As contribuições de Foucault para discussões acerca da forma de exercer ou se
submeter ao poder foram grandiosas e de reflexões bastante atuais. O filósofo francês buscou entender e representar de que maneira se estabelece as relações de poder na sociedade. É importante, a princípio, se perguntar como se exerce poder sob outro. Está relacionado à obediência do mais vulnerável? E, neste caso, por qual motivo se é obediente a algo ou alguém? Foucault acredita que durante muito tempo, na Idade Média, o poder era exercido através da conquista de espaços e demonstração de força – força bruta, explícita e usada como exemplo para garantir um comportamento – a partir de um sujeito que detinha o poder soberano e que podia decidir sobre a vida e morte do outro. Nessa época, o indivíduo não possuía qualquer valor humano, exceto como força de trabalho e produção de riqueza para este que tinha a posse do comando. Durante este período, guerras para obtenção de territórios eram comuns, e aquele que mais conquistava, era quem mais poder exercia. Castigos e punições em praça pública também aconteciam com aqueles que não se submetiam à obediência ou à ordem. O que é interessante ressaltar é que, embora os castigos geralmente fossem terríveis, muitos assistiam e regozijavam-se, mesmo com tamanhas atrocidades. Muito se pode refletir sobre esse feito. Aquele que não era punido, seja por se adequar ou até concordar às regras estabelecidas, estaria satisfeito em ver um transgressor sofrer? O que motiva esse gozo pela repreensão do outro? Foucault questiona esse poder absoluto sobre o homem, a ponto de influenciar narrativas que propagam os discursos dos soberanos. E, ainda, a forma que se sustentam esses poderes. Entre idade média e moderna ocorreu uma inversão do alvo da visibilidade. Movimentos como o renascimento, o iluminismo, a revolução burguesa, o humanismo, a reforma protestante e o liberalismo econômico, por exemplo, marcaram um novo modo do sujeito de estar no mundo, e contribuem para a valorização do homem. É nesta época que a ciência e o saber predominam e o homem, antes invisível, torna-se o foco de atenção. As ciências procuram entender como surgiu o homem, a medicina, pedagogia, o direito e a psicologia, pautados no positivismo, passam a estudar o indivíduo, seu modo de pensar e agir. O poder, antes exercido às claras, passa a ser reproduzido no interior das instituições sociais, com seus processos disciplinares – como as escolas, prisões e quarteis – que se balizam na vigilância e adestramento do corpo do sujeito, mas também, e talvez até, principalmente, de sua mente. É um poder quase que invisível, sutil, mas que condiciona a um comportamento que se julga apropriado. Foucault descreve como uma produção de corpos dóceis, aquele que obedece e se submete. A vigilância hierárquica (torre central, panóptico), as sanções normalizadoras, os exames, registros, observação e análise dos indivíduos, são recursos para moldar um comportamento padronizado, transferindo o poder para aquele que detêm o saber de como se mantem a ordem, como se comportar, como fazer. A partir daí, quem enuncia uma verdade, possui o poder. Se um indivíduo usa do discurso de possuir a verdade sobre o homem, passa a exercer poder sobre ele. E Foucault, além de questionar o poder, passa também a estudar as relações entre os discursos e a dominação que pode ser produzida através dele. Quando as ciências produziram um saber sobre o homem, reproduziram, também, uma ideologia e um modo de compreensão do sujeito moderno, e a sua principal característica foi justamente se inserir nas instituições que o moldam e o doutrinam. Ou seja, o saber passa a ser o poder. Hoje, a sociedade pós moderna, essa mesma que vivemos e acreditamos gozar de liberdade, apenas escancara a ilusão de ordem e controle – seja do ambiente ou da própria natureza humana. A cruel verdade, no entanto, é que continuamos a mercê de métodos de controle e manipulação. Entretanto, de uma forma mais tecnológica, consentida e tênue. Os famosos algoritmos que tanto nos ajudam a encontrar aquilo que precisamos, as câmeras de segurança, que como mesmo diz o nome, servem para nos garantir proteção, e toda uma série de aparatos tecnológicos que nada mais são, do que meios de poderio sobre nós. Aquele que possui o discurso mais eloquente, aparentemente mais sábio, possui o comando de influenciar e governar sobre os demais. Ainda existe alguém com poder de decidir quem vive e quem morre. As estratégias de governabilidade ou biopolítica, que definem quem receberá auxílio financeiro durante a pandemia e quem morrerá de fome. Quando chegará vacina à população e quais informações (ou saberes) podem ser divulgados. O controle ainda existe. Ele está presente nas pequenas relações cotidianas e quase invisível, mas ainda continua vivo e determinando o comportamento. Ele está nas relações familiares. Do homem sob a mulher. Dos pais sob os filhos. Do patrão sob seus funcionários. Nas escolas, igrejas, prisões, mesmo que substituindo a punição pela vigilância. Mas como diária Foucault, o homem em essência, é livre. E ele resiste. Mobiliza movimentos para romper a nova forma de controle social diariamente.