsas, tragédias, muitas de autores
anónimos.

 Judeu, cristão-novo, queimado pela Inquisição (não por causa das suas
peças, não é 1 autor muito perigoso/subversivo em comparação com
Moliére; não escreve obras de contra-poder, elas têm uma dimensão
mais lúdica e cómica)

 O plano de J.Silva é inventar um género que fosse intrinsecamente


português. – Inspira-se no melhor da comédia espanhola (herói pícaro –
herói a contrapoder – radical; “tipos” – a damas, os cavaleiros, o galan,
o parvo), da Ópera Italiana (o desejo de extravagância, gesto largo,
artificioso), e da farsa francesa (denúncia de um mundo às avessas)

 Ópera – género de poder. J.Silva faz óperas satíricas – uma sátira à


ópera italiana.

 Projecto: revitalizar/nacionalizar o teatro em Portugal. Faz com que o


teatro português se aproxime do teatro europeu do seu tempo.

 Por razões políticas e religiosas é um autor com poucos meios para fazer
algo megalómano. – Faz um teatro de bonifrates (marionetas) de cortiça,
no T.B.Alto. A pobreza de meios permitia-lhe fazer o que sonhava fazer
em “grande” escala (mutações rápidas de cena e de personagens).

 Autor Barroco: extravagância formal, ideia de labirinto + enigma, de


“festa” e “celebração” popular. Textos com intrigas complexas e
personagens mitológicas.

 Ópera joco-sérias, como classificou a sua obra

 Tentando inovar, rejeita os modelos estéticos clássicos, ridiculariza a


sociedade do seu tempo mas também os padrões clássicos da estética do
século que o precedeu. Não tem de se adequar às regras, não precisa de
“fintá-las” – Corneille, Lope de Vega, Calderón.

 Teatro de periferia, de cariz popular, não está próximo da corte.

Vida do Grande D.Quixote de la Mancha e do Gordo Sacho Pança

 Obra que serve de modelo - D.Quixote de Cervantes. – Adaptação


paródica. Obra jocosa.

 Cervantes –D.Q. : o mundo como está é uma merda. Assistimos a uma


destruição da defesa da pátria e da família. Inventa um herói que vive
como se esses valores existissem. D.Q – escolhe viver num mundo
ilusório ou perdeu mesmo o juízo.
Cena IV,p.89 – Ilha dos Lagartos:

 Governo de Sancho na ilha (que não é ilha) que lhe ofereceram os


fidalgos, irónicos anfitriões do cavaleiro errante e de seu criado
escudeiro. – Sancho é colocado como se fosse uma Ilusão Cómica, pois
julga ser mesmo o governador de uma ilha.

 Comentário altamente crítico à governação portuguesa do seu tempo, de


excesso e extravagância. Não há hipótese nenhuma de governar sem
corrupção, sem cair na tentação do mal, ela faz parte do poder.
Trocadilhos brincando com a função da justiça, revelando as suas
falsidades. – Nem S.Pança, que não é corrupto, se pode livrar dela. É
tudo uma Ilusão: a justiça, o poder, é tudo falso.

 Sancho comanda a justiça e faz um comentário sobre a sua alegoria: é


vesga e atrapalha-se de agir.
José da Silva reduz a três princípios os múltiplos avisos dados por Dom
Quixote a Sancho antes que este tome posse de sua ilha. O primeiro é
aquele que exige a justiça: “Sancho, tem sempre em mente que vais
governar: lembra-te que deves sempre ter diante dos olhos a Justiça”. A
ordem é entendida literalmente por Sancho que responde: “Sim, meu
senhor, vou pedir que me façam o retrato dela e vou pô-lo diante de meus
olhos”, o que anuncia o comentário que abre a quarta cena da Segunda
Parte. As duas outras ordens do cavaleiro errante são: “Não te deixes
corromper pelos presentes” e “Ama a Deus e a teu próximo como a ti
mesmo”.
- Sancho- “Que venha a ilha que eu terei amor aos meus súbditos e lhe farei
muito bem a caridade.”

- “É possível que me veja eu feito governador! De verdade, parece que


estou sonhando.” Ilusão Cómica

A explicação da alegoria da Justiça é uma invenção de José da Silva. Para


Sancho, a Justiça “é coisa pintada”, “e era necessário haver essa figura no
mundo para meter medo à gente grande, como o papão às crianças”. Ele
explica em seguida o significado de cada um dos atributos de tal “figura”:
ela está “vestida à trágica, porque toda a justiça acaba em tragédia;
taparam-lhe os olhos, porque dizem que era vesga e que metia um olho por
outro; e, como a Justiça havia de sair direita, para não se lhe enxergar esta
falta lhe cobriram depressa os olhos. A espada na mão significa que tudo há
de levar à espada, que é o mesmo que a torto e a direito” e segura uma
balança “que não tem fiel; nem fiador”. Pintura ou alegoria, a Justiça é tão
real quanto o bicho-papão (ser imaginário).

Os casos julgados por Sancho na comédia são todos diferentes daqueles


resolvidos pelo Sancho de Cervantes. Todos destacam a perversidade, a
crueldade ou a corrupção da justiça assim distribuída. A um homem que
clama por justiça, Sancho dá uma imagem da justiça pintada, porque, diz
ele, “não há nesta ilha outra justiça senão pintada” = injustiça. A uma
mulher que denuncia o homem que a seduziu e que se recusa a casar com
ela apesar das promessas de casamento que ele fizera, Sancho inflige um
castigo cruel: “metam essa mulher na cadeia com uma corrente ao pescoço
e grilhões aos pés, bem carregada de ferros, até aparecer o homem com
quem ela quer casar”. E, quando Sancho deve condenar o seu próprio
burro, culpado de ter escoiceado um homem, ele declara (à parte): “o que
poderei fazer é não dar execução à sentença. Olá, ninguém ouça isto.” – é
corrupto às escondidas, pois declara a sentença e faz com que todos dias –
“Viva o nosso Governador S.P. Viva para exemplo dos ministros e honra
das ilhas!”
S.P - “Bem folgo que vejais a minha inteireza; pois com ser o burro meu e
tendo-lhe tanto amor, não foi este bastante para deixar de fazer justiça.”
No mundo do Dom Quixote de José da Silva, a justiça não existe. Ela é
lisonja, ilusão, fraude. Como compreender essa reescrita, forçando os
efeitos, do texto de Cervantes? Primeiro, ela permite paródias cómicas da
retórica judiciária, com as referências burlescas aos juristas e aos seus
códigos:
“assim como a ninguém se pode negar a vista, como dispõe o ‘text. in l.
Cæcus, § Tortus ff. de his, qui metit um olho por outro’ e com muitos o
provam Pão Mole no ‘cap. das Côdeas’, também da mesma sorte o ouvido
se não deve fechar para ouvir os queixosos, como dispõe a ‘l. das doze
tábuas de Pinho na segunda estância de Madeira, Cod. de Barrotis”. Assim,
também, a imitação ridícula das sentenças dos tribunais, como aquela pela
qual Sancho pronuncia a condenação de seu burro.
 O homem pede a Sancho que o ouça, mas ele não o ouve.
 P.95 –Homem: “Senhor Governador, faça vossa mercê de conta.
Sancho: Tenho feito de conta – ilusão, o poder.
 96 – Sancho – vejam vossas mercês quem anda perturbando a R
epública! – (supostamente forma de governo em que o povo tem
liberdade)

 A cena pode reflectir uma certa ira contra os seus Inquisidores? Não, a
prudência exigia-lhe uma forte auto-censura da parte do dramaturgo e
proibia qualquer alusão subversiva. Para além disso, a obra é parte de
uma obra já existente.

Notas:

Vai havendo sempre uma adequação ao público. Cada um adequa ao


contexto nacional as tiradas de Itália.

Sá de Miranda, Jorge Ferreira de Vasconcelos, António Ferreira, Luís de


Camões – já tinham feito tentativa de trazer para Portugal o melhor que há
na Europa.

Sancho – razão, bom senso popular, terra a terra, sensatez + D.Quixote –


ar, espírito, aventura, utopia – completam-se

Sancho participa a contragosto no universo de interesses de Quixote, já que


só se decide a acompanhá-lo, por alimentar a esperança de um dia vir a ser
governador da sua desejada ilha.- Ilusão

Vamos assistir à queda divertida deste objectivo, já que Sancho não possui
características para uma bem sucedida liderança. E aí somos interpelados
para uma leitura mais profunda dos mecanismos do poder. Dos que se
arrastam na terra, tentando alcançar o tal sonho impossível (?), e dos que
ascendem meteoricamente, e uma vez detentores desse mesmo poder
manipulam toda uma sociedade, que, inerte, assiste ao espectáculo da
decadência de valores: ora sorrindo, ora reclamando, ora conformando-se.

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