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A Psicologia e a atuação comunitária

06/04/2013

Por Edison Evaristo Vieira Junior

O século 21 está sendo propício para a participação cada vez maior de


grupos sociais organizados, descentralizando o poder das mãos de pessoas,
governos e instituições. Alguns grupos participarão para executar mudanças
profundas na sociedade, enquanto outros grupos na manutenção da ordem social
estabelecida. Pois a ausência de participação popular e a espera de tudo ao
governo aumentam o paternalismo e passividade da sociedade.
A participação popular depende de linhas de planejamento específicas para
se tornarem efetivas, tanto para promoverem mudanças, como para perpetuar a
situação atual. Isto dependerá de como este planejamento será utilizado. A
participação pode, desta forma, ser manipulada de forma sutil, onde os supostos
participantes não estão, de fato, participando ativamente das mudanças. Há casos
em que a sociedade é convocada apenas para apoiar alguma medida já em
andamento, não existindo um questionamento sobre os diversos aspectos de tal
medida e nem participa de sua construção. Há também os casos onde a
sociedade possui o poder de escolha, mas de diretrizes pré-estabelecidas. O ideal
é a ‘construção conjunta’, onde as pessoas diretamente envolvidas participam da
construção da metodologia própria e adequada, podendo apenas ser impedida
pela inexperiência democrática e por grupos que não querem perder seu poder.
A Psicologia Comunitária busca uma mudança qualitativa na sociedade e
propõe o planejamento participativo com um instrumento valioso para a
consolidação da participação popular nas decisões governamentais. O psicólogo
comunitário precisa avaliar a possibilidade de utilizar este recurso observando a
maturidade democrática da comunidade em questão. As pessoas envolvidas não
podem ser peças independentes que se completam e sim uma espécie de
organismo onde a identidade de todos formará uma única identidade.
O processo de implementação deste modelo consiste em efetuar e
ultrapassar por etapas até chegar a fase real de atividade, onde o grupo todo
executará tarefas necessárias para atingirem os objetivos almejados por todos.
Apesar disso a singularidade de cada integrante deve ser respeitada e nenhuma
imposição deve ser feita. Os facilitadores devem ser construídos e é esta a função
do psicólogo comunitário. As questões subjetivas de cada um devem ser vistas da
forma que são, isto é, devem ser vistas individualmente e não massificar um
contexto para todos.
Beberibe é uma cidade litorânea cearense que fica a 81 quilômetros de
Fortaleza e possui 54 quilômetros de praias. Nesta cidade há o Conselho de
Desenvolvimento Escola de Vida, que nasceu de atividades de paroquianos
católicos locais em 1980, mas desvinculou-se da Igreja em 1992. Este conselho
tem por objetivo criar uma mentalidade de participação popular baseado no
desenvolvimento auto-sustentável, através do desenvolvimento das
potencialidades econômicas locais, favorecendo a auto-estima e as tradições
econômicas, religiosas e culturais da região.
As atividades da Escola de Vida começaram a crescer vertiginosamente e
analisando a comunidade que participava do projeto, foi proposto o modelo de
planejamento participativo. A implantação deste planejamento resultou em
mudanças objetivas e subjetivas, encontrando uma identificação mais clara dos
direcionamentos e da importância do trabalho realizado em nível individual e
subjetivo, motivando ainda mais seus integrantes.
O sucesso da implantação do planejamento participativo deve-se pelo fato
de que cada integrante atuante na organização era visto como um ser único, mas
ao mesmo tempo integrante de um todo. As demandas de cada um eram
respeitadas ao mesmo em que as demandas comuns eram trabalhadas e obtidas
por todos.
A sociedade brasileira, desde os seus primórdios na colonização, foi sendo
moldada num sistema paternalista, onde a grande massa da sociedade tinha a
grande missão de esperar das autoridades que fizessem alguma coisa para ajuda-
la, para a conduzirem para algum lugar. As tentativas de mudanças que brotaram
do povo e mobilizaram muita gente foram duramente reprimidas pelas
autoridades.
Desde o Império vemos aspirações sociais que se tornaram movimentos e
que, por fim, se tornaram revoltas populares e resultaram, praticamente todas
elas, em vitória das autoridades governamentais, como foram os casos da
Cabanagem, Balaiada, Canudos e até a Revolução Paulista de 1932.
O caso de Beberibe é um exemplo de como a sociedade mobilizada pode
transformar o rumo da história e servir de referência para que outras comunidades
façam o mesmo. Mobilizar as pessoas em torno de uma causa comum,
respeitando suas particularidades, é um desafio grande que pode demorar muito
tempo para ser consolidado, como foi o caso da Escola de Vida. Mas é preciso
que surja a iniciativa de alguém ou de alguns, pois se não for assim, os demais
ficarão esperando sempre que alguém inicie e faça alguma coisa. Desta iniciativa
deve surgir a conscientização para que a noção de atuação direta na sociedade
seja disseminada para outras regiões, que adequarão os métodos conforme as
necessidades e peculiaridades locais. É nesta parte do processo que o psicólogo
deve conquistar o seu espaço e propor os conhecimentos científicos da Psicologia
em benefício de todos. A prática clínica psicológica é muito necessária, mas não
pode ser a única.
A questão da municipalidade é também uma questão de patriotismo. Um
município saudável psico-político-socialmente seria uma espécie de vacina contra
políticos e cidadãos de má índole, oportunistas e interesseiros, gerando em seu
meio cidadãos compromissados e participativos. O verbo ‘seria’ é utilizado por que
no Brasil, infelizmente, temos poucos exemplos deste tipo e estes poucos não são
devidamente divulgados na grande mídia. Esta que trabalha para a manutenção
da ordem social estabelecida através da alienação.
A visão de alguns de que neste século o poder será compartilhado e não
mais centralizado no Estado, indica ser uma solução viável e necessária para
muitos problemas sociais. As iniciativas populares devem ocorrer no sentido de
aperfeiçoarem a máquina governamental e esta andar em plena consonância com
os anseios da sociedade.
Um governo fiscalizado por uma sociedade participativa criará condições
para que as mudanças sejam efetuadas, fazendo também com que as boas
tradições sejam mantidas.

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