Você está na página 1de 8

POLÍBIO

HISTÓRIA PRAGMÁTICA
LIVROS TI A V

BRENO BATTISTIN SEBASTIANI

pe
| os y
Ns Rs N
A

TEXTOS 35
POLÍBIO
HISTÓRIA PRAGMÁTICA

LIVROSI AV

BRENO BATTISTIN SEBASTIANI


TRADUÇÃO, INTRODUÇÃO E NOTAS

a APESP
Ay,
2 2 PERSPECTIVA
Zn NS
Esta publicação contou com o apoio da Fapesp (processo n. 2015/10001-0), por meio do
programa “Auxílio à Pesquisa - Publicações”
Às opiniões, hipóteses e conclusões ou recomendações expressas neste material são
de
responsabilidade exclusiva do autor e não necessariamente refletem a visão das pessoas
ou agências mencionadas nesta página.

ciP-Brasil. Catalogação na Publicação


Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ

S449P
Sebastiani, Breno Battistin
Políbio : história pragmática, livros 1 a v / Breno Battistin
Sebastiani. — 1. ed. - São Paulo: Perspectiva : Fapesp, 2016.
482 p.: il.;21 cm. (Textos; 35)

Apêndice
Inclui bibliografia e índice
ISBN 978-85-273-1071-0

1. Políbio. 2. História antiga. 3. Roma - Historiografia.


4.Grécia — Historiografia. 1. Título. 11, Série.

16-367131 CDD: 907.2


CDU: 94(100)

18/10/2016 19/10/2016

Direitos reservados a

EDITORA PERSPECTIVA S.A.

Av. Brigadeiro Luís Antônio, 3025


01401-000 São Paulo sp Brasil
Telefax: (11) 3885-8388
wwmw.editoraperspectiva.com.br
2016
LIVRO

[1.1] Se os que relataram feitos antes de nós houvessem deixado


de elogiar a própria história, talvez fosse preciso encorajar
todos a aceitar e a apreciar tais obras, pois os homens não
dispõem de corretivo mais à mão do que a ciência dos fatos
passados. [2] Mas como não só alguns, nem de modo res-
trito, mas todos, por assim dizer, fizeram disso princípio e
fim, afirmando que o conhecimento da história é a educa-
ção e o treinamento mais verdadeiros para a prática política;
e que a recordação das peripécias alheias é mestra única e a
mais eficaz para se poder suportar nobremente as oscilações
do acaso, [3] é óbvio que a ninguém conviria repetir o que foi
dito belamente por muitos, e menos ainda a nós. [4] O caráter
surpreendente das ações que escolhemos relatar basta para
atrair e incitar todos, jovens ou velhos, à leitura da obra. [5]
Quem é tão simplório ou leviano que não desejaria conhecer
como, e devido a que gênero de Estado, quase todo o mundo
habitado foi submetido, em menos de 53 anos!, por um único

1 De 219 a,C,, início da Segunda Guerra Púnica, a 168 a.C., conclusão da Terceira
Guerra Macedônica.
48 POLÍBIO: HISTÓRIA PRAGMÁTICA

poderio, o dos romanos, algo nunca dantes ocorrido? [6] E


quem é tão apaixonado por outro espetáculo ou ciência
que
os tomaria por mais úteis que esse conhecimento?
[2.1] Se apuséssemos e comparássemos as mais
ilustres das
antigas potências, sobre as quais outros historiadores
com-
puseram muitos relatos, com a proeminência dos
roma-
nos, resultaria absolutamente evidente que o panora
ma de
nossa investigação é surpreendente e grandioso. [2] São
estas
as dignas de aposição e comparação: por algum te
mpo os
persas adquiriram grande império e poderio, mas
todas as
vezes que ousaram transpor os limites da Ásia, arriscara
m
não só o império, como também a si mesmos. [3] Os
lace-
demônios disputaram por muito tempo a hegemonia
sobre
os gregos, mas quando de fato os dominaram, por dif
íceis
doze anos a mantiveram incontestada [405 a.C.-3
94 a.C.).
[4] Os macedônios dominaram a Europa do Adriático até
o
rio Danúbio, o que viria a se mostrar uma ínfima parte do
continente. [5] Depois assumiram o império da Ásia, após
destruir o poderio persa. Mas embora se julgassem senho-
res de muitas regiões e negócios, em seu auge ainda a maior
parte do mundo habitado a outros pertencia: [6] Jamais com-
petiram pela Sicília, nem pela Sardenha, nem pela África?
e não conheciam, em suma, as mais combativas raças dos
povos do Oeste da Europa. [7] Os romanos, porém, subju-
garam não uma só parte, mas todo o mundo habitado,
algo
a que nenhum vivente pôde opor resistência, e legaram à
posteridade a proeminência insuperável de seu poderio.
[8]
A respeito de *** no texto será possível compreender
mais
claramente, bem como a respeito de quanto o método
da his-
tória pragmática favorece quem deseja instru
ir-se.
[3.1] É o começo de nossa obra, quanto
à época, a centésima
quadragésima olimpíada [220-217 a.C.];
quanto às ações,
2. No original Líbia, que para os gregos
continente africano. Doravante semp
designava a face mediterrânea do atual
re “África” por Líbia, “africano” por líb
3- Doravante assim serão assinala io etc,
das as lacunas no texto original.
LIVRO I 49

entre os gregos a guerra dita social, a primeira que junto dos


aqueus Filipe, filho de Demétrio e pai de Perseu, comandou
contra os etólios; entre os asiáticos, a guerra pela Cele-Síria,
que travaram Antíoco e Ptolomeu Filopátors; [2] Na Itália e
na África, a guerra entre romanos e cartagineses, que a maio-
ria chama de Guerra de Aníbal*. Tais fatos se encadeiam ao
final da obra de Arato de Sicião. [3] Antes dessa época, os
eventos do mundo estavam, por assim dizer, desconexos,
pois cada fato era distinto por seu início, conclusão e loca-
lização. [4] A partir de então, porém, a História se tornou
como que um corpo único: os fatos da Itália e da África se
coligaram aos da Ásia e da Grécia, e todos convergiram para
um único fim. [5] Por isso iniciamos nossa obra por esses
tempos. [6] Na guerra mencionada, os romanos, tendo ven-
cido os cartagineses e considerado que cumpriram o mais
difícil e importante rumo ao domínio universal, então pela
primeira vez se sentiram confiantes para lançar mão ao resto
| do mundo e cruzar com exércitos para a Grécia e territórios
| da Ásia. [7] Se nos fossem habituais e conhecidos os Esta-
| dos que disputaram o império universal, talvez não preci-
sássemos escrever sobre o período anterior, ou seja, com que
intenção ou forças empreenderam tais e quantas façanhas. [8]
Mas como nem a potência pretérita dos romanos nem a dos
cartagineses é conhecida pela maioria dos gregos, nem seus
feitos, supusemos necessário redigir este livro e o seguinte
antes da história, [9] para que ninguém, depois de se deter
sobre a explicação desses fatos, fique em dúvida e procure
os desígnios, as forças ou os recursos com que os romanos
se lançaram a esses empreendimentos por meio dos quais

4. Filipe y da Macedônia, filho de Demétrio 11 (239-229 a.C.); Perseu foi derro-


tado pelos romanos em Pidna em 168 a.C. A guerra social (ou dos aliados) foi travada
UR 220-217 a.C. e concluída com a paz de Naupacto entre aqueus e etólios. Cf. final
o livro v.
5. À guerra pela Cele-Síria foi travada entre 219-17 a.C. entre Antioco Im da Síria
e Ptolomeu 1v Filopátor do Egito, e concluída com a batalha de Ráfia. CÍ. v.34-87.
6. Ou Segunda Guerra Púnica (219-01 a.C.).
POLÍBIO: HISTÓRIA PRAGMÁTICA

se tornaram senhores de toda a terra e todo o mar em nossa


época. [10] Por esses livros e pela introdução que contêm
deve ficar claro aos leitores que, assentados em pretextos
muito razoáveis, os romanos lançaram-se ao plano e a rea-
lização do império e do domínio universais.
[4.1] O que é peculiar à nossa obra e espantoso em nossa época
é isto: assim como o acaso fez convergir quase todos os acon-
tecimentos do mundo habitado para um único centro e fez
com que tudo se voltasse para um único e mesmo objetivo, do
mesmo modo é preciso levar aos leitores, pela história e sob
uma única visão sinóptica, a manobra de que o acaso se serviu
para realizar a interação dos fatos. [2] Foi sobretudo isso o que
nos desafiou e incitou para o projeto da história, bem como
o fato de que ninguém, em nossa época, empreendeu tratar
desses fatos por completo; se o tivesse, muito menor seria
minha ambição nesse sentido. [3] Ora, vendo que muitos se
dedicam a guerras específicas e a alguns fatos concomitan-
tes, mas que ninguém se pôs a examinar, ao que sabemos, a
ordenação geral dos eventos — quando e onde começaram,
e como terminaram -, [4] considerei absolutamente neces-
sário não negligenciar nem deixar que passasse sem estudo
a mais bela e proveitosa empresa do acaso. [5] Pois ele, fre-
quentemente inovador e continuamente jogando com a vida
humana, jamais realizou, em uma palavra, tal façanha, nem
disputou um jogo como em nossa época. [6] Assim, dos escri-
tores de histórias parciais não é possível obter uma visão de
conjunto, senão qualquer pessoa suporia compreender ime-
diatamente a configuração de todo o mundo habitado, bem
como seu ordenamento e disposição gerais, depois de percor-
rer uma a uma as cidades mais ilustres ou, por Zeus, depois de
vê-las destacadas em um mapa, algo de modo algum veros-
símil. [7] Parece-me que padece de algo semelhant
e quem
acredita que por meio de uma história parcial terá ade
quada
visão de conjunto, como se, ao ver desmembradas
as par-
tes de um corpo antes vivo e belo, pensasse
ter se tornado
LIVRO I 51

efetivamente testemunha da vitalidade e da beleza de um ser


vivo. [8] Se alguém recompusesse e reconstruísse o mesmo
ser dando-lhe a forma e a aparência de um que vive, e em
seguida novamente o mostrasse àquele indivíduo, penso con-
cordaria rapidamente que antes se afastava muito da verdade e
se portava como quem sonhava. [9] Pelas partes é possível ter
noção do todo, mas não ciência e juízos sólidos. [10] Por isso
deve-se considerar a história parcial totalmente superficial se
comparada ao conhecimento e à credibilidade derivados da
História Universal. [11] Apenas pela coesão e justaposição de
todos os elementos em relação uns aos outros, e ainda por
sua semelhança e diferença, é possível apreender a utilidade
e o prazer da história após uma visão geral.
[5.1] Estabeleceremos por começo deste livro a primeira incursão
dos romanos para fora da Itália, continuando do ponto em que
limeu parou, à época da centésima vigésima nona olimpíada
[264-261.C.]. [2] Assim, é preciso dizer como e quando, tendo
organizado a Itália e, depois, com base em quais pretextos,
decidiram atravessar para a Sicília, a primeira terra que pisa-
ram fora da Itália. [3] Também é preciso dizer sumariamente
a causa da travessia, a fim de que a origem e a investigação do
tema não fiquem sem fundamento, buscando-se uma causa
após outra. [4] Deve-se determinar um início temporal reco-
nhecido universalmente e passível de ser examinado por si
mesmo dentre vários fatos, mesmo se for preciso recapitular
fatos intermediários recuando um pouco no tempo. [5] Sendo
a origem desconhecida ou, por Zeus, discutível, também a
sequência não merecerá aceitação nem crédito. Mas quando
sobre ela se estabelece uma opinião assente, então já todo o
relato subsequente é acolhido pelos ouvintes.
[6.1] Começa, então, no décimo nono ano após a batalha naval
de Egos Potamos, no décimo sexto antes da batalha de Lêuc-
tras, [2] quando os lacedemônios ratificaram a paz dita de

7. Egos Potamos: 405 a.C.; Lêuctras: 371 a.C., portanto, entre 387 e 386 a.C.

Você também pode gostar