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“O caminho que pode ser dito não é o verdadeiro, o que pode ser visto não é
verdadeiro e nem o que pode ser ouvido, somente o que é vivido com clareza é o
verdadeiro caminho.”
Do príncipe Gautama
O termo em Pali para atenção é manasikara. Você pode ter ouvido que o
termo para mindfulness – sati – significa atenção, mas não é como o Buda
usava o termo. Mindfulness, para ele, significa manter alguma coisa em
mente. É a função da memória. Quando praticamos o estabelecimento
de mindfulness, (satipatthana), permanecemos focados na observação do
objeto que foi escolhido como base de referência: o corpo, as sensações, a
mente ou as qualidades mentais. Esse processo de ficar firmemente focado
na observação de um objeto é chamado anupassana, e requer a ajuda de
três qualidades mentais. Atenção plena, (satima), para manter o objeto de
referência em mente, para continuar se lembrando dele. Ao mesmo tempo,
precisamos estar alertas, completamente conscientes do que estamos
fazendo, (sampajañña), para ter certeza que estamos realmente fazendo
aquilo que está na mente como tarefa. Por fim precisamos ser zelosos ou
ardentes, (atapi), para fazer isso habilidosamente. O ato de observar um
objeto desse modo – com atenção plena, plena consciência e ardente – é o
que constitui o estabelecimento da atenção plena, (mindfulness), que então
forma o tópico ou tema, (nimitta), da concentração correta.
O Condicionamento da Atenção
A partir disso – e muito mais poderia ser dito sobre essas condições –
deveria ser óbvio que o simples ato da atenção é qualquer coisa, menos
mera. A atenção é em geral moldada por idéias ignorantes e as ações
intencionais influenciadas por essas idéias. Como resultado, habitualmente
a atenção é sem sabedoria: aplicada às coisas erradas e por razões não
apropriadas, agravando assim o problema do sofrimento, ao invés de aliviá-
lo.
O que isso significa é que a prática será marcada por períodos alternados
de ignorância e sabedoria, com a sabedoria crescendo gradualmente cada
vez mais forte e mais refinada. Durante esses períodos de sabedoria, o ato
da atenção será informado pelo entendimento do sofrimento e das suas
causas. Será motivado também pelas intenções – expressadas através da
maneira como nos relacionamos com a respiração, pela atividade mental
referente ao pensamento aplicado e pensamento sustentado e pelas nossas
percepções e sensações – que objetivam trazer o sofrimento para um fim.
Essa combinação do entendimento sábio e da intenção compassiva é o que
transforma o ato da atenção, de causa do sofrimento numa estratégia
saudável: uma atenção curativa. Essa atenção curativa é chamada sábia
por que olha para as coisas de maneira apropriada para seguir adiante com
as tarefas das nobres verdades, focando em quaisquer que sejam as
tarefas que necessitem ser desenvolvidas num determinado momento.
Alimentando e Esfomeando
Dúvida é alimentada pela atenção sem sabedoria aos tópicos que são
abstratos e conjecturais e é esfomeada pela atenção com sabedoria às
qualidades hábeis e não hábeis da mente. Em outras palavras, ao invés
de focar em assuntos que não podem ser resolvidos através da
observação no presente momento, focamos em um que pode: quais
qualidades mentais resultam em prejuízo para a mente e quais não.
Não Fabricação
“Então, Bahiya, você deve treinar assim: Com relação ao que é visto,
haverá apenas o visto. Com relação ao que é ouvido, haverá apenas o
ouvido. Com relação ao que é sentido, haverá apenas o sentido. Com
relação ao que é conscientizado, haverá apenas o conscientizado. Assim
é como você deve treinar. Quando com relação ao que é visto houver
apenas o visto, ao que é ouvido houver apenas o ouvido, ao que é
sentido houver apenas o sentido, ao que é conscientizado houver apenas
o conscientizado, então, Bahiya, você não estará ‘com aquilo.’ “Quando
você não estiver ‘com aquilo,’ então você não estará ‘naquilo.’ Quando
você não estiver ‘naquilo,’ então você não estará aqui, nem além e
tampouco entre os dois. Isso em si mesmo é o fim do sofrimento.” [ Ud
I.10]
Um verso do SN 35.95 – dito pelo Buda, expressa o sentido das instruções
para Bahiya – dá uma explicação sobre como Bahiya pode ter desenvolvido
essas sementes.
“Quando, com firme atenção plena, ele vê uma forma, ele não se inflama
com a cobiça pelas formas; ele as experimenta com a mente desapegada
e não permanece agarrado naquilo com intensidade."
“Ele assim permanece com atenção plena de tal modo que mesmo ao ver
a forma, e enquanto sente uma sensação, [o sofrimento] é exaurido, não
acumulado. Para aquele que assim desmantela o sofrimento, é dito que
Nibbana está muito próximo."
A noção que temos de quem somos é definida por nossas paixões, (como
indicado nos SN 22.36 e SN 23.2). Mesmo quando não pensamos
conscientemente no “eu” – como quando estamos totalmente imersos
numa atividade, unificados com a atividade – pode existir a paixão por esse
estado de unificação com um forte sentido de “estar aqui”, “ser o fazedor”,
ou "ser o sabedor”, que é uma forma sutil de identidade.
Mas quando o discernimento está afiado o suficiente para ver que mesmo
essa equanimidade é fabricada e condicionada, algo que é feito, (veja MN
137 e MN 140), qualquer paixão por isso pode também ser enfraquecida.
Quando a paixão consistentemente não tem um lugar para pousar, não
existe o núcleo para um “lugar” de nenhum tipo: nenhum “aqui”, nenhum
“lá”, nenhum núcleo para fabricar um sentido de identidade em torno de
alguma coisa em absolutamente nenhum lugar. Isso explica o porque do
estado de não–fabricação ser expressado como destituído de lugar:
“Quando você não estiver ‘com aquilo,’ então você não estará ‘naquilo.’
Quando você não estiver ‘naquilo,’ então você não estará aqui, nem além e
tampouco entre os dois.”
"Onde a terra, água, fogo e ar, grande e pequeno, fino e grosseiro, puro
e impuro – não encontram apoio:
Se a mente for realmente capaz de cuidar de si mesma, não será tão difícil
vigiar a linguagem e as ações, pois estas são supervisionadas pela mente.
Em outras palavras, manter sila - cuidar das nossas ações e linguagem -
não é uma coisa tão difícil. Mantemos a atenção em todos os momentos e
em todas as posturas, seja em pé, caminhando, sentado ou deitado. Antes
de realizar qualquer ação, falar, ou se envolver em conversas,
estabelecemos primeiro a atenção plena. Devemos ter sati, estar com
atenção plena, antes de fazer qualquer coisa. Praticamos assim até sermos
fluentes. Praticamos dessa forma para que possamos estar a par com o que
estiver acontecendo na mente, até o ponto em que a atenção plena se
torna sem esforço e estamos atentos antes de agir, atentos antes de falar.
É assim que estabelecemos a atenção plena no coração. É com "aquele que
sabe" que cuidamos de nós mesmos. Cuidando da linguagem e das ações,
estas se tornam graciosas e agradáveis aos olhos e ouvidos, enquanto
permanecemos confortáveis e à vontade com essa contenção. Se
praticarmos a atenção plena e a contenção até que isso se torne algo
confortável e natural, a mente se tornará firme e resoluta na prática
de sila e na prática da contenção. Consistentemente iremos prestar atenção
à prática e, assim, alcançaremos a concentração. A característica de estar
inabalável na prática da atenção plena e da contenção é chamada samadhi.
A mente estará firmemente concentrada nesta prática de sila e contenção.
Estar firmemente concentrada na prática de sila significa que há
uniformidade e consistência na prática da atenção plena e da contenção.
Estas são as características dos fatores externos na prática de samadhi. No
entanto, também tem um lado interno mais profundo.
No seu estado natural não existe na mente amor ou ódio, nem a busca em
culpar outras pessoas. A mente é independente, existindo em um estado de
pureza que é verdadeiramente claro, radiante e imaculado. Em seu estado
puro, a mente é pacífica, sem felicidade ou sofrimento - na verdade, sem
experimentar qualquer tipo de sensação (vedana). Esse é o verdadeiro
estado da mente. Portanto, o propósito da prática é a busca interior,
procurando e investigando até alcançar a mente original. A mente original
também é conhecida como a mente pura. A mente pura é a mente sem
apegos, sem ser afetada por objetos mentais. Em outras palavras, a mente
não persegue os diferentes tipos de objetos mentais agradáveis ou
desagradáveis. Em vez disso, a mente está em um estado de contínua
vigília e conhecimento - completamente consciente de tudo o que está
sendo experimentado. Quando a mente está nesse estado nenhum objeto
mental agradável ou desagradável que seja experimentado será capaz de
perturbá-la. A mente não "se torna" nada. Em outras palavras, nada pode
abalá-la. A mente se conhece como pura. Desenvolveu a sua própria
independência verdadeira; alcançou seu estado original. Como ser capaz de
fazer com que esse estado original surja? Através da faculdade da atenção
plena, refletindo e vendo que todas as coisas são meras condições surgindo
da influência dos elementos, sem que nenhum indivíduo as esteja
controlando. Assim é como ocorre com a felicidade e o sofrimento que
experimentamos. Quando esses estados mentais surgem, eles são apenas
"felicidade" e "sofrimento". Não há dono da felicidade. A mente não é a
proprietária do sofrimento - os estados mentais não pertencem à mente.
Veja por você mesmo. Na realidade, esses não são assuntos da mente, são
separados e distintos. Felicidade é apenas o estado de felicidade; o
sofrimento é apenas o estado de sofrimento. Somos meramente os
conhecedores desses estados. No passado, porque as raízes da cobiça, da
raiva e da delusão existiam na mente, sempre que o mais trivial objeto
mental, agradável ou desagradável, fosse notado, a mente reagiria
imediatamente - nós o tomaríamos experimentando a felicidade ou o
sofrimento. Continuamente estaríamos nos entregando a estados de
felicidade ou sofrimento. Assim é como ocorre enquanto a mente não se
conhece - enquanto não for clara e iluminada. A mente que não está livre é
influenciada por quaisquer objetos mentais que experimenta. Em outras
palavras, não tem refúgio, incapaz de verdadeiramente depender de si
mesma. Recebemos uma impressão mental agradável e ficamos de bom
humor. A mente esquece de si mesma.
Esse tipo de paz não produz os resultados esperados. O Buda não ensinou
a praticar samadhi com delusão. Se alguém pratica assim, então pare. Se a
mente alcançou a tranquilidade, use-a como base para a contemplação.
Contemple a paz da concentração em si e use-a para conectar a mente e
refletir sobre os diferentes objetos mentais que a mente experimenta.
Contemple as três características
de anicca (impermanência), dukkha (sofrimento) e anatta (não-eu). Reflita
sobre o mundo todo. Quando tiver contemplado suficientemente, está tudo
bem em restabelecer a calma de samadhi. Pode reentrar
em samadhi através da meditação sentada e depois, com calma
restabelecida, continuar com a contemplação. À medida que ganhamos
conhecimento, usamos para combater as contaminações, para treinar a
mente.