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A Ciência Económica

O mercado para funcionar precisa do Estado e de regras de conduta.


O exemplo, mais imediato dos cheques sem cobertura demonstra como a
falta de regras sociais e a deficiente imposição de leis estatais prejudicam
o funcionamento do mercado. A nossa sociedade resolve o seu problema
económico simultaneamente pela tradição (regras básicas de convivência
em sociedade), pelo Estado e pelo mercado. E esta simultaneidade não apa-
rece por acaso. É o resultado de necessidade imperiosa. Um sistema só com
um ou dois dos mecanismos dificilmente pode sequer funcionar.

1.2. O MERCADO

Depois de termos visto os princípios fundamentais da Economia (racionali-


dade e equilíbrio) e as formas como as sociedades enfrentam os problemas
económicos (tradição, autoridade e mercado), vamos agora olhar para a
forma como as decisões dos agentes se harmonizam no mercado.
O mercado é o mais difícil de entender dos métodos de solução dos
problemas económicos, visto que se baseia na livre relação dos interessa-
dos. Os vários intervenientes no mercado encontram um equilíbrio entre si,
que é a força mais importante de todo o motor económico. Neste capítulo,
não só vamos observar essas forças em funcionamento como vamos procu-
rar entender o que as motiva e lhes está por detrás.
Elementos essenciais para a compreensão deste mecanismo são os con-
ceitos de valor e de custo, centrais na análise económica. A Economia liga os
dois conceitos à ideia de «utilidade», o benefício que a pessoa tira dos bens.
O valor de cada coisa é a utilidade que ela dá, e o custo é a utilidade que se
sacrificou por ela. Neste capítulo aparece também o tratamento mais claro
do método económico de raciocínio: o princípio de «marginalismo». Como
veremos, o economista determina o valor e o custo de cada coisa olhando
sempre para a margem.

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Princípios de Economia Política

I) incentivos de mercado

Qual o método que o mercado usa para resolver o problema económico?


Sem intervenção de qualquer autoridade, uma enorme quantidade de bens
e serviços são produzidos, trocados e consumidos todos os dias em qualquer
cidade. Quando qualquer calamidade elimina o funcionamento do mercado
(Alemanha depois da II Guerra Mundial, Cambodja e Moçambique hoje,
etc.) é a catástrofe económica. Não há nenhum cérebro humano por detrás
disto. À primeira vista não seria de admirar, pois as maiores maravilhas da
natureza não têm nenhum cérebro humano por detrás delas. No entanto, as
pessoas admiraram-se quando observam este fenómeno. Foi exactamente
em relação a este ponto que Smith, que como dissemos já frequentemente,
levou a sua admiração ao ponto de fundar uma ciência.
Mas afinal como é que funciona o mercado? O truque, centrado nos
preços, reside nos incentivos. Se os consumidores querem mais de um
bem, lutam por ele, oferecendo mais dinheiro pelo mesmo bem, subindo o
preço. Os vendedores, perante a subida do benefício retirado da venda do
produto, são incentivados a aumentar a produção (ou a pagar mais por ela,
incentivando-a) e, a preço mais alto, menos consumidores o querem. Sobe
a quantidade oferecida e desce a procurada. Se os consumidores desejarem
menos bem, o efeito inverso verifica-se. Deste modo consegue-se realizar o
desejo dos consumidores. Não há necessidade de um mandão que dê ordens
aos produtores. O mecanismo automático faz isso.
Este mecanismo automático, a «mão invisível» de Smith, tem como
resultado que cada um produz o que melhor sabe fazer e troca por aquilo
de que mais gosta. Assim se consegue uma solução para a economia que
garante que, dadas as circunstâncias (e essas circunstâncias incluem a
distribuição da riqueza que cada um tem, os dotes pessoais, a estrutura
de mercado) se consegue a situação mais racional e de melhor bem-estar.
A este resultado do mercado chamamos eficiência. Deste modo, o sistema
económico é estruturado pelo mercado, de forma eficiente.

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A Ciência Económica

ALFRED MARSHALL (1842-1924)


Marshall, sem nunca deixar de ser um professor inglês metó-
dico, brilhante e erudito, foi o grande arquitecto da Economia
moderna. Tomando as obras dos seus predecessores, inte-
grando-as mas ultrapassando-as, Marshall, no fim do século
 e princípios do século , ordenou e estruturou a ciência
económica em moldes que ainda hoje são as traves mestras
da disciplina.
Os seus profundos conhecimentos matemáticos e histó-
ricos, os seus raciocínios cristalinos e as suas grandes pre-
ocupações morais, sobretudo com os pobres, foram os elementos essenciais para essa
construção. Desenvolvendo a sua actividade, sobretudo na Universidade de Cambridge, as
suas principais obras são Princípios de Economia de 1890, Indústria e Comércio de 1919 e
Moeda, Crédito e Comércio de 1923.

A forma mais sugestiva de abordar um mercado é através de um gráfico


que a maioria dos economistas usa intensamente. Ele é, verdadeiramente,
o «canivete suíço» do economista. Foi popularizada por um dos maiores
economistas de todos os tempos Alfred Marshall, e por isso se chama «cruz
marshalliana». Neste gráfico cruzam-se duas curvas: a curva da procura e a
curva da oferta. Este gráfico será muito útil na análise que adiante faremos,
mas servirá desde já para clarificarmos o estudo do mecanismo de mercado
e do funcionamento dos incentivos.
O referido diagrama faz, naturalmente, uma simplificação sobre a
extraordinária complexidade do mercado. A sua ideia básica é que um
mercado, qualquer mercado, funciona pela interacção de dois lados: os
compradores e os vendedores, os consumidores e os produtores. Este dois
grupos são representados cada um por uma curva. Marshall fazia a compa-
ração entre o mercado e uma tesoura: ambos precisavam de duas lâminas
para funcionar. Além disso, o gráfico isola duas variáveis que considera as
mais importantes para a maioria dos mercados: o preço e a quantidade.
Assim sendo, e para todos os mercados em que estas simplificações sejam
válidas, o gráfico resume adequadamente a situação e permite uma visuali-
zação mais adequada dos problemas.

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Princípios de Economia Política

II) a curva da procura

No diagrama marshalliano, a representação dos compradores é feita por


um elemento conhecido como curva da procura. Trata-se do lugar geomé-
trico dos pontos de consumo desejado do bem, para cada nível de preços.
O traçado da curva da procura faz-se do seguinte modo: em relação a certo
bem, pergunta-se a um consumidor quanto está disposto a comprar desse
bem se o preço for um dado. Depois, vai variando-se o preço, e refaz-se a
pergunta: quanto compraria o consumidor a cada novo preço. Marcando
os vários pontos num gráfico como o abaixo, obtemos a curva da procura.
Se o comprador comprar 20 caixas do produto ao preço de 100.00 por
caixa, e apenas 10 se o preço subisse para 120.00, o gráfico seguinte ilustra-
ria a sua curva da procura.
Esta curva pretende captar a subjectividade da escolha dos comprado-
res, as suas preferências ou, melhor, a utilidade retirada pelo consumidor
do consumo do bem. Quanto maior utilidade o consumidor retira do bem,
mais ele estará disposto a pagar por esse bem. E claro que a racionalidade
está presente na curva da procura. A resposta do consumidor é qual a
quantidade melhor para ele, a cada nível de preço; a quantidade que deseja
consumir do bem, de forma a maximizar o seu bem-estar.

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A Ciência Económica

Olhando para a curva que traçámos podemos verificar imediatamente


uma sua característica óbvia: a curva está sempre a descer. Trata-se daquilo
que em Economia se chama lei da procura negativamente inclinada: se o
preço de um bem sobe (e mais nada variar), a quantidade procurada tende
a descer, e vice-versa.

III) a curva da oferta

Temos agora de passar para o outro lado do mercado, para a representação


dos vendedores (ou produtores). Esta, na cruz marshalliana, é feita pelo
elemento conhecido como curva da oferta. Trata-se do lugar geométrico
dos pontos de produção e venda desejada do bem, para cada nível de pre-
ços. Também aqui, a curva é traçada perguntando a um vendedor do bem
quanto está disposto a vender do seu bem a cada nível de preços. O resul-
tado é uma curva como a desenhada abaixo.
Esta curva procura captar o custo de produção, relacionado com a
tecnologia particular do bem. Assim, quanto maior for o custo de produzir
um bem, menos é oferecido desse bem a certo preço. Também aqui está
presente a racionalidade do vendedor. A sua resposta representa a melhor
quantidade a cada preço, a quantidade que ele deseja produzir do bem, de
forma a maximizar o seu lucro.
Se um vendedor estiver disposto a vender 30 caixas do seu produto e se
o preço for de 120.00, mas apenas 10 se o preço cair para 100.00, o gráfico
seguinte apresenta a sua curva da oferta.
Também, aqui, se somarmos a quantidade oferecida por cada vendedor
a certo preço, passamos da curva da oferta individual para a curva da oferta
do mercado.
Da mesma forma que na curva da procura, também aqui a observação
da forma da curva leva-nos a formular a lei da oferta positivamente incli-
nada. Na verdade, verificamos que, se o preço de um bem sobe (sem variar
mais nada), a quantidade oferecida aumenta, e vice-versa.

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Princípios de Economia Política

Este gráfico é de tal modo importante que podemos dizer que, com ele,
já sabemos «ler e escrever» em Economia. Vamos fazer alguns exercícios
com ele, para vermos o seu uso e interesse, mas antes devemos precisar
alguns detalhes importantes.
A constatação mais importante que se pode retirar do diagrama é,
como se disse, que em Economia temos sempre de ter em conta dois lados.
Os soberanos da decisão económica são o benefício e o custo, a procura e a
oferta, os gostos e a tecnologia. Esta ideia, muito simples, é de uma impor-
tância vital.
Dela resulta uma regra muito importante que nunca nos devemos es-
quecer, se não queremos ser enganados em Economia. Se alguém nos tenta
convencer que algo é muito bom (um certo bem que nos quer vender, um
projecto político concreto) e nos louva os benefícios dele, não nos devemos
esquecer de perguntar: que custos traz consigo?, quanto custa?, quem paga?
Inversamente, se nos descrevem os enormes defeitos, os custos de
certa entidade ou actividade, que alguém nos pretende convencer a aban-
donar ou a destruir, devemos sempre perguntar: para que serve?, quem
beneficia dela?

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A Ciência Económica

NÃO HÁ ALMOÇOS GRÁTIS – O facto de numa decisão existirem sempre dois lados,
é um dos elementos mais simples mas mais importantes que resultam desta análise
de mercado; numa decisão há sempre um benefício e um custo. Os economistas
costumam utilizar uma frase célebre para significar este facto: não há almoços grá-
tis. Esta frase significa que nunca devemos cair no erro de considerar que uma coisa
que obviamente tem custos, pode ser obtida facilmente e de forma gratuita. O custo
correspondente a esse benefício existe e, naturalmente, acabará por se manifestar,
de uma forma ou de outra.
Nos dias de hoje, em que tantos gostam de nos convencer que nos vão oferecer
coisas, é bom não esquecer esta ideia simples mas sugestiva. Quem procurar sair
de um supermercado apenas com as múltiplas «ofertas» que essa loja nos desejava
entregar tão solicitamente sem comprar nada verá imediatamente o significado de
que não há almoços grátis.

IV) o equilíbrio

Nunca nos devemos esquecer que, em economia, as coisas são sempre


duplas, tal como as moedas têm sempre duas faces. Assim, devemos juntar
a curva da procura e da oferta, o benefício e o custo, para obter um quadro
global: a cruz marshalliana.

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Princípios de Economia Política

A tradição na Economia é manter a nomenclatura de Alfred Marshall,


por isso se usa a letra D para representar a curva da procura (demand curve
em inglês) e a letras S para representar a curva da oferta (supply curve).
Mas da colocação das duas curvas apenas pouco se pode dizer sobre a
situação da economia. Neste ponto deve introduzir-se a segunda hipótese
fundamental da economia: «os sistemas equilibram». Se a primeira hipó-
tese, a da racionalidade dos agentes, nos permitiu desenhar as curvas, a
segunda, a do equilíbrio dos mercados, definirá o comportamento da inte-
racção entre elas.

O mecanismo centra-se à volta do ponto de intersecção entre as cur-


vas da procura com a da oferta (o ponto E). Neste ponto encontramos um
preço (Pe) que faz com que a quantidade procurada e oferecida sejam iguais
(Qe). Chamaremos a este ponto o ponto de equilíbrio, e a Pe e Qe, o preço e
quantidade de equilíbrio.
A característica essencial do ponto de equilíbrio é que se a economia
se situar nele, toda a gente (consumidores e produtores) estão satisfeitos:
dadas as circunstâncias, àquele preço eles compram e vendem exactamente
o que querem. Comparemos o ponto E com outros pontos. No ponto A (a
preço p* e quantidade q*), por exemplo, os compradores estão desconten-
tes, porque àquele preço (p*) queriam comprar menos do que são obrigados

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A Ciência Económica

a comprar (só queriam comprar a quantidade q1 definida pela curva da pro-


cura ao preço p*). Para que os compradores desejassem comprar a quanti-
dade q*, era preciso que o preço fosse p1, aquele que na curva da procura
corresponde à quantidade q*. No ponto A, aliás, também os vendedores
estão descontentes, por serem obrigados a vender menos do que queriam,
ao preço p* (queriam vender q2 e só venderam q*). Para os vendedores
quererem vender a quantidade q*, o preço tinha de ser p2, observado na
curva da oferta.

Deste modo vemos facilmente que o ponto de intersecção das duas


curvas é o único que, dadas as circunstâncias e as restrições, consegue
satisfazer simultaneamente produtores e consumidores. Só na intersecção
das curvas temos equilíbrio na Economia.
Repare-se que esse não é o único ponto em que a quantidade com-
prada é igual à quantidade vendida. Em todos os pontos a quantidade
vendida é igual à quantidade comprada. Na verdade, uma pessoa só pode
comprar certa quantidade se alguém a vender. Mas no ponto de equilí-
brio (intersecção das curvas) a quantidade oferecida é igual à quantidade
procurada, ou seja, a quantidade que se pretende comprar (e não só a que
comprou) é igual à quantidade que se pretende vender. E isso só se passa
nesse ponto.

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Princípios de Economia Política

Vale a pena referir desde já uma ideia que adiante será mais elaborada
e que toca, de novo, na conotação moral das leis económicas. Tal como a
racionalidade, também o equilíbrio não a tem. O ponto de equilíbrio não
tem, pelo facto de os produtores e consumidores estarem satisfeitos na sua
transacção, qualquer conotação valorativa ou moral. O ponto não tem de
ser «bom», «justo» ou «recomendável». Vejamos um exemplo:
Considere-se o mercado da alimentação. Se nesse mercado se der uma
catástrofe, cheia, guerra, fogo, etc., a economia pode sofrer efeitos nos
mercados alimentares, com severas consequências. Essas consequências
(representadas no gráfico abaixo) podem ser de vários tipos, conforme o
choque. Elas podem revelar-se por meio de uma forte queda do rendimento
dos consumidores (que gera recuo na curva da procura, de D1 para D2,
representado no painel A) ou uma descida da capacidade produtiva (recuo
da curva da oferta, de S1 para S2, representada no painel B). A situação
concreta depende da incidência particular da catástrofe em estudo. Fre-
quentemente, se a catástrofe for geral, a economia encontra-se perante um
misto das duas situações, reduzindo-se simultaneamente o rendimento dos
consumidores e a capacidade produtiva. Em ambos os casos a quantidade
transaccionada cairá do nível q1 para o nível q2.

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A Ciência Económica

O que aqui vale a pena sublinhar é o facto de ambas as quantidades,


q1 e q2, serem valores de equilíbrio, embora as situações concretas nas
duas situações sejam dramaticamente diferentes. Na situação final, após
o efeito da catástrofe, os consumidores e os produtores estão arruinados,
e por isso há fome e miséria. A nova quantidade procurada ou oferecida é
muito inferior pois a isso o mercado foi «forçado» pelas novas circuns-
tâncias. O mercado apenas traduz as circunstâncias (gostos e capacidades)
da economia. Se as circunstâncias são más, o equilíbrio é mau. Assim, a
«satisfação» dada pelo equilíbrio nada tem a ver com satisfação social. O
equilíbrio de mercado não pode fugir à constatação de que o país sofreu
uma catástrofe.
Nessa ordem de ideias, um ponto fora do equilíbrio, por exemplo o
ponto F no gráfico abaixo, poderia ser «melhor», do ponto de vista moral,
social ou cultural. O problema é que esse ponto, fora do equilíbrio, não seria
eficiente, ou seja, dadas as circunstâncias (tecnologia de produção, gostos
dos consumidores, etc.), tal ponto não satisfaz as restrições económicas da
situação. No exemplo, o ponto F poderia ser o ponto que salvaria da fome
a população, mas não há dinheiro para o pagar nem capacidade para o
produzir. Mais uma vez se vê que o equilíbrio, tal como a racionalidade são
conceitos meramente operativos.

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Princípios de Economia Política

Toda esta discussão, no fundo, renova a constatação da independência


entre os conceitos operativos e a avaliação moral. A moral é indispensável
à decisão, mas não interfere na descrição e análise do sistema. O mercado
livre, a funcionar bem, garante a eficiência, ou seja a eliminação do desper-
dício. Mas esse equilíbrio tem valorizações diferentes face a outros critérios
morais, sociais ou culturais, que têm de ser abordados de outro modo.
Como se disse, este mecanismo da cruz marshalliana, extremamente
elementar e sugestivo, serve para descrever, ajudar a entender e explicar
muitos dos problemas com que o economista se defronta. Na verdade, em
muitas situações, este gráfico ilumina a questão e ajuda-nos a prever o
resultado de intervenções ou evoluções do mercado. É essencial, por isso,
que todo o economista tenha este instrumento guardado bem à mão, e saiba
bem dominar o seu funcionamento. Para treinar, vejamos um exemplo em
que o uso do gráfico da procura e oferta serve para compreender as forças
em presença.

Caso Prático: A «Política Agrícola Comum»


Trata-se de um caso da actualidade, que o diagrama vai ajudar a clarificar. A
Comunidade Económica Europeia definiu, já há umas décadas, uma política
igual para todos os seus países membros, no que respeita à agricultura. Essa
política tinha vários aspectos, mas aqui será sintetizada no seu elemento
fundamental: o facto de ela incluir uma ajuda aos seus agricultores, através
de um subsídio à produção.
Como é possível representar um subsídio no nosso diagrama? Na ver-
dade é muito simples: se a curva da oferta representa o preço a pagar por
certa quantidade do bem, um subsídio significa que parte desse preço é paga
pelo Estado. Isso que dizer, que, embora a verdadeira curva da oferta seja
SE, a curva de oferta que os consumidores encontram no mercado é a curva
SS, pois ao preço pedido pelos produtores temos de deduzir o subsídio (s).
Deste modo, cria-se uma diferença entre o preço recebido pelos produtores
(Pp) e o pago pelos consumidores (Pc). Essa diferença, consiste no subsídio

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A Ciência Económica

(Pp = Pc + s) que o Estado paga. No fundo, para os consumidores, trata-se


de uma deslocação da curva da oferta, como nos casos anteriores, desta vez
para a direita.

Mas por que razão os agricultores europeus necessitam de ajuda? Os


agricultores europeus têm um método de produção mais caro e menos efi-
ciente que o dos seus concorrentes do resto do mundo. Isso é representado
por uma curva da oferta europeia (SE) acima da mundial (SM). Nesse caso,
se houvesse liberdade de comércio, o ponto de equilíbrio seria o ponto A, e
a agricultura europeia deixaria de produzir.
Para evitar isto, a Comunidade Europeia criou a Política Agrícola
Comum (PAC) que subsidia a produção europeia. Assim, embora a Europa
produza com a curva SE, a curva da oferta que os consumidores observam é
a curva SS. Os consumidores só pagam o preço Pc enquanto os produtores
recebem o preço Pp. A diferença é o subsídio que a Comunidade paga aos
agricultores. Com esta solução, todos ficam melhor: os agricultores euro-
peus derrotam os concorrentes estrangeiros, e produzem mais e recebem
mais dinheiro que antes, os consumidores europeus tem mais bens (leite,
pão, carne) e mais baratos. Conseguiu-se um almoço grátis!

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Princípios de Economia Política

Mas almoços grátis é coisa que não existe, como os leitores deste livro
já sabem muito bem. Onde está então o erro? O problema é simples: quem
paga o subsídio são os Estados europeus, ou seja os consumidores europeus,
quando pagam os seus impostos. Por isso, o que os europeus pagam pelos
produtos agrícolas não é Pc, mas sim Pp, pois pagam Pc quando compram
os bens e o subsídio s quando pagam os impostos.
É por esta razão que alguns economistas dizem que seria melhor se o
subsídio não existisse (esta é uma opinião e não já um resultado científico).
Nesse caso, os consumidores europeus teriam produtos agrícolas mundiais
que (esses sim!) seriam mesmo mais baratos, enquanto os agricultores
europeus, que de qualquer maneira são menos produtivos que os do resto
do mundo, se poderiam dedicar a outras actividades mais lucrativas. Além
disso, como a produção é subsidiada, existe excesso de produção que tem
de ser conservado, o que aumenta enormemente o custo da política.
O problema é ainda mais grave se virmos que muitos dos produtores
agrícolas do resto do mundo são os pobres dos países pobres, que se vêem
incapazes de vender os seus produtos aos países ricos, devido à PAC. Além
disso, os europeus, como ajuda ao desenvolvimento, enviam muitos dos
seus excedentes como ofertas para os países pobres. E então é que os pro-
dutores agrícolas dos países pobres (a sua única esperança de um desen-
volvimento saudável) vão à falência, porque não só não os deixam vender

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A Ciência Económica

na Europa, como concorrem com eles na sua terra, oferecendo produtos


aos seus clientes. Vale a pena notar que o caso referido no gráfico se refere
à «antiga PAC». Esta política foi revista em 1992, dando origem à «nova
PAC». Devido sobretudo ao elevado custo orçamental destes subsídios para
a CEE, mas também devido a pressão dos países mais pobres para aber-
tura do mercado europeu, mudou-se a política agrícola. Na nova Política
Agrícola Comum acabaram os subsídios aos preços da produção. Isso teve
como consequência que desapareceu a curva SS, ficando o mercado sujeito
ao equilíbrio internacional, ou seja, colocando-se o equilíbrio no ponto A.

Este facto teve como consequência uma subida no preço dos pro-
dutos agrícolas pago pelos consumidores, pois Pm é maior que o antigo
Pc. No entanto, tendo sido eliminado os subsídios aos preços, o preço
pago aos produtores desceu muito, de Pp para Pm. Deve dizer-se que se
mantêm os subsídios à produção agrícola, só que agora em vez de falsea-
rem os preços, são subsídios directos aos produtores, apenas pelo facto
de eles serem agricultores. No entanto, os novos subsídios, para não
terem as mesmas consequências produtivas de criar excessos, obrigam
a criar limitações ao uso das terras, para que o subsídio não seja usado
para produzir em terras não competitivas. Este facto tem criado muita

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Princípios de Economia Política

polémica. A actual «União Europeia», que sucedeu à CEE, continuará a


viver com este problema.
As questões abordadas são muito controversas, o que mostra o inte-
resse e relevância destas questões. Mas é bom não esquecer que a finalidade
deste exemplo é, apenas, fazer uma utilização da «cruz marshalliana» para
representar um mercado, mostrando como este gráfico, através das curvas
da procura e da oferta, permite visualizar muito melhor as forças em causa
e melhor compreender os mecanismos de interacção da economia.

V) valor e custo

O mercado, como local onde se manifestam as decisões humanas, gira em


torno dos conceitos de valor e custo. Vimos que, na cruz marshalliana, eles
suportavam as duas curvas fundamentais. Vale a pena ver com um pouco
mais de detalhe o significado destes dois conceitos essenciais.
Uma das questões que mais ocupou os economistas nos primeiros tem-
pos da ciência foi precisamente a de saber «o que dá o valor às coisas».
Porque é que umas coisas valem mais que as outras e como se sabe quanto?

A História da Água e do Diamante


Logo no início, Adam Smith expôs os termos da questão do valor apre-
sentando aquilo a que ficou conhecido como o «paradoxo do valor» da água
e do diamante. Vejamos o que Smith afirmava:
«Nada é mais útil do que a água: mas com ela praticamente nada
pode comprar-se; praticamente nada pode obter-se em troca dela. Pelo
contrário, um diamante não tem praticamente qualquer valor de uso; no
entanto, pode normalmente obter-se grande quantidade de outros bens
em troca dele», Smith (1779), pág. 117.

Como é que uma coisa valiosa pode valer tão pouco e uma coisa pouco
valiosa valer muito?

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A Ciência Económica

Durante décadas as respostas que se deram a esta questão não foram


satisfatórias. Smith, por exemplo, distinguiu dois conceitos, o «valor de
uso» e o «valor de troca». Segundo ele, a água tinha um alto valor de uso
e um baixo valor de troca, enquanto o diamante estava exactamente na
situação oposta. Mas Smith não conseguiu explicar a razão da diferença
nem o motivo de cada um dos tipos de valor, pelo que a distinção se reve-
lou espúria.
A questão só ficou resolvida cerca de 100 anos depois do livro de Smith,
com base numa ideia simples mas decisiva. Esta ideia foi suficiente para
criar uma revolução na ciência, conhecida pelo nome de «revolução mar-
ginalista». Esta revolução, de que Alfred Marshall foi um dos expoentes
mais importantes, transformou de tal forma a economia que se passou a
chamar à nova abordagem a «escola neoclássica», distinguindo-a da «escola
clássica» de Smith e dos seus discípulos. As denominações sublinham a clara
continuidade que existe entre as duas escolas, mas também mostram como
esta revolução mudou a face da economia, de uma forma que ainda hoje é
dominante.
A ideia base da «revolução marginalista» consiste na noção, para nós
elementar, de que a satisfação que cada ser humano tira do uso do bem é
que dá valor às coisas. É devido ao gosto, subjectivo, pessoal, variável de
todas e cada uma das pessoas que se dá o consumo dos bens e eles são ava-
liados. É claro que a intensidade da utilidade e a forma como se revela são
muito diferentes de bem para bem, de pessoa para pessoa. Mas é a mesma
realidade que aparece em todas as situações.
Um pão, um poema, um passeio com um amigo, uma ida ao cinema ou
uma cadeira dão satisfação à multiplicidade de sensações a que chamamos
as necessidades humanas. Ao grau com que esses bens dão satisfação a essas
necessidades chamamos «utilidade». Utilidade é a única coisa que os bens,
todos os bens, têm em comum. De um beijo a uma chapa de ferro, passando
por uma nuvem e uma cassete, todos os bens possuem, em níveis e formas
diferentes, utilidade, pois é isso que lhes dá a característica de «bens».

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Princípios de Economia Política

O essencial desta ideia reside na mudança de perspectiva que causou. Ao


contrário dos primeiros autores, que procuravam o valor das coisas nas próprias
coisas, agora vemos que o valor das coisas não está nelas, mas sim no consumidor.
O agente económico, com as suas preferências e desejos, é que dá o valor às coisas.
Esta compreensão, de que o que dá valor às coisas é o que as pessoas
decidem, é central. A economia torna-se então verdadeiramente uma ciên-
cia humana: o seu objectivo é servir as escolhas, as preferências das pessoas
concretas e o critério dessas escolhas reside nos interesses particulares de
cada pessoa. Esses interesses não são discutidos pela Economia. São rece-
bidos pela teoria, expressos directamente pelos agentes, mas são eles que
definem tudo. A utilidade é a base da Economia, e ela representa todos os
interesses, motivações, desejos, aspirações do Homem.
Aplicando esta ideia ao paradoxo do valor, esclarece-se melhor a nova abor-
dagem e o seu significado. Analise-se, pois, a satisfação que alguém retira da água.
Quem tem apenas um copo de água, dá-lhe um valor enorme, pois
precisa dele para sobreviver. Repare-se que, como o agente é racional, ele
usará o copo de água naquilo que é mais útil, e isso é naturalmente bebê-lo,
para sobreviver. O segundo copo de água, como a pessoa é racional, vai ser
utilizado na segunda coisa mais útil (fazer a sopa?). E assim por diante.
Devido ao uso racional que se faz da água, a utilidade de cada uma das
unidades de água vai descendo com o aumento da quantidade, pois o agente
vai-lhes dando um uso que, por ser racional, tem de ser menor que os ante-
riores. O mesmo se passa com os diamantes, embora a um nível muito infe-
rior. Considerando que temos uma certa quantidade de cada um dos bens, o
«valor de uso» consiste na soma da utilidade conseguida por cada uma das
unidades do bem que possuímos.
Mas quando se fala em «valor de troca», a questão é muito diferente.
Se uma pessoa quiser trocar água por outra coisa, é óbvio que, sendo racio-
nal, ela não vai dar a primeira unidade de água, aquela que lhe permite
sobreviver e que tem o valor mais elevado. Naturalmente, ela irá trocar
a última unidade, aquela que para si vale menos, porque satisfaz a menor

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A Ciência Económica

BEM-ESTAR É A ÚNICA FINALIDADE – É importante referir que este conceito de


«utilidade» ou de «satisfação das necessidades» é crucial para a ciência económica.
Na verdade, a finalidade de toda a actividade é, apenas, satisfazer as necessidades das
pessoas concretas, da forma como elas as colocam. O bem-estar é a finalidade. Não
há outro propósito.
Quando se fala em satisfazer as necessidades não se está a limitar a discussão
às necessidades materiais. Obviamente que as necessidades afectivas, intelectuais,
espirituais são igualmente necessidades humanas, e são abordadas pela economia
exactamente como as outras.
Mas a afirmação de que a satisfação das necessidades (que em termos técnicos se
chama «consumo») é a finalidade última da actividade económica é importante
porque são muitos os que pensam que a produção, o investimento, o emprego ou a
exportação deve ser a finalidade da actividade económica. Estes são erros que, por
serem comuns, não são menos graves.
A finalidade da produção é apenas o bem-estar que se obtém desses bens. O objec-
tivo do investimento ou do emprego é só o aumento do produto, que permitirá a
satisfação de mais necessidades. O motivo porque se exporta é sempre o de conseguir
dinheiro para poder importar, obtendo bens que satisfazem mais necessidades. Abso-
lutizar esses objectivos intermédios tem consequências graves, como veremos adiante.

das necessidades. Assim se vê que o «valor de troca» é dado pelo valor da


última unidade do bem que se possui, a unidade «marginal».
Isso quer dizer que não é só a utilidade que determina o valor das coisas
no mercado, pois a quantidade disponível de cada bem influencia forte-
mente o valor que damos a cada coisa. O valor do primeiro copo de água é
enorme. Mas como temos muita água, essa situação não é relevante para a
nossa vida. Dado que temos muita água disponível, o valor que atribuímos
à água é muito pequeno. Pelo seu lado, o valor dos diamantes é muito infe-
rior ao da água. Mas temos muito poucos diamantes, o que lhe pode dar um
valor superior à «valiosa» água. O gráfico abaixo ilustra esta relação.
O que determina o valor de troca das coisas é a utilidade, mas não é a
utilidade total. O que determina o valor de cada coisa no mercado é a utili-
dade da última unidade consumida (aquela unidade que foi trocada ou pode
vir a ser). O que dá valor às coisas é a utilidade marginal. Em Economia, o
que é importante é a margem, é a última unidade. Daí o nome de «revo-

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Princípios de Economia Política

lução marginalista». O que passou antes, as unidades anteriores, já não


interessa; só interessa a última unidade.

Note-se que esta ideia de que é a margem que comanda o valor de troca
já não é nova para nós. Atrás, quando vimos a cruz marshalliana, verificá-
mos que o preço de equilíbrio de mercado era definido pela última unidade
procurada e pela última unidade oferecida. O valor marginal dessa unidade
para o consumidor e para o produtor (que era igual) determina o preço a
que vão ser transaccionados todas as unidades anteriores (que têm um valor
superior para a procura e inferior para a oferta).
Agora se entende o significado da distinção de Adam Smith. A dife-
rença entre «valor de uso» e «valor de troca» queria dizer que a utilidade
total da água é muito superior à do diamante (valor de uso); mas como a
utilidade marginal do diamante é muito superior à da água, os «valores de
troca» invertem a situação. E porquê? Porque, como há muita água e pou-
cos diamantes então, pela lei da utilidade marginal decrescente, a utilidade
marginal daquela desceu muito em relação a este.
Vimos assim que o benefício, o valor de cada coisa, se mede pela utili-
dade que cada pessoa tira dessa coisa. Falta agora ver o conceito de custo.
Como se mede o custo em Economia?

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A Ciência Económica

O que a ciência económica diz é que não existe uma teoria especial de
custo. A única teoria que existe é a teoria do valor. O custo, em Economia,
é medido pelo valor, mas pelo valor do que se teve de sacrificar. Este é o
conceito económico de custo, a que se chama «custo de oportunidade». O
custo de oportunidade representa o que de melhor se deixou de fazer para
fazer o que se fez.
O valor de um livro é o prazer que se tira da sua leitura. Como é nor-
mal, cada pessoa atribui valor diferente ao mesmo livro. O custo do livro é o
prazer que se tiraria daquilo que se faria com os recursos que se usaram para
comprar o livro. Se não tivesse comprado o livro, esta pessoa teria usado o
dinheiro para ir almoçar fora. O prazer do almoço que deixou de ter para
poder comprar o livro é o custo do livro. Se o agente é racional, e dado que
comprou o livro, então é porque ele pensa que o interesse da leitura é supe-
rior ao da refeição.
O custo de oportunidade mede o valor do sacrifício total, em qualquer
das formas possíveis, em que se incorreu para se conseguir um bem, uma
produção. E esse sacrifício é avaliado no único verdadeiro significado de
valor: a utilidade que as pessoas tiram dos bens. Assim, até os custos mone-
tários directos só são verdadeiramente custo porquanto o empresário, se não
tivesse produzido, teria utilizado esse dinheiro de outra forma, ganhando
algo com isso. Como decidiu produzir, ele não pode ter esse ganho alterna-
tivo. É esse o custo que teve.
Ao produzir, o empresário sofre vários custos monetários directos
(salários, juros, rendas, custos das matérias-primas, etc.). Se ele não tivesse
produzido, poderia ter feito muitas coisas com o dinheiro (investir noutra
produção, ir de férias, dar aos pobres, etc., etc.). Desses usos alternativos
do dinheiro, ele escolheria aquele que lhe desse maior utilidade. É esse
«máximo de utilidade alternativa» que é o custo de oportunidade.
Mas, para além dos custos financeiros directos com a produção, exis-
tem outros sacrifícios feitos com a produção, que não passam pela contabi-
lidade da empresa. Se, por exemplo, o dono da empresa trabalha na própria

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Princípios de Economia Política

empresa, mesmo que o faça gratuitamente, deve tomar-se em conta, como


custo da empresa, o salário que ele ganharia se estivesse a trabalhar noutro
sítio. Na verdade, esse foi o sacrifício que ele fez para poder dedicar-se à sua
empresa. O mesmo se diga do capital empatado por ele na empresa. Embora
pareça livre de encargos, o custo do seu uso é igual ao juro que tal capital
receberia na melhor aplicação alternativa (a melhor, porque seria essa que
seria escolhida pelo agente racional).
Temos pois diferenças importantes de custo entre o valor económico e
o registo contabilístico da empresa. Por esta razão, alguns lucros aparentes,
podem ser verdadeiros prejuízos: uma boa terra mal explorada, mesmo que
renda algum dinheiro, está a dar prejuízo, pois a utilização alternativa seria
muito melhor.
Será que todas estas correcções eliminam os preços de mercado como
medida do valor? No caso de um mercado competitivo, não existe proble-
mas, porque um mercado competitivo tem como preço de equilíbrio o custo
de oportunidade. Na verdade, se um vendedor vende por 5, é porque essa
é a melhor alternativa, visto que ele é racional, e o mesmo se passa com o

OS PROBLEMAS E AS EMPRESAS – Uma empresa só existe porque a humanidade tem


necessidades e problemas que precisa de ver resolvidos. Por isso, as empresas deviam
encarar os obstáculos e dificuldades como meras oportunidades de negócio. Sempre
que existe um problema, uma necessidade, um obstáculo, aparece uma empresa
que ganha dinheiro a eliminar o problema, a satisfazer a necessidade, a ultrapassar
o obstáculo.
A raça humana tem algumas limitações básicas e essenciais. E essas limitações
são a razão de ser dos vários sectores produtivos. O facto de as pessoas precisarem
de comer e dormir todos os dias, de se vestirem, de viajar, etc., etc., é que dão os
negócios das empresas. Se um dia, por milagre, os homens acordassem de manhã
e vissem que tinham ficado livres da necessidade de voltar a comer ou a dormir, ou
com a possibilidade de voar, tinham-se eliminado alguns dos problemas básicos da
humanidade e, ao mesmo tempo, tinha-se criado uma gravíssima crise económica.
Assim, quando uma empresa diz que tem problemas, deve lembrar que ela só vive
à custa dos problemas dos outros, e que os seus problemas vão dar modo de vida a
mais empresas, ou a ela mesmo, se os conseguir resolver.

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A Ciência Económica

consumidor que compra. Isso quer dizer que não existe maneira de vender
esse produto a preço superior (senão o vendedor teria aproveitado), nem de
o comprar a preço inferior (senão o comprador teria aproveitado). Logo a
melhor alternativa tem de ser também de 5.
Assim, um mercado a funcionar bem fornece directamente os custos
de oportunidade através dos preços. Só existe necessidade de fazer o cál-
culo do custo de oportunidade para os bens que não passam pelo mercado
ou em que o mercado funciona mal. O custo do trabalho do patrão, o custo
do bricolage ou o custo de oportunidade do exército, tal como o custo de
oportunidade de estar na universidade, de construir uma central nuclear
ou de lutar pelo fim dos eucaliptos, são casos destes. A única maneira de
obter um valor é tentar avaliar directamente os sacrifícios e benefícios
envolvidos.
Por exemplo, o serviço militar obrigatório (que parece grátis, para
além dos custos da alimentação, vestuário e pequeno pré, registados no
Orçamento do Estado) tem um custo para o país, consubstanciado na pro-
dução que essas pessoas deixaram de fazer nos seus postos normais de
trabalho. A perda de produção (somada às despesas orçamentais) é o custo
que se tem de comparar com o benefício de ter um exército. E dizer que,
como existe desemprego, o custo do exército é nulo é uma falácia, que é
destruída pelo conceito de custo de oportunidade. Na verdade, existem for-
mas alternativas de combater o desemprego, algumas mais produtivas que
o recrutamento dos desempregados (e não só desempregados, nem todos os
desempregados, são recrutados).
Deste modo vimos que o valor das coisas, em Economia, é medido
pela sua utilidade para as pessoas, enquanto o custo é medido pelo valor do
sacrifício feito para as conseguir.
Neste primeiro capítulo foram discutidos, brevemente, os conceitos
fundamentais da ciência económica. Vimos como se faz a análise a partir
dos dois postulados base, a racionalidade e o equilíbrio, e quais as formas de
solução que as sociedades usam para os problemas económicos, a tradição,

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Princípios de Economia Política

a autoridade e o mercado. Em seguida, na análise de mercado, foi introdu-


zida a cruz marshalliana, e discutido os dois conceitos básicos de valor e
custo. Nos próximos capítulos serão abordadas as questões relativas aos
problemas agregados da economia.

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