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Manuela Regis Orrico Ferretti Martins

DGM 2
Design e Semiótica - Trabalho Final

ANÁLISE SEMIÓTICA DA LUMINÁRIA

A proposta do trabalho final da disciplina de


“Design e Percepção”, do professor João Caixeta, era
desenvolver um objeto de luz em estrutura modular
tridimensional, ou seja, organizar um módulo
regularmente de modo a formar uma luminária. A peça
poderia ser executada em qualquer tipo de material,
mas os critérios de avaliação incluíam bom
acabamento, funcionalidade, criatividade e aplicação
dos conceitos compositivos aprendidos na disciplina.
Nesse sentido, decidi fazer uma luminária com
estrutura modular de argolas de guardanapo unidas
por abraçadeiras, constituindo uma cúpula com aros
reaproveitados e palitos de churrasco com arame.
Adaptei uma garrafa de gin como base e fiz o
acabamento com sisal.

A ideia era que nós entendêssemos como a


forma se configura no espaço também em sua
tridimensionalidade (dimensão inédita na disciplina) e
partíssemos de um módulo para compor algo maior,
colocando em prática os conhecimentos teóricos sobre a Gestalt, a morfose e os critérios de
organização da forma (repetição, ordem, ritmo, etc), os quais trabalhamos nas aulas desse semestre.
Inicialmente, foi intimidante porque a ideia da volumetria traz um compromisso maior, uma vez que
exige que apliquemos outros conhecimentos, como a questão da ergonomia - precisamos pensar a
noção de proporção, pontos de conexão e lidar com os limites físicos para a execução de um conceito
de forma funcional, principalmente quando falamos em nível artesanal.

Por isso, o processo foi tudo menos linear. Ele envolveu


constante retorno, pesquisa, revisão e adaptação de ideias, teste
de materiais, geração de alternativas e foi um desafio por exigir
que fôssemos à procura de materiais, visitando lojas físicas e
tendo ideias novas à medida que esbarrávamos em um obstáculo
ou encontrávamos uma nova possibilidade. Mas foi assim que,
depois de apresentar uma série de outras propostas de projeto
para o Caixeta nas aulas de orientação, entendi que ele queria
que saíssemos da zona de conforto e buscássemos aumentar o
repertório para não fazer mais do mesmo, de forma que, indo em
lojas de artesanato no centro, tive a ideia de usar as argolas de
guardanapo. O resultado foi recompensador e surpreendente,
além de refletir tudo o que aprendemos na disciplina e o quão ela
agregou para o exercício da nossa profissão enquanto estudantes
e futuros designers.

Semioticamente, essa luminária pode ser analisada enquanto ato projetual, processo esse
onde os signos são centrais, afinal, eles são o modo de representar o mundo no qual vivemos. Em
outras palavras, projetar é fazer design, e fazer design é linguagem, pois “onde houver algum tipo de
ordem, codificação, transmissão de informação, processo de comunicação, aí haverá linguagem”
(SANTAELLA, 1996).
É por isso que podemos dizer que todo produto de design segue uma lógica semiótica: os
projetamos para satisfazer uma necessidade particular, mas acabamos por projetar nós mesmos a
partir deles, nossos conhecimentos, nossos gostos e nossa relação com o mundo. Assim, todo
artefato é potencialmente produtor e transmissor de modelos mentais e comportamentais.

Por isso, uma semiótica do projeto deveria, antes de qualquer coisa, se perguntar como
podemos projetar o sentido das nossas coisas e indagar sobre o efeito que ele produz. Analisar
semioticamente a luminária seria, portanto, pensar em um dos principais conceitos de Charles S.
Peirce, a semiose. Ela consiste na produção de sentido na qual um signo, por meio da sua relação
com o objeto que representa, produz um interpretante. Logo, é o que nos permite buscar esse
sentido do artefato e seus efeitos no usuário, o que devemos fazer pensando nos materiais, no
processo, no contexto de produção e consumo, nas ações que o mesmo cumpre e nas sensações
que produz em cada uma de suas situações de uso.

Isso seria basicamente interpretar a luminária considerando seu design como baseado nos
três pilares que vimos em uma das aulas do professor Caixeta: forma, significado e função. Eles
encontram correspondência direta na tríade das categorias fenomenológicas de Peirce:
primeiridade, secundidade e terceiridade. Segundo ele, elas podem ser usadas para categorizar
todo e qualquer fenômeno, ou seja, tudo que aparece para a mente. No entanto, mesmo que um
fenômeno seja sempre mais um que outro (mais primeiro, mais segundo ou mais terceiro), ele pode
ser sempre experienciado nos três níveis, pois há uma interdependência entre essas categorias.

Dessa forma, temos que a primeiridade diz respeito à


experiência imediata, que é tida em relação apenas a si mesma e não
envolve nenhum tipo de análise ou reflexão. É colocada por Peirce
como a categoria do sentimento, do choque com o exterior, daquilo
que antecede a tomada de consciência. No caso da luminária, seria a
percepção de tudo o que se relaciona com a materialidade objetiva -
sua aparência, sua estrutura, como suas partes se relacionam para
compô-la e qual seu sistema de funcionamento. São primeiras,
portanto, as impressões que temos das texturas, das cores e das
formas ao ver as argolas de guardanapo de madeira, as abraçadeiras
de plástico transparente esbranquiçado que foram cortadas, as
amarrações irregulares de sisal, os palitos presos com fita crepe nos
arames dando sustentação para a cúpula, a lâmpada pequena de
filamento incandescente, o interruptor de abajur, o fio paralelo branco com soquete de dois pinos e a
garrafa de gin de vidro com a boquilha adaptada em sua rolha, bem como a força da luz e sua cor
amarelada e a pós-imagem produzida na parede quando acesa a luminária. Todas essas qualidades
concretas permitem inferir também qualidades abstratas que ainda se enquadram na categoria da
primeiridade, como elegância, modernidade, inovação, etc.

Já a secundidade é a categoria da existência particular em


relação a um contexto. Ela diz respeito à causa e efeito, à ação e
reação, à interpretação automática de um fenômeno. Nesse caso, a
luminária existe em relação a um trabalho de uma disciplina da
faculdade de design dedicada ao estudo da percepção, num contexto
em que, exposta no ambiente da sala de aula com várias outras,
percebem-se características em comum entre elas por se prestarem a
cumprir uma mesma proposta. Assim, seria segunda provavelmente a
percepção da aplicação dos critérios de organização da forma, da
tridimensionalidade e da estrutura modular na luminária, ou seja, a
tomada de consciência do uso da repetição de uma mesma forma
circular 3D (argolas de guardanapo), unidas de forma a virar uma tela
moldável que cumpre a função de cúpula vazada.
Por fim, a terceiridade consiste na relação de representação. É uma
conexão entre a primeiridade e a secundidade, a mediação da
consciência entre a sensação e o automático e a produção de um
interpretante ao final do processo de semiose. Ela diz respeito à
coerência entre o que a luminária expressa e as expectativas sobre ela,
ou seja, ao fato de que ela cumpre sua função enquanto resultado final
de um projeto que exigia o desenvolvimento de uma luminária
tridimensional em estrutura modular. É também sobre o que ela
representa, que valores lhe foram agregados e que valores ela tem para
o público a que se destina (nesse caso o professor Caixeta e os colegas
que também cursam a disciplina). Nesse sentido, como já dito na
introdução, tem-se que a luminária reflete todos os conhecimentos que
adquirimos no semestre, como a Gestalt, os critérios de organização da
forma e a morfose, afinal, foi resultado de sua aplicação prática. Ela
representa a contribuição da disciplina para o exercício do design e a correta assimilação do
conteúdo pelo aluno.

Para além da fenomenologia, podemos fazer uma última associação entre a luminária e a
semiótica de Peirce, sendo ela baseada em dois conceitos muito relevantes para a teoria dele: a
dúvida e a crença. Para Peirce, a dúvida é um estado geral de busca e de incerteza; a crença é, ao
contrário, o estado no qual o pensamento encontra “repouso”, contentamento e complacência após
atingir determinado objetivo (ZINGALE, 2016). Nesse sentido, é fácil perceber que isso encontra certa
correspondência no design, afinal, um projeto nada mais é do que esse mesmo processo semiótico
de inquietação com um problema e busca por uma solução satisfatória.

Logo, tem-se também que a própria metodologia do trabalho da luminária tem relação com os
métodos de fixação da crença de Peirce. De modo sucinto, em seu ensaio “The Fixation of Belief”,
de 1877, ele defende que todos os modos de determinar uma crença são incorretos, exceto um. O
único método a ser considerado válido é, para Peirce, o científico. Porque é o único que procede por
inferência, por progressiva interpretação de signo para signo, por hipóteses e, em seguida, por
experimentação e verificação (ZINGALE, 2016). Em outras palavras, para ele, artefatos não devem
ser produzidos pensando que a qualidade de um projeto está no gosto pessoal, na tradição, no seguir
regras consolidadas e jamais discutir, mas sim que é necessário pesquisar, elaborar diferentes
soluções para o problema proposto, contornar obstáculos, se dispor a receber críticas, experimentar e
verificar se o resultado final atende ao que foi pedido, bem como se produz no intérprete um
interpretante desejado. Como já foi dito, isso foi exatamente o que o Caixeta queria que fizéssemos e
o maior aprendizado proporcionado por esse trabalho.

A partir dessa análise semiótica da luminária, pode-se compreender então que a semiótica
tem papel fundamental não só no âmbito teórico do design, como também no ato projetual. Os
semióticos podem, para além de interpretar o mundo dos signos, ajudar a transformá-lo, projetá-lo e
investigá-lo para melhor compreender o sentido da produção de bens, das relações sociais mediadas
por artefatos e dos modos pelos quais as comunidades humanas tomam forma. (ZINGALE, 2016).

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