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Expressão Gráfica

Material Teórico
Observação

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Me. Dercy Pereira

Revisão Textual:
Prof. Me. Luciano Vieira Francisco
Observação

• Introdução;
• O Exercício do Olhar;
• Desenho de Contorno;
• Artifícios do Desenho de Observação;
• O Desenho como Caligrafia Individual.

OBJETIVOS DE APRENDIZADO
• Exercitar a observação para desenvolver as suas habilidades do desenho e consciência
do ambiente em que está inserido;
• Exercitar o registro e tratamento gráfico de cenas e objetos, respeitando as respec-
tivas escalas;
• Proporcionar o desenvolvimento do traçado particular por meio da conjunção
reflexão e prática.
Orientações de estudo
Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem
aproveitado e haja maior aplicabilidade na sua
formação acadêmica e atuação profissional, siga
algumas recomendações básicas:
Conserve seu
material e local de
estudos sempre
organizados.
Aproveite as
Procure manter indicações
contato com seus de Material
colegas e tutores Complementar.
para trocar ideias!
Determine um Isso amplia a
horário fixo aprendizagem.
para estudar.

Mantenha o foco!
Evite se distrair com
as redes sociais.

Seja original!
Nunca plagie
trabalhos.

Não se esqueça
de se alimentar
Assim: e de se manter
Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte hidratado.
da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e
horário fixos como seu “momento do estudo”;

Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma


alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo;

No material de cada Unidade, há leituras indicadas e, entre elas, artigos científicos, livros, vídeos e
sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você tam-
bém encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão
sua interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados;

Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discus-
são, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o
contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e
de aprendizagem.
UNIDADE Observação

Introdução
Apesar da natureza subjetiva da percepção, a visão ainda é o sentido mais
importante para a coleta de informações sobre o nosso mundo. No pro-
cesso de observação, somos capazes de tocar o espaço e traçar os contor-
nos dos objetos, investigar superfícies, sentir texturas e explorar o espaço.
A natureza tátil e sinestésica do desenho, em resposta direta aos fenôme-
nos sensoriais, aprimora nossa percepção do presente, expande nossa
memória visual do passado e estimula a imaginação a projetar o futuro.
(CHING, 2012, p. 14)

Nesta Unidade trataremos do desenho de observação, prática que nos permite


interpretar o espaço real, tridimensional, em uma superfície bidimensional plana,
o campo do papel.

A história nos mostra que as anotações gráficas, imagens registradas em super-


fícies diversas, estão vinculadas à trajetória do homem na Terra. Como citado em
unidades anteriores, desde o período rupestre o homem olha para o mundo e tenta
representá-lo. Podemos dizer que: “De fato, esta técnica essencial e primária, base-
ada nos processos da visão, encontra meios e matizes para se adaptar às mais va-
riadas exigências” (MASSIRONI, 1982, p. 17). Durante a sua trajetória mostrou-se
flexível, intermediando projetos artísticos e técnicos e se colocando tão essencial
como meio de comunicação e expressão, tal qual a palavra ou escrita.

O exercício do desenho começou por meio da observação e invadiu o território


da imaginação. Mas você pode estar se perguntando: por que é tão importante
o domínio do código do desenho? Como já tratamos, o ofício de profissionais
como arquitetos, designers de interiores, gráfico ou moda, enfim, artistas que têm
como premissa básica – para conseguir se comunicar com os seus interlocutores
– a tradução de suas ideias de projeto ao universo da representação gráfica. É so-
mente por meio dos registros gráficos que conseguirão se fazer entender.

O campo de ação de tais profissionais é o espaço, afinal, desenhá-lo é necessa-


riamente pensá-lo por intermédio de imagens visuais; de modo que a representação
gráfica permite não apenas uma abordagem do espaço, mas também a reflexão
sobre a qualidade desse espaço. O ato de projetar necessariamente compreende
intervenções organizadas no espaço por meio de imagens visuais. A prática da
observação leva ao conhecimento das coisas.

Em seu livro, intitulado Degas, dança e desenho, Paul Valery nos diz que co-
nhecemos de verdade um objeto somente quando tentamos desenhá-lo. A premissa
é verdadeira, afinal, quando tentamos desenhar um objeto ou uma cena qualquer,
devemos canalizar toda a atenção para essa operação – o que necessariamente leva
a uma interpretação mais acurada do objeto, permitindo perceber coisas que antes
eventualmente não tínhamos notado.

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É de fundamental importância a produção de esboços e croquis a partir de cenas
reais que estejam diante de nossos olhos com a finalidade de desenvolver habilida-
des do desenho, ampliando a compreensão formal e, por consequência, o domínio
técnico. É importante perceber que o ato de desenhar não ocorre de forma isola-
da, pois solicita necessariamente uma percepção do contexto; há de se levar em
consideração uma coisa em relação à outra – dessa forma não desrespeitamos as
noções de escala.

O ideal é iniciar o processo de observação a partir de modelos tridimensionais


simples. Os sólidos geométricos regulares – cubos, paralelepípedos, cilindros e es-
feras – devem ser utilizados como modelos de observação. Os desenhos podem ser
formados somente por linhas ou receberem tratamento gráfico. Em um segundo
momento, podemos avançar em direção aos objetos cotidianos e, na sequência,
para a observação da paisagem urbana. Quanto mais atentos ao que se observa,
mais cientes ficaremos aos detalhes e às particularidades de suas formas. Como
podemos perceber, o exercício de observação é fundamental para a compreensão
da forma, destacando-se como etapa crucial do processo, pois o desenho acontece
no olho – e não na mão, esta que é instrumento, cumprindo ordens, apenas.
O olho é o condutor que leva e traz imagens. Olhar não é apenas ver.
O olhar transforma as coisas que vemos em atividade mental. A imagem
mental reapresenta o percebido, passível de ser materializado, através
das várias linguagens: gráfica, plástica, corporal, escrita, falada, musical
etc. O olhar, tal como o desenhar, são atividades perceptivas. (DERDYK,
1989, p. 112)

Como dito, o desenho de representação necessita da compreensão da forma para


se fazer, a transposição de um território para outro, do tridimensional ao bidimensio-
nal, necessita de uma compreensão das duas instâncias, da compreensão efetiva da
forma, mas principalmente como codificá-la para que a mesma se organize do plano,
não perdendo o que é fundamental, a sua identidade. Como podemos perceber, a
expressão gráfica é constituída de uma série de fatores. O desenho não ocorre de
maneira isolada, é dependente de uma série de aspectos, materiais, suportes e prin-
cipalmente dos preceitos teóricos que geram compreensão do lugar.

O Exercício do Olhar
Desenho de observação, o termo é autoexplicativo; desta forma, fica evidente
que para esta modalidade do desenho a condição fundamental para que algo aconteça
está na necessidade do confronto direto do observador com o modelo. Ter algo dian-
te dos olhos, mais não de maneira inconsequente; ter algo que seja suficientemente
plausível como tema e que cumpra um propósito. O desenho de observação carece
de estímulos externos e naturalmente a partir dos estímulos temos o confronto entre
percepção e expressão.

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UNIDADE Observação

Ao universo perceptivo cabe promover a leitura das coisas do mundo, compreen-


de perceber o mundo no sentido formal, estrutural. Mas é importante lembrar que o
olho não é um órgão independente/autônomo/desprendido do ser. Respondendo a
estímulos luminosos, coloca-se como porta de acesso ao mundo e às coisas, estando
subordinado a uma rede complexa que compreende apreensão e significação.
Explor

Imagem disponível em: https://goo.gl/USTMcL.

O exercício da visão não configura um gesto mecânico, a fisiologia explica o pro-


cesso de apreensão, mas e o processo de significação, como se forma? Embora o
embate perceptivo se dê sempre no imediato, por meio do contato direto, a significa-
ção está subordinada ao repertório individual. Só conseguiremos atribuir significado
ao que minimamente conhecemos previamente, desta forma poderemos identificar e
nomear apenas a natureza de um elemento se este já fizer parte do nosso repertório.
“O ato de desenhar envolve um raciocínio que liga aquilo que se acaba de aprender
com o conhecimento já adquirido, de tal modo que, dessa forma, aprendemos o que
antes era desconhecido” (PIGNATARI apud DERDYK, 1989, p. 118).

A construção do repertório se dá por meio da relação cotidiana que travamos


com o mundo; deste modo, podemos dizer que é dinâmico e está se ressignificando
e ampliando o tempo todo. Quanto ao desenho de observação, trata-se da transpo-
sição do universo tridimensional, real, para um campo bidimensional. No universo
tridimensional, a percepção que temos de espacialidade, escala e profundidade de
campo é real. Podemos nos deslocar no espaço, acessar os objetos, manipulá-los
e, desta forma, ampliar a compreensão que temos das coisas através da conexão
de todos os sentidos. Tais dados são fundamentais para auxiliar na compreensão da
forma, porém, é importante alertar que o desenho não traduz a realidade, apresen-
tando um recorte da realidade através de interpretação particular, única.
O desenho não é mera cópia, reprodução mecânica do original. É sempre
uma interpretação, elaborando correspondências, relacionando, simboli-
zando, significando, atribuindo novas configurações ao original. O dese-
nho traduz uma visão porque traduz um pensamento, revela um conceito.
(DERDYK, 1989, p. 112)

Estando subordinado ao poder de apreensão e interpretação formal e ao domínio


técnico que responde pela escolha dos materiais e da sua aplicação.

Como dito, o olho é estimulado o tempo todo, de modo que somos bombarde-
ados por imagens do momento que acordamos até a hora em que vamos dormir.
Desse bombardeio cotidiano uma parcela das imagens que consumimos, por es-
tarem inseridas em nosso cotidiano, não nos cobra a mínima atenção. Assim, a
captura do olhar compreende a seleção e ocorre sempre com um propósito, antes
do ato em si – do ver – existe a indicação primordial da escolha do motivo.

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O olho é aquilo que foi comovido por um certo impacto do mundo, e que
o restitui ao visível pelos traços da mão. Seja qual for a civilização em que
nasça, seja quais forem as crenças, os motivos, os pensamentos, as ceri-
mônias de que se cerque, desde Lascaux até hoje, impura ou não, figura-
tiva ou não, a pintura e o desenho jamais celebraram outro enigma a não
ser o da visibilidade. (MERLEAU-PONTY apud DERDYK, 1989, p. 115)

Os valores expressivos são qualidades perceptíveis que se manifestam no plano,


neste caso já estamos tratando da imagem traduzida para o universo bidimensional.
O processo de transposição se vale do elemento primordial do desenho.
Ao desenhar, puxamos ou arrastamos a ponta de um instrumento por
uma superfície receptora, gerando uma linha. Como elemento gráfico,
a linha é um elemento unidimensional em uma superfície bidimensional.
Ainda assim, ela é o meio mais natural e eficiente de circunscrever ou
descrever a forma tridimensional de um tema. Construímos estas linhas
do mesmo modo que fazemos com a visão, a fim de recriar o sentido de
existência da forma no espaço. Já como observadores, imediatamente
associamos as linhas desenhadas com os limites físicos de uma forma e às
arestas de suas partes internas. (CHING, 2012, p. 16)

Em várias oportunidades discorremos sobre a importância do desenho como


ferramenta primordial presente em praticamente todo o processo de desenvol-
vimento de um projeto. Salientamos que através do desenho conseguimos dar
um corpo gráfico às ideias. Na construção da imagem, a impressão dos valores
expressivos está subordinada ao domínio técnico. Independente de seu propósito,
o desenho necessita de prática constante, exercitar o olhar e fazer, afinal, como
qualquer outra linguagem, os processos e procedimentos técnicos do desenho
podem ser aprendidos.

Entendemos por técnica a maneira sistematizada de se fazer algo e, desta forma,


este fazer pode ser compartilhado. A técnica indica o caminho, a conduta a ser
adotada de acordo com a natureza do material e suporte. Vimos também que cada
material solicita procedimentos específicos, enquanto a prática propõe a aproxima-
ção e o domínio da linguagem, pois sabemos que o desenho:
Não se trata de um dom especial que só alguns poucos possuem. Do mesmo
modo como a escrita é constituída por letras que formam palavras que, por
sua vez, constituem frases, o desenho começa com uma sucessão de pontos
que formam linhas e estas se sobrepõem para criar formas, hachuras, grises
ou manchas. (ROIG, 2012, p. 6)

O exercício do olhar propõe a compreensão das coisas através de uma experiên-


cia comprometida. Antes do embate prático de desenhar com os olhos, percorrer
a forma do objeto e confrontar as informações contidas no elemento com esse
mesmo e com as coisas que o cercam, cabe entender a sua natureza formal e, por
consequência, representá-lo.

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UNIDADE Observação

Desenho de Contorno
Embora já abordado em outras oportunidades, voltamos a tal tema em função
do conteúdo que tratamos nesta Unidade. Assim, é evidente que no desenho a
linha seja o elemento essencial, de modo que podemos entendê-la quase como
sinônimo da linguagem, sendo através da linha que a imagem se faz existir em seu
processo inicial de formação no plano. Mas a definição da forma no plano se cons-
titui necessariamente a partir de seu contorno, este que apresenta a identidade da
forma e indica o que é forma e o que não é, separando o dentro e o fora da figura.
“A linha é geralmente entendida como contorno, elemento configurador subordi-
nado à forma” (DERDYK, 1989, p. 33).

Quando abordamos o desenho de contorno, articulamos duas instâncias, sendo


a primeira perceptiva, pois discorre da maneira como vemos e interpretamos vi-
sualmente as formas; e a segunda tratando de sua apreensão e representação no
plano, da transposição do tridimensional ao bidimensional. A compreensão dos
limites da forma é determinante para a sua representação, afinal:
Os contornos dominam nossa percepção do mundo visual. A mente de-
duz a existência dos contornos a partir dos padrões de luz e sombra que
os olhos recebem. Nosso sistema visual busca e cria uma linha cognitiva
ao longo dos pontos em que dois campos contrastantes de luz e cor se
encontram. Algumas destas arestas são claras, outras se perdem no plano
de fundo conforme mudam de cor ou tonalidade. Ainda assim, perante a
necessidade de identificar objetos, a mente é capaz de construir uma linha
contínua ao longo de cada aresta. No processo de observação, a mente
acentua estas arestas e as vê como contornos. (CHING, 2012, p. 17)

É natural que a percepção seja ativada pela presença das coisas que estejam
diante dos olhos, pois no embate do olho com o mundo, o cheio se sobrepõe ao
vazio. É plausível que o olho procure e perceba o espaço ocupado pelas coisas
em detrimento dos vazios definidos pelos intervalos existentes entre as mesmas.
Porém, para o processo de representação, as interpretações dos cheios e vazios
são determinantes ao efetivo entendimento da forma. É pelo confronto com os
espaços vazios que as formas se apresentam – os vazios determinam a natureza da
forma e escala no mundo.
Os contornos mais visíveis são aqueles que separam uma coisa da outra.
Estes contornos criam as imagens que vemos no espaço visual. Eles cir-
cunscrevem um objeto e definem os limites externos entre a figura e seu
fundo. Ao limitar e definir as bordas dos objetos, os contornos também
descrevem sua forma. (CHING, 2012, p. 17)

Os espaços negativos, vazios, auxiliam na compreensão da proporção do objeto.


Por exemplo, quando observamos uma mesa (Figura 1), o intervalo existente entre
uma perna e outra do objeto nos permite entender o tamanho do mesmo.

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Figura 1
Fonte: Acervo do conteudista

A compreensão da forma se dá em uma relação das informações contidas no


próprio objeto pelo confronto interno e na relação com as coisas que o cercam.
O desenho de contornos é uma estratégia para se desenhar a partir da ob-
servação. Seu principal objetivo é desenvolver a acuidade visual e a sensibi-
lidade de percepção das características das superfícies e formas. O processo
do desenho de contornos suprime a abstração simbólica que normalmente
empregamos para representar as coisas. Em vez disso, ele nos leva a pres-
tar muita atenção, a olhar com muito cuidado e a perceber um tema tanto
por meio de nosso sentido da visão como do tato. (CHING, 2012, p. 18)

Já tínhamos tratado que o desenho de observação, diferente do desenho de ima-


ginação, acontece em função de um modelo. As imagens apresentadas no plano
respondem diretamente a estímulos externos. Desse modo, explicitamos a necessi-
dade de compreensão da forma para que, desta maneira, consigamos desenhá-la.
Ao desenho de observação o processo de construção da imagem começa antes
mesmo dessa chegar ao papel. Logo, o embate entre o olho e modelo é fundamen-
tal para que aconteça a apreensão e construção de conhecimentos sobre a natureza
do elemento a ser representado. A fim de que exista uma leitura adequada do mo-
delo, torna-se necessário que o olho interprete, enquanto a mão consiga dar conta
do domínio dos materiais.
Nosso objetivo com o desenho de contornos é conseguir uma correspon-
dência mais precisa entre o olho que segue as arestas de uma forma e
a mão que desenha as linhas que representam estas arestas. Conforme
o olho traça lentamente os contornos de um tema, a mão move o ins-
trumento de desenho no mesmo ritmo lento e cuidadoso e responde a
cada recorte e ondulação da forma. Trata-se de um processo meticuloso
e metódico que implica trabalhar cada detalhe, parte e forma. (CHING,
2012, p. 18)

É importante lembrar que a representação gráfica, mesmo quando realizada a par-


tir da observação, é uma interpretação particular, um recorte da realidade. Podemos
dizer que o desenho é uma espécie de caligrafia e, tal como no código da escrita,
embora seja comum, manifesta-se por meio de traços particulares.

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UNIDADE Observação

Artifícios do Desenho de Observação


Em certa medida, podemos dizer que o desenho e mais especificamente o dese-
nho de observação nasceu do interesse do homem pela natureza, do seu desejo de
representar o que estava diante dos olhos. Tal desejo apresentou um grande desafio,
afinal, como fazer a transposição do universo tridimensional ao plano bidimensional?
– Visto que estamos efetivamente tratando de universos distintos.

Como já descrito, o universo tridimensional trata do mundo real, da espaciali-


dade possível de ser experimentada por meio do deslocamento, do contato direto
com as coisas, da manipulação através do tato. Dessa forma, fica evidente que as
experiências propostas pelo universo tridimensional envolvem todos os sentidos.

Logo, qual é o problema a ser solucionado?

Trata-se de encontrar uma maneira de simular essa espacialidade em uma su-


perfície plana. Já dedicamos um item inteiro para tratar dessa questão – do artifício
mais imediato utilizado para simular a espacialidade e produzir sensações de pro-
fundidade em uma superfície plana – ou seja, perspectiva. Naquela oportunidade,
tentamos descrever o processo de desenvolvimento da perspectiva apresentando
os principais nomes responsáveis pela sua implementação no universo da arte.
A perspectiva foi o meio com o qual o Renascimento conseguiu ligar, num
continuum ininterrupto, os significados isolados dos objetos (suspensos e
errantes num fundo amorfo e indefinido, na Idade Média) com a finalidade
de compor um discurso visual sem vazios, fluido e cerrado. A tradução da
profundidade não é só um novo modo de representar o mundo tridimensio-
nal, sobre uma superfície bidimensional, mas um novo modo de o observar
– o enfatismo dos significados simbólicos, tendentes à deformação formal
é submetido à regularização imposta pela necessidade de obedecer a uma
hierarquia espacial. (MASSIRONI, 1982, p. 56)

De fato, cabe um destaque à perspectiva, pois estamos subordinados, mesmo


atualmente, aos ensinamentos formulados há mais de quinhentos anos. Mas é im-
portante salientar que a perspectiva não foi o único método, de modo que foram
desenvolvidas outras maneiras de captura da imagem. Na tentativa de promover a
transposição dessa, alguns aparatos foram elaborados e utilizados por artistas de
diversos períodos, sendo a câmara escura um desses mecanismos (Figura 2).
A câmara escura é um fenômeno natural e tem uma longa história. Em
sua forma mais simples, nada mais é que um pequeno orifício através do
qual a luz passa de um jardim ensolarado para um quarto escuro, proje-
tando uma imagem invertida na parede oposta ao orifício. O tamanho do
orifício afetara a nitidez de foco e a luminosidade da imagem. No século
IV a.C., Aristóteles escreveu sobre o fenômeno, tendo observado as ima-
gens crescentes do Sol formadas no chão da floresta durante um eclipse
parcial – as aberturas pelas quais filtravam eram as pequenas fendas entre

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as folhas imbricadas. Na China, por volta da mesma época, os filósofos
moístas registravam suas observações de imagens de pagodes, projetadas
pelas frinchas de gelosias. (HOCKNEY, 2001, p. 202)

Figura 2
Fonte: sundance.org

Esse procedimento evoluiu e por volta de 1769 houve o mesmo princípio indicado,
então operado em um dispositivo que ofereceu maior controle aos artistas:

Figura 3
Fonte: Hockney, 2001

Para lidar com a dificuldade imposta pela perspectiva linear à representação de


objetos curvos ou formas arredondadas, alguns artistas utilizaram um artifício que
era constituído por uma janela de vidro quadriculada sobre uma mesa que se colo-
cava entre o artista, observador, e o objeto ou cena. Depositado sobre a mesa, em
frente ao artista figurava o suporte também quadriculado na mesma proporção da
janela e uma estaca alinhada aos seus olhos garantiam o mesmo ponto de obser-
vação – artifício registrado na famosa xilogravura (1525) do artista alemão Dürer:

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UNIDADE Observação

Figura 4
Fonte: appuntiedaltro.altervista.org

Outro recurso empregado por volta de 1800 foi a câmara lúcida, uma espécie
de prisma preso a uma haste com o objetivo de projetar a imagem posicionada à
sua frente em determinada superfície (link a seguir).
O mais proeminente dos novos instrumentos era a câmara lúcida, in-
ventada pelo importante opticista, físico, químico e fisiologista William
Hyde Wollaston. Patenteada em 1806, ela inspirou numerosas variantes
e rivais. Sua característica central é um prisma com duas superfícies re-
fletoras a 135°, que transmite uma imagem da cena em ângulos retos ao
olho do observador situado acima. (HOCKNEY, 2001, p. 203)
Explor

Imagem disponível em: https://goo.gl/CT5wae.

Podemos perceber que a construção da imagem não ficou circunscrita ao em-


bate direto do observador com o modelo, de modo que alguns expedientes foram
criados com o objetivo de intermediar e facilitar o processo. Em certo modo, todos
os recursos que foram criados ao longo da história procuraram atender à mesma
demanda: proporcionar a tradução do universo tridimensional ao bidimensional da
maneira mais naturalista possível.

Cabe salientar que o desenho, quando intermediado por instrumentos, torna-


-se uma ação mecânica assumindo a identidade do instrumento utilizado. Abor-
damos em várias oportunidades o desenho como linguagem expressiva, tal como
o código de comunicação que carrega, em função da expressividade, traços
individuais. A criação de subterfúgios para a produção de imagens está condi-
cionada à expectativa historicamente construída com relação à natureza dessa
imagem. Vale lembrar que não existia outro recurso para o registro da imagem,
cabendo ao desenho e à pintura desempenhar esse papel.

Com a invenção da fotografia, o desenho buscou a sua afirmação como lingua-


gem sustentada pela individualidade do traçado.

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Mas por que tratamos aqui desse aspecto?
Em determinado momento fizemos a analogia do desenho com a caligrafia, cujo
objetivo era atentar à individualidade do traçado, salientando que, embora a escrita
seja um código comum, apresenta-se de forma individual por meio de um desenho
que evidencia a marca da mão de cada autor – é esse desenho que nos interessa,
ou seja, que consiga traduzir uma ideia que não subverta a natureza e mensagem
da figura proposta, mas também sem perder a sua identidade.

O Desenho como Caligrafia Individual


Em outra oportunidade abordamos que o desenho, por mais naturalista que se
apresente, será sempre um recorte da realidade. Apontamos alguns artifícios que
cooperaram com o processo do desenhar, possibilitando grafar, imprimir percepções
em superfícies distintas. Como o nosso tema é o desenho de observação, dispensa-
mos grande atenção ao embate que necessariamente ocorre entre olho e modelo,
afinal, em todo momento procuramos salientar que:
A visão é fruto da comunhão ou do confronto entre o mundo exterior e
o mundo interior. O índice de existência de uma visão interior é revelado
pela nossa capacidade de formular pensamentos, atribuir conceitos, se
é que podemos dizer assim. O desenho, “fábrica de imagens”, conjuga
elementos oriundos do domínio da observação sensível do real e da capa-
cidade de imaginar e projetar, vontades de significar. O desenho configura
um campo minado de possibilidades, confrontando o real, o percebido e o
imaginário. A observação, a memória e a imaginação são as personagens
que flagram esta zona de incerteza: o território entre o visível e o invisível.
(DERDYK, 1989, p. 115)

Ademais, salientemos a importância do desenho como caligrafia individual: já dis-


corremos que no desenho de observação não há como desconhecer a importância do
confronto proposto entre observador e modelo, visto que é a partir desse embate que
a imagem se faz; mas não podemos nos esquecer da atuação da memória e imagina-
ção na construção desse universo particular.
Para os profissionais que se servem do desenho cabe encontrar a sua identidade,
a maneira particular de grafar sem se distanciar da função primordial que é comu-
nicar, traduzir uma ideia. É igualmente importante entender que para comunicar
a imagem não é necessário naturalismo, não precisa ser fotográfica; necessita,
contudo, ser clara e articular o código de maneira adequada, assim como na escrita
que, embora cada letra tenha um desenho específico, pode ser interpretada de ma-
neira individual, sem perder o seu significado. No desenho aplicamos os mesmos
princípios, de modo que quando representamos uma imagem figurativa, o impor-
tante é que não perca a sua essência, identidade. Na produção do desenho a marca
da mão é um agregador de valor, trazendo a mencionada identidade à figura e, por
consequência, aos indicadores de autoria.

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UNIDADE Observação

Figura 5
Fonte: Oscar Niemeyer

Croqui do designer Philippe Starck: https://goo.gl/G1whtT


Explor

Croqui de Frank Gehry ao Museu Guggenheim de Bilbao, Espanha: https://goo.gl/2W7gjs

A Figura 5 e os links acima evidenciam princípios de autoria, apresentando cro-


quis preliminares de projetos, de modo que em cada imagem enxergamos a marca
da mão de seus autores. Todos os desenhos têm como objetivo traduzir uma forma,
expor ideias sobre arquitetura e design.

Figura 6 – Museu Guggenheim de Bilbao, Espanha


Fonte: guggenheim.org

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Embora sejam imagens figurativas, todas apresentam como característica a mar-
ca individual de seus propositores. São valores a serem conquistados, a fim de
produzir desenhos que consigam encantar, surpreender o observador, mas sem
se distanciar de sua função primeira – dar visibilidade à forma, às ideias e propor
a interlocução. Para atingir esse objetivo, a imagem não carece de naturalismo,
necessitando apenas de clareza em sua configuração. Tal lugar é conquistado dia a
dia, por meio da prática.

Ademais, tenha claro que o desenho está subordinado à ideia, imaginação. Assim,
exercitar a criatividade, seja através da observação direta, memória ou imaginação, é
tarefa fundamental. Ainda que o desenvolvimento do desenho seja consequência da
prática, sem ter o que dizer, tal desenvolvimento não servirá para nada.

Em Síntese Importante!

Quando mencionamos desenho e, principalmente, observação, a teoria de nada vale


se não vier acompanhada da prática. Portanto, é necessário desenhar cotidianamente;
estar atento(a) a tudo que nos rodeia; lançar um olhar curioso sobre o mundo – somente
assim evoluirá.

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UNIDADE Observação

Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Livros
Em busca do traço perdido
DWORECKI, S. Em busca do traço perdido. São Paulo: Scipione; Edusp, 1998.

Vídeos
Esboços de Frank Gehry (Trailer)
https://youtu.be/PDfOadjTcOs

Filmes
Abstract
Assista ao documentário Abstract, produção original da Netflix.
https://goo.gl/GV4U1c

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Referências
CHING, F. D. K. Desenho para arquitetos. Porto Alegre: Bookman, 2012.

DERDYK, E. Formas de pensar o desenho. São Paulo: Scipione, 1989.

HOCKNEY, D. O conhecimento secreto. São Paulo: Cosac & Naify, 2001.

MASSIRONI, M. Ver pelo desenho. Lisboa: Edições 70, 1982.

ROIG, G. M. Fundamentos do desenho artístico. São Paulo: Martins Fontes, 2012.

VALERY, P. Degas dança e desenho. São Paulo: Cosac Naify, 2012.

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